Morre a professora Maria Lucia Werneck Vianna, uma das
maiores especialistas em seguridade social no país
Socióloga, lecionou Ciência Política no Instituto de
Economia da UFRJ
Morreu nesta segunda-feira a professora do Instituto de
Economia da UFRJ Maria Lucia Teixeira Werneck Vianna, uma das maiores
pesquisadoras sobre sistemas de seguridade social no país, aos 81 anos, de
doença respiratória. Professora do ensino fundamental na juventude, começou a
vida acadêmica em 1962 no curso de Ciências Sociais, na antiga Faculdade
Nacional de Filosofia. Nessa mesma época começou a se engajar no movimento
estudantil numa luta constante contra a ditadura militar que começava após o
golpe de 1964. Chegou a ser presa pelo regime.
"Ao longo de sua formação universitária, Maria Lucia se
envolve com o movimento estudantil e participa do Centro Popular de Cultura da
UNE (Teatro Popular), onde convive com diversos jovens intelectuais e artistas,
entre os quais Antonio Carlos da Fontoura, Cacá Diegues, Ferreira Gullar e
Oduvaldo Vianna Filho. É no CPC que conhece Luiz
Werneck Vianna (morto este ano), com quem se casaria e teria seus
quatro filhos.", escrevera Marcelo Burgos no perfil feito no site da
Sociedade Brasileira de Sociologia.
Jandira Feghali, deputada federal, pelo PCdoB-RJ, lamentou a
partida da professora, a quem classificou como uma “referência no pensamento
crítico brasileiro”.
“Militante do PCB, Maria Lúcia foi presa
política durante a ditadura militar, enfrentando a repressão com coragem e
determinação. Sua trajetória acadêmica e política é um exemplo de luta pela
democracia, justiça social e educação pública. Sua ausência será sentida, mas
seu legado seguirá vivo em nossa memória e nas futuras gerações”, afirmou numa
rede social.
A ministra de Gestão e Orçamento, Esther
Dweck, também prestou homenagem à professora de quem foi colega na UFRJ, onde
Maria Lúcia lecionou Ciência Política no Instituto de Economia da UFRJ de desde
1986:
“ Recebi com muita tristeza a notícia do falecimento da
querida professora Maria Lucia Werneck. Ela sempre foi uma voz firme em defesa
da democracia e de um Estado inclusivo. Seus estudos sobre políticas me
inspiram todos os dias na condução do ministério”.
Maria Lucia formou-se em Ciência Política pelo Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ e obteve título de doutora pelo
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Era
especialista em sistemas de seguridade e se tornou referência no tema. Não
aceitava a mercantilização dos serviços de saúde, de previdência e de
assistência social, serviços que protegeram os cidadãos nas crises. Em 2019,
ela lembrou da importância dos sistemas de bem-estar social para dar conta da
recessão que se instalou após as turbulências financeiras de 2008.
“Os sistemas criados naquele período, que ficaram conhecidos
como de bem-estar social, não foram desmantelados, mesmo com todas as
restrições que foram impostas para fazer frente ao controle fiscal a partir dos
anos 1980. O cartão-alimentação americano é um desses. Na crise de 2008, ele
foi usado para aliviar a situação de pobreza. A saúde continua pública na
Inglaterra, a Alemanha continua pagando bônus para o terceiro filho, e o seguro
desemprego funciona”, lembrou ela em entrevista ao GLOBO em 2019.
No Brasil, no início de 2023, depois que a Reforma da
Previdência, que combatia, foi aprovada, ela lembrou que o sistema
previdenciário brasileiro ainda é um dos maiores do mundo :
“Muitos analistas afirmam que a nossa Previdência é um dos
maiores programas de distribuição de renda do mundo, senão o maior. É um
programa superlativo. Com a inclusão da aposentadoria rural, ficou um sistema
redistributivo. Desde as primeiras Caixas de Aposentadoria, o sistema vem
expandindo sua cobertura, estendendo a proteção a trabalhadores rurais e
àqueles que não conseguiam ter tempo de contribuição para requerer o pecúlio.”,
disse ao GLOBO.
Maria Lucia orientou a tese de doutorado da sanitarista
Ligia Bahia e ajudou a criar, em 2003, com o Laboratório de Estudos de Política
de Saúde e Seguridade.
_Foi um expoente entre os intelectuais da sua geração que
participou da formulação do texto constitucional, do conceito de seguridade
social _ afirmou Ligia Bahia.
Em nota, o Instituto de Economia da UFRJ destacou os cargos
de destaque que a professora assumiu na sua carreira acadêmica:
“Professora de Ciência Política no IE, Maria Lucia teve
papel fundamental no desenvolvimento acadêmico e político da Universidade.
Ocupou cargos de destaque, como decana do Centro de Ciências Jurídicas e
Econômicas (CCJE) e presidente da Associação dos Docentes da UFRJ (Adufrj),
entre 2017 e 2019. Foi diretora de Graduação e Administrativa do IE, sempre
conhecida por sua liderança assertiva e pela busca por melhorias no ensino
público”.
Entre os escritos, dois livros são citados por Marcelo
Burgos na página da Sociedade Brasileira de Sociologia: "A Administração
do “Milagre” – O Conselho Monetário Nacional – 1964-1974, de 1987, Editora
Vozes; e "A Americanização (perversa) da seguridade social no Brasil.
Estratégias de bem-estar e políticas públicas", de Editora Revan, Rio de
Janeiro.
Em 2015, em artigo, a professora lamentou a falta de
espírito público no país: “Público, no Brasil, consiste numa categoria amorfa:
uma noção de baixa intensidade. A esfera pública é entendida como terra de
ninguém e portanto passível de ser capturada por cada um. O individualismo
predatório, entretanto, não é distribuído igualitariamente por toda a
população. O poder de impor interesses não é simétrico”.
Maria Lucia deixa quatro filhos, nove netos e um bisneto. O
velório será nesta quarta-feira, das 8h45 às 11h45, no Cemitério da Penitência,
Caju, sala 7
Nenhum comentário:
Postar um comentário