Da revista Veja
O mineiro Joaquim Barbosa sempre acreditou no esforço
pessoal. Filho de um pedreiro e uma dona de casa, estudou em escola pública,
formou-se numa universidade federal e assumiu importantes cargos depois de ser
aprovado em concurso. À carreira no Ministério Público, acrescentou uma sólida
história acadêmica, com passagens, como estudante e professor, por renomadas
instituições de ensino do Brasil e do exterior. Barbosa construiu sua
trajetória sem a ajuda de padrinhos influentes e sem pedir favores. Numa
sociedade acostumada a atalhos duvidosos e ao jeitinho, preferiu o árduo
caminho da meritocracia. Essa biografia chamou a atenção do presidente Lula. Em
2003, ele indicou Barbosa para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF). O objetivo de Lula era nomear pela primeira vez um negro para a mais
alta corte do Judiciário e, assim, tirar do papel a agenda de políticas
afirmativas do governo. O que Lula não sabia é que a escolha renderia frutos
bem maiores. Ele escalara o homem certo, na hora certa, para desferir o mais
duro golpe contra a corrupção na história recente do país. Sorte dos
brasileiros de bem, azar do PT.
Em 2012 e 2013, durante mais de sessenta sessões plenárias,
Barbosa comandou o julgamento do mensalão, como relator do processo e, depois,
também como presidente do STF. O resultado criminal é conhecido: o Supremo
concluiu que o PT subornou parlamentares para se perpetuar no poder, durante o
primeiro mandato de Lula, e condenou a antiga cúpula do partido à prisão. O
resultado simbólico também é conhecido: a Justiça finalmente se fez valer para
todos, sem distinção, o que foi considerado um divisor de águas na luta contra
a impunidade que há séculos privilegia os poderosos no Brasil. Anunciadas as
penas e decretadas as prisões, Barbosa se tornou uma espécie de herói nacional,
o cavaleiro vingador da capa preta, aplaudido nas ruas e assediado para
disputar as eleições. Mas esse era apenas um dos lados da moeda. A outra face,
menos evidente, levou o ministro a anunciar, na quinta-feira, que deixará o
Supremo em junho, onze anos antes do prazo fixado para sua aposentadoria
compulsória. “Minha missão está cumprida”, disse Barbosa.
Em fevereiro, VEJA revelou que o ministro cogitava antecipar
a aposentadoria. Essa possibilidade ganhou força depois de o plenário derrubar
a condenação por formação de quadrilha imposta aos mensaleiros. Barbosa, que se
acostumara a formar a maioria, acabou derrotado na votação. Ele suspeitava que
dali para a frente, devido à nova composição do tribunal, tenderia a ser sempre
derrotado nos embates criminais mais polêmicos. “Essa é uma tarde triste para o
Supremo. Com argumentos pífios, foi reformada, jogada por terra, extirpada do
mundo jurídico, uma decisão plenária sólida e extremamente bem fundamentada”,
lamentou o ministro. A reação estava diretamente relacionada às dificuldades
presentes no caso. Lula e o PT jogaram pesado para adiar o início do
julgamento, numa tentativa de facilitar a prescrição de certos crimes. Também
procuraram ministros para convencê-los a reduzir as penas da companheirada e
suavizar o enredo criminoso. Quando o julgamento finalmente começou, Barbosa
teve de comprar uma série de brigas para tirar o tribunal de uma espécie de
zona de conforto. Uma zona de conforto que, registre-se, sempre contribuiu para
dificultar a condenação de políticos, empresários e banqueiros.
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