Artigo de Fenando Henrique Cardoso
O “petrolão” será uma ventania ou um tufão a derrubar as
muralhas do governo e da “base aliada”?
Raras vezes houve vitória eleitoral tão pouco festejada. Nem
mesmo o partido da vencedora, tonitruante e dado a autocelebrações, vibrou o
suficiente para despertar o país da letargia.
Os mais espertos talvez tenham percebido que seus quadros
minguaram, com graves perdas de entusiasmo e adesão na juventude e certo rancor
em setores do empresariado mais moderno.
A reeleita possivelmente saboreie o êxito com certo amargor.
É indiscutível a legalidade da vitória, mas discutível sua legitimidade. O que
foi dito durante a campanha eleitoral não se compaginava com a realidade.
Só mesmo seu ministro da Fazenda, que coabita com o novo
ministro designado, pôde dizer de cara lavada que a economia saíra da
estagnação e que os males que a assolam vêm da crise mundial.
Recentemente, fazendo coro a esta euforia de encomenda,
diante de dados que mostram um “crescimento” de 0,1% do PIB no trimestre
passado, houve a repetição da bobagem: finalmente a economia teria saído da
“recessão técnica”, de dois ou mais trimestres seguidos.
Palavras, palavras, palavras, que não enganam sequer aos que
as estão pronunciando.
Na formação do novo gabinete, a presidenta começou a atuar
(escrevo antes que a tarefa esteja completa) no sentido de desdizer o que
pregara na campanha. Buscou um tripé “de direita” para o comando da economia.
Na verdade, o adjetivo é despiciendo: a calamidade das
contas públicas levou-a a escolher quem se imagina possa repô-las em ordem,
pois sem isso não existe direita nem esquerda, mas o caos.
Menos justificável, senão pela angústia dos apoios perdidos,
é a composição anunciada do resto do Ministério de cunho mais
conservador/clientelístico. Esperemos.
A presidenta, com esta reviravolta, deve sentir certa
constrangedora falta de legitimidade. Foi a partir da ação dela na Casa Civil,
e daí por diante, que se implantou a “nova matriz econômica”: mais gastança
governamental e mais crédito público, à custa do Tesouro.
Foi isso que não deu certo, e serviu de alavanca para outros
equívocos que levaram o governo do PT a perder a confiança de metade do país.
Sem falar da quebra moral.
Metade, sim, mas que metade? É só ver os dados eleitorais
com maior minúcia, município por município: a oposição ganhou, em geral, nas
áreas mais dinâmicas do país, inclusive nas capitais onde há sociedade civil
mais ativa, maior escolaridade, capacidade empreendedora mais autônoma e menos
amarras aos governos.
O lulopetismo, nascido no coração da classe trabalhadora do
ABC, recuou para as áreas do país onde a ação do governo supre a ausência de
uma sociedade civil ativa e de setores produtivos mais independentes de
decisões governamentais.
É falaciosa a afirmação de que houve vitória da oposição em
áreas geográficas tomadas isoladamente: Sudeste rico em contraposição ao
Nordeste pobre, idem quanto ao Sul ou quanto ao Centro-Oeste em relação ao
Norte. Ou de ricos contra pobres, à moda lulista.
Por certo, como há maior concentração da pobreza nas áreas
mais dependentes do assistencialismo governamental, houve, de fato, uma
distinção na qual as faixas de renda pesam. Mas os sete milhões de dianteira
que Aécio levou sobre Dilma em São Paulo terão sido “dos ricos”? Absurdo.
Nas áreas menos dependentes do governo, ricos e pobres
tenderam a votar contra o lulopetismo; nas demais, a favor de Dilma, ou melhor,
do governo.
A votação na oposição no Acre, em Rondônia, em Roraima ou
nas capitais do Norte e Nordeste se explica melhor pelo dinamismo do
agronegócio e pelos serviços que ele gera, e, no caso das capitais, pela maior
autonomia de decisão das pessoas.
Este o xis da questão. Eleito com apoio dos mais dependentes
(não só dos mais pobres, mas também dos dependentes “da máquina pública” e das
empresas a ela associadas), o “novo” governo precisa fazer uma política
econômica que atenda aos setores mais dinâmicos do país.
Vem daí certa tristeza na vitória: a tarefa a ser cumprida
seria mais bem realizada com a esperança, o ânimo e o compromisso de campanha
dos que não venceram.
Cabe agora aos vitoriosos vestir a camisa de seus opositores
(como Lula já fez em 2003), continuar maldizendo-nos e fazendo malfeito o que
nós faríamos de corpo e alma, portanto, melhor. Atenção: a economia não é tudo.
Menos ainda um ajuste fiscal.
O êxito de uma política econômica depende, como é óbvio, da
política. Economia é política. Política exige convicção, capacidade de
comunicar-se, mensagem e desempenho.
No Plano Real, coube-me ser o arauto, falar com a sociedade,
ir ao Congresso, convencer o próprio governo. O presidente Itamar Franco teve a
sabedoria de indicar o embaixador Ricupero para me suceder, que fez o mesmo
papel.
E agora, quem desempenhará a função de governar numa
democracia, isto é, obter o apoio, o consentimento, a adesão dos demais atores
políticos? Do Congresso, das empresas, dos sindicatos, das igrejas, da mídia,
numa palavra, da sociedade.
A presidenta Dilma, mulher sincera, ciosa de suas opiniões,
terá condições para se transmutar em andorinha da mensagem execrada por ela e
sua grei? A nova equipe econômica terá esse perfil ou se isolará no tecnicismo?
O “petrolão” será uma ventania ou um tufão a derrubar as
muralhas do governo e da “base aliada”? E a oposição se oporá de verdade, ou
embarcará no tecnicismo e na boa vontade à espera de que o “mercado”, sobretudo
o financeiro, acalme-se e que tudo volte à moda antiga? O mesmo se diga de cada
setor da sociedade.
É mais fácil rearranjar a economia do que acertar a
política. Que fazer com essa quantidade de partidos e ministérios, interligados
mais por interesses, muitos dos quais escusos?
Sem liderança, nada a fazer. Com miopia eleitoreira, menos
ainda. Tomara não sejam os juízes os únicos a purgar nossos males, como ocorreu
na Itália, até porque no exemplo citado o resultado posterior, a eleição de um
demagogo como Berlusconi, não foi promissor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário