Enquanto o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA) tem historicamente foco maior nos grandes produtores, o
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) funciona como o contraponto, dando
especial atenção à população rural mais pobre.
Estridente e polêmica, Abreu jogou a tensão no ventilador ao
declarar ao jornalFolha de S.Paulo, em entrevista publicada na segunda-feira,
que "latifúndio não existe mais" no país e que a reforma agrária deve
ser "pontual, para os vocacionados (para o campo)".
Na terça-feira, Ananias reagiu em seu discurso de posse, ao
dizer que "ignorar ou negar a permanência da desigualdade e da injustiça é
uma forma de perpetuá-las". "Por isso, não basta continuar derrubando
as cercas do latifúndio; é preciso derrubar também as cercas que nos limitam a
uma visão individualista e excludente do processo social", disse.
Reiteradas vezes ele destacou a importância de se cumprir a
"função social" da propriedade, preceito previsto na Constituição
segundo o qual o imóvel rural deve ser produtivo, preservar o meio ambiente e
cumprir as leis trabalhistas. Caso contrário, tem de ser desapropriado para
reforma agrária, afirma a Carta Magna.
O consultor Rui Daher, da Biocampo Desenvolvimento Agrícola,
nota que a diferença entre os dois ministérios não é de hoje. Ele observa que
"o Ministério da Agricultura tem um aspecto mais burocrático, regulatório,
que atende mais às reivindicações de recursos e financiamento para grandes
culturas de exportação".
Em outras palavras, explica, a pasta tem atuado "mais
como se fosse uma subsidiária do Ministério da Fazenda para distribuir recursos
para a grande agricultura". Fora isso, basicamente o órgão realiza a
aprovação de novos insumos agrícolas e agrotóxicos, acrescenta Daher.
"É uma estrutura que ficou muito parada no tempo",
afirma o especialista.
Daher destaca que o comando do Ministério da Agricultura
está há anos nas mãos do PMDB (desde 2007), sendo comandado por pessoas
"pouco entendidas" na área. Ele considera que Kátia Abreu, apesar de
problemas graves como o desdém pelos povos indígenas, é um avanço sob esse
ponto de vista, pois conhece bem o setor.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário, por sua vez, sempre
esteve subordinado ao PT desde que Lula assumiu a presidência em 2003. Sua
atuação durante todo o período se focou nas causas sociais, com especial
atenção à reforma agrária e aos pequenos produtores, que respondem por 80% das
5 milhões de propriedades agrícolas, afirma o consultor.
"Esse segmento foi muito apoiado nos últimos anos e,
para dar continuidade a isso no segundo mandato da Dilma, acredito que a melhor
escolha que ela podia ter feito é do Patrus Ananias, que já foi ministro do
Desenvolvimento Social (onde desenvolveu o Bolsa Família) e tem um viés muito
mais voltado para esse lado".
O geógrafo e professor da USP Ariovaldo Umbelino,
especialista em reforma agrária, também frisa a diferença entre as duas pastas
e minimiza a relevância das declarações de Kátia Abreu. Segundo ele, a reforma
agrária é atribuição do MDA, enquanto o Ministério da Agricultura cuida da
"produção capitalista" e não deve intervir no assunto.
Ele destaca que a distribuição das terras que não cumprem
sua função social "não depende da vontade de ministro A ou B" porque
a Constituição Federal obrigada o governo a realizá-la. Segundo o artigo 184 da
Carta, "compete à União desapropriar por interesse social, para fins de
reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social,
mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária".
Umbelino observa que a reforma agrária ganhou fôlego no
primeiro mandato do presidente Lula, mas perdeu ritmo no seu segundo mandato e
no da presidente Dilma Rousseff. Uma das justificativas da atual presidente
para a redução dos novos reassentamentos é que seu governo privilegiou a
melhoria da estrutura dos que já existem, garantindo mais acesso a recursos e
orientação técnica.
Na avaliação do especialista, o ministro Patrus Ananias,
nome histórico do PT, tem poder político para fazer frente ao crescente prestígio
de Kátia Abreu junto à presidente e intensificar novamente esse processo. A
ministra foi nomeada apesar da resistência do próprio PMDB, que preferia a
manutenção de Neri Geller no comando da Agricultura.
A aproximação com entre as duas começou quando Dilma ainda
era ministra da Casa Civil e foi diagnosticada com câncer em 2009. Segundo
relato da senadora ao programa "Poder e Política" do portal UOL, na
ocasião ela escreveu uma carta à presidente se solidarizando no processo de
tratamento. Depois disso, a ligação das duas se intensificou quando Abreu foi
recebida algumas vezes pela presidente na condição de representante do setor
agrícola, já que ela presidia a CNA.
"Os ministros todos têm poder igual. Se a presidente
vai escutar a ministra ou o ministro, aí é outra história", disse
Umbelino.
Apesar do claro embate entre os dois novos ministros em
torno da reforma agrária, ambos acenaram para o diálogo em seus discursos de
posse.
Abreu fez um pronunciamento na segunda-feira muito mais
conciliador do que a entrevista concedida à Folha de S.Paulo, na qual, além de
negar a existência do latifúndio, declarou que os conflitos fundiários com
indígenas ocorrem porque eles "saíram da floresta e passaram a descer nas
áreas de produção".
Já no seu discurso, a ministra, que é odiada por
ambientalistas, defendeu o uso sustentável da água e disse que "há
alternativas para produzir sem comprometer o meio ambiente". Além disso,
afirmou que seu ministério não fará segregação.
"Este será o ministério dos produtores rurais, sem
nenhuma espécie de divisão ou segregação, e das empresas. Será um ministério da
produção. Mas será acima de tudo um ministério do diálogo. Um ministério dos
brasileiros", afirmou Abreu, encerrando seu discurso.
Já Ananias, afirmou em seu pronunciamento que o MDA vai
"buscar ações concertadas com todos os ministérios e órgãos públicos
nacionais que tenham conosco áreas afins e complementares".
Brecha?
Rui Daher prevê uma convivência difícil e pouco harmoniosa
entre os dois, mas vê uma possibilidade de tanto Abreu quanto Ananias se
abrirem para um trabalho mais colaborativo.
"Acho que há uma grande vantagem aí: a Kátia tem
pretensões políticas maiores, e o Patrus tem uma sensibilidade social muito
grande. Então, há uma possibilidade que ele faça a Kátia Abreu sair desse
reinado ruralista e descer até o lado das interações sociais. Por um lado, a
escolha (dos dois) tem um potencial que antes não existia", analisa.
Além disso, vale notar que a própria presidente Dilma
Rousseff, conhecida pelo seu estilo centralizador e gosto em intervir
diretamente nos ministérios, quer puxar a atuação do Ministério da Agricultura
para a área social.
A presidente deu orientação direta à nova ministra para que
aumente a classe média rural. Katia Abreu assume com uma meta objetiva de
dobrar o tamanho da classe C no campo.
Hoje, segundo dados citados pela ministra em seu discurso,
15% dos mais de 5 milhões de produtores rurais estão na classe C, enquanto 70%
estão na D e E. Abreu prometeu maior assistência técnica e oportunidade aos
pequenos produtores como caminho para atingir o objetivo da presidente.
Conteúdo da BBC Brasil
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