Da Veja
A presidente Dilma Rousseff se pronunciou por volta das
20h30 desta quarta-feira sobre a decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), de acolher o pedido de impeachment contra ela. Metade do discurso
foi dedicado a cotoveladas em Cunha. A outra, a mentiras - a presidente negou
que o Planalto tenha tentado barganhar o arquivamento do documento em troca dos
votos petistas a favor de Cunha no Conselho de Ética. Nenhuma frase tratou do
mérito do pedido encaminhado pelos juristas Hélio Bicudo, Janaina Paschoal e
Miguel Reale Jr.
Ao tomar conhecimento da decisão de Cunha, a presidente se
reuniu com seus ministros mais próximos, como Jaques Wagner (Casa Civil) e José
Eduardo Cardozo (Justiça). Em seu pronunciamento, ela estava acompanhada por
onze ministros, inclusive do PMDB, partido de Eduardo Cunha. Dilma tentou
solapar a legitimidade do processo impeachment com o argumento de que Cunha já
não tem condições de presidir a Câmara. Em um ataque direto a Cunha, ela
afirmou que "não possui bens no exterior" e que "nunca coagiu ou
tentou coagir" pessoas. Cunha responde a inquérito no Supremo Tribunal
Federal (STF) por suspeitas de ter contas secretas na Suíça onde teriam sido
depositadas propinas do escândalo do petrolão e foi oficialmente acusado pelo
doleiro Alberto Youssef de ter mandado o coagir na CPI da Petrobras.
Ela afirmou que recebeu com "indignação" a atitude
do deputado. Dilma disse que a tentativa de deposição não tem fundamento e que
o processo que pode levar a seu afastamento do Palácio do Planalto é uma
ofensiva "contra um mandato democrático conferido a mim pelo povo
brasileiro". A presidente reforçou, assim, o discurso petista, já
propalado nas redes sociais do partido, segundo o qual o impeachment seria um
golpe contra a democracia. "Não podemos deixar conveniências e interesses
inconfessáveis abalar a democracia", resumiu. "[Os argumentos] são
inconsistentes. Não existe nenhum ato ilícito praticado por mim", alegou.
Dilma afirmou ainda que nunca autorizou qualquer tipo de
barganha entre representantes do governo e o presidente da Câmara. "Eu
jamais aceitaria qualquer tipo de barganha que colocasse em risco o
funcionamento das instituições ou o Estado democrático de direito", disse.
No entanto, durante toda a tarde o governo procurou Cunha para oferecer-lhe uma última tentativa de acordo: não apenas os três votos no Conselho de Ética como
uma defesa pública do peemedebista.
O pedido - A linha de defesa adotada no governo é de
eficácia duvidosa. Não é o caráter de Cunha que estará em julgamento a partir
de agora: a decisão de dar seguimento ao processo é do Congresso e a questão
que os parlamentares terão de analisar é a das pedaladas fiscais.
No dia 21 de outubro, o presidente da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), recebeu o pedido de impeachment que começará a
tramitar no Congresso. Elaborado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr
e pela criminalista Janaina Paschoal, o documento elenca argumentos com base
nos quais a petista deveria perder o mandato. Os autores alegam que Dilma
cometeu crime de responsabilidade, por exemplo, por manter as chamadas
pedaladas fiscais em 2015, com atrasos de repasses de recursos do Tesouro a
bancos públicos, como o Banco do Brasil, o BNDES e a Caixa Econômica, e omissão
de passivos da União junto a essas instituições.
A tese considerada crucial por Cunha, porém, foi o fato de o
governo federal ter editado decretos sem número para abrir créditos sem
autorização do Congresso Nacional. Isso já foi motivo para a rejeição das
contas do governo e, na avaliação do peemedebista, configura crime de responsabilidade.
"A argumentação para 2015 envolve a edição de decretos sem número no
montante de 2,5 bilhões de reais que foram editados em descumprimento à lei
orçamentária", disse o presidente da Câmara. Pela Lei 1079, de 1950, é
crime de responsabilidade "infringir, patentemente, e de qualquer modo,
dispositivo da lei orçamentária" e "ordenar ou autorizar a abertura
de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem
fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância
de prescrição legal". Sobre esses fatos, Dilma se calou.
Confira a íntegra do pronunciamento da presidente:
Boa noite a todos. Dirijo agora uma palavra de
esclarecimento a todos os brasileiros e a todas as brasileiras. No dia de hoje,
vocês viram foi aprovado pelo Congresso Nacional o projeto de lei que atualiza
a meta fiscal, permitindo continuidade de serviços públicos fundamentais para
todos os brasileiros. Ainda hoje recebi com indignação a decisão do senhor
presidente da Câmara dos Deputados de processar pedido de impeachment contra
mandato democraticamente conferido a mim pelo povo brasileiro. São inconsistentes
e improcedentes as razões que fundamentam esse pedido. Não existe nenhum ato
ilícito praticado por mim. Não paira contra mim nenhuma suspeita de desvio de
dinheiro público. Não possuo conta no exterior, nem ocultei do conhecimento
público a existência de bens pessoais, nunca coagi nem tentei coagir
instituições ou pessoas na busca de satisfazer meus interesses. Meu passado e
meu presente atestam a minha idoneidade e meu inquestionável compromisso com as
leis e a coisa pública. Nos últimos tempos e em especial nos últimos dias, a
imprensa noticiou que havia interesse na barganha dos votos de membros da base
governista no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Em troca haveria o
arquivamento dos pedidos de impeachment. Eu jamais aceitaria ou concordaria com
quaisquer tipos de barganha, muito menos aquelas que atentam contra o livre
funcionamento das instituições democráticas do meu país, bloqueiam a justiça ou
ofendam os princípios morais e éticos que devem governar a vida pública. Tenho
convicção e absoluta tranquilidade quanto à improcedência desse pedido, bem
como a seu justo arquivamento. Não podemos deixar as conveniências e os
interesses indefensáveis abalarem a democracia e a estabilidade do nosso país.
Devemos ter tranquilidade e confiar nas nossas instituições e no Estado
democrático de Direito. Obrigado [sic] a todos vocês e muito boa noite.
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