Editorial, O Estado de S.Paulo
“Se tem uma coisa que eu me orgulho, neste país, é que não
tem uma viva alma mais honesta do que eu. Nem dentro da Polícia Federal, nem
dentro do Ministério Público, nem dentro da Igreja Católica, nem dentro da
Igreja Evangélica. Pode ter igual, mas mais do que eu, duvido.” Lula continua
achando que o brasileiro é idiota. Reuniu ontem blogueiros amigos para um café
da manhã em seu instituto e, a pretexto de anunciar que vai participar
“ativamente” do próximo pleito municipal, aderiu pessoalmente – já o havia
feito por intermédio de seu pau-mandado Rui Falcão – à campanha promovida por
prósperos advogados e seus clientes, apavorados empresários e figurões da
política, para desmoralizar a Operação Lava Jato, que procura acabar com a
impunidade de poderosos corruptos.
Lula conseguiu escapar penalmente ileso do escândalo do
mensalão e, por enquanto, não está oficialmente envolvido nas investigações
sobre o assalto generalizado aos cofres públicos. Os dois casos juntam-se numa
sequência das ações criminosas que levaram dinheiro sujo para os cofres do PT e
aliados e “guerreiros” petistas como José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares
para a cadeia.
O que é inacreditável é que, como presidente da República e
dono do PT, Lula não tivesse conhecimento do mensalão e do petrolão que
desfilavam sob seu nariz. Assim, é notável o atrevimento – talvez mais
estimulado pelo desespero do que por sua índole de ilusionista – com que o
personagem, que ficou rico na política, se apresenta como monopolista das mais
prístinas virtudes.
Só mesmo alguém empolgado pelo som da própria voz e pelas
reações da plateia amiga cairia no ridículo de se colocar como referência
máxima e insuperável em matéria de honestidade. “Pode ter igual, mas mais do
que eu, duvido.”
Apesar de inebriado com as próprias virtudes, Lula encontrou
espaço para a modéstia – infelizmente de braços dados com a mendacidade, que
alguns chamam de exagero retórico – ao se referir ao combate à corrupção. Fez
questão de dar crédito a sua sucessora, deixando no ar a pergunta sobre a razão
pela qual os petistas esperaram oito anos, até que o chefão deixasse a
Presidência, para se preocuparem com os corruptos: “O governo criou mecanismos
para que nada fosse jogado embaixo do tapete nesse país. A presidente Dilma
ainda será enaltecida pelas condições criadas para punir quem não andar na
linha nesse país”. E arrematou, falando sério: “A apuração da corrupção é um
bem nesse país”.
Lula não se conforma, no entanto, com a mania que os
policiais e procuradores têm de o perseguirem, obstinados pela absurda ideia
fixa de que ele tem alguma coisa a ver com a corrupção que anda solta por aí:
“Já ouvi que delação premiada tem que ter o nome do Lula, senão não adianta”.
Ou seja, os homens da Lava Jato ou da Zelotes não vão sossegar enquanto não
obrigarem alguém a apontar o dedo para o impoluto Lula. Mas, confiante, o
chefão do PT garante que não tem o que temer: “Duvido que tenha um promotor,
delegado, empresário que tenha coragem de afirmar que eu me envolvi em algo
ilícito”.
Lula falou também sobre a fase mais financeiramente próspera
de sua carreira política, quando, depois de ter deixado o governo, na condição
de ex-presidente faturou alto com palestras aqui e no exterior patrocinadas por
grandes empresas. Explicou que é comum ex-chefes de governo serem contratados
para transmitir suas experiências ao mundo. Quanto a palestrar no exterior para
levantar a bola de empreiteiras que para isso lhe pagam regiamente, Lula tem a
explicação que só os mal-intencionados se recusam a aceitar: “As pessoas
deveriam me agradecer. O papel de qualquer presidente é vender os serviços do
seu país. Essa é a coisa mais normal em um país”.
De fato, é muito louvável que um ex-presidente da República
se valha de seu prestígio para “vender” os serviços e produtos de grandes
empresas brasileiras aptas a competir no mercado internacional. Resta definir
quando essa benemerência se transforma em tráfico de influência.
“Nesse país”, porém, qualquer um que manifeste dúvidas em
relação à absoluta integridade moral do asceta de Garanhuns é insano ou
mal-intencionado.
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