Nome que já foi apontado como um dos dirigentes de peso da
'nova geração' do PSDB, o governador do Paraná, Beto Richa, de 50 anos, vive
dias de incerteza sobre seu futuro político. A realidade do tucano é rara no
cenário nacional: arrecadação em alta, popularidade em baixa. Um ano e quatro
meses depois de sair consagrado em uma reeleição de primeiro turno, com 55,7%
dos votos contra os adversários Roberto Requião (PMDB) e Gleisi Hoffmann (PT),
Richa viu sua aprovação despencar em meados do ano passado, no auge de um
conflito de professores com a polícia: é o governador mais mal-avaliado do
Brasil, segundo levantamento do Instituto Paraná Pesquisas. E agora entrou na
mira do Ministério Público.
Embora não seja formalmente investigado, Richa está acossado
por duas frentes de investigação: as operações Publicano e Quadro Negro. Em
ambas, investigados declararam aos promotores paranaenses que dinheiro desviado
dos cofres do Estado teria abastecido a campanha eleitoral do tucano. Richa
nega.
Na Quadro Negro, que descobriu desvios de 18 milhões de
reais na construção de escolas estaduais, duas funcionárias da construtora
investigada relataram repasses de dinheiro à campanha de Beto Richa e a
políticos ligados a ele, como Pepe Richa, secretário de Infraestrutura e irmão
do governador. O tucano rechaçou as denúncias e afirmou que foi o Estado quem
iniciou as apurações. A Procuradoria Geral da República já foi comunicada e vai
decidir se há elementos para investigar Richa.
A Publicano desvendou um esquema de corrupção envolvendo
auditores fiscais na Receita. Eles cobravam propina de empresas para reduzir ou
anular débitos tributários. O Ministério Público já deflagrou quatro fases,
denunciou mais de 200 pessoas - cerca de setenta fiscais são investigados. Os
cofres estaduais deixaram de arrecadar cerca de 732 milhões de reais entre 2013
e 2015, e o rombo deve subir, segundo promotores.
No ano passado, Richa fez uma reclamação ao Superior
Tribunal de Justiça (STJ) para que a Operação Publicano fosse suspensa e
remetida à corte, em Brasília, o que na prática retiraria o caso das mãos do
Ministério Público do Paraná e da 3ª Vara Criminal de Londrina. À época, o
ministro João Otávio de Noronha negou a liminar pedida pelo tucano. Noronha
reproduziu na decisão a garantia dada pela Justiça do Paraná de que Richa não
era "investigado diretamente", apesar das menções ao nome dele em
depoimentos.
Um dos fiscais investigados, Luiz Antônio de Souza, afirmou
em delação premiada que a campanha de Richa à reeleição seria financiada com
4,3 milhões de reais do esquema, arrecadados em delegacias da Receita
espalhadas pelo Estado. Ele também acusou um primo distante de Richa, Luiz Abi
Antoun, que foi preso, de dar ordens no esquema. O Gaeco (Grupo de Atuação
Especial de Combate ao Crime Organizado) continuou as investigações.
Agora, é a Procuradoria Geral da República quem pede ao STJ
autorização para que Richa seja formalmente investigado. A papelada está nas
mãos do ministro João Otávio de Noronha. O pedido de abertura de inquérito
contra o tucano ainda não foi decidido, mas tem potencial para determinar o
rumo político do governador. Nesta semana, Richa afirmou estar
"tranquilo" e não ter o que temer. Richa disse ser o principal
interessado no esclarecimento das denúncias. "Sempre fomos muito
criteriosos, isso eu não aceito. Sempre tivemos esse cuidado de aceitar
dinheiro de origem licita para campanha, prestando contas de todos os recursos
que ingressam na campanha", afirmou.
Aliados de Richa avaliam que ele ainda não foi abatido
porque não vieram a público provas documentais do envolvimento dele. Caso o
inquérito seja arquivado, Richa deve se capitalizar e tentar uma das duas vagas
em jogo no Senado em 2018, atualmente ocupadas por Requião e Gleisi. Conforme o
deputado federal Sandro Alex (PPS), já existe uma "movimentação"
política no plenário da Câmara para tentar desgastar o PSDB com os escândalos de
corrupção que atingem o governo Richa.
"Eu não vi ainda ninguém falar que tinha contato direto
ou participação dele. Se não houver apresentação dessas provas, vai para
arquivamento. Agora, com apresentação de provas acho que vai haver uma
dificuldade, porque o governo federal pode tentar usar um governo de seu
inimigo político, o PSDB, para justificar os malfeitos. O PT pode utilizar como
uma válvula de escape, para dizer 'cuidem do de vocês'. Eu percebo que existe
uma tentativa de vinculação do que ocorre em Brasília com o que pode acontecer
no Paraná. É uma oportunidade de tentar responder a Lava Jato e o petrolão com
um problema localizado. A todo instante no plenário se levanta isso",
afirma Sandro Alex.
O propinoduto foi instalado justamente em uma área de destaque
do governo paranaense, a Fazenda estadual. O Paraná aumentou a receita corrente
líquida para 31,8 bilhões de reais (aumento real de 1,4%) e acaba de anunciar
um superávit de 1,9 bilhão de reais, em 2015. Mas Richa é um exemplo de que não
bastam recursos fartos para prosperar na administração pública. Em dezembro,
ele apareceu em último lugar em um ranking com treze governadores divulgado
pelo Instituto Paraná Pesquisas. Conforme a pesquisa, o tucano tinha 71,2% de
desaprovação e 24,4% de aprovação.
Afora as investigações sobre seu governo, deputados
paranaenses relacionam a queda de popularidade do governador ao aumento de
tarifas promovido em seu segundo mandato, ao confisco de 9 bilhões de reais da
Previdência para reforçar o caixa e, sobretudo, à crise com servidores e
professores grevistas da rede estadual, contrários à reforma previdenciária
então em votação na Assembleia Legislativa. O estopim foi a batalha do Centro
Cívico, nome dado ao confronto entre a Polícia Militar e professores que se
manifestavam em abril de 2015. Mais de 200 pessoas ficaram feridas. Logo
depois, em junho, a avaliação do governo Richa chegou ao pico de 84,7% de
desaprovação, também conforme o Instituto Paraná Pesquisas. Richa e a antiga
cúpula da secretaria da Segurança Pública, inclusive o deputado Fernando
Francischini (SD), ex-titular, viraram alvo de uma ação civil pública.
O episódio foi criticado até pela cúpula do PSDB. Um
ex-secretário de Richa afirma que a base do governador na Assembleia
Legislativa está menor e que agora favorece a pressão para que se instale uma
CPI da Operação Quadro Negro. "Aquela pancadaria com os professores foi um
horror. Richa já não tem mais o glamour que tinha antes", disse o tucano,
que pediu anonimato. Ele conta que todos os deputados do partido tiveram a
imagem arranhada e foram pressionados publicamente por causa da repercussão
negativa, em âmbito nacional, do confronto. Um dos temores é que as imagens do
governador e do conflito sejam associadas a candidatos do PSDB e partidos
aliados nas eleições municipais deste ano.
"O governador Beto Richa foi inábil politicamente. Ele
promoveu no fim do primeiro mandato um ajuste fisal bem sucedido, que deu hoje
estabilidade no Estado que os outros não têm. Estamos pagando mais impostos,
subiu IPVA, ICMS, essas coisas. A inabilidade foi quando no início do segundo
mandato ele não teve o tato necessário para conduzir a greve dos professores.
Deixou na mão de dois ou três que fizeram loucura. Essas coisas de polícia, de
colocar deputado na marra para ir votar dentro de camburão... Por isso caiu a
popularidade dele. A sociedade não aceita isso", disse o deputado federal
Sérgio Souza, do PMDB, partido de oposição ao tucano.
Logo depois do embate com os servidores, Richa foi à TV, em
tom de arrependimento, pedir desculpas à sociedade e dizer que não deu ordens
para a polícia agir. "Quem saiu mais machucado e ferido fui eu. Saí ferido
na alma", disse. A depender do que as investigações revelarem, será
difícil para os paranaenses aceitar o pedido.
Os tropeços de Richa
Outubro de 2014 - É reeleito no primeiro turno com mais 55%
dos votos válidos, tendo derrotado os senadores Roberto Requião (PMDB) e Gleisi
Hoffmann (PT).
Dezembro de 2014 - Anuncia ajuste fiscal, com aumento de
impostos como IPVA e ICMS sobre a gasolina.
Março de 2015 - Gaeco de Londrina deflagra Operação
Publicano, que desvendou esquema de fraude na Receita e já tem mais de setenta
fiscais investigados entre as cerca de 200 pessoas denunciadas. Luiz Abi
Antoun, parente do governador, é preso em investigação sobre fraude a
licitação.
Abril de 2015 - Polícia reprime de maneira violenta
manifestação de professores e servidores contrários à reforma da previdência
estadual. A "batalha do Centro Cívico" deixou mais de 200 pessoas
feridas. Episódio motivou até pedidos de impeachment do governador - rejeitados
na Assembleia Legislativa.
Junho de 2015 - Um diretor da Secretaria da Educação e mais
seis pessoas são presos pela Polícia Civil na Operação Quadro Negro, que
combate corrupção e desvio de recursos na construção de escolas.
Setembro de 2015 - Richa vira réu em ação de improbidade administrativa
por causa do confronto do Centro Cívico.
Janeiro de 2016 - Ministério Público denuncia à Justiça
quinze pessoas entre empresários, laranjas e servidores públicos envolvidos no
desvio de 18 milhões de reais, entre 2013 e meados de 2015, destinados a obras
em escolas públicas. Entre eles está o ex-vereador Juliano Borghetti (PP),
irmão da vice-governadora Cida Borghetti (Pros). Há suspeita de que dinheiro
tenha abastecido a campanha de Richa. O tucano nega. PGR já recebeu informações
do caso.
Fevereiro de 2016 - Ministério Público Federal pede abertura
de investigação contra Beto Richa.
Da Veja.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário