Durante o regime militar havia uma “esquerda de luta” e uma
“esquerda festiva”. A primeira fez parte dos movimentos que levaram à conquista
da democracia; a última foi decisiva na realização das revoluções estética e
comportamental, que ocorreram naqueles anos. Hoje, estão atuantes uma “esquerda
nostálgica”, enquanto uma “esquerda perplexa” tenta sair dos escombros
provocados pela queda do Muro de Berlim, pela amplitude da globalização, a
profundidade da revolução científica, o poder e a universalização dos novos
instrumentos de tecnologia da informação; além de tentar se recuperar do
constrangimento com a degradação ética e a incompetência dos últimos governos.
Diferente da “esquerda festiva”, que fez revoluções na
estética e nos costumes, a “esquerda nostálgica” não contribui para a
transformação estrutural da sociedade e da economia; louva o passado, se agarra
ao presente e comemora pequenas conquistas assistenciais. Prisioneira de seus
dogmas, com preguiça para pensar o novo, com medo do patrulhamento entre seus
membros, viciada em recursos financeiros e empregos públicos, a “esquerda
nostálgica” parece não perceber o que acontece ao redor. Independentemente das
transformações no mundo, no país, nos bairros, continua orientada aos mesmos
propósitos elaborados nos séculos XIX e XX, mantém a mesma fidelidade,
reverência e idolatria aos líderes do passado, especialmente aqueles que têm o
mérito do heroísmo da luta durante o regime militar, mesmo quando não foram
capazes de perceber as mudanças no mundo, nem os novos sonhos utópicos para o
futuro.
Com nostalgia do passado, reage contra o “espírito do tempo”
que exige agir dentro da economia global e romper com a visão de que a
estatização é sinônimo de interesse público; não reconhece que a inflação é uma
forma de desapropriação do trabalhador; que o progresso material tem limites
ecológicos e é construído pela capacidade nacional para criar ciência e
tecnologia; que os movimentos sociais e os partidos devem ser independentes,
sem financiamentos estatais; ignora que a revolução não está mais na
expropriação do capital, está na garantia de escola com a mesma qualidade para
o filho do trabalhador e o filho do seu patrão; que a igualdade deve ser
assegurada no acesso à saúde e à educação, sem prometer igualdade plena,
elusiva, injusta e antilibertária ao não diferenciar as individualidades dos
talentos; não assume que a democracia e a liberdade de expressão são valores fundamentais
e inegociáveis da sociedade, tanto quanto o compromisso com a verdade e a
repulsa à corrupção.
Para sair da perplexidade, uma nova esquerda precisa fugir
da nostalgia por siglas partidárias que tiveram a oportunidade de assumir o
poder e construir seus projetos, mas traíram a população, os eleitores e a
história, tanto na falta de ética, quanto na ausência das transformações
sociais prometidas.
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