quarta-feira, 4 de maio de 2016

FORA DE CONTEXTO

A história, como se sabe, é contada do ponto de vista dos vencedores. E isso se pode constatar em trechos de livros didáticos de história indicados pelo MEC quando tentam explicar a política econômica dos governos de Fernando Henrique Cardoso FHC e Luiz Inácio Lula da Silva a estudantes do terceiro ano do ensino médio. De acordo com eles, pelos méritos de Lula o país teve “indicadores amplamente positivos” ao passo que a política neoliberal de FHC causou “desemprego e recessão”. Um reducionismo que tende a favorecer a imagem de Lula.
As obras, em geral, não escondem os avanços provenientes do Plano Real, iniciado no governo de Itamar Franco, e o início de um processo de redução de desigualdade social obtida já nos dois governos de FHC (1995-2002). Também não omitem as dificuldades dos governos petistas. Mas há passagens que atribuem a Lula resultados obtidos a partir de um contexto histórico; outras, ainda, revelam um viés ideológico de fundo.
“Em nenhum dos dois casos, nos anos de FHC e de Lula, é possível atribuir o mérito apenas à atuação do presidente, ainda que se deva reconhecer que houve uma participação importante do governo nos resultados”, explica o economista Mauro Rochlin, professor da FGV-RJ.
Lula, é consenso, conseguiu dar seguimento aos seus projetos sociais – bem-sucedidos, diga-se de passagem – graças aos resultados positivos conseguidos com as medidas adotadas em governos anteriores, principalmente pela estabilidade da moeda alcançada com o Plano Real. Se as contas do Estado não estivessem saneadas, Lula não teria recursos para colocar seus programas em prática. Os livros, porém, não deixam isso claro e criam uma espécie de ruptura com o que aconteceu antes.
No livro “Caminhos do Homem”, da Base Editorial, o governo Lula foi um sucesso por ele mesmo. Segundo a obra, “os grandes avanços obtidos em várias áreas” e a “ampliação de programas sociais que favorecem os mais pobres” são “indicadores amplamente positivos do governo Lula”. Sem contar que as duas eleições de Lula “simbolizaram a vitória de um projeto social alternativo para a consolidação da cidadania plena no país”. Já o “História3”, da Saraiva, diz que a continuidade das políticas sociais e desenvolvimentistas no governo Dilma Rousseff levou o Brasil a se tornar “a 6ª. maior economia do mundo”.
Os textos criticam o Plano Real, colocando nele a culpa por problemas da conjuntura econômica que já existiam. No livro “Novo Olhar História”, da FTD, por exemplo, o trecho que fala sobre o plano econômico já traz no título um olhar tendencioso: “Plano Real e seus custos sociais”. É a história de olhar o copo pela metade e frisar o “meio cheio” ou o “meio vazio”. “Nesse caso, é possível contar a história de modo diferente, dizendo que o Plano Real conseguiu vencer 20 anos de alta inflação, o que contribuiu para os bons resultados do governo Lula; e ainda que no governo de FHC, em meio a uma crise, houve um crescimento maior se comparado com o da presidente Dilma”, analisa Mochlin.
O viés ideológico aparece nas fontes utilizadas. Para comentar a tentativa de atração de investidores externos no governo FHC, o livro “História Geral e do Brasil”, da Scipione, critica a prioridade “da poupança externa”, em detrimento da interna. Para fundamentar sua postura, os autores citam o historiador americano marxista (não um economista) Perry Anderson, que teria qualificado a medida de “ingênua e provinciana”. “Qualquer país do mundo que precisa de um crescimento acelerado procura uma poupança externa, todos fizeram isso na época, o risco seria não ter essa poupança”, explica Gilmar Mendes Lourenço, professor da FAE Business School, de Curitiba.
Privatizações
As privatizações são outro capítulo bastante criticado nos livros. Para o “História 3”, os recursos obtidos no processo de venda de estatais “não foram investidos em saúde e educação” e reverteram lucros a “investidores e especuladores”. No livro “Por Dentro da História”, da Escala Educacional, o governo de Fernando Henrique levou ao “desmonte do Estado, conforme reza a cartilha do neoliberalismo”. Por outro lado, não são citados os processos de concessão privada que ocorreram no governo do PT nem as transferências de recursos a grupos privados por meio do BNDES para ajudar empresas nacionais a se destacarem no mercado internacional.
Apesar da polêmica, as privatizações reduziram a dívida do governo e melhoraram a eficiência de diversos setores da economia. “Essa visão dos livros é enviesada; as privatizações ocorreram porque o governo tinha uma necessidade premente de recursos e não tinha mais capacidade de investir nas empresas públicas, não houve nada de ideológico”, diz Gilmar Mendes. “As privatizações, ao contrário do escrito, não causaram pobreza, essa linguagem é quase panfletária”, completa Mochlin, da FGC-RJ. “E foram bem-sucedidas; até uma das privatizações mais polêmicas, que foi a da Vale do Rio Doce, gera mais impostos para o governo do que lucro quando era uma estatal”.
Charge do Benett
Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário