Da ISTOÉ
Nos cômodos cada vez mais silentes do Palácio da Alvorada,
restam poucos objetos pessoais de Dilma Rousseff. Nas últimas semanas, a
presidente afastada transportou a maioria de seus pertences para sua residência
em Porto Alegre. Até uma das bicicletas com a qual se habituou a fazer
exercícios matinais diários já foi despachada para o Sul – provavelmente sem
volta. Nada mais emblemático. Embora publicamente se esmere para transparecer
valentia, Dilma, no íntimo, não acredita mais numa reviravolta capaz de mantê-la
no poder. A interlocutores, admitiu um périplo por oito meses a países da
América do Sul, como Chile e Uruguai, na ressaca do impeachment. Na semana
passada, o cronograma da saída de Dilma do Planalto andou mais uma casa. Na
madrugada de quarta-feira 10 foi dado o penúltimo passo para o seu definitivo
afastamento. Num prenúncio da votação derradeira em plenário, por 59 votos a
21, Dilma virou ré por crime de responsabilidade fiscal. Era necessário um
mínimo de 54 votos. Em conversa na terça-feira 9 com senadores do PT, Lula
também jogou a toalha: “Não há mais tempo para salvação (de Dilma). Agora é
trabalhar o pós”, afirmou.
Dilma beira a porta dos fundos da história. A tendência é
pela derrota ainda mais fragorosa na sessão final, marcada para começar no
próximo dia 25. Não há mais indecisos e o número de senadores favoráveis ao
“Fora, Dilma” pode chegar a 62. Num último e idílico esforço não para salvar o
mandato, mas para tentar preservar sua já maculada biografia, a presidente
afastada pretende sacar da cartola, nesta semana, uma Carta aos Brasileiros.
Trata-se de um factóide. O novo documento, mais um a se somar à coleção de
manobras diversionistas de Dilma, não seduz nem o PT, a quem coube fulminá-lo
no nascedouro sem qualquer cerimônia. A decisão de suprimir o termo “golpe” do
texto, tomada aos 45 minutos do segundo tempo, é inodora, insípida e indolor.
Falta-lhe sobretudo credibilidade para gesto de tamanha relevância política. Um
plebiscito no qual os brasileiros decidiriam por antecipar ou não as eleições
presidenciais de 2018 jamais poderia ser convocado por alguém rejeitado pela
maioria da população. Por isso mesmo, a ideia não prosperou nem seguirá
adiante.
Para tomar emprestado um bordão esportivo em tempos de
Olimpíada, Dilma irá para o chuveiro mais cedo, mas quem será asseado é o País.
Candidamente, a petista entoa o mantra do “não sei de nada”, “não tenho culpa
de nada”, “sou vitima da mídia e das elites” celebrizado por Luiz Inácio Lula
da Silva. Mais um discurso destinado a alimentar com as sementes do engodo uma
plateia de convertidos – hoje estourando 30% dos brasileiros. Apesar da
tentativa de terceirizar a própria culpa e de criar uma narrativa épica, mas
fictícia, a petista é um pote até aqui de malfeitos. Além das pedaladas – que não
foram meras maquiagens fiscais, como quer fazer crer a tropa de choque petista,
mas uma estratégia política para vender ao eleitor um Brasil irreal, com único
objetivo de vencer a eleição, – Dilma é acusada de incorrer em outros crimes
mais graves.
Atentado à justiça
Se, como disse o procurador da República Ivan Cláudio Marx,
o ex-presidente Lula foi o “chefe de organização criminosa” para obstruir a
Justiça, Dilma é no mínimo co-partícipe da trama. Em maio, o procurador-geral
da República, Rodrigo Janot, pediu que a presidente afastada fosse investigada
por tentativa de atrapalhar as investigações da Lava Jato. Segundo delação do
ex-senador Delcídio do Amaral, antecipada por ISTOÉ, a presidente Dilma o teria
usado como emissário da proposta a um candidato a ministro do STJ para trocar a
indicação pela concessão de habeas corpus pedido por empreiteiros presos em
Curitiba. Tudo ocorreu como combinado. Os empresários só não foram soltos
porque o relatório produzido pelo ministro nomeado Marcelo Navarro foi
derrubado pelos seus pares. A petista ainda corre o risco ser indiciada pela
Procuradoria-Geral da República, se não por esta denúncia, mas pela nomeação
desastrada de Lula para a Casa Civil, a fim de mantê-lo distante da jurisdição
de Moro, concedendo-lhe foro privilegiado. Não bastassem as investidas contra o
livre trabalho do Judiciário, que configuram crime de responsabilidade passível
de perda de mandato tipificado no inciso 5 do Artigo 6º da Lei 1.079, as
recentes propostas de delações premiadas de executivos de empreiteiras
implicadas no Petrolão deixam claro que Dilma não só sabia como operou
pessoalmente na arrecadação ilegal de sua campanha em 2014. Aos procuradores da
Lava Jato, segundo reportagem de ISTOÉ, Marcelo Odebrecht afirmou que a mandatária
exigiu R$ 12 milhões para a campanha durante encontro privado. O dinheiro seria
fruto de propina desviada da Petrobras. “É para pagar”, teria ordenado ela, de
acordo com a proposta de delação do empresário. Parte do recurso seria
utilizada para pagar o marqueteiro João Santana. Solto na semana passada,
Santana também confirmou em delação a participação direta de Dilma no manejo de
recursos irregulares destinados a irrigar os cofres de sua campanha à
reeleição.
Legado de Dilma: um país em crise
Para completar o cenário nada edificante para quem jura
inocência, a herança de Dilma é de amargar. De chorar lágrimas de esguicho. No
“golpe” sem armas e tanques, alardeado pelo PT e congêneres, a vítima foi o
povo. Dilma herdou de seu antecessor um País que crescia 7,5%, com baixa taxa
de desemprego, inflação controlada e investidores animados. Em meio ao repique
da crise e a queda nos preços das commodities, decidiu abandonar a política
econômica adotada até então para implantar sua “nova matriz econômica”, baseada
em crédito abundante, política fiscal frouxa e juros baixos. No vale-tudo para
se reeleger, tomou decisões temerárias como segurar preços administrados e
abandonar o equilíbrio fiscal. “O governo agiu como alguém que sonhou que iria
ganhar na mega-sena e saiu por aí gastando o que não tem”, diz Carlos Pereira,
cientista político da FGV-Rio. Com a volta da inflação, a comida sumiu do prato
de muitos brasileiros. O poder de compra foi corroído. O projeto de inclusão,
ancorado no consumo e traduzido pela ascensão social de milhões de pessoas,
ruiu como um castelo de cartas. O aumento do desemprego e a queda nos
rendimentos fizeram com que quase 4 milhões voltassem às classes D e E, de
acordo com recente levantamento realizado com base em dados da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios e da Pesquisa Mensal de Emprego, do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O setor elétrico, tido como
especialidade da gerentona, entrou em colapso. O investment grade virou pó e a
corrupção, já institucionalizada, se retroalimentou da tragédia
político-econômica e administrativa.
Na sessão do Senado que praticamente selou o destino de
Dilma, os próprios aliados da presidente afastada baixaram as armas. Enquanto
uns estavam mais preocupados em checar no celular os últimos resultados da
Olimpíada, integrantes da comissão de frente em defesa da petista, como a
senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), demonstravam resignação ante a derrota
iminente. “Nós que defendemos a presidenta Dilma temos consciência. Achamos até
que ela não tem condições mais de governabilidade. E não seríamos nós senadoras
e senadores irresponsáveis de apenas defender a volta dela para ampliar uma
crise que não é só política, mas econômica também”, disse momentos antes do
início da votação.
Não raro alinhado às teses petistas, o presidente do STF,
Ricardo Lewandowski, atuou como manda o figurino. Exercendo papel de
magistrado, limitou-se a cumprir as regras estabelecidas. Com elegância, chegou
a suspender o áudio de Gleisi Hoffmann: “Senhora senadora, eu tenho que ser
muito rígido com o tempo. Peço escusas à Vossa Excelência”, disse. Repetiu a
dose ante os excessos de Grazziotin e Kátia Abreu (PMDB-TO). Esta última também
teve o microfone cortado. Tranqüilo e sereno, o presidente do Supremo adentrou
ao plenário do Senado às 9h05. “O Senado está aqui para exercer uma de suas
mais graves atribuições que a Constituição lhe acomete”, sapecou. Logo na
abertura dos trabalhos, Lewandowski solicitou aos senadores que só pedissem a
palavra para se pronunciar sobre questões processuais. “Tendo em conta a
previsão de que esta sessão poderá tornar-se um tanto quanto longa, eu peço
vênia, desde logo, para ser muito rigoroso na contagem dos prazos”. Antes do início
da sessão, o presidente do STF rejeitou as questões de ordem que pediam a
suspensão do processo de impeachment de Dilma. Num dos recursos sem qualquer
cabimento, aliados da presidente afastada pediam para que fossem aguardados os
resultados de delações premiadas. Houve ainda um pedido de suspeição do relator
Antonio Anastasia, pelo fato de ele ser do PSDB, assim como um dos autores da
denúncia, o advogado e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior “Indefiro as
questões de ordem 1 e 2 por tratarem de fatos estranhos ao presente processo.
Não é possível suspender o feito com fundamento nestes argumentos”, afirmou. Ao
fim, o placar de 59 a 21, e a comemoração. “Ganhamos todos com esse julgamento.
Ganha o País, que tem a chance de ver resgatadas as condições políticas para
dar seguimento à estabilidade econômica”, disse a senadora Lúcia Vânia
(PSB-GO).
Ao tirar Dilma da frente, o Brasil começa uma nova etapa. A
saída definitiva da petista fará com que o presidente em exercício Michel Temer
atue com mais desprendimento para colocar em marcha as reformas necessárias ao
País. Num primeiro momento, como antecipou o ministro da Fazenda, Henrique
Meirelles, o governo deverá dedicar-se à implementação de medidas destinadas a
disciplinar as contas públicas, fundamentais para a retomada dos investimentos
e da confiança dos investidores. Há uma pauta de modernização da economia, já
iniciada, com a revisão das metas fiscais para este e para o próximo ano e com
a proposta de um teto para o aumento do gasto público, que poderá deslanchar a
partir do impeachment. É imperativo que o Congresso a aprove. Mesmo as
iniciativas mais impopulares, como alterações nas leis trabalhistas e
previdenciárias. Só assim, o País poderá sair da ruína econômica legada pela
desastrosa gestão petista.
O destino cumpre um roteiro nem de perto imaginado por Dilma
quando tomou posse ainda para o seu primeiro mandato em 1° de janeiro de 2011.
Resignada, nos dias derradeiros, Dilma acalentou um último desejo: o de não
sair do Palácio do Planalto pelos fundos, como Fernando Collor, em 1992, cercado
por um pequeno séquito de assessores. A cena pode até não se repetir. Na
prática, porém, para a maioria dos brasileiros, o efeito é o mesmo: Dilma não
deixará saudades. A partir de setembro, será apenas mais um quadro pendurado na
galeria de ex-presidentes.
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