domingo, 25 de dezembro de 2016

A PROPINA DE DILMA

Da ISTOÉ
Documentos do Departamento de Justiça dos Estados Unidos revelados na última quarta-feira 21, e que integram a papelada sobre o acordo de delação premiada da Odebrecht, causaram perplexidade mundial pela grandeza dos números. Segundo a papelada, o grupo Odebrecht pagou mais de US$ 1 bilhão (R$ 3,3 bilhões) em propinas a governantes e políticos de 12 países desde 2003. A maior parte desses subornos – US$ 599 milhões ou quase R$ 2 bilhões – foi repassada a autoridades brasileiras. O que mais chama a atenção, no entanto, é que entre os principais beneficiários estão a ex-presidente Dilma Rousseff. Apesar da fartura de evidências, a mais importante delas as próprias delações dos executivos da empreiteira que já apontavam a sua participação direta nas negociações de propina e caixa dois, a petista insistia em vender uma imagem de política pura e imaculada. A investigação dos EUA ajuda a desmontar esse discurso. De acordo com a documentação em poder das autoridades norte-americanas, a campanha de Dilma em 2010 foi irrigada com R$ 50 milhões em propinas.
A ex-presidente é descrita nos documentos americanos como a “Brazilian Official 2”. O texto do acordo com a Odebrecht mostra que a fortuna foi negociada pelo então presidente Lula em 2009 junto a Alexandrino Alencar, na época diretor do grupo. Lula, identificado na papelada como “Brazilian Official 1”, autorizou que Alexandrino acertasse com o ministro da Fazenda Guido Mantega, que nos documentos dos EUA é conhecido como “Brazilian Official 4”, a concessão de benesses para a petroquímica Braskem. A empresa integra o grupo Odebrecht. Mantega, segundo a papelada, disse que atenderia a petroquímica em troca de propina para a campanha de Dilma. O valor negociado ficou registrado num pedaço de papel: R$ 50 milhões. Os diretores da empresa fizeram os repasses por meio do já proverbial “departamento de propinas” do grupo.
R$ 100 milhões para o PT
O objetivo da Braskem era “assegurar uma vantagem imprópria para obter e manter seus negócios”. O órgão também calcula que a Odebrecht se beneficiou em US$ 1,9 bilhão como resultado dos pagamentos de subornos. Segundo o Departamento de Justiça, a “negociação espúria” deu certo e o governo implantou um programa que permitiu à Braskem continuar tendo abatimentos em impostos. A partir de 2006, estava em discussão a mudança no sistema de tributos de empresa. Por isso, a Braskem procurou integrantes do governo Lula para negociar uma legislação que não prejudicasse o grupo. E isso custou à Braskem a contribuição para a campanha de Dilma.
Em outro trecho do documento, os americanos dizem que o “Brazilian Official 4” (Mantega) negociou com a Braskem o pagamento de propinas no total de R$ 100 milhões para diversos candidatos petistas em 2014, incluindo Dilma Rousseff, candidata à reeleição. Antes de liberar os R$ 100 milhões para o PT, a Braskem iniciou uma tentativa de convencer o governo federal em 2011 a implantar mudanças tributárias que beneficiaram o setor petroquímico. A legislação foi apresentada no Congresso Nacional em 2013, mas enfrentou resistências dos parlamentares e acabou sendo paralisada por causa disso. “A Braskem precisou pagar quantias significativas para vários membros do Congresso para manter a tramitação do projeto”, diz o documento. Depois disso, a legislação foi aprovada. “A Braskem foi solicitada para pagar um adicional de R$ 100 milhões além do que o Empregado da Braskem 1 havia previamente acordado com o ‘Brazilian Official 1’ (Lula) para pagar ao partido político e aos membros do governo federal. Este acréscimo foi negociado pelo ‘Brazilian Official 4” (Mantega) e foi pago por doações a integrantes do partido nas eleições de 2014”, descreve o documento.
Os dados foram divulgados pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, órgão com o qual a Odebrecht assinou, em conjunto com Brasil e Suíça, seu acordo de leniência –tipo de delação premiada para empresas. A entidade norte-americana ficou impressionada com a prática criminosa da empreiteira. Em um comunicado, o Departamento de Justiça classificou de “maior caso de pagamento global de propina da história”. De acordo com a documentação, houve pagamentos de propina relacionados a mais de cem projetos da Odebrecht nesses 12 países: Angola, Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, Guatemala, México, Moçambique, Panamá, Peru, República Dominicana e Venezuela. A documentação divulgada contém um panorama geral das revelações feitas na delação premiada, mas não identifica os nomes dos funcionários da Odebrecht nem dos políticos envolvidos. Suas identidades até então são mantidas sob sigilo.
Contas no exterior
A engenharia financeira descrita no acordo é extremamente profissional. A Odebrecht e seus operadores usavam contas no exterior, principalmente nos Estados Unidos e na Suíça, para fazer sucessivas transferências bancárias que impedissem o rastreamento da origem do dinheiro até o destinatário final. A distribuição da propina se concentrava no Setor de Operações Estruturadas. Também eram usados doleiros que entregavam os recursos em dinheiro ao destinatário, usando malas e mochilas. A logística incluiu ainda a aquisição de um banco na Antígua, no Caribe, entre 2010 e 2011, para facilitar os repasses de propina no exterior.
Mais um fato grave admitido pela companhia e relatado pelo Departamento de Justiça foi a tentativa de obstruir a Operação Lava Jato. Quando as investigações vieram à tona, em 2014, e começaram a atingir a Odebrecht, os funcionários da empresa receberam a ordem de apagar registros que pudessem revelar as atividades ilegais. Em meados de 2015, funcionários da Odebrecht prometeram pagar US$ 4 milhões a agentes públicos do governo da Antígua para que eles não fornecessem documentos bancários que revelassem os pagamentos ilícitos do Setor de Operações Estruturadas. O encontrou teria ocorrido em Miami, na Flórida. A Lava Jato avançava ainda mais, porém a Odebrecht não se rendia. Já em janeiro de 2016, os funcionários da empreiteira destruíram as chaves de acesso a um sistema informatizado que tinha registros das propinas. Esses relatos são emblemáticos porque a Odebrecht foi a empresa mais resistente à Lava Jato. Negava enfaticamente a prática criminosa e ainda tentava atacar a origem das provas contra ela. Dois fatos minaram a resistência da empreiteira: a assinatura de um acordo de delação premiada por uma secretária da empresa, Maria Lúcia Tavares, e a descoberta do Setor de Operações Estruturadas, na 26ª fase da Lava Jato, em março.
Dentre os países estrangeiros que foram assediados pela corrupção da Odebrecht, a Venezuela foi o que teve maiores valores envolvidos. Segundo o Departamento de Justiça, foram pagos US$ 98 milhões em propina entre 2006 e 2015, nas gestões Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Em um dos casos, a Odebrecht pagou US$ 39 milhões a um intermediário do governo para obter contrato com uma companhia estatal. Também houve pagamentos para obter informações confidenciais sobre projetos de obras do governo. Até agora, esse é apenas o resumo das acusações da Odebrecht. Quando a íntegra vier à tona, o terremoto político promete atingir não apenas o Brasil, mas vários outros governos pelo mundo. Cada vez mais se justifica o apelido dado inicialmente de “mãe de todas as delações”. 
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