Murilo de Aragão, Blog do Noblat
Retrato alegórico de Dante Alighieri, de Agnolo Bronzino,
1530. O livro que que aparece no retrato é uma cópia da Divina Comédia (Foto:
Wikimedia)
A leitura da Divina Comédia, do genial Dante Alighieri é,
antes de mais nada, um processo de auto-avaliação, conforme as páginas vão
passando e as construções mentais são realizadas. Quando se atinge o estágio de
análise dos nove círculos do inferno, antes do destino final e eterno, não há
como não aplicar no nosso sistema político uma metáfora tirada livro.
O nosso universo político possibilita, infelizmente, que um
indivíduo, eleito pelo poder sagrado do voto, resvale pelos círculos do pecado
político, até atingir o último estágio: o da aniquilação.
Primeiro círculo: Irrelevância
Uma infinidade de políticos brasileiros se encontra nesse
primeiro círculo do inferno. Suas irrelevâncias como políticos – prefeitos,
vereadores, deputados, senadores – é visível, com impacto trágico na nossa
sociedade. A irrelevância deles aniquila as chances de o país atingir o ponto
em que deveríamos nos encontrar.
Segundo círculo: Ignorância
A ignorância de inúmeros parlamentares diante de temas
elementares os leva a tomar decisões rápidas, mas capazes de definir os rumos
do Brasil, com base em achismos e impressões. No entanto, a pior forma de
ignorância parte daqueles que se consideram donos de uma determinada visão de
mundo, e, justamente por isso, se recusam a tentar compreender campos opostos.
Seria melhor que fossem irrelevantes do que ignorantes. Um ignorante pode
sempre causar mais danos.
Terceiro círculo: Fome de poder
Quando a fome de poder se torna o principal objetivo de um
político, ele passa a perseguir metas baseadas na sua noção de moral e
(flexibilidades) ética. O poder torna-se a busca e o fim, e por isso não há
fator externo que impeça um político de mirar esse objetivo. Todos os temas
nacionais, regionais ou locais passam a ser apenas veículos para atingir
objetivos. Eis um jogo pessoal de um mero colecionador de poder.
Quarto círculo: Cobiça
Pior do que a busca incessante pelo acúmulo do poder, é a
busca incessante por bens materiais. Enquanto outro se satisfaz com algo
abstrato, este quer a pobreza do material, o roubo, o acúmulo de ouro, taças de
prata e colares. A cobiça cega mais que a busca pelo poder. No Brasil, pode-se
identificar facilmente os que se corromperam com pouco, atraindo a Justiça para
sua porta, consequência do simples acúmulo. Esse tipo de político geralmente se
entrega aos prazeres da facilidade na obtenção de vantagens e,
consequentemente, recursos, caindo na vala comum do batedor de carteiras.
Quinto círculo: Ódio
Os episódios políticos deste ano geraram ondas de ódio que
beiraram o absurdo. Compreendem-se as reações apaixonadas e exageradas de
cidadãos pró e anti-governo. No entanto, esse ódio baseado em explicações rasas
jamais poderiam ter invadido o universo parlamentar. São ridículas as promessas
de deputados de deixar o país caso o impeachment ocorresse, cusparadas em
adversários e congratulações a torturadores do passado. O ódio geralmente é
infantil e baseado na falta de argumentos.
Sexto círculo: Mentira
A mentira política no Brasil desviar completamente a rota
que o país estava seguindo. Hábito comum em campanhas eleitorais, já seria
suficiente para catapultar quase todos para o sexto círculo do inferno
político. Estamos expostos a todo tipo de mentiras. Mentiras de natureza
inocente, ludibriadora e maldosa. Mentiras que desviam do real estado da
economia para poder ganhar uma eleição, mentiras com a câmera em close up para
transmitir credibilidade. A profissionalização da mentira estimulou a população
a não só tolerá-la, mas quase a desejá-la em épocas de eleições. A mentira
política chegou ao auge, extrapolou e está tirando a sociedade da hipnose.
Enquanto isso, as famosas delações premiadas chegaram para mostrar que mentiras
repetidas infinitamente continuam sendo mentiras.
Sétimo círculo: Egoísmo
O egoísmo na política é muito pior do que fora dela.
Principalmente quando vem de grandes nomes, nomes quase mitológicos no universo
político. Quando o “eu" se torna maior que o país, quando uma decisão
contrária aos seus “põe o país de cabeça para baixo”, é que percebemos o
potencial destruidor do egoísmo de grandes nomes políticos. Esse “eu” está
presente na Coréia do Norte de Kim Jong-um, na União Soviética de Stalin, na
Cuba de Fidel Castro e na Venezuela de Maduro. O egoísmo na política obriga a
todos que admiram o egoísta a trocar a lealdade para com um país, um povo e
para com si próprio, por um indivíduo - o mito.
Oitavo círculo: Fraude
A mentira é a fraude das palavras. Na verdade, é a expressão
verbal de algo que pode vir a ser (ou não) uma fraude real. No entanto, a
mentira executada é sua materialização. Seja em forma de pedalada fiscal, seja
na venda super-faturada de uma refinaria ou no perdão calculado de da dívida de
certos países para com o BNDES. A fraude mata, pois é a transferência de renda
do potencialmente bom para o mal. O que nos leva ao nono círculo.
Nono círculo: Traição ao povo
A traição ao povo é a renúncia da nacionalidade, a renúncia
de princípios, a renúncia de tudo aquilo com o qual um político se comprometeu
a fazer quando ingressou na vida pública. A traição pode vir da fraude, da
mentira, do egoísmo. No entanto, o político que chega a esse ponto, passou por
cada um dos círculos e demonstrou excelência na transição de um para o outro.
Quem atinge esse estágio, nunca será esquecido pelo povo, algo que, por si só,
já seria uma punição. Ele será lembrado, se tornará adjetivo e servirá de
exemplo para que nunca mais algo assim volte a existir. Os grandes heróis
surgem quando os potenciais heróis ocupam tal estágio do universo político.
Nenhum comentário:
Postar um comentário