José Casado, O Globo
O Estado do Rio vai começar 2017 absolutamente falido, e com
uma dívida não paga de R$ 15,5 bilhões com o funcionalismo e empresas. Para
zerar essa dívida vencida, seria necessário que cada um dos 16,4 milhões de
habitantes fizesse uma doação de R$ 939,5 logo no primeiro dia de janeiro.
Mesmo se fosse possível, isso só resolveria o problema por 24 horas.
Porque o orçamento para os 364 dias seguintes prevê um gasto
de R$ 75 bilhões para uma receita de R$ 60 bilhões. O estado perdeu as
condições básicas de governabilidade. Rompeu com todos os limites da Lei de
Responsabilidade Fiscal — do endividamento à despesa com pessoal.
Há dúvidas sobre as possibilidades reais de o governo
estadual cumprir a Constituição, neste e no próximo ano, no gasto mínimo em
Saúde (12% da receita), Educação (25%), Ciência e Tecnologia (2%). E são remotas
as chances de eficácia do “pacote” de cortes que a Assembleia vota hoje.
Das 20 medidas, ao menos uma dúzia tende a ser descartada
como “inconstitucional”. As que sobrariam são insuficientes. Isolado e em rota
de colisão com o Legislativo e o Judiciário, o governador Luiz Fernando Pezão
assiste impassível ao avanço de articulações para o seu impeachment.
A ruína do Rio é reveladora sobre a anarquia na Federação —
veja-se Minas e o Rio Grande do Sul. O caos afeta quem mais depende dos
serviços de saúde, educação e segurança. No Rio, por exemplo, de cada dez
pessoas que necessitam terapia intensiva, só quatro conseguem internação na
rede pública.
Algumas recorrem à Justiça, outras morrem na fila. A crise é
devastadora para muitos, mas não para todos. Os paraísos burocráticos seguem
incólumes. Neles, os chefes têm empregos vitalícios e aposentadoria integral.
No Legislativo, Judiciário e no Ministério Público recebem R$ 30,4 mil, mais
vantagens pecuniárias, têm duas férias anuais e mordomias.
Uma delas são os carros oficiais (R$ 100 mil cada), com
estacionamento e combustível grátis. Dias atrás, discutiam-se cortes na frota
da Alerj. Houve resistência à eliminação do “instrumento de trabalho”. O
deputado André Ceciliano (PT) protestou: “Se depender da população, não vamos
ter nem salário”.
Há também os “auxílios” (moradia, educação, alimentação
etc.). No Tribunal de Justiça do Rio, os ajutórios superam R$ 800 milhões ao
ano. Às vezes, o Judiciário decreta um “retroativo”. Em junho, Goiás pagou
indenização a juízes por tudo que comeram desde de maio de 2004 sem
auxílio-alimentação. A fórmula foi replicada pelo país.
Nesses jardins do funcionalismo, chefes têm um séquito de
assessores, com mordomias. Na folha do Tribunal de Contas do Rio há 121
motoristas e auxiliares com remunerações que chegam a R$ 32 mil mensais.
No tribunal municipal cada conselheiro possui 14 assessores,
além da estrutura ao custo anual de R$ 220 milhões. Onze deles batalham agora
por auxílio-moradia (R$ 4,3 mil), duas férias por ano e emprego vitalício. Nada
além do que seus chefes já possuem.
A crise do Rio vai muito além da tragédia cotidiana visível
nas ruas, nos hospitais e nas escolas do estado. Ela resume a devastação
nacional cultivada em leis emuladas por corporações e lobbies setoriais. Não
tem nada ilegal, é apenas contra o interesse público.
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