Da Veja
O senador Aécio Neves é o terceiro grão-tucano a cair na
teia de delações da Odebrecht — e em relação aos seus antecessores, José Serra
e Geraldo Alckmin, é seguro dizer que sua situação é um pouco pior. E pode se
complicar ainda mais. VEJA teve acesso com exclusividade ao conteúdo da delação
do ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Junior, um dos 78
executivos da empreiteira a firmar acordo de delação com a Justiça. Em seu
depoimento, BJ, como é conhecido, afirmou que a construtora baiana fez
depósitos para Aécio em conta sediada em Nova York operada por sua irmã e
braço-direito, a jornalista Andrea Neves. De acordo com BJ, os valores foram
pagos como “contrapartida” — essa é a expressão usada na delação — ao
atendimento de interesses da construtora em empreendimentos como a obra da
Cidade Administrativa do governo mineiro, realizada entre 2007 e 2010, e a
construção da usina hidrelétrica de Santo Antônio, no Estado de Rondônia, de
cujo consórcio participa a Cemig, a estatal mineira de energia elétrica.
VEJA confirmou a denúncia de BJ com três fontes distintas,
todas elas ligadas ao processo de delação organizado pela Odebrecht. As fontes
pediram o anonimato porque não estão autorizadas a fazer revelações sobre as
delações e temem algum tipo de represália ou censura. Os três depoimentos
colhidos por VEJA confirmam a natureza da denúncia: depósitos de
“contrapartida” feitos em conta bancária em Nova York operada por Andrea. A
jornalista Andrea Neves, 58 anos, é irmã do senador e uma das principais
conselheiras de Aécio desde as primeiras incursões do mineiro na política, nos
anos 1980. Andrea cuida pessoalmente da imagem do irmão e assumiu a área de
comunicação do governo de Minas e a interlocução com empresários nas duas
gestões do tucano. Sua atuação a fez temida e respeitada por aliados, e também
a colocou em rota de colisão com os opositores de Aécio, que a acusavam de
praticar censura ao pressionar veículos de comunicação críticos à gestão do
então governador.
A denúncia de BJ é grave e atinge em cheio a imagem de um
político que, até outro dia, firmava-se como a principal liderança da oposição
ao governo do PT e, com o impeachment de Dilma, tornou-se figura expressiva,
embora atuando nos bastidores, no governo de Michel Temer. Por meio de sua
assessoria, Aécio Neves classificou a acusação de “falsa e absurda”. E
acrescentou: “Se confirmadas tais declarações — vazadas ilegalmente —, elas
precisam necessariamente de comprovação, dada a gravidade de seu conteúdo”. O
senador ainda reclama de que se trata de uma acusação da qual nem tem como se
defender, já que vem desacompanhada de detalhes, como o nome do banco ou o
número da conta.
Na delação, BJ falou da conta e dos repasses, mas ainda
precisa comprovar o que disse. Suas informações, no entanto, já foram
homologadas pelo Supremo Tribunal Federal, o que indica que os investigadores
entenderam que precisam ser levadas a sério. Do contrário, teriam sido
desprezadas.
BJ era amigo de Aécio e frequentemente era visto jantando
com o senador no Rio. Na hierarquia da Odebrecht, já foi o terceiro homem mais
importante, tendo presidido a divisão de Infraestrutura da empreiteira. Depois
de Marcelo Odebrecht, presidente e herdeiro da empresa, BJ é o principal
delator entre os 78 que fecharam acordo com a Procuradoria-Geral da República.
Com seu status dentro da empresa, BJ tornou-se uma espécie de diretor informal
do já famoso “departamento da propina” da Odebrecht, cuja existência só foi
descoberta depois que a PF achou, em seu escritório, planilhas com valores
associados ao nome de mais de 200 políticos. Portanto, BJ ocupou cargos e
exerceu funções que lhe davam acesso a informações relevantes e sigilosas
dentro da empresa. Essa é uma das razões pelas quais o Ministério Público
considerou sério o bastante o conjunto da delação do executivo. BJ, que já
esteve preso, hoje se encontra em liberdade.
Se BJ comprovar a denúncia em sua delação, a Lava-Jato terá
disparado um petardo letal contra o senador tucano, que é um dos políticos mais
citados nas denúncias da Odebrecht. Dos 83 inquéritos que a Procuradoria-Geral
da República pediu para abrir com base nas delações da empreiteira, seis se
referem a Aécio. De acordo com o conteúdo das delações, ele é também o político
que recebeu uma das mais altas somas da construtora, 70 milhões de reais,
considerando-se os pagamentos de 2003 até agora. Esse dinheiro não apareceu nas
contas de campanha de Aécio declaradas ao Tribunal Superior Eleitoral.
(Oficialmente, nos registros do TSE, Aécio recebeu 15,9 milhões de reais da
Odebrecht em 2014. Nos anos anteriores, não é possível levantar o montante, já
que a lei permitia que as doações fossem feitas aos diretórios ligados ao
candidato.)
Do total de 70 milhões, 50 milhões foram repassados ao
senador depois que a Odebrecht venceu o leilão para a construção da
hidrelétrica de Santo Antônio, em dezembro de 2007. A afirmação, que já veio a
público, foi feita pelo ex-presidente da construtora Marcelo Odebrecht em
depoimento ao TSE, na ação que julga a chapa Dilma-Temer. Além da Odebrecht,
fizeram parte do consórcio vencedor da obra fundos de investimento, a Cemig e
Furnas. Em sua delação, antecipada pelo jornal Folha de S.Paulo no mês passado e
confirmada por VEJA, Marcelo Odebrecht declarou que decidiu repassar os 50
milhões ao tucano porque queria ter uma boa relação com as duas sócias da usina
sobre as quais Aécio tinha influência — a Cemig, estatal mineira que na época
era controlada pelo tucano, e Furnas.
Não foi a primeira vez que o senador tucano foi apontado
como destinatário de propina. Em fevereiro, a Folha publicou que BJ disse, em
delação, ter se reunido pessoalmente com Aécio ao menos uma vez para tratar de
um esquema de fraude em licitação na obra da Cidade Administrativa. O objetivo
era favorecer as grandes empreiteiras na construção do centro, que custou mais
de 2 bilhões de reais. No encontro relatado, o executivo diz que o senador
mineiro mandou as construtoras Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão combinar
os detalhes do esquema com Oswaldo Borges da Costa Filho, o Oswaldinho, diretor
da Cemig e apontado como seu tesoureiro informal. Em troca, afirmou o delator,
ficou acertada uma propina de 2,5% a 3% do valor da obra. Segundo o executivo,
o próprio Aécio decidiu quais empresas participariam da empreitada, liderada
pela Odebrecht. Na época, Aécio repudiou o teor do relato de BJ e defendeu o
fim do sigilo sobre as delações, afirmando ser “impossível responder a
especulações, interpretações ou informações intencionalmente vazadas por fontes
não identificadas”.
Em nota a VEJA, Aécio reafirmou que é um “defensor da
liberação imediata e total do conteúdo das delações. Com isso, os acusados
poderão saber exatamente do que precisam se defender”. Diz o mesmo sobre a
acusação de BJ a respeito dos depósitos em conta de Nova York controlada por
Andrea. A assessoria do senador declarou que, “se feita, a afirmação sobre a
existência de uma conta em Nova York controlada pela irmã do senador Aécio
Neves obriga que o delator apresente dados da mesma. Ao fazê-lo, ficarão
comprovadas a mentira e a covardia da falsa acusação”. O tucano disse que
“jamais manteve com o delator qualquer abordagem ilícita”.
Em nota, sua irmã afirmou que a declaração de BJ “é falsa e
covarde” e a deixa “impotente nesse momento, refém de uma afirmação mentirosa”:
“É lamentável que afirmações dessa gravidade sejam divulgadas sem que seja
checada antes a sua veracidade. Assim que forem apresentados os dados que
permitam identificar o banco e a conta, vou cuidar pessoalmente de provar a falsidade
da acusação. Infelizmente, quando isso ocorrer, a publicação do desmentido não
será capaz de reparar os danos causados pela divulgação da falsa informação.
Tristes tempos esses em que palavras de acusação, mesmo quando facilmente
comprovadas suas falsidades, valem mais que a verdade”. Consultada, a Odebrecht
limitou-se a informar que prefere não se manifestar sobre a delação de BJ.
Barafunda no ninho
A Lava-Jato virou mais um fator de instabilidade no já
bastante instável ninho tucano. Com as delações dos executivos da Odebrecht, os
três principais quadros do PSDB para 2018 estão vendo suas pretensões políticas
ser postas em xeque. O primeiro afetado pelas revelações da empreiteira foi o
senador paulista José Serra. Ele foi acusado pelo ex-CEO da Odebrecht Pedro
Novis de ter recebido 23 milhões de reais do departamento da propina da
construtora em contas na Suíça, o que ele nega.
A acusação veio a público em agosto. Com seu espaço no
partido reduzido, Serra viu-se obrigado a apoiar a manobra de Aécio Neves para
se manter na presidência do PSDB até as vésperas da eleição do ano que vem. Com
isso, o mineiro pretendia garantir o controle da forma como se dará a escolha
do candidato presidencial — nas últimas eleições, seu nome foi escolhido por
aclamação. Em resposta, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, passou a
defender publicamente a convocação de prévias no partido. Alckmin é o menos
afetado dos três grão-tucanos citados nas delações da Odebrecht e sabe que isso
pode contar a seu favor no ano que vem. Executivos da empreiteira afirmaram que
não chegaram a discutir o pagamento de vantagens indevidas diretamente com ele.
Os repasses teriam sido negociados com pessoas próximas a Alckmin. O governador
também nega qualquer recebimento ilegal da empreiteira.
As delações da Odebrecht, somadas à guerra nos bastidores do
partido, já ceifaram boa parte dos efeitos do sucesso eleitoral da legenda no
ano passado, quando o PSDB interrompeu um ciclo de queda de representatividade
que durou dezesseis anos e conquistou 98 novos municípios. A supersafra incluiu
a prefeitura de São Paulo, hoje ocupada pelo empresário João Doria — por
exclusão, cada vez mais próximo de ser o nome a representar os tucanos em 2018.
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