Artigo de Fernando Gabeira
No momento em que a agonia da engrenagem
político-empresarial ainda depende de uma Justiça lenta e burocrática, minha
inspiração vem do trabalho cotidiano. Cobri o surto de zika em Pernambuco, de
chikungunha em Aracaju, a febre amarela em Minas, Espírito Santo e Rio. Há dois
meses uma superbactéria matou um homem no Rio Grande do Norte. Ouço falar de
casos de malária em Petrópolis e estou cada mais inquieto com as condições das
cidades brasileiras.
Dizem os especialistas que temos de conviver com o Aedes aegypti.
O mosquito é um terrorista biológico, pois, além das doenças que transmite,
pode ser também uma espécie de difusor da febre amarela, se ela chegar ao meio
urbano.
Os autores americanos Michael T. Osterholm e Mark Olshaker
lembram, em texto no “New York Times”, que as doenças e as epidemias são um
caso de segurança nacional. E enfatizam algo que seria meu tema sobre a
superbactéria encontrada no Brasil e pesquisada em São Paulo: alguns micróbios
estão cada vez mais resistentes aos antibióticos.
Os americanos previram numa pesquisa que, se deixados sem
tratamento adequado, micróbios resistentes aos antibióticos podem matar em 2050
mais do que o câncer e a diabete somados.
Num planeta com 7,4 bilhões de habitantes, 20 bilhões de
galinhas, 400 milhões de porcos e uma rápida conexão entre os países, uma
epidemia é de fato a grande ameaça. Lembram que a gripe espanhola, em 1918-19,
matou mais gente do que todas as guerras do século XX. Citam o zika no Brasil
e, sobretudo, a recente volta da febre amarela, que tende a matar a metade das
pessoas infectadas. Não estamos sozinhos nisso. Os chineses têm o problema da
gripe aviária H7N9, e os árabes, a chamada síndrome respiratória do Oriente
Médio.
Falar dessas coisas, num passado recente, parecia um pouco
coisa de louco. No filme “Dr. Fantástico”, de Stanley Kubrick, há um general
obcecado por micróbios, aliás muito bem protagonizado por Sterling Hayden.
Mas agora se fala abertamente em jornais de medicina. O
próprio Bill Gates, que doou uma parte de sua fortuna para pesquisas, afirmou:
“De todas as coisas que podem matar mais de 10 milhões de pessoas no mundo, a
mais provável é uma epidemia emergindo de uma causa natural ou do
bioterrorismo”.
Os autores criticam Trump, que não compreende isso e decidiu
cortar verbas de US$ 1 bilhão para o setor de prevenção às doenças. Mas os
Estados Unidos, por meio de seus milionários e cientistas, estão cada vez mais
conscientes de que precisam de um esforço planetário para atenuar essa ameaça.
Não conseguiram impedir que o vírus zika chegasse ao seu território. Foi uma
prova de limitação e, ao mesmo tempo, um susto.
Nessas longas viagens, penso no papel do Brasil, onde as
coisas realmente acontecem: zika, chikungunha e, agora, a volta da febre
amarela. Seria interessante de alguma forma considerar o tema como uma questão
de segurança nacional? Nos tempos em que se discutia segurança nacional,
lembro-me que a maior novidade em foco era a guerra cibernética, o
desenvolvimento da criptografia, essas coisas. Hoje, os russos são acusados de
intervir na eleição americana, os americanos, por sua vez, revelam que tentam
neutralizar a produção nuclear norte-coreana enlouquecendo seus computadores.
Quando digo segurança nacional no caso de epidemias não
penso, necessariamente, nas Forças Armadas. Sozinhas, fariam muito pouco.
Imagino uma articulação nacional que não só analisasse a nossa situação e
vulnerabilidades, mas que visse o mundo como aliado.
Acredito que, no momento, o Brasil teria muito a ganhar ao
abrir para pesquisas e doações internacionais voltadas para nossos problemas.
Um caso que precisa ser estudado, por exemplo, é a morte de mais de mil macacos
no Espírito Santo. Além do mais, por ali, os pesquisadores já trabalham numa
tentativa de estabelecer a progressão da febre na mata e, certamente, levantar
hipóteses sobre o rumo de seu possível avanço.
Tenho um trabalho específico de documentar, e ele precisa, a
cada vez, encontrar o tom exato: informar sem alarmar. O front da comunicação é
vital no esforço de entender os cientistas e traduzir seus dados de forma a
buscar levar a uma resposta racional das pessoas. No caso da febre amarela, nem
sempre é possível alcançar essa racionalidade. É preciso definir prioridades e
acalmar as pessoas, mostrar que a vacina fará parte do nosso cotidiano. Segundo
um especialista, houve até pessoas que tomaram uma vacina e voltaram ao fim da
fila, na expectativa de tomar outra.
Esse novo ciclo da febre amarela é muito forte. Mas não há
nenhuma razão para se alarmar. Certamente sairemos dessa. Mas com tantas
crises, talvez fosse a hora de nos perguntar o que aprendemos, esboçar uma
ideia do que fazer diante desse novo momento. É novo porque doenças sempre
existiram, mas o mundo não era tão interligado como antes, e os antibióticos só
agora dão sinais de fadiga.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 02/04/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário