A indagação talvez mais importante e perturbadora do momento
é se a política raivosa se trata de um fenômeno passageiro ou veio para ficar.
Realmente, hoje o que mais nos chama à atenção são o aumento da agressividade e
de uma sedutora grossura. Parece ser um fenômeno mundial, mas neste meu espaço
mal cabe o Brasil. E isso é bom, pois me afasta da descabida pretensão de tudo
compreender.
Por aqui, as sementes da raiva estão bem à vista. Eclodiram
na era Lula, robusteceram-se na esteira da recessão, do empobrecimento do País,
do desvendamento da corrupção e desabrocharam para valer com o enfrentamento de
2018 entre o bolsonarismo e o petismo.
A primeira pista que me vem à mente é perguntar o que há em
comum entre Lula e Bolsonaro. No culto da macheza, eles são perceptivelmente
iguais. É assim que, em geral, os populistas se apresentam: são avessos às
luvas de pelica e gostam mesmo é de dar murros na mesa. A macheza de Lula apoiava-se
nos comícios ululantes, na massa movida à mortadela, nas bandeiras vermelhas. A
de Bolsonaro, na encenação teatral do tipo corajoso, que topa qualquer parada.
Haverá entre eles alguma semelhança que se possa descrever
como ideológica? Para responder afirmativamente, precisamos reduzir o termo
ideologia à sua expressão mais banal, a um simples anti-intelectualismo, uma
vez que ideias articuladas não são o forte de nenhum dos dois. Lula esgrimia
trivialidades sobre a “justiça social”, Bolsonaro quer acabar uma lista sem-fim
de crenças que considera “de esquerda”.
Elaboradas por suas respectivas equipes econômicas, na
questão econômica há diferenças importantes. Lula, se pudesse, prolongaria ad
aeternum o desastre do intervencionismo estatal, do nacional
desenvolvimentismo.
Bolsonaro, confiando em Guedes, parece aceitar que desmontar
o Estado parasitário e instituir uma ordem econômica mais liberal é nossa única
saída.
O essencial, porém, é que a raiva generalizada é irmã
siamesa da desconfiança universal. Desconfiança em relação a tudo e a todos, em
relação às instituições, principalmente – turbinada diariamente pelas redes
sociais. O comportamento desastrado e irresponsável das mais altas instâncias
do Judiciário tem muito a ver com a formação desse ambiente enlouquecido.
Desfazê-lo é possível, mas não enquanto os personagens desse drama conservarem
suas nefastas influências.
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