Como bem disse o historiador José Murilo de Carvalho, no
Brasil a república não é republicana. E o que faz nosso sistema político ser
assim? É o fato de, ao longo de nossa história, o conjunto das forças sociais
ter se movido mais por interesses do que por princípios ou valores. Essa
prevalência se expressa na forma do autoritarismo que permeia a política
nacional desde sempre. Interesses são defendidos pela imposição do medo como
estratégia e da não aplicação do direito e da lei.
O autoritarismo sempre foi e sempre será o maior inimigo da
lei e da ordem por atropelar as instituições, colocando os interesses acima dos
princípios gerais. O autoritarismo desmoraliza as instituições e, sem estas,
não se pode assegurar o exercício do direito, nem tampouco a aplicação de
princípios e valores. A situação se torna mais complexa quando o autoritarismo
não é percebido como tal. Ou só é percebido e condenado se praticado pelo
adversário da vez. A ausência de princípios e de valores acaba suavizando a
interpretação do que seja ou não autoritarismo.
Para muitos, por exemplo, uma condução coercitiva sem prévio
convite para prestar depoimento – recurso usado com frequência pela Operação
Lava Jato – não é uma manifestação de autoritarismo por parte do Judiciário e,
sim, um recurso para atingir o bem comum e o interesse coletivo. Ainda no caso
da Lava Jato, poucos se indignaram com a determinação de prisões temporárias de
longo prazo, uma vez que os detidos em questão eram notórios meliantes e, mesmo
sem julgamento, mereciam apodrecer na cadeia. Novamente os interesses se
sobrepuseram aos princípios, deixando à mostra nossa face autoritária e o
emprego do medo para fazer prevalecer os interesses.
Em tempos de Vaza Jato, que revela o interesse e o medo nas
ações investigatórias, a utilização generalizada de aplicativos criptografados
para se comunicar indica a falência das instituições em sua função de assegurar
o sigilo nas comunicações. Ironicamente, nem a adoção da criptografia nos
aplicativos poupou aqueles que sempre vulgarizaram o direito ao sigilo dos
investigados, vazando seus depoimentos para a imprensa de forma recorrente.
A midiatização dos processos de investigação é outra face do
nosso autoritarismo. Bem como a vocação para o estrelato de certas figuras de
nosso Judiciário, que, caso se comportassem republicanamente, só se
manifestariam por meio dos autos. Os piores males são aqueles praticados em nome
do bem. Como disse Millôr Fernandes, o Brasil ainda tem um longo passado pela
frente.
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