O combate à corrupção e ao crime organizado, que se
intensificou no país com a Operação Lava-Jato, entra agora, cinco anos depois,
talvez na sua mais sensível etapa. Como aconteceu na Itália das Mãos Limpas,
interesses diversos se uniram para tentar colocar limites à ação dos
procuradores de Curitiba.
Uns com o intuito precípuo de não serem alcançados, ou
conseguirem a anulação das condenações, outros preocupados com supostas
transgressões legais praticadas no que um dos seus mais contundentes
adversários, o ministro do Supremo Gilmar Mendes, chama de “o Direito de
Curitiba”. Muitos, usando a segunda razão como escusa para atingir o primeiro
objetivo.
Essa disputa de poder tem também o hoje ministro Sergio Moro
na alça de mira, e como em todas as etapas há conflitos de interesses, surgem
paradoxos inevitáveis. Apoiador declarado da Operação Lava-Jato, o que
explicitou ao convidar Moro para seu Ministério, o presidente Bolsonaro acaba
de dar novas cores à crise institucional em processo com a decisão de mudar o
presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Roberto
Leonel, indicado por Moro quando o órgão era subordinado ao Ministério da
Justiça e Segurança Pública.
Moro pediu para ficar com o Coaf na montagem do novo
Ministério, órgão considerado imprescindível para o combate a crimes de
colarinho branco e formação de quadrilha. Derrotado no Congresso, que
transferiu o Coaf para a Fazenda, Moro terá nova derrota com a mudança de seu
indicado, e pelas razões que se sabe.
A garantia de Bolsonaro de que nada mudaria no Coaf começa a
desmoronar, e a pressão sobre o ministro Paulo Guedes coloca em xeque os
outrora chamados superministros. Bolsonaro não gostou das críticas que Leonel
fez à decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, de
suspender as investigações baseadas em informações do Coaf sem autorização da
Justiça.
A medida foi tomada a pedido da defesa de Flávio Bolsonaro,
que está sendo investigado dentro de um processo que abrange diversos deputados
e funcionários da Assembleia Legislativa do Rio.
São conflitos de interesse que interferem nas investigações
sobre corrupção, obstáculos paralelos aos que estão sendo colocados no caminho
da Operação Lava-Jato pelo Congresso, que reluta em aprovar o projeto anticrime
de Moro, e também pelo Supremo.
A decisão de requisitar os diálogos, áudios e vídeos
hackeados que servem de base para as reportagens do site The Intercept Brasil,
que coordena a divulgação por outros veículos, teve objetivos distintos, embora
tenham saído logo no primeiro dia de funcionamento do STF depois do recesso do
Judiciário.
O ministro Luiz Fux, provocado por uma ação do PDT, era
obrigado a atuar. E o fez com o objetivo de preservar as provas para saber,
inclusive, a origem delas para aferição da ilicitude. O ministro Alexandre de
Moraes se baseou em publicação na “Folha de S. Paulo” para requisitar as provas
integrais dentro do inquérito que preside no Supremo sobre fake news.
Implicitamente, está dando valor às provas conseguidas
ilegalmente pelos hackers, embora não possa usá-las para acusar ninguém,
especialmente o procurador Deltan Dallagnol, coordenador do Ministério Público
da Lava-Jato em Curitiba.
Enquanto alguns esperam que do inquérito do Supremo surjam
elementos para acusá-lo mesmo sem utilizar as provas, consideradas
imprestáveis, outros ministros acham que ele não precisa ser afastado. Teria
perdido já a legitimidade para exercer a função.
Os diversos atores dessa disputa de poder usam as armas de
que dispõem para constranger adversários. O ministro do Tribunal de Contas da
União (TCU) Bruno Dantas, muito ligado a Gilmar Mendes, deu 15 dias para que a
Receita Federal detalhe as investigações dos últimos cinco anos que envolvam
autoridades de Legislativo, Executivo e Judiciário.
A Associação Nacional dos Procuradores teve o apoio da
procuradora-geral da República, Raquel Dodge, no pedido para que o Supremo
suspenda o inquérito que apura supostas ofensas aos ministros do STF. Que ela
considerou um “tribunal de exceção”.
“Não há como imaginar situação mais
comprometedora da imparcialidade e neutralidade dos julgadores, princípios
constitucionais que inspiram o sistema acusatório”, define Dodge. A mesma
acusação que ministros do Supremo e a defesa dos acusados fazem a Moro,
Dallagnol e aos demais procuradores de Curitiba.
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