O deputado abriu o sorriso. “A faísca vem do atrito
entre eles. A gente só abana.” No último dia de votação da reforma da
Previdência na Câmara, o assunto era um só e não guardava relação com a mudança
no sistema de aposentadorias. O desgaste do ministro Sergio Moro (Justiça) com
o presidente Jair Bolsonaro dominou as conversas. No meio da tarde, reta
final da tramitação, o plenário subitamente se esvaziou. Setenta deputados
atravessaram a rua para uma audiência com o presidente do Supremo Tribunal
Federal, Dias Toffoli. O objetivo declarado, mesmo por antipetistas, era
protestar contra a decisão judicial de transferir o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva de Curitiba para um presídio comum em São Paulo. Na esteira da
iniciativa, encampada pela cúpula da Câmara, imediatamente se espalhou o recado
mal disfarçado da insatisfação com o ministro da Justiça e sua agenda pró-Lava
Jato, a operação que colocou numerosos políticos no banco dos réus.
“Há um mal-estar com Moro. Aqui a simpatia por ele não é
boa”, afirmou o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), o Paulinho da Força,
aos risos. “Moro está na linha de tiro. Não vamos pegar para Cristo, mas o que
vamos fazer é deixar ele apanhar.”
A cúpula do Congresso voltou do recesso sem ter digerido
muito bem a atitude de Moro de – na visão de parlamentares – ter vazado para a
imprensa a lista de autoridades que tinham sido hackeadas. Muitos dos nomes
citados, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), nem sequer usavam
mais o Telegram, o aplicativo alvo de invasões.
Ao identificar os sinais de descontentamento de Bolsonaro
com o ministro da Justiça, deputados da oposição e do centro comemoram e, no
que estiver ao alcance deles, investirão no descolamento dos dois.
Congressistas veem uma desconfiança da parte do presidente com o ministro, que
recorre à imprensa sempre que fracassa em emplacar sua agenda, de forma a
constranger o governo.
Nos últimos dias, Bolsonaro tomou duas atitudes que
evidenciaram, para os deputados, o descontentamento com Moro. A primeira foi
retirar o nome indicado pelo ministro da Justiça para compor o Cade (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica). A segunda é a pressão para substituir o
presidente do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), igualmente
empossado por Moro e hoje sob a batuta de Paulo Guedes (Economia). A
insatisfação do presidente veio a público depois de Moro criticar a decisão de
Toffoli de condicionar a atuação do Coaf a autorizações judiciais, medida cujo
beneficiário mais notável é o senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do
presidente.
Sob o comando de Moro, o Coaf servia de demonstração de
força de sua pauta de combate à corrupção. Enquanto controlou o órgão, Moro
praticamente dobrou o número de servidores, de 37 para 68, sendo dezesseis
deles indicações de confiança, de acordo com dados fornecidos à piauí pelo
Ministério da Justiça.
“A relação [entre presidente e ministro] está
beligerante”, afirmou o deputado José Nelto (PODE-GO), líder do Podemos na Casa
e um entusiasta da Lava Jato. “Primeiro, a própria retirada do Coaf do
guarda-chuva do Ministério da Justiça foi um golpe. E agora a retirada de seu
indicado. Aos poucos, Moro está perdendo força. Isso é bom ou ruim para o
governo? Ruim, porque ele tem muita credibilidade perante a opinião pública.”
Moro está sob fogo cruzado desde que o site The Intercept Brasil e
veículos parceiros passaram a publicar mensagens privadas atribuídas ao ex-juiz
e a procuradores da Lava Jato mostrando métodos heterodoxos de atuação.
Na manhã desta quarta-feira, Bolsonaro recebeu no Palácio do
Alvorada, sua residência oficial, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o
deputado Fábio Faria (PSD-RN) e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal. A pauta era um projeto de combate ao crime elaborado por
Moraes e encampado pela cúpula do Congresso. Moro, que apresentou o seu pacote
anticrime ao Congresso em fevereiro, não participou do encontro no Alvorada. Ao
criticarem o pacote de Moro, interlocutores de Bolsonaro no Congresso disseram
ao presidente que ele entende mais de segurança do que o seu ministro da
Justiça.
No dia seguinte, Bolsonaro foi claro ao dizer que o pacote
anticrime de Moro não é prioridade para o governo no Congresso. “Lamento, mas
tem que dar uma segurada. Eu não quero pressionar isso aí e atrapalhar,
tumultuar lá. Tantas outras propostas não enviamos para não atrapalhar a
Previdência. ‘Olha, se essa proposta for para frente, eu não voto a Previdência.’
É o jogo, tem que saber jogar”, afirmou o presidente.
Meses atrás, Maia se irritou com a postura do ex-juiz de
pressioná-lo a acelerar a tramitação do pacote anticrime. Chamou o ministro de
“funcionário do Bolsonaro”, e o seu projeto, de “um copia e cola” do texto de
Alexandre de Moraes. Um café da manhã apaziguou os ânimos, mas até agora os
únicos avanços do pacote na Câmara foram no sentido de desidratá-lo. Primeiro,
foi excluída a previsão de prisão após condenação em segunda instância. Nesta
semana, caiu o instituto do “plea bargain”, em que um réu que confessar
seu crime recebe pena menor. Há pelos menos outros cinco pontos na mira dos
deputados.
Deputados governistas observam o desgaste de Moro no
Congresso com cautela. Não querem reverberar o problema para não aumentá-lo, ao
mesmo tempo que reconhecem que a questão é muito sensível e que deslizes podem
prejudicar o Palácio do Planalto. Bolsonaro hoje precisa mais do Supremo do que
de Moro, sintetizou um parlamentar.
Repórter na piauí. Na Folha de S.Paulo,
foi correspondente em Nova York e repórter de política em São Paulo e Brasília
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