sexta-feira, 9 de agosto de 2019

CONGRESSO ABANA O FOGO ENTRE MORO E BOLSONARO

Thais Bilenky, PIAUÍ
O deputado abriu o sorriso. “A faísca vem do atrito entre eles. A gente só abana.” No último dia de votação da reforma da Previdência na Câmara, o assunto era um só e não guardava relação com a mudança no sistema de aposentadorias. O desgaste do ministro Sergio Moro (Justiça) com o presidente Jair Bolsonaro dominou as conversas. No meio da tarde, reta final da tramitação, o plenário subitamente se esvaziou. Setenta deputados atravessaram a rua para uma audiência com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli. O objetivo declarado, mesmo por antipetistas, era protestar contra a decisão judicial de transferir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de Curitiba para um presídio comum em São Paulo. Na esteira da iniciativa, encampada pela cúpula da Câmara, imediatamente se espalhou o recado mal disfarçado da insatisfação com o ministro da Justiça e sua agenda pró-Lava Jato, a operação que colocou numerosos políticos no banco dos réus.
“Há um mal-estar com Moro. Aqui a simpatia por ele não é boa”, afirmou o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), o Paulinho da Força, aos risos. “Moro está na linha de tiro. Não vamos pegar para Cristo, mas o que vamos fazer é deixar ele apanhar.”
A cúpula do Congresso voltou do recesso sem ter digerido muito bem a atitude de Moro de – na visão de parlamentares – ter vazado para a imprensa a lista de autoridades que tinham sido hackeadas. Muitos dos nomes citados, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), nem sequer usavam mais o Telegram, o aplicativo alvo de invasões. 
Ao identificar os sinais de descontentamento de Bolsonaro com o ministro da Justiça, deputados da oposição e do centro comemoram e, no que estiver ao alcance deles, investirão no descolamento dos dois. Congressistas veem uma desconfiança da parte do presidente com o ministro, que recorre à imprensa sempre que fracassa em emplacar sua agenda, de forma a constranger o governo.
Nos últimos dias, Bolsonaro tomou duas atitudes que evidenciaram, para os deputados, o descontentamento com Moro. A primeira foi retirar o nome indicado pelo ministro da Justiça para compor o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). A segunda é a pressão para substituir o presidente do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), igualmente empossado por Moro e hoje sob a batuta de Paulo Guedes (Economia). A insatisfação do presidente veio a público depois de Moro criticar a decisão de Toffoli de condicionar a atuação do Coaf a autorizações judiciais, medida cujo beneficiário mais notável é o senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente.
Sob o comando de Moro, o Coaf servia de demonstração de força de sua pauta de combate à corrupção. Enquanto controlou o órgão, Moro praticamente dobrou o número de servidores, de 37 para 68, sendo dezesseis deles indicações de confiança, de acordo com dados fornecidos à piauí pelo Ministério da Justiça.
“A relação [entre presidente e ministro] está beligerante”, afirmou o deputado José Nelto (PODE-GO), líder do Podemos na Casa e um entusiasta da Lava Jato. “Primeiro, a própria retirada do Coaf do guarda-chuva do Ministério da Justiça foi um golpe. E agora a retirada de seu indicado. Aos poucos, Moro está perdendo força. Isso é bom ou ruim para o governo? Ruim, porque ele tem muita credibilidade perante a opinião pública.” Moro está sob fogo cruzado desde que o site The Intercept Brasil e veículos parceiros passaram a publicar mensagens privadas atribuídas ao ex-juiz e a procuradores da Lava Jato mostrando métodos heterodoxos de atuação.
Na manhã desta quarta-feira, Bolsonaro recebeu no Palácio do Alvorada, sua residência oficial, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o deputado Fábio Faria (PSD-RN) e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. A pauta era um projeto de combate ao crime elaborado por Moraes e encampado pela cúpula do Congresso. Moro, que apresentou o seu pacote anticrime ao Congresso em fevereiro, não participou do encontro no Alvorada. Ao criticarem o pacote de Moro, interlocutores de Bolsonaro no Congresso disseram ao presidente que ele entende mais de segurança do que o seu ministro da Justiça.
No dia seguinte, Bolsonaro foi claro ao dizer que o pacote anticrime de Moro não é prioridade para o governo no Congresso. “Lamento, mas tem que dar uma segurada. Eu não quero pressionar isso aí e atrapalhar, tumultuar lá. Tantas outras propostas não enviamos para não atrapalhar a Previdência. ‘Olha, se essa proposta for para frente, eu não voto a Previdência.’ É o jogo, tem que saber jogar”, afirmou o presidente.
Meses atrás, Maia se irritou com a postura do ex-juiz de pressioná-lo a acelerar a tramitação do pacote anticrime. Chamou o ministro de “funcionário do Bolsonaro”, e o seu projeto, de “um copia e cola” do texto de Alexandre de Moraes. Um café da manhã apaziguou os ânimos, mas até agora os únicos avanços do pacote na Câmara foram no sentido de desidratá-lo. Primeiro, foi excluída a previsão de prisão após condenação em segunda instância. Nesta semana, caiu o instituto do “plea bargain”, em que um réu que confessar seu crime recebe pena menor. Há pelos menos outros cinco pontos na mira dos deputados. 
Deputados governistas observam o desgaste de Moro no Congresso com cautela. Não querem reverberar o problema para não aumentá-lo, ao mesmo tempo que reconhecem que a questão é muito sensível e que deslizes podem prejudicar o Palácio do Planalto. Bolsonaro hoje precisa mais do Supremo do que de Moro, sintetizou um parlamentar.
Repórter na piauí. Na Folha de S.Paulo, foi correspondente em Nova York e repórter de política em São Paulo e Brasília
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