Uma criança brincava na rua, quando ouviu o barulho da serra elétrica. Estavam derrubando o abacateiro do bairro. Ela saiu correndo para avisar os amigos.
Era final da década de 1980. A palavra “ecologia” era ordem
do dia só em acampamentos hippies e o apocalipse viria mais pela queda de um
meteoro do que pelo aquecimento global.
Eu, na flor dos meus dez anos, morava em um bairro de classe
média da zona sul de São Paulo. Além de muitas casas e alguns prédios, a região
tinha uma escola de bairro com um enorme abacateiro de mais de 30 anos.
Mal sabíamos que era o início de um dos maiores booms
imobiliários de São Paulo. As casas e o comércio local seriam substituídos
por prédios enormes e luxuosos. O mesmo destino teria a pequena escola e o
abacateiro.
Assim que ouviu a serra elétrica, aquela criança chamou
seus irmãos mais velhos, que chamaram outras crianças e adolescentes, como
eu e minhas irmãs. A informação se espalhou pelo bairro.
Em poucas horas, cerca de cem crianças se juntaram ao redor
da árvore e barraram funcionários de uma construtora. Ninguém iria
cortar nosso abacateiro.
A notícia chegou aos jornais da cidade, que foram ao local
para cobrir nosso pequeno protesto infantojuvenil. “A gente defende o
abacateiro para, no futuro, defender a Amazônia”, relatou uma adolescente ao
jornal Folha da Tarde. “S.O.S. Mata Atlântica. S.O.S. Abacateiro”, gritava um
menino ao repórter do SBT. “Precisamos da sombra do abacateiro para brincar”,
relatei a uma repórter do SBT, usando meu pequeno repertório
de preocupações.
Com a cobertura da imprensa, muita gente ficou sabendo da
manifestação infantojuvenil. Não abraçaram a causa, pelo contrário. Riram
das entrevistas. Chamaram-nos de crianças inconsequentes. Pequenos
vândalos que atrasavam o progresso do bairro. Pirralhos.
No dia seguinte, a construtora conseguiu um alvará para a
retirada da árvore. “Vamos plantar em um sítio”, disse um engenheiro, usando a
mesma desculpa dos pais que dão sumiço em cachorros.
Se, naquela época, tivéssemos um
modelo para nos inspirar com a determinação de Greta
Thunberg, talvez hoje as coisas estivessem melhores. Pelo menos para o
abacateiro.
Flávia Boggio
Roteirista e autora do núcleo de humor da Globo
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