O fim do ano é de otimismo com números da economia. O último
relatório Focus, divulgado ontem pelo Banco Central, trouxe novas revisões para
cima na expectativa do PIB: próximo a 1,2% para 2019 e, mais importante,
subindo a 2,3% no ano que vem. A Bolsa tem quebrado sucessivos recordes –
ultrapassando os 115 mil pontos na semana passada – e a valorização do Ibovespa
é superior a 30% no ano. A consolidação da recuperação econômica, porém,
esconde um resultado: a pobreza teima em não ceder. Para os brasileiros mais
pobres, a recessão parece não ter acabado.
Desde 2016, o mercado de trabalho adicionou mais de 4
milhões de vagas, pelos últimos números da Pnad. O orçamento da Seguridade
Social é recorde ano após ano. Mas a melhora do mercado de trabalho e o gasto social
recorde, que é puxado pela Previdência, não impediu o aumento da extrema
pobreza. Os mais pobres seguiram perdendo renda até 2018. E dados recentes
sugerem que a situação pode não ter se alterado este ano. Seria uma recessão
invisível.
Dois novos estudos jogam luz sobre a “recessão invisível”. A
última carta de conjuntura do Ipea divide os brasileiros em seis faixas de
rendimento. O estudo monitora não apenas a evolução do rendimento dessas faixas
pela Pnad ao longo do ano, mas também a inflação que incide sobre cada grupo. E
mostra que a faixa mais pobre teve perda real nos 2.º e 3.º trimestres deste
ano. Os ganhos de rendimento em 2019 teriam se concentrado em altas expressivas
nas faixas de renda média e média-baixa. A carta é assinada pelos pesquisadores
Maria Andreia Lameiras, Carlos Henrique Courseil, Lauro Ramos e Sandro Sacchet,
e a discrepância foi divulgada por Carlos Madeiro, do UOL.
O resultado é preocupante quando se considera a evolução da
extrema pobreza. Em novembro, o IBGE divulgou a Síntese de Indicadores Sociais
de 2018: apesar da recuperação, a extrema pobreza cresce desde 2014 (ainda que
menos a cada ano). Pela linha de extrema pobreza do Banco Mundial, seriam 6,5%
dos brasileiros. Estudo de Rogério Barbosa (USP), Pedro Souza e Sergei Soares
(Ipea) indica que o crescimento dos últimos anos foi “pró-rico”: parcelas mais
pobres da população não se beneficiaram da retomada.
Há razão para classificar de recessão invisível essa perda
de renda dos grupos mais excluídos. Não apenas ela pouco chama a atenção da
opinião pública, como pesa pouco na medida do PIB, agregada, quase indiferente
à variação da renda de quem tem pouca renda.
No cálculo dos pesquisadores, se o crescimento entre 2015 e
2018 tivesse sido distribuído de forma igual na população, a taxa de pobreza
extrema teria caído 0,25 ponto porcentual. Como sabemos, a taxa aumentou (em
1,6 ponto porcentual).
O programa mais bem posicionado para evitar o aumento da
extrema pobreza é o Bolsa Família, que não foi reforçado nos últimos anos. Em
2019, voltou a ter fila de espera.
O Congresso Nacional tem reagido. A Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou no início do mês a PEC 200, de Tabata Amaral,
apoiada por 23 de 25 líderes da Casa. O esforço integra a chamada Agenda para o
Desenvolvimento Social, que, entre outras medidas, constitucionaliza o Bolsa
Família e amplia em R$ 9 bilhões o orçamento do programa. Quem acha a
constitucionalização desnecessária está convidado a refletir se faz sentido
haver fila para o programa (miseráveis com direito, mas que não conseguem
receber) após pelo menos quatro anos de aumento da extrema pobreza e em um 2019
em que a economia cresce.
Atores usualmente hiperativos como a Defensoria Pública e o
Ministério Público mostram lamentável insulamento diante dos cortes no Bolsa e
da fila.
Já o Senado aprovou ainda em novembro a PEC paralela, que
unifica o Bolsa com outras políticas e cria o Benefício Universal Infantil
(BUI). Nunca é demais lembrar que são crianças as principais beneficiárias do Bolsa
Família e as principais vítimas da pobreza.
Também é sempre oportuno destacar que a evidência científica
é de que o programa não altera de forma relevante a fecundidade ou a disposição
de trabalhar dos pais. Ao alcançar as crianças miseráveis que não escolheram
onde nascer, o BUI teria efeito poderoso no combate à pobreza e à extrema
pobreza.
Tanto o BUI quanto a Agenda para o Desenvolvimento Social
custam pouco e cabem no teto de gastos, especialmente após a aprovação da
reforma da Previdência e se a PEC emergencial – que foca o ajuste fiscal no
funcionalismo – for adiante.
Há boas notícias na economia. Mas é doloroso constatar que o
Natal ainda será na miséria para milhões de famílias e crianças, mais do que
anos atrás. Nesse contexto, foi de tremenda infelicidade a manifestação do
ministro responsável pela área, na semana passada, sobre a noite de hoje.
Tuitou: “Lição de vida da saudosa Hebe: ‘O que te engorda não é o que você come
entre o Natal e o ano-novo, mas o que você come entre o ano-novo e o Natal!’”.
*Doutor em economia
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