Os recorrentes embates entre o Executivo e o Congresso
representam uma generosa fonte de incentivos para a reflexão sobre a mudança do
sistema de governo em nosso país. Os exemplos desses embates são numerosos e
não estão circunscritos aos mandatos atuais.
Tudo começa com a falta de entendimento entre o Executivo e
os parlamentares que apresentam proposições para a solução de problemas nas
mais diferentes áreas, que acabam sendo atropeladas por recursos que o governo
utiliza heterodoxamente com o propósito de formar maioria. É esta maioria que
lhe permite dar curso a seus projetos ou amenizar a fiscalização que poderia e
deveria sofrer.
Nesse contexto, as saídas propostas pela sociedade
(impeachment, por exemplo) para contornar as ondas de perda de credibilidade
que recaem sobre o presidente tendem a transformar o nosso sistema de governo
num verdadeiro presidencialismo de colisão. Penalizando o País, como trava ao
nosso desenvolvimento.
Para a opinião pública, passamos a impressão de que nos
dedicamos mais a aparar as arestas políticas do dia a dia do que a dar retorno
positivo aos que depositaram em nós a confiança para resolver as dificuldades
econômicas e sociais.
O parlamentarismo é uma convicção que carrego desde a época
da Constituinte, partindo de um argumento fundamental: a necessidade de
participação mais efetiva e responsável do Congresso na definição, implantação
e controle das políticas governamentais. O presidencialismo favorece a situação
oposta: a grande concentração do poder de decisão nas mãos do Executivo leva o
Parlamento a sentir-se pouco comprometido, flertando constantemente com a
polarização.
Há quem acredite que a nossa democracia esteja em perigo,
que estamos andando no fio da navalha entre o seu enfraquecimento e o risco do
autoritarismo. Não penso assim, mas acredito, não é de hoje, que o modelo presidencialista
esteja desgastado e que precisamos voltar a cogitar o parlamentarismo.
Um parlamentarismo sem subterfúgios, sem meias palavras, que
fortalecerá o chefe do Poder Executivo, seus ministros e o seu programa de
governo.
No presidencialismo, o Parlamento se fortalece na razão
direta do enfraquecimento do governo. No parlamentarismo, aumenta a chance de
uma aliança política positiva Executivo/Legislativo, que proporcione um governo
mais forte.
O parlamentarismo permite mudanças na equipe e no programa
de governo sem traumas institucionais. Abre caminho, igualmente, para coalizões
governamentais baseadas em programas, e não em puras adesões em troca de
favores.
Oportuno enfatizar que uma condição essencial para o pleno
funcionamento do parlamentarismo reside na possibilidade de o presidente, em
face de impasses que impeçam a definição de maioria parlamentar estável,
dissolver a Câmara e convocar novas eleições. O sistema favorece, a médio
prazo, as condições de governabilidade no país, abaladas em momentos de crise.
O Brasil viveu, desde a promulgação da Constituição,
momentos dignos de registro. Consolidamos a democracia política, que tem na
Carta sua guardiã mais efetiva, e, apesar dos muitos percalços, estabelecemos
as bases de uma economia fundada numa moeda consistente e sólida. Mas
precisamos alcançar, nos termos constitucionais, mediante amplo entendimento
político, os caminhos para o enfrentamento de crises conjunturais. Abrindo a
oportunidade para um avanço que respeite a história e a cultura do povo
brasileiro.
Diz-se, com frequência, que o parlamentarismo é apresentado
como uma panaceia toda vez que o País passa por alguma crise política ou de
governabilidade, mas que os problemas de crescimento econômico, inflação, salários,
emprego, desenvolvimento e, sobretudo, de injustiça social não serão resolvidos
pelo sistema de governo. A meu ver, não se trata de criar ou recriar panaceias,
mas de encontrar uma forma de governo que aumente as possibilidades de os
problemas nacionais serem mais bem enfrentados e equacionados.
É, também, corriqueira a crítica de que, no parlamentarismo,
o fisiologismo e a cooptação exercerão de forma plena e livre sua influência
negativa no processo político brasileiro. Esse é um argumento equivocado, que
tem como ponto mais fraco o fato de ignorar que, num sistema parlamentarista, o
Congresso passa a ser corresponsável pelas decisões do Executivo, aprovando os
programas de governo e a composição do próprio gabinete. Estas atribuições
constituem um poderoso fator para atenuar os vícios e reforçar as qualidades do
Parlamento. Sem um Congresso forte e responsável, a democracia sempre sairá
perdendo.
Arraigar-se na máxima de que no Brasil o presidencialismo é
o sistema de governo que tem tradição, por ter cruzado toda a história da
República, e que ao parlamentarismo falta condição semelhante é opor-se, como
princípio, a todas as possibilidades de mudanças institucionais significativas,
sugerindo que elas sempre conduzirão ao desconhecido. Mas esse desconhecido e
os horrores que comporta não são, contudo, explicitados.
Ficar preso à ideia de que o presidencialismo é bom, mas o
presidente em exercício, seja quem for, é que não é bom é imaginar que as
crises políticas e econômicas às quais o Brasil está sujeito podem ser
separadas do sistema de governo que as envolve.
Defendo o parlamentarismo porque acredito que é possível e
necessário um Poder Executivo mais forte. Quando digo isso, evidentemente, não
estou falando num Executivo repressor dos direitos individuais ou sociais, ou
que tenha força para oprimir o Legislativo. Penso exclusivamente num governo
com capacidade para definir e implementar políticas públicas de forma mais
coerente, persistente, que tenham como resultado concreto o crescimento e o desenvolvimento
do Brasil. Penso na eficácia, na legitimidade e na flexibilidade do sistema de
governo, num contexto democrático cada vez mais fortalecido.
* Senador (PSDB-SP)
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