O Movimento Brasil Livre do Bolsonaro (MBL do B) aproveita a
ocasião carnavalesca para recomendar uma dieta de reeducação política. Por meio
de um detox cívico profundo, quer resguardar aquela modesta fração de
liberdades civis construída ao longo de tantos Carnavais.
O MBL do B percebe a violência que começa com o verbo e
termina no assédio, no estupro e no espancamento; no desmatamento e na
letalidade policial; no empobrecimento material e espiritual do país. Não
confunde bolsonarismo com
mera grosseria e impostura, esse pecado decisivo da preguiça intelectual, tão
afoita em tornar equivalente o que é tão diferente. Nem confunde liturgia e
decoro com mera etiqueta política.
O MBL do B precede e transcende Bolsonaro. Tem a mesma raiz
de movimentos emancipatórios do passado, como o que se opôs à ditadura e
ajudou, nos limites da conjuntura, a reinventar a democracia e a elaborar a
Constituição de 1988. É um movimento de negros, mulheres, índios e LGBTs. De
professores, artistas, jornalistas e
cientistas. E de quem mais quiser levantar a bandeira da liberdade e
da dignidade sem truques de linguagem.
O MBL do B não é um movimento de ódio ao bolsonarismo, mas
de rejeição contundente daquilo que quer nos retirar. Não é bolsonarismo de
sinal trocado, que reendereça a raiva e afetos primários para o outro lado.
Bolsonaro
é um arquétipo da brutalidade brasileira. Uma brutalidade que vai do seu
senso de humor a sua crença religiosa, da sua conduta paterna ao seu estilo
político. Cruza a linha vermelha em praticamente todos os domínios da vida
urbana. Essa rara confluência de tantas facetas do mau caráter nacional serve
de alerta didático para o que resta de "Jair em nós". Neutralizar o
Jair em nós é o primeiro desafio do MBL do B.
Bolsonaro organizou sua carreira política em torno da
agressão a pessoas e instituições; da defesa da tortura e da morte do outro;
das relações ganha-ganha com milicianos (às vezes um ganha-perde, mas quem
perde são os milicianos foragidos, presos e executados).
Congresso e STF foram as casas de tolerância que lhe
confortaram e deram carta branca. Atiçaram a delinquência política. As
declarações do deputado podiam ser "rudes", mas não caracterizavam
"incitação à violência física ou psicológica" contra ninguém, nas
palavras de ministro do STF.
O
STF nunca consultou a ciência para entender "violência física ou
psicológica". Preferiu a autossuficiência da intuição jurídica e abraçou
um conceito grosseiro de imunidade parlamentar.
Protegido pela leniência parlamentar e judicial, Bolsonaro
sobreviveu e cresceu. A expectativa de que, uma vez no cargo mais poderoso da
República, ele se tornasse outro, era tão verossímil quanto o
esforço de Paulo Guedes em convencer o mundo e o mercado de que o
chefe "tem maus modos, mas grandes princípios".
Libertar-se do bolsonarismo é mais do que um chamado à
civilidade e à higiene bucal. É mais do que um apelo genérico ao antipopulismo
ou um pedido ingênuo de reconciliação e consenso, como se a política não
envolvesse o conflito agonístico, como se não fosse legítima a denúncia de
privilégios e de violações de direitos, como se não fosse necessário apontar o
dedo para os que boicotam o projeto constitucional.
A liberdade está ameaçada não por qualquer populismo, mas
pelo populismo autoritário, que emula práticas do fascismo histórico e define
povo como um clube em que só alguns podem ser sócios, excluídos os inimigos
anti-Brasil. Tem alergia ao pluralismo e à diferença. Coloca até as
instituições na categoria de inimigos do povo.
Derrotar Bolsonaro está além da demonstração dos seus crimes
de responsabilidade para fundamentar pedido de impeachment; ou da provocação do
TSE sobre o financiamento não declarado da campanha de desinformação; ou das
eleições de 2022.
O MBL do B não é só sobre Bolsonaro.
Conrado Hübner Mendes
Professor de direito constitucional da USP, é doutor em
direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von
Humboldt.
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