É impossível ver o vídeo da fatídica reunião ministerial de
22 de abril sem ser tomado por avassaladora apreensão com a forma como o País
vem sendo governado. Calam fundo não só os gritos, como os silêncios. Entre
muitas outras barbaridades, o presidente da República confessou aos brados, com
todas as letras, para quem quisesse ouvir, que está ostensivamente empenhado em
levar adiante um projeto com o objetivo deliberado de “armar o povo” para que
possa confrontar autoridades constituídas dos governos subnacionais.
Já houve tempo – e não me refiro às duas décadas de regime
militar – em que tal confissão faria soar todos os alarmes nas Forças Armadas.
Não foi o que se viu. Nenhum dos muitos oficiais-generais presentes na reunião
sequer piscou. Mas o que de fato importa, no caso, é o que o Supremo e a Procuradoria-Geral
da República terão a dizer sobre tão desafortunada confissão. Acuado como está,
o presidente não perde oportunidade de se encalacrar cada vez mais.
Teria sido menos deprimente se os participantes da reunião
tivessem se limitado a não contestar os acessos de primitivismo de Bolsonaro.
Mas o que se viu foi um torneio de capachismo, em que ministros e outras
autoridades presentes se revezavam em louvores aos despropósitos vociferados
pelo presidente, sem descuidar do estilo primitivo que parecia ser de uso
protocolar na reunião.
Afora uma intervenção curta e anódina do ministro 02 da
Saúde, pouco se ouviu sobre a pandemia, a não ser diatribes impublicáveis
contra governadores e prefeitos, trovejadas por um presidente inconformado com
as limitações que lhe são impostas pelos preceitos constitucionais de uma
República federativa.
Nesse ambiente carregado, o ministro da Economia fez o que
pôde para tentar dar seu recado, com amplo uso da cota de excessos verbais que
lhe cabia na reunião. Arguiu que, por abalado que tenha sido pela crise, o
governo não tinha perdido a bússola. E que, se souber retomar o trilho da
política econômica, tão logo a pandemia esteja sob controle, o País
surpreenderá o mundo. E a reeleição do presidente estará assegurada.
O problema é que, na bússola de Bolsonaro, o único rumo a
seguir passou a ser o da resistência ao impeachment. E, como bem mostrou a
reunião, boa parte do governo e de seus novos aliados no Congresso anda
fascinada com a possibilidade de acelerar a recuperação da economia com a
adoção de políticas nacional-desenvolvimentistas.
Não há autoengano que resolva. É impossível não perceber
quão gritante é a desproporção entre a enormidade dos desafios com que o País
se defronta e as acanhadas possibilidades de atuação eficaz da cúpula do
governo, cruamente desnudadas pelo vídeo da reunião de 22 de abril, em
Brasília.
Questão de múltipla escolha
Imagine que você esteja entre os 210 passageiros de um voo intercontinental e,
em plena travessia do Atlântico, o avião seja colhido por uma tempestade
perfeita – a maior em 100 anos, surgida do nada, para grande surpresa dos
meteorologistas. Atribulada com o enfrentamento da tempestade e a
tranquilização dos passageiros, a tripulação começa a se dar conta de que o
comandante parece estar fora de si, gritando frases desconexas, alheio à
gravidade da situação e, o que é pior, insistindo em manobrar o avião com
alarmante imprudência, ao arrepio do que, em circunstâncias tão adversas,
sugerem regras elementares de condução da aeronave.
Responda para você mesmo: o que deveria fazer a tripulação?
1) Nada, porque é ao comandante, e só a ele, que cabe a
escolha da melhor forma de enfrentar a tempestade;
2) Esperar que o avião atravesse a tempestade e reavaliar a
situação;
3) Esperar que o avião chegue a seu destino e avaliar se
seria o caso de relatar o ocorrido à ouvidoria da empresa, com a discrição
cabível;
4) Afastar o comandante da cabine de comando, tão logo
quanto possível, para que o copiloto possa assumir pleno controle da aeronave
em situação tão crítica;
5) Prefiro não responder, nem para mim mesmo;
6) Não tenho tempo a perder com questão tão idiota.
*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio
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