Quanto mais o presidente Jair Bolsonaro e seu entorno
militar reclamam do Supremo Tribunal Federal (STF), alegando que ele está
avançando na jurisdição do Executivo e impedindo o chefe da Nação de governar,
mais vai ficando claro que as acusações contra a Corte são absurdas e que as
decisões tomadas por seus ministros são rigorosamente baseadas nas leis em
vigor e na Constituição.
As mais recentes decisões do STF são prova disso. No caso da
pandemia de covid-19, quando Bolsonaro tentou anular as medidas na área da
saúde tomadas por prefeitos e governadores para combater o contágio da
covid-19, o STF nada mais fez do que reafirmar a estrutura federativa do Estado
brasileiro, tal como está prevista em vários artigos da Constituição. O artigo
1.º institui como forma de Estado a “República Federativa”. O artigo 18 afirma
que o federalismo pressupõe autonomia administrativa dos entes federativos e
deixa claro que não há uma relação de hierarquia entre eles. E o artigo 23 é
taxativo quando afirma que é “competência comum da União, dos Estados e dos
municípios zelar pela guarda da Constituição” em áreas essenciais, como a saúde
pública.
Foi por isso que, ao julgar uma ação de
inconstitucionalidade contra a MP 926, que dispõe sobre “medidas para o
enfrentamento da emergência de saúde pública” e confere ao presidente da
República “a competência para dispor, mediante decreto, sobre serviços públicos
essenciais”, o STF decidiu, por unanimidade, que a MP não podia anular a
competência dos Estados e municípios de legislar de forma concorrente em
relação à política sanitária de saúde. A não observância da autonomia dos entes
federativos constituiria uma “afronta ao princípio do federalismo”, disse o
ministro Edson Fachin.
Outra decisão do STF que suscitou reclamações do presidente
e de seu entorno militar, mas que também estava fundada no direito positivo,
foi adotada pelo ministro Alexandre de Moraes após a demissão de Maurício
Valeixo do comando da Polícia Federal (PF). Moraes ordenou que fossem mantidos
os delegados federais envolvidos no inquérito de apuração das fake
news contra integrantes da Corte. Nada mais fez do que se valer de suas
prerrogativas como magistrado. O mesmo ocorreu quando concedeu liminar
suspendendo o decreto de nomeação do delegado Alexandre Ramagem para o cargo de
diretor-geral da Polícia Federal. Por ser amigo pessoal da família Bolsonaro e
por estar a PF investigando um de seus filhos, o ministrou alegou que a
nomeação configurava “desvio de finalidade e inobservância dos princípios da
impessoalidade, da moralidade e do interesse público”, previstos pelo artigo 37
da Constituição.
O presidente e seu entorno militar também criticaram a
decisão do ministro Celso de Mello de permitir a divulgação do vídeo da
patética reunião ministerial de 22 de abril e de pedir ao procurador-geral da
República que se manifeste sobre o pedido de apreensão do celular de Bolsonaro
e de um de seus filhos. Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o cidadão
Augusto Heleno classificou as medidas como “afronta à autoridade máxima do
Poder Executivo”. Esqueceu-se, porém, como afirmou o STF, em nota, que Mello
“limitou-se a encaminhar à PGR, que é o órgão da acusação, a notitia
criminis, com esse pleito de apreensão formulado por três agremiações partidárias”.
Lembrou, também, que o § 3.º do artigo 5.º do Código de Processo Penal “confere
legitimidade a qualquer pessoa do povo para efetuar comunicação de crime
perseguível mediante ação penal pública”.
É evidente, assim, que em momento algum o STF agiu por vontade individual de seus ministros. É evidente, também, que a Corte não tomou qualquer decisão à margem da lei e que aplicou rigorosamente a Constituição, segundo a qual, num sistema republicano e federativo não existe poder absoluto ou ilimitado. Portanto, a reação do presidente e de seu entorno – principalmente o cidadão Heleno – às decisões do STF não procedem. Tais reações carecem de base legal e mostram o nível de desinformação dos que estão à frente do Executivo, bem como sua ignorância sobre o funcionamento das instituições do País.
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