A população brasileira está sendo duramente atacada em dois
fronts. De um lado, o Brasil tornou-se o epicentro da Covid-19. A
desigualdade social e a deficiência dos serviços públicos criam terreno fértil
à disseminação do vírus, especialmente entre os mais vulneráveis, em sua
maioria negros nas periferias urbanas. A situação é agravada pela desastrosa
postura do presidente
da República, que, em sua obsessão por poder, colocou o Brasil no restrito
e caricato grupo de nações governadas por negacionistas da pandemia.
Bolsonaro usa a epidemia como palanque e confunde a
população. Sustenta falsa
dicotomia entre saúde e economia, buscando cavar um álibi para eximir-se da
responsabilidade pelo inevitável desastre humanitário e econômico.
O governo federal não exerce seu papel de coordenação das ações de controle da
Covid-19, e Bolsonaro sabota medidas dos governos estaduais e municipais e do
próprio Ministério da Saúde, hoje loteado
por militares, após demissões de dois médicos, que não se submeteram à
insanidade presidencial.
O Brasil tem sido vítima também de um insidioso ataque
à democracia pelo presidente. Com objetivo de forçar uma ruptura
política e ressuscitar o fantasma brasileiro do salvacionismo militar,
Bolsonaro testa os limites da democracia, fustigando opositores, insuflando a
sociedade contra a imprensa e os poderes da República.
Além das crises sanitária e política, o país caminha para a
recessão. Mas, ao contrário de outros países, aqui o governo federal não tem
uma agenda de medidas econômicas e sociais a ser trabalhada com o Congresso e
demais entes federativos. Enquanto os países debatem os caminhos da
reconstrução econômica, o Brasil se isola, na condição de novo pária da
comunidade internacional.
O vídeo
da reunião ministerial revela os bastidores do governo e acirra o
quadro político ao evidenciar a ausência de uma agenda programática em meio à dramática
crise sanitária e econômica. Avessos a críticas, presidente e ministros
elucubram teorias conspiratórias e revelam convicção messiânica de terem
delegação popular para salvar o país, com políticos, juízes e jornalistas
tratados como entraves.
Tão preocupante quanto o despreparo e a verborragia
truculenta de alguns é o silêncio cúmplice da maioria, notadamente do
vice-presidente e dos ministros militares.
No momento mais dramático da reunião, o presidente, entre
palavrões e ofensas a adversários, manifesta intuito de controle sobre a
Polícia Federal para fins pessoais, e faz apologia das armas, anunciando novas
medidas voltadas à flexibilização das normas para aquisição, posse e
rastreamento.
Trata-se de governo que não tolera dissenso. Logo após a posse,
Bolsonaro propôs medida provisória atribuindo à Secretária de Governo o poder
de monitorar atividades de organizações da sociedade civil.
A Conectas, entre outras organizações, se opôs à medida,
rejeitada no Congresso. Mas, em março deste ano, o governo voltou à carga,
nomeando um agente não identificado da Abin para coordenar o órgão responsável
pelo relacionamento com a sociedade civil. Essa nomeação está sendo questionada
judicialmente pela Conectas, uma vez que a identidade do coordenador não foi
revelada, sob pretexto de se tratar de agente secreto.
O mundo democrático acendeu sinal amarelo para o governo
brasileiro, por seu desprezo ao meio ambiente, à liberdade de imprensa, à
cultura, às pautas identitárias.
Bolsonaro aposta na ebulição permanente e acena para o
caminho redentor de uma intervenção militar que removerá os obstáculos que as
instâncias políticas e jurídicas vêm impondo aos desatinos de seu governo.
Aliados falam em “intervenção
militar constitucional”, a partir de interpretação distorcida do artigo 142
da Constituição, que daria às Forças Armadas, e não ao Supremo Tribunal
Federal, a função de guardiã da ordem constitucional.
As instituições democráticas devem se defender das
investidas autoritárias de Jair Bolsonaro, que perdeu a condição de governar
legitimamente o país, em meio à maior crise de saúde pública e à maior recessão
econômica de nossas vidas. Sua destituição da Presidência da República é medida
imperativa para a preservação do Estado de Direito no Brasil.
Theo Dias
Advogado criminal, presidente do Conselho da Conectas
Direitos Humanos
Juana Kweitel
Diretora-executiva da Conectas Direitos Humanos
Nenhum comentário:
Postar um comentário