A ideia de se instituir um programa de renda básica
permanente está ganhando adeptos mundo afora. Em resposta à crise, o governo da
Espanha aprovou, na sexta-feira, um programa de renda mínima para reduzir a
pobreza. Governos de outros países estão considerando medidas semelhantes, como
é o caso do Chile.
No Brasil, o debate sobre a renda básica ganhou fôlego no
âmbito da adoção do auxílio emergencial de R$ 600 em abril, cuja prorrogação é
necessária para o enfrentamento da pandemia e dos efeitos macroeconômicos dela
provenientes. Mas a renda básica que hoje é assunto de artigos diversos –
inclusive da série de colunas que tenho escrito neste espaço sobre o tema –
transcende a emergência. A ideia é fazer o que fez a Espanha e torná-la um
benefício permanente, reforçando as redes de proteção social do País.
Há muitos pesquisadores no Brasil debruçados sobre esse
tema, fazendo simulações, contas, analisando os dados e as possibilidades.
Destaco em especial o trabalho de pesquisadores do Ipea, da USP, e do Cedeplar
da UFMG. Esses são os estudos que mais têm recebido a atenção dos parlamentares
no Congresso, ao contrário de outras propostas que nem sequer estão em
discussão. Insisto: não há uma só proposta para a renda básica. Há várias.
Algumas são perfeitamente viáveis do ponto de vista macroeconômico e
sustentáveis do ponto de vista fiscal. Outras são impagáveis.
Recentemente, uma proposta impagável foi objeto da coluna do
economista Samuel Pessôa, que ficou impressionado com seus potenciais efeitos
sobre a redução da desigualdade, mas, depois de mostrar ser a proposta
inviável, lamentou e ficou por isso mesmo. É compreensível que existam temores
de natureza fiscal sobre a adoção de um programa que, à primeira vista, pode
parecer impossível de custear. Não é compreensível, entretanto, deixar de lado
propostas que hoje fazem parte do debate interno.
É evidente que um programa de renda básica formulado como
simples extensão do atual auxílio emergencial é custoso: os cálculos mostram
que o gasto com esse programa alcançaria facilmente cerca de 7 pontos
porcentuais do PIB. Além disso, tal programa poderia ter consequências
indesejáveis do ponto de vista do trabalhador, estimulando a informalidade
quando essa já é elevada e tende a aumentar em razão da crise. Por fim, o
financiamento da renda básica exigiria, no mínimo, a extinção de outros
programas focalizados, como o Bolsa Família, que hoje alcança as famílias mais
pobres. Por que não simplesmente ampliar o Bolsa Família, alguns perguntam?
Porque o Bolsa Família deixa vulnerável uma massa de brasileiros que não são
suficientemente pobres para atender aos seus critérios, mas ainda assim vivem
na precariedade, oscilando entre o emprego formal e a informalidade.
Quais as alternativas? Uma delas, proposta por pesquisadores
do Ipea e da USP e hoje tema de intensas discussões e simulações, seria pagar
uma renda mínima para todas as crianças, universalizando o benefício. Quais
crianças? Uma ideia é começar pela primeira infância, a faixa de 0 a 6 anos,
que receberiam meio salário mínimo. Tal programa abrangeria um enorme
contingente de famílias pobres e vulneráveis, cobrindo as lacunas deixadas
pelos programas sociais existentes. Ao preencher essas lacunas, o programa
seria complementar aos já existentes. Não deixaríamos de ter o Bolsa Família,
ou o Benefício de Prestação Continuada, por exemplo. Esse programa universal de
proteção infantil custaria cerca de 1,5 ponto porcentual do PIB, não elevaria a
razão dívida/PIB, não geraria inflação, e atenderia tanto à necessidade de
responsabilidade fiscal quanto a de responsabilidade social.
O impacto total desse tipo de programa sobre as contas
públicas acaba sendo menor do que parece, e a razão é simples: trata-se de uma
transferência de renda que resulta em aumento do consumo, e o aumento do
consumo eleva a arrecadação de impostos, o que financia, em parte, o programa.
Além disso, o consumo aquece a economia e gera crescimento, de modo que há um
efeito multiplicador: com mais renda, há mais consumo e, no fim, mais
arrecadação.
O Brasil atravessa um momento único. Nele se abre uma fresta
pela qual podemos finalmente emplacar um reforço às redes de proteção social
que preencham as lacunas dos demais programas. São dezenas de milhões de
pessoas que poderão ser beneficiadas. E tudo isso é perfeitamente pagável. E
também impagável: seu valor para a sociedade é inestimável.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
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