Não é a primeira vez que acontece de um presidente acuado
ameaçar a nação com a convocação das Forças Armadas. Jair Bolsonaro é mestre em
citar os militares como salvadores da pátria sempre que se encontra em situação
difícil, causada normalmente por ele mesmo em razão de declarações
estapafúrdias ou gestos politicamente equivocados. O último general-presidente
da ditadura iniciada em 1964, João Figueiredo, repetiu inúmeras vezes a frase
“Olha que eu vou chamar o Pires”, sempre que um fato o incomodava. O Pires de
Figueiredo era o carrancudo Walter Pires, ministro do Exército.
A frase de Figueiredo queria significar uma volta ao
passado, à linha-dura. Embora Figueiredo tenha sido o último presidente do
regime, a ditadura vivia seus estertores. O presidente tinha ainda poderes
excepcionais, como o decreto-lei, uma espécie de Medida Provisória de sinal
trocado. O decreto passava a valer no ato da sua publicação e só perdia a
validade se o Congresso o derrubasse. A MP cai se o Congresso não a apreciar.
Mas o famigerado Ato Institucional número 5 havia sido revogado. E aos poucos o
país voltava à normalidade com a Anistia de 1979, a volta dos exilados e a
libertação de todos os presos políticos
Nos últimos anos do governo Figueiredo, fora os
extraordinários problemas econômicos, o Brasil só queria eleger o próximo
presidente e desenhar uma nova Constituição para substituir a Carta escrita
pelos militares. O primeiro objetivo foi enterrado com a derrota da emenda
Dante de Oliveira, que restabelecia a eleição direta, mas o substituto do
último ditador seria o civil Tancredo Neves, adversário da ditadura. E a nova
Constituição democrática, que o deputado Ulysses Guimarães batizou de
“Constituição Cidadã”, era só uma questão de tempo.
Apesar da ameaça comum de chamar um militar para resolver um
problema civil, param por aí as semelhanças entre o governo do general e o do
capitão. Bolsonaro é um presidente eleito legitimamente pelo voto popular,
enquanto Figueiredo foi escolhido solitariamente pelo seu antecessor, o general
Ernesto Geisel, e ungido por um colégio eleitoral formatado para atender as
ordens do Palácio do Planalto. Mas isso não torna o primeiro melhor do que o
segundo.
A composição dos ministérios dos dois presidente é um bom
exemplo da diferença entre eles. Com mais ministros do que hoje, Figueiredo
tinha sete militares na Esplanada contra 11 de Bolsonaro. Dos sete ministros
fardados de Figueiredo, três ocupavam cargos que eram privativos de oficiais
generais, os Ministérios de Exército, Marinha e Aeronáutica (hoje departamentos
subordinados ao Ministério da Defesa). O que isso significa? Não muito, mas
pelo menos pode-se dizer que o general confiava mais nos civis do que o
capitão.
Figueiredo era mal educado e frequentemente falava
barbaridades, mas não se pode comparar suas grosserias com as de Bolsonaro.
Nunca se ouviu o general mandar um jornalista calar a boca. Também se
desconhece reunião ministerial com tantos impropérios quanto aquela famosa do
dia 22 de abril. Figueiredo era mais tolerante, talvez porque não tivesse os
poderes extraordinários e antidemocráticos de que usufruíram seus antecessores.
Bolsonaro é mais intolerante, talvez porque queria ter aqueles poderes para si.
Bolsonaro olha para o seu futuro querendo enxergar o
passado. Figueiredo sabia que não tinha futuro.
Mourão precipitado
O vice-presidente Hamilton Mourão anda se precipitando.
Por duas vezes nos últimos 30 dias publicou artigos,
digamos, politicamente inconvenientes. Inconvenientes para ele. Mesmo que
eventualmente demonstrem um estado de espírito ou um alinhamento ideológico com
Bolsonaro, podem ser tratados como equívoco. O texto que publicou quarta-feira
no Estadão, carregado nos tons, pinta seu autor com o verde e o amarelo que de
uns tempos para cá passaram a ser as cores da intolerância e do golpismo. O
artigo de nada serve para Mourão, que é o substituto imediato do presidente. O
texto, que não tranquilizou a maioria, serviu somente para atiçar os ânimos já
exaltados dos extremistas de direita. Mourão não é do ramo e não sabe fazer
política. Bastão pode, general?
Ninguém sabe onde o vice-presidente viu barras de ferro e
armas brancas nas manifestações pela democracia de domingo passado, como ele
menciona no artigo. O que se viu, isso sim, foi uma manifestante fantasiada com
a bandeira dos EUA, da turma que defende o fechamento do Supremo e do
Congresso, carregando um bastão de basebol. Bastão pode, general?
Silvinho de farda
O encarregado de distribuir cargos e verbas para os aliados do centrão, o
general Luiz Eduardo Ramos, escreveu aos seus colegas de farda para explicar
como está cumprindo a missão que um dia coube ao Silvinho da Land Rover. Disse
que nenhuma indicação passa por ele se não for “republicana, legal e ética”.
Acrescentou que todas são submetidas a “intensa pesquisa da vida pregressa do
indicado, sob aspectos morais, jurídicos e político-ideológicos”. A carta do
general foi escrita antes da nomeação de Alexandre Borges Cabral para a
presidência do Banco do Nordeste. Indicado pelo megaenrolado Valdemar Costa
Neto, Borges caiu no dia seguinte, quando o TCU lembrou que investiga o sumiço
de R$ 2,2 bilhões da Casa da Moeda durante sua gestão. Aparentemente, este só
foi aprovado por Ramos no quesito político-ideológico.
Apoio zero
A coisa vai mal mesmo para o ministro da Educação. Abraham Weintraub está sendo
rejeitado pelo centrão. Até pelo centrão. E não é mais pela amarração de
cargos, que estes ele já entregou. Mas sim porque a turma do “É dando que se
recebe” acha que a companhia do maluco atrapalha os negócios. Além dos abobados
que fazem qualquer coisa que o líder mandar, como carregar o ministro nos
ombros, Weintraub só tem o apoio dos três zeros de Bolsonaro e de outro
aloprado, o terraplanista Olavo de Carvalho.
No justice, no peace
O ex-presidente americano Jimmy Carter conclamou americanos poderosos e
privilegiados a sair das suas áreas de conforto para combater o racismo. Ele
afirmou que “o silêncio pode ser tão mortal quanto a violência”.
As manifestações dos últimos 12 dias, que seguem pelo menos
até terça, quando George Floyd será epultado, representam um enorme grito
contra a violência. No pacífico Brasil, 59 negros são assassinados a cada dia.
BYE, BYE, LULA
O ex-presidente Lula da Silva surpreendeu até mesmo os aliados mais chegados ao
se recusar a assinar os manifestos em favor da democracia lançados no fim de
semana passado. Lembrou o velho PT que, em 1985, proibiu seus deputados de
votarem em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral que pôs fim à ditadura; e, em
1988, votou contra a Constituição recém-aprovada.
MAGRELAS ELÉTRICAS
As bicicletas disponíveis para alugar em muitas cidades brasileiras vão ganhar
a companhia de magrelas elétricas. Servirão para locomoção profissional depois
da pandemia de coronavírus. Hoje, as bicicletas são alugadas principalmente para
lazer. Imagina-se que no futuro próximo serão locadas para as pessoas irem ao
trabalho, por exemplo. As elétricas permitirão que se chegue seco ao seu
destino, sem suar. Muitos entregadores das empresas iFood e Rappi já usam
bicicletas alugadas para fazer suas entregas. Com as elétricas, suas
performances vão melhorar.
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