sexta-feira, 3 de julho de 2020

INDÚSTRIA: MAIO NÃO FAZ VERÃO

Míriam Leitão, O GLOBO

A alta de 7% na indústria em maio é o primeiro dos números que devem parecer favoráveis no mês, mas nem de longe nos tiram do poço. A indústria está 20% abaixo de fevereiro e produz 34% menos do que em maio de 2011. Mesmo com toda a queda na economia, o Brasil conta mais de 60 mil mortos pela pandemia. Para a economia, o melhor teria sido usar os remédios certos e nas dosagens corretas para a saúde: alto distanciamento social, testagem em massa e liderança política agregadora. Isso ajudaria a economia. O Brasil teve distanciamento hesitante, baixa testagem e uma presidência desagregadora.

A queda da produção é decorrência do distanciamento social. Se ele tivesse sido feito de forma eficiente, sem idas e vindas, o Brasil teria saído de forma mais rápida e segura. Mas o presidente Bolsonaro atacou governadores e minou a adesão ao distanciamento. Os governadores e prefeitos foram pressionados pelos grandes empresários e alguns estão cedendo. Bolsonaro usou sua posição de liderança para confundir. Essa hesitação tem o pior resultado para a economia, porque paga-se o preço da interrupção da atividade, mas não se tem nem uma redução expressiva das mortes, nem se prepara o terreno para uma retomada segura. Essa estratégia é ruim também do ponto de vista fiscal.

— Quanto mais tempo demorar a pandemia, mais o governo vai gastar. É mais fácil bancar dois meses do que seis de auxílio emergencial. Por isso, alguns países fizeram restrição na entrada de pessoas e adotaram protocolos muito duros. Seria melhor ter dois meses terríveis, muito duros, mas depois começar a reabrir. Se o Brasil tivesse feito um isolamento realmente forte por dois meses, poderíamos já ter um terceiro trimestre mais normal —disse Silvia Matos, do Ibre/FGV.

O economista especializado em saúde, André Medici, disse algo muito parecido na entrevista que concedeu ontem na CBN. O melhor remédio para a economia coincidentemente é o melhor remédio para a pandemia.

Dentro dessa perspectiva é que deve ser olhado o dado de ontem da produção industrial. O número positivo não tranquiliza. Primeiro porque apenas atenuou parte das duas quedas anteriores, segundo porque a abertura da economia está sendo prematura.

Um dos dados que o IBGE trouxe derruba a versão do governo sobre a conjuntura. A pandemia não foi um raio em céu azul. A indústria brasileira está caindo há sete meses seguidos na comparação com o mesmo mês do ano anterior. Segundo análise da XP Investimentos, menos de 30% dos principais setores industriais apresentaram crescimento consistente nos últimos 6 a 12 meses.

O que explica o 7% positivo de maio é a reabertura de algumas fábricas que simplesmente haviam fechado no mês anterior. O caso mais claro é o do setor de automóveis e carrocerias. Teve um aumento de 244,4% porque compara com a total paralisação do mês de abril, mas ainda está 72% abaixo de fevereiro. O setor automobilístico explica em grande parte a alta de 92% dos bens de consumo duráveis. Por outro lado, a indústria de alimentos cresceu em maio, mesmo em relação ao mesmo mês do ano passado, 2,9%.

Quando os economistas afirmam que o pior da crise ficou para trás, eles querem dizer que os números mais fortes de queda ficarão concentrados nos meses de abril e maio. Mas isso não significa uma retomada consistente do nível de atividade. Especialmente o setor de serviços preocupa, porque é o que mais emprega no país e é o que mais deve sofrer restrições durante o período de reabertura.

— O terceiro trimestre começou sem que a pandemia tenha acabado. E a grande dúvida é sobre o setor de serviços. Ele não volta com a mesma força, pois sofre o efeito mais generalizado das restrições. E tem segmentos dos serviços que mesmo com a abertura não ficarão normalizados, como os restaurantes, bares, cinemas. O home office deve permanecer em várias áreas, o que afetará a contratação de funcionários de limpeza, segurança, transporte — afirmou Silvia.

Ainda será penoso o nosso caminho. Alguns dados serão positivos, mas apenas setoriais e localizados. O Brasil está vivendo este ano uma recessão de dimensões que nunca viveu. Fomos atingidos, como o mundo todo, por uma pandemia, mas a baixa qualidade da resposta nos trouxe a um momento de extrema incerteza. O país está abrindo a economia, antes de ter controlado o vírus.

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