Quase ao mesmo tempo em que a multinacional americana Pfizer
anunciava a eficácia de mais de 90% de seu imunizante, o presidente Jair
Bolsonaro e seus apaniguados exibiam ao mundo mais uma lição de
irresponsabilidade vacinal, ao politizar uma questão que deveria ser
exclusivamente técnica.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mandou
interromper o ensaio clínico de fase 3 da Coronavac, a vacina de origem chinesa
em teste no país que, se aprovada, será produzida em São Paulo pelo Instituto
Butantan, como parte de um acordo costurado pelo governador João Doria (PSDB).
A medida atende a um protocolo.
Suspensões de ensaios ocorrem com alguma frequência e visam
assegurar a qualidade do produto final e a ética no processo de testagem. A
interrupção pode se justificar, entre outros motivos, por eventos adversos
graves inesperados —como foi o caso aqui, com a morte de um voluntário.
Se claramente não estiver relacionado à vacina, um evento do
tipo não precisa levar à suspensão dos testes —e, como se noticiou depois,
considera-se que houve provavelmente suicídio
ou overdose.
A Anvisa alega que recebeu informações incompletas do
Butantan e que não tinha outra alternativa além de suspender a testagem; já o
instituto diz que seguiu os protocolos. Em qualquer hipótese, urge que se
retome o trabalho assim que a questão seja esclarecida.
Poderíamos estar diante de um mal-entendido ou um debate
sobre procedimentos, não fosse a desfaçatez
de Bolsonaro.
O presidente foi às redes sociais celebrar o evento —originado por uma tragédia
pessoal— e proclamar que vencera “mais uma”. Em seu placar mental alucinado,
teria imposto um revés à “vacina chinesa do Doria”.
Trata-se de mais que parvoíce e insensibilidade. O ato do
chefe de Estado é de extrema gravidade por comprometer a credibilidade de uma
agência reguladora, à qual cabe tomar decisões vitais com independência em
relação ao governo de turno, e por semear a desconfiança na imunização.
Neste último aspecto, pesquisas realizadas pelo Datafolha em
quatro metrópoles brasileiras (São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Recife) já
detectaram sinais preocupantes de que diminuiu a disposição da população a
vacinar-se, além de ressalvas, sem nenhuma base científica, à vacina chinesa.
Ainda nesta terça (10), Bolsonaro encontrou tempo para fazer
bravatas a respeito do enfrentamento da Covid-19 e pregar que o Brasil “tem
que deixar de ser um país de maricas”. São todas suas, entretanto, a
covardia, a omissão e a mesquinharia que sabotaram os esforços do país durante
a maior crise sanitária global em um século.
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