sábado, 13 de novembro de 2021

NA CONTRAMÃO DE OUTRAS VIAS

Janio de Freitas, Folha de S.Paulo

Um jato de originalidade. Assim foram os últimos dias, literalmente uma primavera política à brasileira. Novidades eleitorais capazes de instalar mais situações sem precedentes e sem destino presumível.

Não é o caso da entrada formal, em si mesma, de Sergio Moro na política, afinal um projeto evidenciado desde seu início há mais de sete anos. A originalidade, no caso, está na peculiaridade que o pré-candidato traz como futuro: Moro seria portador de uma condição única, diante da tarefa de governar.

Está aí o escândalo do R$ 1,2 bilhão (levantamento do competente Gil Castello Branco no site "Contas Abertas"), investido por Bolsonaro para comprar a aprovação do projeto dos Precatórios na Câmara. Se esse método é local, a dependência dos governos ao Legislativo é comum aos regimes não ditatoriais. Tendo-a, para Moro governante a saída pela corrupção seria a melhor das situações possíveis. Por ser, ao menos, saída.

Só uma pessoa é tão repulsiva no conceito de imensa parte do Congresso, de esquerda e direita, quanto Moro: é seu parceiro Deltan Dallagnol. Mesmo congressistas abjetos resistiriam às mais tentadoras negociações com Moro, por falta absoluta de confiança. Da hostilidade frontal e insuperável porque fundada, Moro não teria a esperar senão o estado de crise. E vivê-lo com inexperiência e luzes mentais de baixíssima voltagem.

O lançamento de Moro tem a originalidade de oferecer, não a possibilidade de um governo, mas a perspectiva de agravamentos insondáveis da adversidade trazida por Bolsonaro. Madame Moro, aliás, depois de soltar rojões pelo resultado eleitoral em 2018, lançou aos ventos: "Bolsonaro e Moro são um só". Frase perigosa para ela, mas preventiva para todos. De fato, tão semelhantes os dois, que não puderam viver no mesmo espaço de ambições e autoritarismos.

As motivações de Moro e Dallagnol assemelham-se só na procedência. Moro resulta de plano antigo, com missão, seja encomendada ou autoincutida. Fisionomia de mármore, olhar árido, desprezo a limitações, Dallagnol é expressão do fanatismo. O poder acusatório do Ministério Público deu-lhe as oportunidades para aplicá-lo. Os superiores deram-lhe a conivência covarde da liberdade ilegal e imoral, reduzidos os reparos obrigatórios a petelecos infantis.

Sobreveio o pior dos inesperados: Lula lidera as pesquisas eleitorais. O medo que acometa o perseguidor ignora a natureza nunca vingativa de Lula, a culpa sabe impor seu domínio. Se eleito, o deputado federal Deltan Dallagnol terá imunidades, em dose suficiente para manobrar os processos há tempos imóveis e outros tantos ainda possíveis.

Em tal circunstância, vale a pena sujeitar-se ao ambiente em que a espada de fogo não terá aplicação. E a hostilidade responderá à presença insultuosa entre os acusados e os caluniados do procurador transtornado. Pelas mesmas razões, o procurador-geral na era curitibana, Rodrigo Janot, pretende dar a Dallagnol, outra vez, uma companhia cúmplice.

Nem tanto por novidade a mais, senão pela dimensão do despudor, a entrada de Bolsonaro no PL dá ao governo uma denominação, como outrora as de governo do PMDB, PSDB, PT. Agora é o governo centrão-militar. Bolsonaro, Valdemar Costa Neto, general Augusto Heleno, Roberto Jefferson, general Luiz Eduardo Ramos, Ciro Nogueira, Arthur Lira, general Pazuello, mais generais, almirantes, brigadeiros, mais 6.000 militares da ativa, da reserva, reformados e todo o centrão, irmanados no mais inescrupuloso do que é chamado, com impropriedade, de "velha política".

Minhas continências.

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