quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

JULGAMENTO ANTECIPADO

Do Blog da Julia Duailibi, g1

Julgamento que pode cassar Moro é antecipado em 11 dias

TRE-PR vai votar ação que acusa o parlamentar de prática de abuso de poder econômico na pré-campanha eleitoral de 2022. Sessão acontecerá em 8 de fevereiro.

O julgamento que pode cassar o cargo do senador Sergio Moro (União Brasil-PR) foi antecipado para 8 de fevereiro pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Paraná. Antes, estava marcado para acontecer no dia 19.

O parlamentar é acusado de prática de abuso de poder econômico na pré-campanha eleitoral de 2022.

O julgamento começa neste dia mas pode se estender e, também, pode ter pedido de vista.

Serão seis desembargadores que vão estar no julgamento. Em caso de empate em 3 a 3, o presidente vota.

O presidente Lula (PT) vai nomear desembargador que deve participar do julgamento.

O Tribunal Superior Eleitoral vai analisar nomes para desembargador nesta quinta-feira (1º) e, então, será feita uma votação da lista tríplice e os três nomes serão encaminhados para Lula. O preferido para ser indicado é o advogado José Rodrigo Sade.

Moro falou em depoimento ao TRE-PR, em dezembro, que não obteve vantagem eleitoral e nega a acusação de desequilíbrio eleitoral causado por irregular pré-campanha ao cargo de presidente da República. Além disso, o senador defendeu, em entrevista após depoimento, que todos os gastos da campanha são legais e foram declarados à Justiça Eleitoral.

O senador é alvo de duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJEs), que apontam abuso de poder econômico, caixa dois e utilização indevida de meios de comunicação social durante a pré-campanha eleitoral de 2022. Os processos, que são analisados em conjunto, também pedem a cassação do mandato do parlamentar.

As duas ações foram protocoladas por duas frentes antagônicas na política nacional. A primeira pelo pelo Partido Liberal (PL), de base bolsonarista, e a outra pela Federação Brasil da Esperança - FÉ BRASIL (PT/PCdoB/PV), base que elegeu o governo Lula, em novembro e dezembro de 2022.

Moro alegou que não há provas de que ele tenha usado a pré-candidatura presidencial para conseguir visibilidade e diz que não precisaria disso por ser uma pessoa amplamente conhecida.

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HANG E LOJAS HAVAN SÃO CONDENADOS

Joana Caldas, John Pacheco, g1 SC

Luciano Hang e lojas Havan são condenados a pagar R$ 85 milhões por assédio eleitoral

Empresário, dono da rede de lojas, negou ter cometido irregularidades. Cabe recurso da decisão.

O empresário Luciano Hang e a Havan, rede de lojas de propriedade dele, foram condenados a partir de ação do Ministério Público do Trabalho (MPT) a pagar R$ 85 milhões a título de danos morais individuais e coletivo por assédio eleitoral por coagir funcionários na véspera das eleições de outubro de 2018.

A sentença do juiz Carlos Alberto Pereira de Castro, da 7ª Vara do Trabalho de Florianópolis do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), é em primeira instância. Cabe recurso da decisão.

Em nota, Hang nega ter cometido irregularidades e classificou a decisão como “descabida e ideológica” (confira a íntegra do posicionamento mais abaixo).

A ação do MPT detalha que na véspera da eleição de 2018, Hang realizou reuniões com os funcionários de suas lojas para questionar os votos deles a respeito do pleito, indicando que "dependendo do resultado presidencial, poderia demitir 15 mil pessoas".

"Ele também disse ter realizado pesquisa de intenção de voto entre os empregados e que 30% teriam afirmado que votariam em branco ou anulariam seu voto", detalhou o MPT.

Na decisão, o magistrado reforçou que “há uma distância considerável entre apenas declarar seu apoio político a qualquer candidato ou agremiação político-partidária e a forma como se deu a abordagem no presente caso”.

E acrescenta: "Em uma prática que já é discutível sem se tratar de questões políticas, promoveu o mesmo réu em estabelecimento da HAVAN uma manifestação em que não só fez campanha para um candidato às eleições, mas colocou em xeque a continuidade de todos os contratos de trabalho firmados pela ré HAVAN, caso houvesse resultado desfavorável sob a sua ótica".

Sobre o valor da indenização, a decisão determina o pagamento de R$ 1 milhão por dano moral coletivo e R$ 1 mil por dano moral individual, para cada empregado da Havan com vínculo até o dia 1º de outubro de 2018.

Soma-se ainda na condenação mais R$ 500 mil multiplicado pelo número de estabelecimentos da Havan na época do caso. A quantia é referente ao descumprimento de uma liminar concedida ao MPT pela Justiça do Trabalho, ainda nas eleições de 2018, e que não foi cumprida.

A determinação previa que:

a Havan era impedida de pressionar trabalhadores para se manifestarem contra ou a favor de qualquer candidato ou partido político;

não realizasse pesquisas de intenção de voto entre seus empregados;

não praticasse assédio moral para influenciar o voto dos trabalhadores;

a fixação da decisão judicial nos quadros de aviso de todas as lojas da empresa no Brasil;

e a leitura dos termos da decisão nas redes sociais de Luciano Hang.

O que diz Luciano Hang

O empresário Luciano Hang classifica como descabida e ideológica a decisão de primeira instância da Justiça do Trabalho em Florianópolis que condenou a Havan ao pagamento de multas e indenização por dano moral coletivo em ação civil pública ajuizada em 2018.

“É um total absurdo. Inclusive, na época dos acontecimentos foram feitas diversas perícias nomeadas pela própria Justiça do Trabalho e nada ficou comprovado, não houve irregularidades. O juiz deveria seguir as provas, o que não fez, seguiu a sua própria ideologia. Mais uma vez o empresário sendo colocado como bandido”, afirma.

Ele ressalta que todas as ordens e decisões da Justiça foram cumpridas, com informações levadas a todos os colaboradores sobre a livre expressão do voto, com o envio de mala direta no e-mail dos colaboradores e colocado no display eletrônico de cada loja.

“Tudo foi feito de modo a garantir a liberdade dos colaboradores. Afinal, temos até hoje em nosso quadro, colaboradores de várias outras ideologias políticas. Aliás, importante lembrar que o voto é secreto e cada um votou conforme sua convicção”, diz o empresário.

Hang destaca ainda que a denúncia não partiu de colaboradores, mas sim de agentes públicos com militância política e sindicatos. “Estamos tranquilos e vamos recorrer da decisão, afinal, nada foi feito de errado e isso já havia sido comprovado lá atrás. Ainda acreditamos na Justiça brasileira”.

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MANDATO CASSADO

Colaboração para o UOL, em São Paulo*

TRE-AM cassa mandato de Silas Câmara, líder da bancada evangélica

O TRE-AM (Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas) cassou, nesta quarta-feira (31), o mandato do deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM) por captação de recursos ilícitos e abuso de poder econômico na campanha de 2022.

O que aconteceu

Tribunal teve quatro votos favoráveis e dois contrários à cassação de Câmara. O parlamentar, que preside a FPE (Frente Parlamentar Evangélica) do Congresso Nacional, disse que vai recorrer da decisão junto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Silas negou que tenha cometido irregularidades e reafirmou "compromisso com a defesa legal de seu mandato, conquistado de forma limpa e honesta". "A decisão [de cassar] foi formada por pequena maioria de votos e contrariou a posição anterior do próprio TRE-AM, que aprovou as contas do deputado. A confiança na reversão do julgamento é total", disse em comunicado — as contas dele haviam sido aprovadas com ressalvas pelo tribunal.

Defesa também afirmou que Silas permanecerá "no exercício pleno de suas responsabilidades enquanto aguarda a apreciação do caso em definitivo pela Justiça Eleitoral".

A maioria dos juízes do TRE-AM acolheu pedido de cassação apresentado pelo Ministério Público Eleitoral. O órgão acusou Silas Câmara de irregularidade no fretamento de aeronaves durante a campanha de 2022, quando ele foi reeleito ao cargo.

Câmara é casado com a deputada federal Antônia Lúcia Câmara (Republicanos-AC) e teria contratado voos entre municípios do Amazonas e alguns com destino ao território acriano. A prática, por si só, configuraria irregularidade, uma vez que os recursos eleitorais deveriam ser utilizados apenas para campanha no território amazonense. Além disso, o órgão ministerial alega que as aeronaves permaneceram por menos de uma hora no destino, não permitindo tempo hábil para a realização de ações de campanha.

Decisão leva à perda do mandato do também deputado Adail Filho (Republicanos-AM). Em seu parecer, o relator da ação, juiz Pedro Araújo Ribeiro, havia solicitado que, em caso de aprovada a cassação, os votos de Silas não fossem computados para fim de quociente eleitoral. Com isso, Adail perde a vaga conquistada.

Nos lugares de Silas e Adail podem assumir Alfredo Nascimento (PL-AM) e Pablo Oliva (União-AM) caso o TSE confirme a decisão do Tribunal amazonense.

*Com Estadão Conteúdo

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EM NOME DO PAI

Bernardo Mello Franco, O Globo

Investigado por arapongagem, Zero Dois sempre deixou claro que cumpria ordens do pai

Depois de se eleger presidente, Jair Bolsonaro informou que presentearia o filho Carlos com a Secretaria de Comunicação Social. “O cara é uma fera nas mídias sociais. Tem tudo para dar certo”, justificou. A ideia pegou mal, e o capitão desistiu do ato de nepotismo explícito. O Zero Dois não virou ministro, mas se tornaria uma eminência parda do governo.

Carluxo fabricou crises, derrubou ministros e comandou o famigerado gabinete do ódio. Sem cargo formal em Brasília, ganhou o apelido de vereador federal. O pai preferia chamá-lo de “meu pit bull”. Um cão feroz, sempre a postos para morder a canela dos adversários.

Em março de 2020, o ex-ministro Gustavo Bebianno disse que o Zero Dois queria criar uma “Abin paralela”. Um sistema de informações clandestino, que não deixaria rastros de suas atividades. Agora a Polícia Federal acredita que essa ideia também ficou pelo caminho. Os Bolsonaro acharam mais útil capturar a Abin oficial.

Na decisão que autorizou as buscas desta segunda-feira, o ministro Alexandre de Moraes enumerou provas do “desvirtuamento” da agência no governo passado. Em vez de produzir inteligência para o Estado, a Abin fez arapongagem para o clã. Ajudou a bisbilhotar opositores e obstruir investigações que ameaçavam os filhos do presidente.

A espionagem usou um programa israelense que descobre a localização de pessoas pelo sinal do celular. A ferramenta foi acionada ilegalmente contra congressistas, uma promotora do caso Marielle e ao menos dois ministros do Supremo. A Abin era comandada por Alexandre Ramagem, hoje deputado e pré-candidato a prefeito do Rio. Acima dele estava o general Augusto Heleno, que será ouvido na semana que vem.

Para a PF, Carluxo integrava o “núcleo político” da quadrilha. Como ele nunca fez nada para si mesmo, é provável que os investigadores ainda batam na porta do ex-presidente, que agora se diz vítima de “perseguição implacável”.

No primeiro discurso como vereador, o Zero Dois avisou que não devia obediência à legenda pela qual se elegeu: “Falo não em nome do Partido Progressista, mas em nome do Partido do Papai Bolsonaro”. Vinte e quatro anos depois, só mudou a sigla de fachada.

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segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

FORÇA DA GRANA MOVE BRASÍLIA

Artigo de Fernando Gabeira

No fim do século passado, um famoso artigo de Francis Fukuyama previu o fim da História. Errou o alvo, ainda bem, porque, sem as peripécias da História, nossa vida seria tomada pelo tédio e pela melancolia. Apesar disso, há momentos arrastados na História do Brasil, como essa briga do Congresso por verbas do Orçamento, algo tão chato como uma reunião de condomínio.

No entanto, se vencermos as barreiras do tédio, veremos que estamos diante de algo essencial para nossa vida cotidiana e mesmo para o futuro da democracia. Trava-se uma luta pela grana que todos pagam em impostos. Teoricamente, esse dinheiro deveria ser usado de uma forma racional para a prestação de todos os serviços que o Estado nos deve.

Isso é tão importante que, nas revoltas de 2013, segundo muitos observadores, houve protesto porque o Estado não devolvia em serviços eficazes o grande volume de impostos pagos a ele.

O avanço do Congresso sobre o dinheiro a ser gasto tem sido intenso nos últimos anos. Alguns ainda se lembram do orçamento secreto do período Bolsonaro. Era ilegal e acabou caindo por ordem do STF. Mas a força do Congresso é tão grande que ele continua impondo ao governo altos gastos em suas emendas parlamentares. Só no Orçamento deste ano, a coisa vai para mais de R$ 47 bilhões. Isso sem contar os quase R$ 5 bilhões que destinaram ao financiamento das eleições municipais.

Não vai dar certo. O dinheiro já é curto e, se não for usado com o máximo de racionalidade, com visão nacional, as frustrações podem aumentar. Salário mínimo um pouco melhor não basta. Há outros fatores — como escola pública de qualidade, saneamento, hospitais razoáveis — que influenciam a sensação de pobreza ou bem-estar.

Os deputados dizem que não há problemas se destinarem grande parte da grana nacional para suas obras. Afinal, argumentam, ninguém conhece melhor o país do que eles. Acontece que conhecem tão bem, a ponto de saber qual obra dá mais votos que a outra, e de modo geral sempre optarão por bons resultados eleitorais.

Na época do orçamento secreto, houve coisas do arco-da-velha que, provavelmente, continuarão acontecendo. Escolas receberam equipamento de robótica e não tinham sequer conexão com a internet. O episódio mais pitoresco ocorreu em Igarapé Grande, no Maranhão, onde a Polícia Federal fez a Operação Quebra-Ossos. O município tem 12 mil habitantes, mas registrou gastos de raio X com 7.500 dedos quebrados. Inimaginável o que fizeram com as mãos para chegar a esses números. Há registro também, noutros pontos do país, de tratoraços, a compra de tratores por preços superfaturados.

Sinceramente, não escrevo com intenções moralistas. A esta altura da vida, fora da política, trabalho outras categorias, distante do protesto indignado. Prefiro fazer parte de uma discreta versão moderna de um coro grego, como na Antígona. Qualquer procura humana que ignore limites, sugere Sófocles, inevitavelmente trará a desgraça.

Surfando numa conjuntura de tolerância com os erros, os políticos brasileiros estão passando dos limites, uma forma de perder a sabedoria. Com todos os pequenos deslizes recebidos com silêncio pela sociedade, avançam cada vez mais rumo a uma dominação indiscriminada, voltada apenas para o próprio umbigo.

Todos sabemos das grandes necessidades do país. Sabemos também que, mesmo usando racionalmente os recursos, não conseguiremos satisfazê-las, o cobertor é curto.

O uso leviano do dinheiro arrecadado, gastos milionários com partidos políticos, isso é muito perigoso. Em 2013, tudo parecia bem, até que alguma coisa explodiu. Há tempo de corrigir o rumo, embora seja difícil imaginar como o gênio voltará para a lâmpada, como o Congresso se conformará em não ter tanto dinheiro para se perpetuar no poder. Infelizmente, é disso que se trata. Os donos da grana se reelegem, e as coisas nunca mudam por lá.

Artigo publicado no jornal O Globo em 29/01/2024

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MORRE SAMUEL PINHEIRO

Do g1

O Palácio do Itamaraty informou que morreu nesta segunda-feira (29) o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto. Ele foi secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores entre janeiro de 2003 a outubro de 2009, nos dois primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Pinheiro Neto tinha 84 anos e morreu em Brasília. O ministro Mauro Vieira, das Relações Exteriores, manifestou pesar.

"Além de lamentar profundamente a perda do amigo pessoal, o Ministro Mauro Vieira, em nome do Itamaraty, expressa à família, e aos muitos amigos e amigas do embaixador Samuel as mais sentidas condolências", disse o Itamaraty em nota.

Além do cargo de secretário-geral do Itamaraty, Pinheiro Neto, exerceu outras funções de destaque na carreira:

chefe do Departamento Econômico do Itamaraty

diretor do Instituto de Pesquisas em Relações Internacionais

vice-presidência da Embrafilme

Pinheiro Neto também ficou conhecido por seu trabalho na formulação de política de integração dos países do continente, especialmente em estratégias para o Mercosul.

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UM PASSO À FRENTE, DOIS ATRÁS

Ana Cristina Rosa, Folha de S. Paulo

Ter um negro à frente da pasta da igualdade racial faz diferença 'para abordar as representatividades históricas'

Será que alguém que não sabe o que é ser preterido pela aparência, que jamais perdeu uma oportunidade de trabalho em razão da cor da pele, que nunca foi olhado ou tratado com suspeição pela ascendência étnica é a pessoa mais indicada para comandar uma secretaria criada para promover a igualdade racial?

Esse é o tipo de dúvida que deveria passar pela cabeça de quem se preocupa em enfrentar o racismo no país. Mas não é bem assim. E a Prefeitura de Palmas (TO) deu um excelente exemplo disso com a criação da Secretaria Municipal de Políticas Sociais e Igualdade Racial. O que poderia ser motivo de aplausos, virou alvo de críticas fundamentadas quando a prefeita, uma mulher branca, nomeou outra mulher branca para o comando da pasta.

Desconsiderar a representatividade negra numa nação de maioria autodeclarada afrodescendente (56%, pelo IBGE), onde o racismo está institucionalizado e, na prática, se constitui na maior barreira à promoção da cidadania, do desenvolvimento e da justiça social não é a maneira mais apropriada para fazer frente a uma questão tão complexa.

Os indicadores de violência ajudam a compor uma noção do cenário. Em 2023, Palmas, que já foi considerada a capital mais tranquila do Brasil, viu a onda de violência e criminalidade aumentar em mais de 200%. Homens pretos e pardos foram a maioria (69%) das vítimas.

Na avaliação da polícia, 90% dos homicídios têm relação com tráfico de drogas. Já entidades ligadas à área dos direitos humanos apontam que metade dos mortos não possuía passagem policial e correlacionam o fato com a questão étnica.

Ter um negro à frente da pasta da igualdade racial faz diferença "para abordar as representatividades históricas estruturais enfrentadas pela comunidade negra", como destacou em nota a Ajunta Preta, Coletivo Feminista de Mulheres Negras do Tocantins. E não basta ser negro, é preciso ter letramento racial para compreender a dinâmica do racismo.

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DIRETAS JÁ, 40 ANOS DEPOIS

Miguel de Almeida, O Globo

Éramos jovens, ingênuos e sonhadores, acreditávamos na força do povo como instrumento de pressão

Passados 40 anos — no próximo 16 de abril —, o comício pelas Diretas Já, no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, registra a maior frente ampla política ocorrida no Brasil. Para aquele milhão de brasileiros, ali reunidos, entre eles o Miguelzinho, uma nesga de esperança emanava dos discursos de diferentes personalidades, quase uma certeza para a minha geração: o país do futuro deixaria de ser uma promessa. Tínhamos apenas de derrubar a ditadura militar. Mas nos esquecemos de combinar com os russos.

Éramos jovens, ingênuos e sonhadores, acreditávamos na força do povo como instrumento de pressão e mudanças. Tá. A manifestação, antes e ainda hoje não superada em número e desejos, mirava a votação no Congresso da emenda Dante de Oliveira, que restabeleceria as eleições diretas, portanto enviaria os militares de volta aos quartéis. As passeatas, depois o palanque, traziam um elenco de oposicionistas sinceros, de quintas-colunas mal disfarçados e de oportunistas de quatro costados. Os russos em nossas camas.

Muitos deles vinham ali forçados pela grande mobilização popular, iniciada no ano anterior (a briga pela democracia, veja só, começou em Curitiba!), que mostrara a musculatura da oposição pela primeira vez ao reunir 300 mil pessoas na Praça da Sé, também em São Paulo, no 25 de janeiro de 1984.

Até o 16 de abril do Vale do Anhangabaú, o país se viu incendiado por centenas de comícios, passeatas. Até nas arenas de futebol pedia-se a volta da liberdade política. Vistos como alienados, os jogadores surpreenderam com o lançamento da Democracia Corinthiana, capitaneada por Sócrates, Casagrande e Wladimir. Imagine o estádio do Morumbi, com 60 mil torcedores, exigindo eleições diretas. No meio do campo, uma faixa: “Ganhar ou perder, mas sempre com democracia”. No Maracanã, num jogo entre Flamengo e Santos, ao lado da temperatura (27graus), o painel eletrônico escandia: “Diretas Já”.

É, parecia um sonho. Era só derrubar a ditadura para que a modernidade e a urbanidade vestissem o Brasil. Tá.

Em 1984, o calendário marcava 20 anos de ditadura. Dois anos antes, ocorreram as eleições para os governos estaduais, com a vitória da oposição em São Paulo, Rio e Minas (Paraná também!). O regime militar dava sinais de exaustão desde a crise do petróleo, em 1973, com reflexos na alta da inflação, na carestia e no esgotamento de um modelo econômico insuflado pelo Estado (tal Geisel, tal Gleisi). No Brasil, as ideias mofadas não morrem; como aliens, migram de corpos.

O comício do Anhangabaú, diante dos corações que seriam enganados, sugeria que alguns degraus civilizacionais seriam conquistados. Afinal, o povo estava nas ruas pedindo a volta da democracia e um país mais justo.

Dos muitos discursos naquela distante noite de 1984, talvez o único sincero, porque cumprido, tenha sido a promessa de Sócrates, então ídolo do futebol no time do Corinthians:

— Se a emenda passar [no Congresso], não irei embora do Brasil —gritou.

E foi ovacionado por 1 milhão de pessoas. Todos sabiam que ele tinha no bolso um contrato para jogar na Fiorentina, na Itália. Bastava voltar a democracia, dizia, e não nos deixaria. Mas, ao seu lado, no próprio palanque, havia personagens assustados com a força da mobilização. Por aqui, as rupturas são combinadas no ar condicionado; o calor das ruas, até certo ponto, serve apenas como biombo para negociar os anéis. Os generais seriam afastados, mas não iriam embora. De novo, os aliens.

Poucos dias depois, em 25 de abril, por apenas 22 votos, a Câmara dos Deputados recusava a emenda. Nada de Diretas Já. O caminho para a derrubada da ditadura viria por meio do Colégio Eleitoral inventado pelos militares, onde Tancredo Neves derrotaria Paulo Maluf, encerrando o regime autoritário. Era uma compensação frustrante.

Típico resultado de arranjos de bastidores, no que hoje os historiadores chamam de transição negociada entre os líderes civis e as Forças Armadas. Uma eleição direta não interessava aos militares nem à maior parte das elites. Não se dá presente ao povo. Só cargo aos amigos.

Assim como o Golpe de 1964 ocorreu sem qualquer reação mais contundente, a derrubada da ditadura também se passou como se não houvesse crime cometido contra os brasileiros. Daí que tamanha concórdia resultou num país incapaz de enfrentar seus maiores problemas, ainda e sempre acovardado diante dos militares. Para piorar, com medo também dos pastores.

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OPERAÇÃO DA PF MIRA CARLOS BOLSONARO

Do Blog da Daniela Lima, g1 - Daniela Lima, Bruno Tavares, Fábio Santos

A Polícia Federal realizou nesta segunda-feira (29) uma operação de busca e apreensão em uma casa em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, onde Jair Bolsonaro realizou uma live nas redes sociais no domingo (28). O ex-presidente e os filhos estavam no local durante esta manhã e deixaram a casa de barco. Ninguém foi alvo de mandado de prisão.

Também foram alvo da operação possíveis destinatários de informações coletadas ilegalmente pela Abin, entre eles o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). A busca foi autorizada para sua residência e gabinete na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

De acordo com uma fonte da PF, serão recolhidos celulares e aparelhos eletrônicos de todos que estão na casa, não apenas de Carlos. Ele e o ex-presidente voltaram ao local no final da manhã.

A casa de veraneio da família Bolsonaro virou notícia em outras ocasiões, já que ela fica na mesma rua da ex-assessora parlamentar Walderice Santos da Conceição, conhecida como Wal do Açaí, suspeita de ter sido funcionária fantasma do gabinete do ex-presidente quando ele era deputado federal.

Em novembro do ano passado, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1) rejeitou um recurso e decidiu manter uma ação de improbidade administrativa contra o ex-presidente. A investigação teve início em 2018.

O que é a Abin e quais são suas principais funções

A Polícia Federal teria apreendido um computador da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) com Carlos Bolsonaro . O blog apurou a informação com uma fonte ligada à operação, mas a PF nega oficialmente.

O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, é quem assina a autorização para os mandados.

Atuação ilegal da Abin

A Polícia Federal suspeita que, sob o mandato de Jair Bolsonaro, a Abin atuou como um braço de coleta de informações ilegais, sem autorização judicial, e também como fonte de informações falsas, depois disseminadas por perfis de extrema direita para difamar instituições e autoridades.

Em outra frente, a Abin também teria sido acionada para blindar filhos do ex-presidente Bolsonaro de investigações da própria Polícia Federal.

Carlos Bolsonaro é vereador desde 2001 e está em seu sexto mandato consecutivo na Câmara Municipal do Rio. Ele foi apontado pelo ex-braço-direito de Jair Bolsonaro, Mauro Cid, como chefe do chamado gabinete do ódio, uma estrutura paralela montada no Palácio do Planalto para atacar adversários e instituições – como o sistema eleitoral brasileiro.

O filho de Jair Bolsonaro não se pronunciou sobre a operação até a última atualização desta reportagem.

Abin paralela

A operação desta segunda (29) é uma continuidade da ocorrida na quinta-feira (25), quando Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin, foi alvo de buscas.

Os mandados foram expedidos pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moares. Segundo a decisão, Ramagem usou o órgão para fazer espionagem ilegal a favor da família do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Entre os alvos estavam autoridades, desafetos e pessoas envolvidas em investigações contra integrantes da família, como as contra Jair Renan (suspeita de estelionato) e Flávio Bolsonaro (caso das rachadinhas).

Nesta segunda (29), o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que iria pedir ao STF a lista de parlamentares que foram monitorados pela Abin.

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domingo, 28 de janeiro de 2024

O 'SNI PARTICULAR' DE JAIR

Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo

Ramagem não agira por conta própria, mas dentro da engrenagem do golpe e a mando de Bolsonaro

Ao anunciar que tinha um “sistema particular de inteligência”, na reunião ministerial tenebrosa de maio de 2020, o então presidente Jair Bolsonaro confessou um crime, a manipulação das instituições e uma velha prática: a confusão entre o público e o privado. O sistema de inteligência do Estado não é propriedade de presidentes e nunca poderia ser considerado “particular”, assim como Exército Brasileiro nunca deveria ser chamado de “meu Exército”.

Os sistemas que Bolsonaro tentou transformar em “particulares” foram os de inteligência, como Polícia Federal e Agência Brasileira de Inteligência (Abin); os armados, Exército, Marinha e Aeronáutica, além de PRF e até polícias estaduais; e os de investigação e controle, como Receita Federal (impostos) e Coaf (operações financeiras “atípicas”).

Na direção da Abin, o delegado e agora deputado Alexandre Ramagem não usava os instrumentos espiões e ilegais da agência por decisão e interesse próprios contra ministros do Supremo, presidente da Câmara e até promotora do caso Marielle, mas sim a mando do chefe Bolsonaro, contra os que ameaçavam seus devaneios golpistas e a favor, por exemplo, dos filhos.

Poderia ser ainda pior. Bolsonaro chegou a nomear Ramagem para a direção-geral da PF e, se a Abin é órgão de inteligência, a PF é também operacional, com mão na massa – e no revólver. Apesar de criticado, o ministro do STF Alexandre de Moraes alegou “desvio de finalidade” e impediu a ida de Ramagem para a PF. E não foi por “perseguição”, mas por informação, sua especialidade.

Moraes já sabia que Ramagem usava a Abin para monitorar os passos de cidadãos e autoridades por interesses políticos, o que é crime previsto no artigo 5.º da Constituição (sobre direitos individuais) e método clássico de ditaduras. É assim que Nicolás Maduro acaba de prender 32 críticos do regime na Venezuela.

As investigações sobre a Abin dos tempos de Ramagem e Bolsonaro são parte do processo de desvendar e desbaratar o aparato montado para controle de cidadãos e preparação de um golpe, incluindo o Ministério da Justiça, que listou 579 nomes de professores e funcionários públicos federais e estaduais “antifascistas” (contrários a Bolsonaro). Com que finalidade? O ministro era Anderson Torres, também delegado de carreira da PF, que estava metido na tentativa de golpe e acabou preso.

Um Ramagem daqui, um Anderson Torres dali, um Mauro Cid acolá…. Sem contar generais, de um lado, e figuras muito suspeitas, de outro: Fabrício Queiroz, Daniel Silveira, Walter Delgatti, Marcos do Val… Onde o Brasil foi se meter? Aliás, ainda há muito a investigar.

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sábado, 27 de janeiro de 2024

ARAPONGAGEM É INACEITÁVEL

Opinião Correio Braziliense

Segundo as investigações, o aparato ilegal de monitoramento político teria produzido cerca de 30 mil operações de vigilância eletrônica, contra aproximadamente 1.500 pessoais, entre as quais ministros do Supremo, parlamentares, jornalistas e dirigentes políticos

A transformação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em instrumento político de espionagem contra os poderes Legislativo e Judiciário, para supostamente favorecer interesses políticos do então presidente Jair Bolsonaro, seria um fato muito grave. As investigações da Polícia Federal apontam a existência de uma estrutura paralela no órgão, com utilização dos mais sofisticados equipamentos de monitoramento eletrônico e policiais federais, que estariam sob o comando do então diretor-geral da Abin, delegado Alexandre Ramagem, hoje deputado federal e pré-candidato a prefeito do Rio de Janeiro.

Segundo as investigações, o aparato ilegal de monitoramento político teria produzido cerca de 30 mil operações de vigilância eletrônica, contra aproximadamente 1.500 pessoais, entre as quais ministros do Supremo, parlamentares, jornalistas e dirigentes políticos. As apurações da PF sugerem que a motivação era beneficiar a família Bolsonaro e os aliados do ex-presidente, além de criar falsas narrativas que seriam usadas contra políticos e integrantes da mais alta Corte do país.

Um dos objetivos mais escabrosos era caracterizar infundadas ligações dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes com a facção Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, comandada pelo traficante Marcos Willian Herbes Camacho, o Marcola, preso em regime de Isolamento na Penitenciária Federal de Brasília, na Papuda.

Na quinta-feira, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, que comanda as investigações sobre a tentativa de golpe de 8 de janeiro, foi realizada uma operação de busca e apreensão no gabinete de Ramagem na Câmara e no seu apartamento funcional, em Brasília, além de sua residência no Rio de Janeiro. No gabinete, os agentes encontraram, inclusive, um relatório que tinha informações levantadas pela Abin sobre a atual investigação da PF.

Por se tratar de um deputado federal, a operação gerou protestos do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, os quais não encontraram eco junto aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Ambos se opuseram firmemente à tentativa de golpe de 8 de janeiro, que consideram um divisor de águas em relação à solidariedade do Congresso com seus integrantes.

"Os policiais federais destacados, sob a direção de Alexandre Ramagem, utilizaram das ferramentas e serviços da Abin para serviços e contrainteligência ilícitos e para interferir em diversas investigações da Polícia Federal", afirmou o ministro Moraes. Outros sete integrantes da Polícia Federal estão sendo investigados. Na execução de 21 mandados de busca e apreensão, foram apreendidos documentos, celulares, computadores e pen drives que podem gerar novas ações judiciais e abrir outras linhas de investigação.

A investigação também apura a utilização do sistema de inteligência First Mile pela Abin no monitoramento de dispositivos móveis, sem a necessidade de interferência e/ou ciência das operadoras de telefonia e sem a necessária autorização judicial. O referido sistema foi fornecido pela empresa Cognyte Brasil S.A., que registra a localização em tempo real de qualquer pessoa monitorada.

Em se tratando de agentes encarregados da segurança nacional haveria relações com condutas ilegais que atentam contra a soberania nacional, as instituições democráticas, o processo eleitoral e os serviços essenciais, que podem vir a ser caracterizadas no Código Penal como atentado à soberania (art. 359-I), abolição violenta do Estado democrático de direito (359-L), golpe de Estado (art. 359-M), interrupção do processo eleitoral (art. 359-N) e violência política (art. 359-P).

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'EL LOCO' DESCOBRE A DEMOCRACIA

Editorial O Estado de S. Paulo

Ao negociar projeto de lei com o Congresso, Milei dobra-se às instituições democráticas

O anarcocapitalista Javier Milei, presidente da Argentina, parece ter entendido que sua caneta não é suficiente para impor, ao arrepio do rito democrático, seu programa de governo. Como manda a Constituição, curvou-se à negociação com o Congresso de seu projeto de lei voltado para a superação da crise econômica abismal. Desidratou o texto e, na madrugada do último dia 24, obteve o apoio de 55 deputados de oposição. Dobrar Milei certamente foi um grande feito do Legislativo. Salvaram-se algumas medidas caras ao projeto da Casa Rosada de liberalizar e recuperar a economia do país, resguardando-se a democracia dos arroubos autoritários do novo governante.

A resistência do Congresso em aceitar bovinamente um projeto de lei que concedia amplos direitos ao Poder Executivo – inclusive o de legislar – teve efeito pedagógico. Antes avesso a qualquer negociação, “El Loco”, como Milei ainda hoje gosta de ser chamado, recuou e enviou nova versão que altera 100 dos 664 artigos do texto no último dia 19. Ruidosas promessas de campanha, como a privatização da petroleira YPF, saíram do horizonte da Casa Rosada. Sua ambição de governar com poderes ampliados até o final do mandato, em nome da situação de emergência nacional, foi encurtada para dois anos, no máximo. A de impor reformas nos sistemas partidário e eleitoral caiu por terra.

Novos recuos tendem a ser exigidos de Milei até a apreciação do projeto pela Câmara dos Deputados. O que foi acertado até o momento, porém, vai requerer da equipe do Ministério de Economia políticas alternativas para o país reduzir o déficit nas contas públicas neste ano. Por pressão dos parlamentares de oposição, o governo não poderá mais valer-se de aumento do imposto sobre exportações nem alterar o reajuste das aposentadorias, as principais medidas fiscais do projeto de lei original.

Os oposicionistas que apoiaram o projeto depois da desidratação reconheceram que a iniciativa tem potencial de tirar a Argentina do atoleiro econômico e social em que se afundou nas últimas décadas. Mesmo tendo em vista que tudo vai piorar antes de começar a melhorar, tais segmentos políticos conhecem a alternativa dada pela rejeição total ao texto: um abismo mais profundo do que o percebido até agora. Suas ressalvas tornaram o plano de Milei mais palatável ao Legislativo.

O novato presidente argentino provavelmente constatou que não lhe convém mais o figurino de “El Loco” se quiser levar adiante o desafio de estabilizar a economia do país. Sua iniciativa de baixar medidas econômicas por decreto acabou por travar parte de sua agenda na Justiça. Querer outorgar-se amplos poderes de legislar por quatro anos e ditar reformas políticas e econômicas por projeto de lei, mas sem negociar com o Congresso, provou-se inaceitável. As instituições responderam a Milei que suas atribuições têm limites constitucionais e que a democracia é um valor a ser respeitado mesmo diante de uma emergência nacional. Espera-se que tenha aprendido.

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UM ARREMEDO DE SNI

Editorial O Estado de S. Paulo

Suspeitas de que Bolsonaro converteu Abin em órgão de bisbilhotagem a seu serviço são estarrecedoras, mas não surpreendem, considerando os devaneios autoritários do ex-presidente

É gravíssima a suspeita de que, durante o governo de Jair Bolsonaro, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) teria sido convertida num arremedo de SNI, o serviço de espionagem que serviu à ditadura militar. A ser verdadeira apenas uma fração do que veio a público até o momento, é caso para punição exemplar de todos os que tentaram instalar no Brasil um instrumento de bisbilhotagem típico de Estado autoritário.

Anteontem, a Polícia Federal (PF) deflagrou uma operação para cumprir mandados de busca e apreensão em endereços do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que chefiou a Abin entre julho de 2019 e março de 2022. Durante a gestão de Ramagem, segundo a PF, agentes do órgão teriam usado um sistema de rastreamento de celulares para monitorar os passos de políticos, magistrados e jornalistas tidos como “inimigos” por Bolsonaro – sem justificativa ou autorização judicial, evidentemente.

Não bastasse essa espionagem ilegal, Ramagem também é suspeito de fazer da Abin uma espécie de puxadinho das equipes de defesa de dois dos filhos de Bolsonaro enrolados com investigações policiais: o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), suspeito de liderar um esquema de “rachadinhas” na Assembleia do Rio, e Jair Renan Bolsonaro, suspeito de tráfico de influência, estelionato e lavagem de dinheiro.

A existência de uma “Abin paralela” nunca foi segredo desde que o próprio Bolsonaro, na infame reunião ministerial de 22 de abril de 2020, jactou-se publicamente de contar com os préstimos de uma rede de informação “particular” – que “funciona”, como enfatizou. O que o jornal O Globo revelou em março de 2023 e a PF investigou até agora é o possível uso de recursos oficiais e legítimos à disposição do órgão de Estado para atender aos interesses particulares, e possivelmente ilegais, do então presidente da República.

Integrante do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, a Abin tem entre suas atribuições “avaliar as ameaças, internas e externas, à ordem constitucional”. Causa um frio na espinha constatar que as investigações da PF apontam para o fato de que a própria Abin pode ter se tornado uma dessas ameaças à Constituição, possivelmente violando direitos e garantias fundamentais de cidadãos brasileiros sem outras justificativas a não ser o furor de Bolsonaro por bisbilhotar tudo e todos que pudessem representar ameaça à consecução de seus objetivos.

A suspeita de espionagem estatal durante o governo Bolsonaro – que, segundo consta, teria alcançado o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, parlamentares e ministros do Supremo Tribunal Federal, entre outros – tem de ser investigada a fundo e, uma vez apurados os indícios de autoria e materialidade, levada ao Ministério Público para a devida responsabilização de seus autores. Democracias dignas do nome não toleram que haja uma parte da máquina do Estado agindo fora dos controles institucionais para satisfazer interesses do governante.

A ser verdade o que se levantou até agora, a subversão da Abin – além de violar a privacidade individual, direito resguardado pela Constituição – expôs o País e a sociedade a riscos não triviais. A vigilância ilegal dos cidadãos opera sob a lógica do medo e da desconfiança generalizada, o que, ao fim e ao cabo, constrange a dissidência política e a liberdade de expressão, vitais para a democracia. Tem ainda o condão de instaurar um estado de medo permanente, impedindo a livre participação dos cidadãos na vida política do País.

Não menos importante, a transformação da Abin num aparato de inteligência a serviço da família Bolsonaro, se comprovada, também revela uma tentativa de construir um Estado com poder desmedido sobre os cidadãos, poder que, sem controle, pode ser facilmente manipulado. Não era necessária nenhuma investigação da Polícia Federal para concluir que este era o sonho de Bolsonaro e sua grei. Felizmente, ao que parece, o sonho frustrou-se.

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LIMITES A MILEI

Editorial Folha de S. Paulo

Pacote é desidratado no Legislativo; argentino ameaça tensionar o campo político

Javier Milei conseguiu levar para o plenário da Câmara dos Deputados o projeto da sua lei "omnibus", um pacote de 664 artigos chamado de "Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos". Tratava-se de um grande plano de reforma da economia —e também da sociedade e da política.

Tratava-se. Mudanças de impacto foram amputadas do texto por comissões. Mesmo aspectos essenciais do programa de corte de gastos corriam risco de rejeição.

O partido do presidente conta com apenas 38 do total de 257 deputados. Somados os parlamentares de blocos potencialmente aliados ou que, ao menos, aceitam negociar com o governo, Milei poderia contar com metade dos votos.

Poderia. Um dia depois do relativo progresso na Câmara, o presidente voltou a acirrar os ânimos. Disse em entrevista que não está "disposto a negociar nada" —o que não for aprovado agora, o será mais tarde, de alguma maneira.

Nas comissões, caíram artigos relativos às reformas penais e eleitorais, à do Código Comercial e Civil, a prerrogativa de governar por medidas de emergência por dois anos (reduzida a um ano) ou privatizações maiores, como a da petroleira YPF e a do Banco de la Nación.

Nesta sexta (26), o governo anunciou que tiraria do diploma artigos essenciais para o reequilíbrio orçamentário, como o controle do reajuste de aposentadorias.

Em troca de apoio, governadores de províncias, com influência parlamentar relevante, querem que o governo proponha a restauração da cobrança do imposto de renda, derrubada em iniciativa eleitoreira do governo anterior, apoiada também pelo então deputado Milei.

A política impõe por enquanto limites à atuação do chefe de Estado. Porém o presidente reafirma seu programa de conflito, seu personalismo e sua defesa de refundação incontestada da Argentina. Opositores seriam apenas parte da "casta" de privilegiados, cúmplices de um século de ruína do país.

Ao menos na retórica, Milei insiste no tudo ou nada. Líderes do bloco adepto do diálogo reiteram apelos para que a Casa Rosada negocie seu projeto. Pedem interlocução mais qualificada e atenciosa.

O mandatário dá sinais de que pretende usar sua popularidade para pressionar os que não se filiam ao kirchnerismo ou à esquerda.

A centro-direita indica que aceita aprovar o essencial do programa de controle das contas públicas. Sem isso, o governo corre risco de naufrágio rápido.

Na próxima semana, quando devem ser discutidos artigos da "lei das liberdades", será possível verificar se o presidente pretende preservar a viabilidade de seu mandato ou se vai insistir em ilusões revolucionárias fadadas ao fracasso.

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sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

A ESCRAVIDÃO NO PÚLPITO

José de Souza Martins*, Valor Econômico

À luz da Bíblia, muitas concepções e atitudes que, do ponto de vista de nossos dias, são condenáveis, nos tempos bíblicos não o eram

Uma conferência evangélica sobre teologia, marcada para acontecer durante o Carnaval, na Paraíba, teria como orador destacado o pastor fundamentalista americano Douglas Wilson. Ele já não virá ao Brasil. O convite foi cancelado e ele próprio abriu mão da visita. É o que explica Anna Virginia Balloussier, na “Folha de S. Paulo”, em detalhado artigo.

O assunto é da maior importância no tenso cenário brasileiro de controvérsias ideológicas e sociais envolvendo religião e política. O nome do pastor foi impugnado especialmente por ser ele autor de obras sobre a justificativa bíblica da escravidão. Mas não o foi porque alguém estivesse em desacordo com ele. E sim por temor da nossa reação a essa concepção reacionária da condição humana. Seu discurso poderia ser interpretado como justificador da escravidão daqui.

À luz da Bíblia, muitas concepções e atitudes que, do ponto de vista de nossos dias, são condenáveis, nos tempos bíblicos não o eram. Caso da própria escravidão. Como no menor livro da Bíblia, a Carta de Paulo ao seu discípulo Filemom, no apelo a que acolha de volta Onésimo, seu escravo fugido: “Não já como servo, antes, mais do que servo, como irmão amado, particularmente de mim, e quanto mais de ti, assim na carne como no Senhor?”.

Não era uma defesa da liberdade, mas da fraternidade paternal entre o senhor e o escravo, em nome de Cristo. Em face dessa nova e diferente concepção das relações sociais, a do cristianismo, a escravidão era secundária. Uma desigualdade superada sem ser abolida, preservada em nome de uma reinterpretação cristã do elo de sujeição entre o dono e o cativo, o elo de um fratura entre o real e o imaginário.

Daí a necessidade, acenada por teólogos competentes, de rever e atualizar, na interpretação, as referências históricas da Bíblia para trazê-la para a historicidade do nosso tempo. Não se trata de mudar a Bíblia, mas de situá-la na temporalidade singular de sua leitura.

Foi justamente em decorrência de uma erudita série de conferências teológicas sobre as Cartas de Paulo, e especificamente em relação à Carta a Filemom, que o pastor e teólogo Ed René Kivitz, da Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo, ao sublinhar esse aspecto do texto bíblico preconizou essa atualização de perspectiva que lhe custou injustiças e dissabores.

Também o concubinado é um item do texto bíblico. Figuras referenciais da realidade bíblica, como Davi e Salomão, tinham concubinas. Os cantares de Salomão e mesmo os salmos de David não raro são belos poemas eróticos, que um religioso de hoje não ousaria ler em voz alta do púlpito e menos ainda interpretá-los. Por isso mesmo, no cristianismo, a leitura e a interpretação dos textos sagrados não deve ser feita por amadores.

Infelizmente, em muitos lugares, também aqui no Brasil, as extensas desigualdades têm sido terreno fértil para o fundamentalismo religioso e, também, para o fundamentalismo político, como vimos na combinação de ambos nas manifestações de barbárie de 8 de janeiro de 2023. E vimos na constituição do próprio governo do período de 2019-2022.

Toda uma casta de achólogos com facilidade inventou e difundiu “doutrinas” que tinham como objetivo justificar e legitimar o poder pessoal e as ambições de gente tosca e despreparada, que nunca teria chegado ao poder em outras circunstâncias.

Os efeitos desse fundamentalismo do pastor visitante seriam bem diversos nos EUA e no Brasil. Ninguém poderia antecipá-los. Somos um país culturalmente despreparado para resistir a essas invasões místico-ideológicas, como o provam as grandes mudanças religiosas que aqui ocorrem desde meados dos anos 1950. As de um Deus mandão e autoritário, que muito acima de sua deidade é um deus de um novo poder, não o de uma democracia cidadã, mas o de uma servidão impotente.

Espanto e apreensão deveria causar o fato de que tenha havido aqui quem julgasse natural e normal trazer ao Brasil, para uma fala em púlpito privilegiado, alguém já conhecido pelas ideias que difunde e defende em relação a essa questão.

Mais espanto, porém, que grupos originários das escravidões que tivemos, envolvidos em pleitos e reivindicações reparatórios pelo cativeiro de seus antepassados, não se julguem política e moralmente obrigados a questionar uma visita como essa que se consumaria não fosse o temor dos patronos quanto a reações em relação à subestimação da liberdade como direito e necessidade.

O fundamentalismo religioso é a intolerante e caricata base de sustentação de um conservadorismo retrógrado divorciado da grande tradição do pensamento conservador cujos valores têm sido a decisiva referência do pensamento crítico e revolucionário.

*José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. É autor de, entre outros livros, “Capitalismo e escravidão na sociedade pós-escravista” (Editora Unesp, São Paulo, 2023).

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quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

MORRE JOSÉ NELLO MARQUES

Do g1 SP e TV Globo — São Paulo

O jornalista José Nello Marques morreu nesta quinta-feira (25), em São Paulo, aos 69 anos. A informação foi divulgada pela família.

A causa da morte não foi divulgada. O corpo do jornalista será velado na sexta-feira (26) no Cemitério do Araçá, na Zona Oeste da capital.

José Nello Marques foi um dos grandes nomes do jornalismo brasileiro. Ele começou a carreira bem jovem em radios do interior de São Paulo, quando chegou na capital trabalhou na Rádio Record. O jornalista também passou pelas rádios Bandeirantes, Globo e participou da criação da CBN.

Atualmente, ele trabalhava na comunicação da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) que lamentou a morte do jornalista em uma rede social.

"Uma das mais competentes vozes do Rádio presenteou a família CET com o seu talento e experiência nos últimos anos, trabalhando na área de Comunicação da Companhia, onde se engajou na produção de conteúdos e na cobertura de campanhas, premiações e ações educativas, na divulgação de temas relacionados à segurança viária e no relacionamento diário com os colegas da imprensa".

“Zé Nello já está fazendo uma imensa falta! Mas seus ensinamentos, competência, humildade e bom humor sempre presente permanecerão como referência aos que ficam", completou.

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SÃO PAULO, 470 ANOS !

O lampião de gás de Inezita Barroso não existe mais, porém, a dura poesia concreta ainda acontece na Ipiranga com a São João, como viu Caetano Veloso.

Seja nos versos da Saudosa Maloca ou no Trem das Onze de Adoniran Barbosa, São Paulo ainda é a Pauliceia Desvairada de Mário de Andrade, a terra das oportunidades, da garoa que acolhe tudo e todos.

Nessa cidade que tem dimensão de um país, não é mais possível subir na Rua Augusta à 120 por hora, mas ainda é possível fazer uma Ronda pela cidade como disse Paulo Vanzolini.

À todos os Operários de Tarsila do Amaral que contribuíram e continuam dando o melhor de si para a construção dessa cidade dia a dia, desejamos mais sucesso e progresso. Parabéns, São Paulo, 470 anos!

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RELEMBRANDO JÂNIO QUADROS

Jânio da Silva Quadros nasceu em Campo Grande, 25 de janeiro de 1917. Jânio faleceu em São Paulo, 16 de fevereiro de 1992.  Internado com grave crise respiratória e circulatória, o ex-presidente ficou 13 dias no Hospital Albert Einstein. O corpo de Jânio foi velado na Assembleia Legislativa de São Paulo.

Jânio Quadros, foi presidente da República do Brasil por apenas sete meses em 1961, governador do Estado de São Paulo e duas vezes prefeito da capital paulista, era um político populista com forte estilo pessoal.

Jânio costumava aparecer em público com os sapatos trocados. Nos palanques das campanhas eleitorais levava uma vassoura, com a qual iria "varrer" a corrupção do país. Esse símbolo o acompanhou durante toda sua carreira política.

Entre os discursos de campanha, comia sanduíches de mortadela e pão com banana, numa tentativa de identificar sua imagem com o eleitorado mais pobre.

Jânio procurou sempre se diferenciar dos outros políticos. Vestia roupas surradas, usava cabelos compridos, deixava a barba por fazer, os ombros cheios de caspa e exibia caretas ao fotógrafos.

Sua sintaxe era um caso à parte. Em seus discursos, procurou sempre utilizar um vocabulário apurado, recheado por frases de efeito. É um enigma saber como conseguia se comunicar de forma eficiente com seus eleitores, a maioria sem instrução escolar.

Chefe do Executivo, fosse municipal, estadual ou federal, o autoritarismo e o carisma foram seus traços característicos. Seus bilhetinhos, com ordens a subordinados, se tornaram célebres.

Jânio chegou à presidência da República de forma muito veloz. Em São Paulo, exerceu sucessivamente os cargos de vereador, deputado, prefeito da capital e governador do estado.

Tinha um estilo político exibicionista, dramático e demagógico. Conquistou grande parte do eleitorado prometendo combater a corrupção e usando uma expressão por ele criada : varrer toda a sujeira da administração pública. Por isso o seu símbolo de campanha era uma vassoura.

Foi eleito presidente em 3 de outubro de 1960, pela coligação PTN-PDC-UDN-PR-PL, para o mandato de 1961 a 1965, com 5,6 milhões de votos - a maior votação até então obtida no Brasil - vencendo o marechal Henrique Lott de forma arrasadora, por mais de dois milhões de votos.

Porém não conseguiu eleger o candidato a vice-presidente de sua chapa, Milton Campos (naquela época votava-se separadamente para presidente e vice). Quem se elegeu para vice-presidente foi João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro. Os eleitos formaram a chapa conhecida como chapa Jan-Jan.

No dia 21 de agosto de 1961 Jânio Quadros assinou uma resolução que anulava as autorizações ilegais outorgadas a favor da empresa Hanna e restituía as jazidas de ferro de Minas Gerais à reserva nacional. Quatro dias depois, os ministros militares pressionaram a Quadros a renunciar: “Forças terríveis se levantaram contra mim…”, dizia o texto da renuncia.

No ano seguinte à renúncia Jânio foi candidato a governador de São Paulo sendo derrotado por seu velho desafeto Ademar de Barros. Com a eclosão do Regime Militar de 1964 foi um dos três ex-presidentes a ter seus direitos políticos cassados ao lado de João Goulart e Juscelino Kubitschek.

Após fazer declarações à imprensa em Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, em julho de 1968, o ex-presidente foi detido pelo Exército Brasileiro, por ordem do então Ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva.

Recuperou os direitos políticos em 1974, mas manteve-se afastado das urnas inclusive nas eleições legislativas de 1978, ano em que seus simpatizantes (agrupados sob o denominado "Movimento Popular Jânio Quadros") o levaram a visitar o bairro paulistano de Vila Maria, tradicional reduto "janista".

Em novembro do ano seguinte manifestou a intenção de concorrer à sucessão de Paulo Maluf ao governo do estado de São Paulo filiando-se ao Partido Trabalhista Brasileiro (agora uma agremiação conservadora de direita, tendo pouca relação com a antiga legenda de Getúlio e Jango) tão logo foi efetivada a reforma partidária.

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quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

TODOS QUEREM SER FRENTE AMPLA

Bernardo Mello Franco, O Globo

Campanhas de Guilherme Boulos e Ricardo Nunes disputam mesmo rótulo em SP; na esquerda e na direita, propaganda tenta dar verniz de nobreza à negociação de palanques

Frente ampla virou a expressão da moda na eleição de São Paulo. A ex-prefeita Marta Suplicy reivindicou o termo ao anunciar o apoio a Guilherme Boulos. Na segunda-feira, o governador Tarcísio de Freitas discordou. Disse que ampla mesmo é a frente do prefeito Ricardo Nunes.

A propaganda mastiga as palavras até esvaziar seu sentido. Na disputa paulistana, a ordem é dar verniz de nobreza à velha negociação de palanques.

Líder das pesquisas, Boulos mostrou força ao tirar Marta da gestão do rival. A ex-prefeita abandonou um cargo no governo para se juntar ao candidato da oposição. Daí a falar em frente ampla, é outra história. A chapa terá titular do PSOL e vice do PT. As siglas pertencem ao mesmo campo político e já são aliadas no plano federal.

Marta volta ao partido que deixou em 2015, alegando “princípios éticos inegociáveis”. Agora deveria explicar se mudou de ideia ou negociou os princípios. De qualquer forma, não há razão para espanto. Ela já passou 33 anos no PT, uma eternidade para padrões brasileiros. Filiou-se em 1981, quando Boulos ainda nem havia nascido.

Ex-vice de Bruno Covas, Nunes herdou três anos e meio de mandato. Antes de se apresentar ao eleitor, cacifou-se como o candidato do sistema. É o preferido dos vereadores, dos empreiteiros, dos barões do transporte público.

No mês passado, presenteou as empresas de ônibus com um programa de tarifa zero aos domingos. A benesse não muda a vida dos trabalhadores, mas custará R$ 238 milhões por ano aos cofres municipais.

Filiado ao MDB, o prefeito já fechou com todos os partidos do Centrão: do Republicanos de Tarcísio ao PL de Bolsonaro. O ex-presidente deve apoiá-lo por falta de alternativa, não por convicção. Seu pupilo Ricardo Salles fracassou na tentativa de se viabilizar na própria legenda.

A ideia de frente ampla pressupõe a união de adversários em nome de uma causa maior, como a defesa da democracia. Aconteceu em 1966, quando João Goulart, Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda venceram divergências históricas para combater a ditadura militar.

A aliança foi proibida antes de completar dois anos. Durou pouco, mas rendeu frutos. Inspirou a campanha das Diretas, que ajudou a destronar os generais, e a união de Lula e Alckmin, que tirou o capitão do poder.

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terça-feira, 23 de janeiro de 2024

CLÁUDIO CASTRO ESTÁ DANDO DEFEITO


Alvaro Costa e Silva, Folha de S. Paulo

Investigado pela PF, governador elogia Lula pensando na própria pele

Cláudio Castro claudica. Vive atualmente seu pior momento. Incapaz de rebater as críticas à atuação do governo diante das chuvas que castigaram o estado, deixando 12 mortos; imóvel, como se tivesse pés e mãos amarrados, para enfrentar o problema da segurança pública; e pendurado num rombo de R$ 8,5 bilhões no orçamento de 2024.

Ainda vê o cerco da Polícia Federal se fechar em torno dele, correndo o risco de não terminar o mandato. Um fato já trivial no Rio, cujos governantes, ao longo dos últimos 50 anos, a começar pelo cacique Chagas Freitas, construíram uma azeitada máquina de corrupção, populista e clientelista, que se move por meio de mecanismos ocultos e autômatos. Não importa quem esteja no comando. Voraz, o sistema iguala vocações, mediocridades, partidos e ideologias. É uma espécie de vício político contra o qual não se consegue lutar.

Cláudio Castro começou a dar defeito. E parece ter entrado na fase de remanejamento das peças. Ao autorizar a busca na casa de Vinicius Sarciá, irmão de criação do governador, o ministro Raul Araújo, do Superior Tribunal de Justiça, viu "indícios suficientes da prática de crimes".

O relatório da PF aponta que Castro recebeu cerca de R$ 400 mil em sete pagamentos indevidos – propinas – entre 2017 e 2019, período em que foi vereador e vice-governador. O titular Wilson Witzel, que se elegeu na onda bolsonarista e em seguida se tornou adversário do capitão, foi defenestrado do cargo com incrível rapidez, sob a acusação de desvios na Saúde durante a pandemia. As investigações sobre o vice, no entanto, entraram em banho-maria. Até agora.

O governador – que apoia Alexandre Ramagem, o candidato de Bolsonaro a prefeito do Rio – aproveitou a tragédia das chuvas para elogiar Lula: "É um político experiente, nunca fomos inimigos". Foi um pedido de help, menos para as vítimas das enchentes e mais para si mesmo.

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COISAS DE BRASÍLIA

Cristovam Buarque*, Correio Braziliense

Lula resgatou uma coisa de Brasília, adotada aqui entre 1995 e 1998, e a expandiu para todo o Brasil: a ideia de depósito em poupança no nome de alunos do ensino médio para ser resgatado quando eles concluírem seus cursos

Nosso imaginário vincula Brasília à arquitetura e às artes plásticas: Athos Bulcão, Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Burle Marx. Esses nomes e suas obras são tão marcantes que esquecemos nossas contribuições que são "coisas de Brasília": Clube do Choro, Plebe Rude, Capital Inicial, Legião Urbana. Tendemos a esquecer que experiências sociais e políticas que saíram daqui se espalharam e ajudam a mudar o Brasil.

A mais conhecida coisa de Brasília é a Bolsa Escola, desenhada na UnB em 1986 e implantada de forma pioneira pelo governo do Distrito Federal a partir de 1995. Com o mesmo nome, em 2001, o presidente Fernando Henrique levou o programa para 4 milhões de brasileiros. Em 2003, com o nome de Bolsa Família, o presidente Lula estendeu a todos que precisavam de uma renda mínima para sobreviver. Embora reduzindo o papel educacional — mudança no nome, retirada da gestão pelo MEC e incorporação de outros grupos beneficiados, não mais apenas as mães com filhos na escola —, o programa não perdeu sua origem como coisa de Brasília.

Na semana passada, o presidente Lula resgatou uma coisa de Brasília, adotada aqui entre 1995 e 1998, e a expandiu para todo o Brasil: a ideia de depósito em poupança no nome de alunos do ensino médio para ser resgatado quando eles concluírem seus cursos. Esse programa, aprovado agora graças a um projeto de lei da deputada Tabata Amaral, ajudará a fazer no Brasil a revolução que já deveríamos ter feito, ao garantir todos brasileiros com ensino médio completo. Mais uma vez, a ideia muda sua característica inicial sem perder sua origem em Brasília.

Ao chamar o programa de Pé de Meia, e não de Poupança Escola, passa a ideia de que sua ênfase está mais na oferta da poupança financeira do que na capitalização intelectual do beneficiário ao concluir o ensino médio. O jovem formado para dispor do mapa, que lhe permita enfrentar a vida na busca de sua felicidade, e das ferramentas, para contribuir plenamente na construção de um Brasil melhor. A nova visão merece apoio, mas não indica que a verdadeira poupança está no conhecimento acumulado graças à formação do aluno, não no valor da poupança financeira que ele irá retirar e gastar. A ideia da Poupança Escola era usar a reserva financeira como instrumento de indução à educação; ao mudar o nome, a educação vira instrumento para criar o Pé de Meia. Mesmo assim, haverá um grande impacto positivo e podemos nos orgulhar do Brasil ter tirado proveito de uma coisa de Brasília que já poderia estar em vigor nacionalmente desde 2003.

Da mesma forma, em 1996, foi criado o Programa de Avaliação Seriada (PAS), e a UnB passou a incentivar a dedicação do aluno candidato ao longo dos três anos do ensino médio. O PAS é coisa de Brasília, graças aos reitores Lauro Morhy e João Claudio Todorov e ao governo do DF na época.

Foi em função de mais essa coisa de Brasília que, em 2004, quase 10 anos depois, o Enem passou a ser usado como vestibular. Mas com o PAS, a UnB apoia o ensino médio, enquanto que o Enem trouxe a vantagem de um vestibular comum às universidades. Ao utilizar um só exame ao final do curso, perdeu-se a característica brasiliense de usar a universidade como incentivo ao estudo ao longo dos três anos. Mas continuou coisa de Brasília.

Até mesmo o Congresso o Brasil adotou coisas de Brasília, implantadas graças a projetos de lei de parlamentares do DF, como o piso nacional salarial para professor (Lei 11.738/2008), o acesso universal ao ensino médio (Lei 12.061/2009) e a garantia de vaga no ensino fundamental a partir dos 4 anos (Lei 11.700/2008).

Brasília também pode se orgulhar de ter sido pioneira na implantação do respeito à faixa de pedestre. Esse esforço funciona em Brasília e ainda não em outras cidades graças ao enfoque brasiliense de considerar o funcionamento do trânsito como questão primordialmente de educação, só depois de engenharia. Essa visão da educação como vetor do progresso — eficiência econômica e justiça social — é coisa de Brasília.

Projetos como Saúde em Casa, Bolsa Alfa, Projeto Saber, Mala do Livro, Telematrícula, Cesta Pré-Escola, BRB Trabalho, Temporadas Populares são coisas de Brasília que se espalharam pelo Brasil — às vezes, de forma idêntica, às vezes, com aprimoramento ou deturpação, mas sempre trazendo melhoria para o país, como o Bolsa Escola, transformado em Bolsa Família, e agora o Poupança Escola, mesmo sob a concepção de Pé de Meia.

*Cristovam Buarque, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)

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segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

DEMOCRACIA E SEUS TREMORES

Artigo de Fernando Gabeira

Celebramos no 8 de Janeiro um ato que se chamou Democracia Inabalada. Isso nos transmite a impressão da força da democracia, depois das eleições e do fracasso de uma tentativa de golpe.

Quando olhamos de fora, pensamos: E la nave va. Mas esse imenso barco da democracia inabalada tem alguns furos que, lá na frente, podem resultar em algo como as revoltas de 2013. Em outras palavras, existem coisas que potencialmente podem colocar o povo contra a democracia.

Desde o século passado, quando se teorizou sobre a sociedade do espetáculo, é relativamente clara a ideia de que governos e sistemas não dependem apenas do que fazem. São determinados pela visão que se transmite deles pela mídia.

Começam aí minhas apreensões. Atualmente, essa visão não é apenas transmitida pela mídia, mas também, e fortemente, pelas redes sociais. Acontecimentos que passam de raspão na imprensa, às vezes fermentam nas redes sociais. Ou pelo menos são plantados como mais uma semente que adiante pode germinar.

Recentemente, o ministro Dias Toffoli anulou uma multa de R$ 10,3 bilhões da J&F. É a mesma empresa que empregou o recém-saído ministro Lewandowski como consultor, a mesma que se complicou muito no período da Lava-Jato. Somado à proximidade que governo e STF têm mostrado nos últimos tempos, esse fato dá margem a inúmeras elaborações, sempre negativas para a Corte.

Coube ao Supremo analisar e punir as transgressões do 8 de Janeiro. Esse é outro capítulo ainda em aberto. A posição é punir com rigor. No entanto, sem estrutura para cuidar de tantos casos, o Supremo deixou algumas brechas. Houve suicídio, denúncias de desrespeito aos direitos humanos e pouquíssima fiscalização social: até visitas de parlamentares foram proibidas.

Sem contar que a corda arrebentou do lado mais fraco: invasores foram condenados a longas penas, como se a tentativa de golpe se limitasse exclusivamente à invasão. Tudo isso nas redes cai num caldeirão sempre remexido, com resultados visíveis no tempo.

A live de protesto pelas condições dos presos do 8 de Janeiro recebeu 8 milhões de visualizações, audiência muito maior que a do próprio ato Democracia Inabalada.

O caldeirão se alimenta também de pequenos deslizes de ministros, uma gasolina aqui, uma viagem ali, enfim, fatos diversos que passam pela mídia. Mas há também feridas mais profundas, como a destinação de quase R$ 5 bilhões para financiar as eleições municipais. É sentido como um absurdo diante de tantas necessidades inadiáveis no Brasil.

Indo um pouco adiante. A imagem da democracia que depende da mídia e das redes sociais começa a apresentar também fragmentação: a imprensa aparece na rede como cúmplice da decadência. Recentemente vivi isso. Sou acusado de criticar Bolsonaro no caso ianomâmi e elogiar Lula.

Vejo uma diferença clara de comportamento. Bolsonaro queria e quer a dissolução dos indígenas na sociedade abrangente. Lula reconhece sua identidade, criou um ministério para isso, viajou para Rondônia, investiu numa ação de emergência que, parcialmente, fracassou por falta de continuidade.

Nas redes, a dificuldade de resolver a questão ianomâmi e a retirada dos garimpeiros aparecem como se o esforço do ano passado fosse apenas um jogo de cena destinado a enganar.

Recentemente, o filho de um ministro do STJ se exibiu com roupas caríssimas nas próprias redes sociais. Sem comentários. Registro apenas que um juiz do Rio proibiu que a exibição fosse criticada. Isso fortalece a desconfiança em qualquer projeto de controle democrático sobre as redes. Dá a impressão de que, no fundo, é algo apenas para facilitar a censura.

Não acumulo fatos com a pretensão de apresentar uma saída para a democracia. Apenas seguirei formulando ideias que são fatores de sustentabilidade.

Tenho a impressão de que isso foi esquecido e de que as elites dominantes acham que tudo continuará assim, não importa o que façam. Pelo menos, fica consignada essa preocupacão, na penúltima segunda-feira de janeiro de 2024.

Adiante veremos.

Artigo publicado no jornal O Globo em 22/01/2023

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RELEMBRANDO BRIZOLA

Se estivesse vivo, Leonel Brizola completaria hoje 102 anos. Nascido em 22 de janeiro de 1922, em Carazinho, município pertencente a Passo Fundo (RS). Brizola entrou na política lançado por Getúlio Vargas. Uma das façanhas de Brizola foi governar dois estados diferentes: Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, eleito pelo povo.

Leonel Brizola teve uma extensa carreira política: foi prefeito de Porto Alegre, deputado estadual e governador do Rio Grande do Sul, deputado federal pelo Rio Grande do Sul e pelo extinto estado da Guanabara, e duas vezes governador do Rio de Janeiro.
Ingressou na política partidária no antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), por recomendação pessoal de Getúlio Vargas – seu padrinho de casamento – sua primeira candidatura a cargo eletivo foi para deputado estadual e foi eleito.
Sua influência política no Brasil durou aproximadamente cinquenta anos, inclusive enquanto exilado pelo Golpe de 1964, contra o qual foi um dos líderes da resistência. Por duas vezes foi candidato a presidente da República do Brasil pelo PDT, partido que fundou em 1980, não conseguindo se eleger.
Brizola era casado com Neusa Goulart, irmã do ex-presidente João Goulart, com ela teve três filhos: Neusa, José Vicente e Otávio. Em 21 de junho de 2004, Brizola morreu aos 82 anos de idade, vítima de problemas cardíacos.
No aniversário de 90 anos de Brizola, foi lançado na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro o livro Leonel Brizola - a Legalidade e outros pensamentos conclusivos, organizado por Osvaldo Maneschy, Apio Gomes, Madalena Sapucaia e Paulo Becker.
A trajetória política, a vida pessoal de Leonel Brizola rende muitos livros – como já rendeu. O livro mais recente Brizola foi escrito por quem conviveu lado a lado com ele: Clóvis Brigagão e Trajano Ribeiro.
O livro que mostra para as novas gerações o lugar de Leonel Brizola na política brasileira revivendo grandes momentos da história de Brizola, conseguirmos entender o quanto foi fundamental a sua dedicação ao Brasil.
Em 2015, em Porto Alegre, Brizola foi homenageado com uma estátuacolocada entre o Palácio Piratini – sede do governo gaúcho – e a Catedral. A cerimônia contou com a presença de vários políticos, entre eles: os ex-governadores Alceu Colares e Germano Rigotto, o senador Pedro Simon e do então governador Tarso Genro.
Para as novas gerações e para quem gosta do tema política, o blog Sou Chocolate e Não Desisto dá uma dica para conhecer mais sobre a história desse homem que desafiou a Rede Globo nos anos 80 e venceu o governo do estado do Rio de Janeiro, vale a pena ler El Caudillo – um perfil biográfico do jornalista FC Leite Filho.
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domingo, 21 de janeiro de 2024

A DECOMPOSIÇÃO DE MORO

Editorial O Estado de S. Paulo 

Com aniquilação moral do ex-juiz e da Lava Jato, tem-se, como consequência, redenção moral de tantos quantos foram pilhados em falcatruas ao longo das investigações anticorrupção

No inesquecível desabafo do presidente Lula da Silva em março do ano passado, ao comentar seus dias na prisão, havia um quê de maldição: “Só vai estar tudo bem quando eu f… esse Moro”. Ao que parece, não era apenas o petista que estava com essa obscena disposição de vingança contra Sérgio Moro. O hoje (ainda) senador da República, que foi ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro, juiz da Lava Jato e, nessa condição, algoz de políticos e empresários de variados carizes, está em acelerado processo de decomposição.

Em dezembro passado, segundo se soube há poucos dias, o ministro Dias Toffoli determinou a abertura de um inquérito no Supremo Tribunal Federal contra Moro e algumas das estrelas do time da Lava Jato, a pedido da Procuradoria-Geral da República, num caso de duas décadas atrás. Eles são acusados por um empresário e ex-deputado estadual paranaense de tê-lo obrigado a atuar como uma espécie de “agente infiltrado” para grampear políticos e empresários. Como o inquérito corre sob sigilo, não há muitos detalhes, mas o que veio a público é assustador – o suficiente para dizimar o pouco que ainda restava de credibilidade de Sérgio Moro e daquele time da Lava Jato.

A esta altura, pouco importa o desdobramento desse caso. Pode-se dizer que a eventual comprovação de inocência de Moro e dos demais suspeitos é irrelevante, pois o estrago para a reputação dos envolvidos já estará feito. Não serão poucos os que aqui verão uma espécie de justiça poética, uma vez que a Lava Jato, consciente e ativamente, usou o vazamento de pormenores picantes das investigações como uma espécie de antecipação do julgamento dos suspeitos, levando a opinião pública a relacioná-los implacavelmente à corrupção e a outros crimes diversos mesmo antes de qualquer comprovação, quase sempre com base apenas em delações e muitas vezes ao arrepio das garantias constitucionais.

Mas o infortúnio de Sérgio Moro e do time da Lava Jato não parece ser um fato isolado, e sim parte de uma espiral de desmoralização total da operação que messianicamente pretendeu salvar o Brasil da corrupção. Desde o momento em que o Supremo decidiu, entre abril e junho de 2021, desqualificar Sérgio Moro para julgar Lula da Silva, deixando o petista livre para concorrer à Presidência, parece haver uma sistemática tentativa de tratar a Lava Jato como essencialmente maligna e de considerar que todos os acusados pela operação como pobres vítimas do lavajatismo.

Essa percepção foi reforçada pelo próprio ministro Toffoli quando, ao anular as provas de inaudita corrupção obtidas a partir da delação de executivos da Odebrecht, qualificou a prisão de Lula como “um dos maiores erros judiciários da história do País”, fruto de uma “armação” da Lava Jato – cujos operadores, segundo Toffoli, tinham um “projeto de poder”, de “conquista do Estado”, chocando o “ovo da serpente dos ataques à democracia”. Ou seja: a Lava Jato resumia, em si mesma, tudo o que de pior havia no País.

A julgar pelo andar da carruagem, descobriremos em breve que nunca houve corrupção na Petrobras, que todas as provas e confissões foram inventadas e que tudo não passou de um plano doentio para destruir reputações e para arruinar o Brasil – como, aliás, voltou a afirmar o presidente Lula da Silva na quinta-feira passada, quando declarou que a Petrobras foi vítima de “mancomunação” entre a turma da Lava Jato e o governo americano. Como escreveu a colunista Elena Landau neste jornal, “mais um pouco, vamos ter de pagar indenização para corruptos confessos”.

Com a aniquilação moral de Sérgio Moro e da Lava Jato, tem-se, como consequência natural, a redenção moral de tantos quantos foram pilhados em falcatruas diversas ao longo das trepidantes investigações anticorrupção na história recente. Ressalve-se que obviamente não se trata de ver aí uma ação concertada entre os diversos interessados, ainda que seja tentador ligar os pontos, mas é inevitável constatar que há poucos insatisfeitos com o destino de Sérgio Moro – desmoralizado por Bolsonaro, desqualificado pelo Supremo e possivelmente despejado do Congresso. Que fim melancólico para aquele que se dispôs a ser a palmatória do mundo.

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