quarta-feira, 31 de julho de 2024

OS ESTADOS DO FUTURO

Cristovam Buarque, Correio Braziliense

O mundo precisa que o G20, sob o Brasil com a presidência do Lula, adote a ideia de que a educação é a chave para enfrentar o impasse civilizatório que integrou economicamente e desintegrou socialmente a humanidade

A humanidade não é mais tema abstrato apenas de filósofos, mas ainda não é preocupação concreta dos políticos. A presidência do G20 no Brasil é a chance de os políticos despertarem para o fato de que o mundo não é mais a soma dos países. Agora, cada país é um pedaço do mundo, em um tempo não mais de abundância, mas com recursos escassos e o Estado esgotado. Com o evento Estados do Futuro, na semana passada, no Rio de Janeiro, o governo Lula deu um passo nessa direção.

O governo reuniu líderes e acadêmicos para debater como devem ser Estados e governos no futuro para enfrentarem problemas planetários, taxar os super-ricos e executar uma aliança mundial contra a fome. Temas que não eram considerados antes, quando a agenda se concentrava nos assuntos econômicos, dentro do interesse de cada país, sem considerar os limites ecológicos nem a imoralidade da desigualdade social, da pobreza e da fome.

O evento foi possível porque a presidência do G20 está no Brasil: o país que mais se parece com o mundo contemporâneo, integrado economicamente, mas dividido socialmente, cada país cortado por uma "cortina de ouro" que serpenteia o planeta, exportador de alimentos, com milhões de famintos, renda per capita equivalente à do mundo, concentração de renda tão grave quanto a concentração em escala mundial, com massa crítica intelectual capaz de pensar alternativas ao progresso insustentável, baseado apenas na economia. Lula é o estadista melhor posicionado para sentir os problemas do mundo, não apenas econômicos e nacionais, mas também sociais e ecológicos.

Ficou claro nos debates que há um choque entre os problemas que já são planetários e a política ainda feita no espaço eleitoral de cada país. Diversos palestrantes falaram que o enfrentamento dos problemas da humanidade ficou atrasado em relação aos compromissos dos políticos nacionais com seus eleitores presos aos interesses locais e imediatos, com o progresso definido pelo aumento anual da renda e do consumo para a população nacional no presente, e não pelo bem-estar de todos os seres humanos no longo prazo, em equilíbrio com a natureza. Foi dito que a política democrática precisa ser sintonizada com o humanismo, o que exige uma nova mentalidade política dos eleitores e dos eleitos. A formação dessa nova mentalidade depende da educação das novas gerações para enfrentarem os tempos de limites de recursos em uma perspectiva planetária.

O mundo precisa que o G20, sob o Brasil com a presidência do Lula, adote a ideia de que a educação é a chave para enfrentar o impasse civilizatório que integrou economicamente e desintegrou socialmente a humanidade, mantendo a política dividida por países, em busca de aumentar o PIB, em tempos de escassez e esgotamento dos estados nacionais. Para tanto, o Brasil deve liderar o movimento para toda criança do mundo estudar em escola de qualidade, independentemente de sua nacionalidade e da renda de sua família. 

A luta da aliança mundial contra a fome pode ser vitoriosa com um programa de Bolsa Família Internacional e com um programa mundial de formação de professores, construção e equipamento de escolas. Ao lado do Bolsa Família Internacional, o Brasil e Lula no G20 devem propor um movimento global para retomar de forma ampla o programa Educação para todos, da Unesco, e oferecer educação básica para todas as crianças, os jovens e os adultos. O G20 é o caminho para essa ideia ser promovida, o Brasil é o país, e Lula é o estadista com legitimidade para defender a proposta.

Essa estratégia eliminaria a fome imediata, criaria a estrutura para sua eliminação definitiva e ainda enfrentaria, de forma humanista, o problema da migração, dando renda aos pobres para permanecerem em seus países acompanhando a educação de suas crianças: no lugar de desumanamente barrar a imigração, oferecer condições para fazer desnecessária a emigração. 

O G20 seria o instrumento de adoção da atual geração de crianças para, no futuro, com mentalidade humanista e ecológica, elas adotarem a humanidade. Graças à educação universalizada e transformadora para um desenvolvimento sustentável, justo, democrático, sem "cortina de ouro", que separa as pessoas entre pobres e ricos, nem "cortina ecológica", que sacrifica gerações futuras: um mundo em que nenhum ser humano seja considerado imigrante geográfico, por vir de outro país; imigrante geracional, por ainda não ter nascido; ou "instrangeiro", excluído pela pobreza ou pelo preconceito dentro de seu próprio país.

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terça-feira, 30 de julho de 2024

MADURO NÃO LARGOU O OSSO

Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo

Regime pode sobreviver tornando-se mais autoritário, mas fraude escancara sua fragilidade

Como previsto, Nicolás Maduro e seus lugares-tenentes não largaram o osso. Alegam ter vencido o pleito presidencial com 51,2% dos votos, mas os sinais de fraude são volumosos. O que acontece agora?

No cenário que me parece mais provável, a oposição ensaia protestos que serão reprimidos. Por ter transformado os militares em sócios dos esquemas de extração de rendas estatais, Maduro conta com sua lealdade. Com o tempo, manifestações arrefecem, lideranças oposicionistas podem ser presas, e o bolivarianismo sobrevive operando num patamar ainda mais elevado de autoritarismo.

Num cenário que me parece menos verossímil mas não impossível, a farsa eleitoral encenada por Maduro acaba enfraquecendo o regime. Ditaduras são intrinsecamente instáveis. O poder, a exemplo do dinheiro e das leis, é uma realidade imaginada, isto é, algo que só existe porque a maioria das pessoas acredita ao mesmo tempo em sua existência e age de acordo. Se essa coordenação de expectativas se desfaz, é a própria instituição que pode ruir. Se, da noite para o dia, todos se convencessem de que o dólar não passa de papel pintado de verde e não mais o aceitassem, a moeda perderia seu valor.

Autocracias que pareciam muito mais solidamente estabelecidas do que a ditadura venezuelana, como os regimes comunistas do Leste Europeu, se esfacelaram ("caíram de maduro", para quem gosta de trocadilhos fáceis) depois que sequências específicas de acontecimentos permitiram a sincronização de disposições contestatórias latentes. O Muro de Berlim caiu após uma declaração desastrada de um ministro da Alemanha Oriental, que fez com que milhares de cidadãos tentassem atravessar para o Ocidente e que os soldados encarregados de impedi-los não agissem.

fraude do domingo (28), ao escancarar para os venezuelanos e para o mundo o déficit de legitimidade do governo, facilita o surgimento desse tipo de coordenação de expectativas.

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RAMAGEM, MAIS UM CANDIDATO INIMIGO DAS URNAS

Alvaro Costa e Silva, Folha de S. Paulo

Facada em Bolsonaro abriu caminho para arrivismo e golpismo do delegado

Delegado da PF eleito deputado da bancada da bala, Alexandre Ramagem se aproximou de Bolsonaro em 2018, quando virou chefe da segurança do candidato a presidente depois da facada em Juiz de Fora. Um destino marcado pelo ato de Adélio e os esgares do capitão.

Logo se tornou íntimo dos Bolsonaro, em especial do filho 02, Carlos, percebendo que ali estava o caminho das pedras, a mágica que permitia aos membros do clã a compra de apartamentos em dinheiro vivo. Um arrivista de Balzac não subiria na vida com mais rapidez. Em 2019 já era assessor da Presidência. Ao nomeá-lo diretor-geral da Abin, Jair admitiu: "Grande parte do destino da nossa nação e das decisões que eu venha a tomar partirão das mãos dele". Era o plano do golpe rolando a ladeira.

Investigado por arapongagem de adversários políticos e monitoramento de procuradores públicos, Ramagem afirmou em depoimento à PF que não lembra o conteúdo das mensagens enviadas a Bolsonaro. São arquivos com recomendações e conselhos de um comparsa —para que o ex-presidente continuasse atacando as urnas eletrônicas e a lisura do sistema eleitoral—, além de relatos difamatórios sobre ministros do STF.

"Por tudo que tenho pesquisado, mantenho total certeza de que houve fraude nas eleições de 2018, com vitória do sr. (presidente Bolsonaro) no primeiro turno", mostra um dos documentos descobertos no email de Ramagem. Informações comprovadamente falsas e sem fundamento, puro puxa-saquismo. Um patriota do cercadinho montado em frente ao Palácio da Alvorada teria dito melhor. E por menos dinheiro.

Bolsonaro que deu certo manietando a Justiça eleitoral e corrompendo as Forças Armadas, o ditador Nicolás Maduro também não leva fé nas urnas brasileiras. Dá até para desconfiar que Ramagem —cuja candidatura a prefeito do Rio se sustenta pelo medo da traição— andou fazendo bico na agência de inteligência venezuelana.

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segunda-feira, 29 de julho de 2024

CONTAGEM REGRESSIVA PARA TRUMP E KAMALA

Bruno Carazza, Valor Econômico

Em pouco mais de um mês, a eleição nos Estados Unidos virou de ponta à cabeça várias vezes. O debate presidencial de 27 de junho, seguido pelo atentado a Donald Trump em 13 de julho, a desistência de Joe Biden no dia 21 e o subsequente endosso do seu partido à vice Kamala Harris levaram a diversas mudanças nas perspectivas de vitória para republicanos e democratas.

Faltando cem dias para os americanos irem às urnas, não apenas a política, mas também a economia, os costumes, a geopolítica, a geografia e o dinheiro assumem papel determinante para definir quem será o 47º presidente da nação mais poderosa do mundo.

Até alguns dias atrás, o embate se limitava a um duplo recall, evento raro de um presidente e seu antecessor se digladiarem para saber quem conquistaria um segundo mandato. Nesse caso, caberia ao cidadão pesar as gestões de cada um e, em se tratando de dois políticos com idade avançada, decidir qual teria melhores condições físicas e mentais de liderar o país por mais quatro anos.

Com a substituição de Joe Biden por Kamala Harris a eleição se torna muito mais complexa. Sai de cena a senilidade do atual mandatário, fragilidade reconhecida pelos próprios democratas e explorada eleitoralmente pelos trumpistas, e entram em campo as características feminina e de diversidade racial de Harris.

Com relação ao primeiro desses atributos, a perspectiva de se tornar a primeira mulher a ocupar a presidência americana pode estimular eleitoras que, com Biden no páreo, se sentiam desmotivadas a votar. Além disso, com uma mulher ocupando um polo da disputa, ganha novo impulso um dos temas que mais polarizam a sociedade americana: a questão do aborto.

Já a chance de uma filha de uma indiana com um jamaicano negro vir a ocupar a Casa Branca mexe com o eleitorado de um país multiétnico e racista como os Estados Unidos: ao mesmo tempo em que mobiliza as bases, também atiça a rejeição de seus oponentes.

Na economia, a substituição da chapa do Partido Democrata na cédula eleitoral também exigirá um ajuste da estratégia de Trump na campanha. Tendo Biden como adversário, o ex-presidente republicano havia elegido a alta nos preços e as elevadas taxas de juros para comparar as condições de vida atuais dos americanos com a situação vigente quando deixou a presidência, em 2020.

Para o americano comum, o quilo do bife hoje está 35% acima da média do governo Trump, e abastecer o carro atualmente custa 60% a mais do que quatro anos atrás. A campanha republicana também não se cansava de repetir como a gestão de Biden havia sido responsável por elevar uma das mais importantes despesas no ciclo de vida do cidadão americano: em função da política de combate à inflação, as hipotecas para a compra de casa própria subiram de 3% para 7% ao ano, com forte impacto no orçamento das pessoas.

Donald Trump direcionará para Kamala Harris todos os ataques perpetrados contra Joe Biden na esfera econômica, até mesmo pelo fato de ela ser a sua vice. Mas as possibilidades de toda a culpa e responsabilização grudarem na nova candidata democrata não são dadas como certas.

Aliás, é no território que os temas econômicos se conectam com a política. Como se sabe, a eleição americana é decidida pelos votos em cada um dos cinquenta Estados, que têm pesos diferentes em função do número de eleitores. Nos últimos anos, o mapa dos Estados Unidos está dividido entre o azul dos democratas concentrado no Nordeste e na Costa Oeste, enquanto o vermelho dos republicanos domina o centro e o sul do país.

Na disputa pelos 538 votos dos delegados, Trump leva vantagem, mas os chamados swing States dão esperança a Kamala Harris. A sudoeste, a batalha se dá no Arizona, Novo México, Colorado e Nevada. No norte, Pensilvânia, Michigan e Wisconsin foram territórios democratas conquistados em 2016 por Trump e retomados por Biden quatro anos depois. A leste, Carolina do Norte, Geórgia e Flórida vêm sendo decididos por margens de menos de cinco pontos percentuais nos últimos pleitos.

Essa geografia orienta o discurso de Trump de “fazer a América grande novamente”. O ex-presidente reforça as baterias contra a imigração e o combate à criminalidade, pontos de fragilidade de Kamala Harris, dado que coube a ela coordenar propostas para essa área na administração de Joe Biden, e muito sensíveis para os Estados do Sul, que recebem os principais afluxos de imigrantes, principalmente latinos.

Já as propostas de Trump de sobretaxar importações chinesas, desregulamentar a atividade econômica, reduzir impostos para empresas e incentivar a produção de óleo e gás falam diretamente para o eleitorado do cinturão enferrujado do Nordeste do país, berço da indústria pesada americana, cujas fábricas migraram para o México e a China nas últimas décadas.

A substituição de Biden por Harris também deu um gás para as doações de bilionários americanos. Numa eleição tão difícil, além de conquistar indecisos é preciso motivar eleitores democratas desanimados a irem votar em 5 de novembro.

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O FUTURO QUE ESQUERDA E DIREITA MAL ENXERGAM

Miguel de Almeida, O Globo

Agenda brasileira permanece em sua contumaz esquizofrenia entre moderno e arcaico

Não é de estranhar que os bolsonaristas incentivem memes contra Fernando Haddad. Desde já percebem de onde surgem indícios de uma política pública alternativa à polarização — e com resultados. Estranho seria se os alvos fossem Sonia Guajajara ou Anielle Franco, com suas práticas datadas. O ótimo livro de Daron Acemoglu e Simon Johnson “Poder e progresso”, ao mergulhar na história das tecnologias e de seus reflexos sociais, escancara como a agenda brasileira permanece em sua contumaz esquizofrenia entre moderno e arcaico. Calma, o Brasil não é personagem da obra, porque nossa vocação extrativista é antes um fenômeno sociopatológico, jamais econômico. Nas páginas, encontram-se até pistas para compreender o retrocesso chamado Trump. Ou Bolsonaro, seu êmulo (até nos muitos casamentos).

Como ocorreu noutras revoluções — entre elas a Industrial —, as tecnologias digitais provocaram desnorteamento em muitos setores econômicos, com reflexos imediatos na organização social. Diversas ocupações foram extintas, muitas profissões perderam seu valor, junto a fábricas hoje obsoletas e, em seu rastro, a bairros e cidades inteiras diante de uma inesperada decadência.

Dois momentos da História brasileira poderiam constar da obra de Acemoglu:

1) O Maranhão, no século XVIII, era poderoso produtor e exportador de algodão. Quem conhece Alcântara ainda consegue ver os casarões, hoje escombros, símbolos da antiga riqueza trazida pelo que foi apenas outro fausto tipicamente brasileiro (poderia usar também como exemplo Manaus e seu ciclo da borracha). Os bacanas da época mandavam lavar (e engomar) suas roupas em Portugal... Como concorrente, Mississipi e suas lendárias plantações. Ambos se apoiavam em mão de obra escrava, quando dois fatos mudaram a vida nababesca da elite maranhense: o aumento de impostos praticado pela Coroa portuguesa (para sustentar os suspeitos de sempre) e o início do uso de maquinário industrial nos Estados Unidos. Vale lembrar que os americanos, com pouca oferta de trabalhadores, rapidamente buscaram desenvolver equipamentos capazes de incrementar a produtividade. Logo o preço final do algodão brasileiro tornou-se inviável. O resto é decadência.

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BIDEN, POLÍTICA E VELHICE

Artigo de Fernando Gabeira

A desistência de Joe Biden me fez refletir sobre a velhice. Não preciso dele; afinal, é dois anos mais novo que eu. Usaria o caso num debate sobre o tema de que participei no Museu do Amanhã. A mesa tinha um título atraente: “Quantas vidas há numa vida?”. Sugeria que podemos nos inventar muitas vezes. Comecei me distanciando um pouco do título, pois acho a velhice ativa uma exceção na sociedade moderna. Concordo com as teses básicas do melhor livro escrito sobre o tema: “A velhice”, de Simone de Beauvoir.

Num sistema econômico que valoriza o vigor e a beleza, há uma forte tendência a marginalizar os velhos. O vigor se vai com os anos, e nos tornamos fisicamente invisíveis, como se a vida fosse uma longa viagem no metrô de Londres. Biden fez bem em deixar o páreo. A campanha giraria em torno de sua idade e capacidade cognitiva. Agora, isso virou um problema de Trump.

O ensaio de Simone fala também de sociedades que valorizam os velhos. Não é nosso caso. De vez em quando, me chamam de velho maluco ou de múmia. Não me importo, pois na vida política sempre me chamavam de “viado” e “maconheiro”. De algo sempre chamarão, pois é inesgotável a lista de preconceitos.

A antropóloga brasileira Mirian Goldenberg trabalha há 30 anos com o tema da velhice. Segundo suas pesquisas, em circunstâncias de estabilidade financeira e com saúde, os velhos são tão felizes quanto os mais novos. Parece que o problema é a meia-idade.

Não tenho visão romântica nem pessimista. Um personagem que me impressionou na literatura americana é o velho Santiago, em “O velho e o mar”, de Ernest Hemingway. Ela pesca um enorme peixe, mas, depois de tantas batalhas, chega à praia apenas com o esqueleto.

São felizes os que chegam à praia com filhos e netos queridos. Mas também alguns são alvejados por um sincericídio que assusta suas famílias. Clarice Lispector tem um belo conto chamado “Feliz aniversário”. É uma festa em torno da matriarca de 89 anos. Em determinado momento, ela cospe no chão. Há um constrangimento. Pede um copo de vinho, há certo espanto, e insulta toda a família:

— Cornos e vagabundas.

Ezequiel Neves contava em Minas a história de um avô que, no almoço de domingo, com toda a família reunida, disse para a filha:

— Olímpia, quer saber de uma coisa: “Vai tomar no cu”.

Biden fez bem em saltar do barco. Não tanto pelos lapsos que viriam, porque a memória sempre trai os muito velhos. O problema era sua condição de presidente e o poder do sincericídio:

— Putin, quer saber de uma coisa…

Ele deixará de ser o homem mais poderoso do mundo. Mas ainda será influente e poderá se dar ao luxo do tempo livre, do contato com os netos. No último debate presidencial de sua vida, afirmou que jogava golfe melhor que Trump. Não veremos uma partida entre os dois nos próximos meses. Mas é bom se preparar, pois Trump já está com 78 anos, tem seus lapsos de memória, e, quem sabe, os dois possam se encontrar em campo neutro para resolver essa grande questão que surgiu no debate presidencial: quem é melhor no golfe?

Naquele encontro no Museu do Amanhã, dedicado a professores, enfatizei algumas teses que favorecem uma boa relação com a velhice: exercício físico, alimentação saudável e um bom sono. Não são antídoto contra a monotonia e falta de graça. Nosso grande adversário, por causa dos anos e experiência vivida, é supor que sabemos tudo. A curiosidade pode nos manter vivos, com uma ponta de bom humor indespensável à reta final.

Como veem, posso falar algo edificante sobre a velhice que nos abre alguns horizontes no século XXI. Na Holanda, foi criado um bairro para pessoas com demência. Imaginem, enlouquecer daqui a pouco significará apenas mudar de bairro. Ou, se conseguirmos enlouquecer os vizinhos, nem será preciso mudar.

Artigo publicado no jornal O Globo em 29/07/2024

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domingo, 28 de julho de 2024

A FESTA DE PARIS SERÁ DE TODOS

Elio Gaspari, O Globo

Na sexta-feira as delegações de 204 países desceram pelo Rio Sena. Melhor que isso, só se em 1840 os restos mortais de Napoleão tivessem chegado de barco. Ele vinha da Ilha de Santa Helena, onde havia morrido em 1821 como prisioneiro dos ingleses.

Coisas ruins acontecem em todos os países do mundo, mas os franceses dão a volta por cima como nenhum outro.

A Olimpíada de Paris poderia ensinar ao mundo a gostar (e cuidar) de suas cidades. Só os franceses são capazes de ter uma Arco do Triunfo para um general corso derrotado.

A Olimpíada de Paris tem tudo para ser um grande espetáculo. Graças a ela, revitaliza-se o bairro de Saint-Denis, assim como Londres ressuscitou uma parte degradada da cidade. Era como se fizessem parte das competições em São Gonçalo. (O Rio fez a Olimpíada na Barra da Tijuca e deu no que deu.)

Os franceses amam Paris e desse amor resultou também a paixão do mundo pela cidade. Em 2024 todo mundo gosta da Torre Eiffel. Em 1887, quando seu projeto foi anunciado, os escritores Alexandre Dumas e Guy de Maupassant, mais o pintor Ernest Meissonier (autor da inspiração do “Grito do Ipiranga”, de Pedro Américo), assinaram uma petição condenando-o. Chamavam-na de “Torre de Babel”.

A bandeira da França foi hasteada na Torre em março de 1889. Semanas depois nasceu Adolf Hitler, que teve a sua suástica hasteada em 1940 e visitou-a. Quatro anos depois, em 25/8, as tropas aliadas retomaram a cidade. No dia seguinte, o general De Gaulle subiu heroicamente a Avenida dos Campos Elísios. (Nos escalões avançados não havia soldados negros.)

Londres saiu maior da Olimpíada e tudo indica que com Paris acontecerá o mesmo. De Barcelona, nem se fale.

O Rio, saiu igual, com um espeto de bilhões de reais. É melhor fazer de conta que aquela Olimpíada não aconteceu.

Questão de estilo 1

A França usou a Olimpíada para divulgar suas marcas, como a Vuitton. O Comitê Olímpico Brasileiro contratou um uniforme para os atletas no escurinho da cartolagem.

Como bem definiu Joanna Moura, “formam um conjunto desatualizado, com um design não apenas conservador como preguiçoso.”

Algumas jaquetas parecem peças de Maria Bonita, a mulher do cangaceiro Lampião.

É uma questão de estilo. No século XIX, Louis Vuitton fornecia as malas da imperatriz Eugênia, mulher de Napoleão III. Até aí, era mais um fornecedor. Vuitton ia além: ia ao palácio e arrumava as malas da senhora.

Questão de estilo 2

Ruy Castro informa: A casa do Rio de Carmen Miranda, na Travessa do Comércio, está desabando. A casa em que na infância viveu a cantora Édith Piaf, de 1917 e 1923, está em melhor estado que o Palácio da Alvorada.

Jogo do contente

Joe Biden vem se despedindo da presidência dos EUA com altivez e frases bonitas. Como a simpatia por Donald Trump pelo mundo afora é baixa, fica a impressão de que a subida de Kamala Harris para a cabeça da chapa Democrata é uma solução quase mágica. Falso.

Biden saiu da disputa porque a sua capacidade foi questionada após o debate.

Quanto a Harris, ela entrou na disputa melhorando a posição dos Democratas nas pesquisas. Contudo, seu desempenho como vice foi lastimável. Ela parecia seguir a lei de Stanislaw Ponte Preta (1923-1968): “O vice-presidente acorda mais cedo para passar mais tempo sem fazer nada.”

Kamala Harris poderá derrotar Trump, mas terá que gastar a sola do sapato. Tomara.

A maldição dos R$ 6

A gasolina bateu a marca dos R$ 6. É um mau número, mas pode-se conviver com ele. Na semana passada o dólar dobrou a esquina dos R$ 5,50.

Dólar a R$ 6 é algo que o governo não espera.

Segurança pública

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, anunciou mais um grande plano para a segurança pública. Mais um.

Para quem acompanha o funcionamento de sua pasta, faria melhor se organizasse sua tropa. Lá, as coisas vão mal, começando pela desordem das agendas, que submetem visitantes (até ilustres) a constrangedores chás de cadeira.

Os hierarcas de Brasília acham que mandam. Deveriam guardar na memória um acontecimento de 1966. Num choque do presidente Castelo Branco com Adauto Lúcio Cardoso, presidente da Câmara dos Deputados, o marechal resolveu fechar a Casa.

Para esvaziar o prédio, decidiram cortar-lhe a energia. À hora em que a luz seria cortada, pelo menos dois poderosos foram para a janela do Planalto para ver a cena.

Apagaram-se as luzes do Planalto.

Bolsonaro imutável

Jair Bolsonaro não muda. Descobriu uma maneira de implicar com a senadora Tereza Cristina a partir de uma questão municipal de Campo Grande (MS).

Buscetta e Pasquino

No século passado a temida polícia do delegado Sérgio Fleury interrogou o mafioso italiano Tommaso Buscetta à sua maneira e dele nada arrancou. Isso se deveu em parte à omertà (lei do silêncio) do mafioso e também ao fato de que ele não operava com a bandidagem brasileira.

Anos depois, Buscetta fez acordos com o Ministério Público italiano e com a polícia americana, detonando a Máfia.

O caso de Vincenzo Pasquino é inverso, o mafioso tinha conexões e negócios com as quadrilhas dos Primeiro Comando da Capital e do Comando Vermelho. Se a PGR e a PF se organizarem direito, ele poderá entregar as conexões do crime organizado brasileiro com pedaços do andar de cima. Em tempo, assim como fizeram no caso de Marielle Franco, os maganos já estão trabalhando para embaralhar as investigações.

O valor do silêncio

De um diplomata americano ao tempo em que a Venezuela era governada pelo coronel Hugo Chávez. Não digam que eu falei isso, mas brigar com o Chávez é como você entrar num chiqueiro para agarrar um porco. Vai perder.

O mesmo vale para o risco de se alimentar bate-bocas com Nicolás Maduro. O americano simplesmente ignorava o venezuelano.

Exemplo do CNJ

O Conselho Nacional de Justiça está montando uma plataforma que unificará as consultas processuais junto a todos os tribunais do país. Se tudo correr bem, ficará pronta em dezembro. Se o Ministério da Justiça e a Casa Civil estiverem interessados, podem copiar a iniciativa, fazendo com que as informações dos governos sobre segurança pública falem umas com as outras.

Haddad encanta

Fernando Haddad é um encantador de serpentes. Com a meta do déficit público desacreditada e os ministros brigando para não cortar R$ 65 bilhões, ele propõe um imposto para os bilionários. Se esse imposto mundial não colar, a culpa será dos outros.

Alguma coisa mudou

As eleições municipais não antecipam os resultados presidenciais, mas colocam sinais no tabuleiro. A de 2020 sinalizou que a força do vendaval de 2016 havia perdido vigor.

Em 2022 muita gente dava como certa a eleição de um Bolsonaro para a prefeitura do Rio. Nenhum Bolsonaro foi para a pista e Alexandre Ramagem, afilhado do capitão, está devagar, parando. Vale lembrar que Ricardo Nunes, prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, era vice de Bruno Covas. Seu bolsonarismo, além de parcial, é de ocasião.

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KAMALA É 'BRAT'

Dorrit Harazim, O Globo

Ela virou pop nas redes, com direito a memes afetuosos e bem-humorados em torno de suas gafes, gargalhadas fora de hora

Faltam pouco mais de cem dias até a linha de chegada à Casa Branca. Para o candidato republicano Donald Trump, uma eternidade indigesta. Até a noite de domingo passado, com um ouro em sobrevivência sapecado na orelha e seu único adversário exigindo cuidados especiais, ele ainda podia dar-se à ilusão de favorito nas eleições de novembro próximo. Não mais. A saída por W.O. do presidente Joe Biden e a entrada na competição de Kamala Harris mudaram radicalmente a dinâmica da disputa. De primeira mulher vice-presidente dos Estados Unidos, a multirracial Kamala (pai jamaicano, mãe indiana) empunhou o bastão democrata com vigor faiscante. Os caciques e doadores do partido, aliviados com essa solução de ultimíssima hora, abriram-lhe os cofres e correram para o abraço. Falta-lhe apenas ter a candidatura sacramentada na Convenção Democrata que começa no próximo 19 de agosto. A partir daí, restarão a Kamala 75 dias para convencer o eleitorado americano da oportunidade que tem em mãos: votar no futuro e fazer História elegendo-a 47ª presidente dos Estados Unidos.

Quando Joe Biden, em seu discurso de despedida da competição, rendeu-se à realidade de que chegara “a hora e o momento para novas vozes, vozes mais jovens — e essa hora e momento são agora”, não se referia à garotada que lacra e cria memes em redes sociais. Pois foi ali que Kamala fez sua primeira, e totalmente inesperada, conquista. Num movimento orgânico e espontâneo, de baixo para cima, “Kamala” virou pop nas redes, com direito a memes afetuosos e bem-humorados em torno de suas gafes, gargalhadas fora de hora, dancinhas inesperadas e frases sem nexo quando fora de contexto como “adoro os diagramas de Venn” ou “você acha que simplesmente caiu de um coqueiro?”.

Foi como um abrir da comporta do humor e do bom humor, do riso — três elementos que desestabilizam e afrontam a pátria trumpista. Uma única compilação desses clipes recebeu 14 milhões de visualizações no X. Uma postagem de três palavras — “Kamala IS brat” —, feita pela sensação musical britânica Charli XCX, pegou a mídia tradicional, políticos e analistas de calças curtas. A grande maioria não sabia o que é ser brat (*), muito menos quem era Charli, cuja postagem já ultrapassou 50 milhões de visualizações. A candidata democrata soube aproveitar a onda e colocou a música “Femininomenon” em sua conta no TikTok. A jocosidade de Kamala, cujas risadas sem freio geravam incômodo em muitos democratas, passou a ser vista com alívio e sinal de vitalidade, escreveu o New York Times. O contraste com a figura quebradiça, fragilizada e hesitante de Biden não poderia ser maior.

Quisera Trump conseguir gerar tanta aceitação espontânea por parte da geração Z. Nascidos no final dos anos 1990, início do milênio, eles representam a faixa etária eleitoral difícil de ser energizada por qualquer um dos dois grandes partidos americanos. A última vez em que isso aconteceu foi em 2008, quando o voto jovem se mobilizou de forma decisiva a favor de Barack Obama. Contudo, naquela era pré -TikTok e de Facebook ainda incipiente, a mobilização pró-Obama foi física, de corpo a corpo. Nada indica que o atual frenesi on-line em torno de Kamala não seja apenas isso: um frenesi on-line. Tiktokeiros não são, necessariamente, eleitores. 

Quisera Trump, sobretudo, não ter de enfrentar Kamala em debates eleitorais. Acabou sua vida mansa de poder olhar com quase piedade para um Biden alquebrado. Eleita promotora em San Francisco, procuradora federal da Califórnia e senadora (todos cargos eletivos nos Estados Unidos), ela foi acumulando experiência em debates, aprendeu a ser cortante quando preciso e a desmontar contradições. Além do mais, e sobretudo, é mulher, negra, 19 anos mais jovem e com muito mais cabelo que Trump. Tudo o que ele preferiria não ter de enfrentar num debate.

Caso ocorra mesmo o confronto agendado para 10 de setembro, Trump procurará explorar o fracasso consumado de Kamala na única tarefa de relevância que lhe fora dada por Biden na Vice-Presidência: mergulhar nas raízes e apresentar solução para o maior problema de política interna da nação, a imigração descontrolada na fronteira com o México. Talvez também tente ressuscitar a criticada atuação de Kamala no âmbito penal da Califórnia, quando ela se alinhou à política da época, o encarceramento em massa, por pequenos delitos, de jovens em geral pobres, pretos e latinos. Estará pisando em terreno minado, contudo, se buscar confronto em torno de uma das bandeiras progressistas mais caras a Kamala: a questão das liberdades reprodutivas para a mulher. Nessa seara, muitas eleitoras e eleitores ainda indecisos se alinham à bandeira democrata.

Em resumo, a eleição nos Estados Unidos está começando só agora. Melhor que isso, só mesmo a cerimônia de abertura da Olimpíada de Paris. Um alumbramento de fazer esperançar — e rever sempre que duvidarmos da capacidade humana de criar.

(*) Charli descreve o termo da moda brat como “alguém com um maço de cigarro, um isqueiro Bic e um top surrado branco sem sutiã por baixo”, ou “alguém meio bagunça que gosta de festa e fala bobagem de vez em quando, mas é muito honesto e franco”.

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sábado, 27 de julho de 2024

DEUS E O DIABO NA TERRA DO ESTADO LAICO

Eduardo Affonso, O Globo

Políticos sabem que, numa democracia, só o voto salva — e o caminho mais curto para a salvação passa pela oferenda

Deus pode até estar em todos os lugares, mas em nenhum é tão onipresente como na política.

Bolsonaro O tinha como cabo eleitoral, encabeçando uma versão revista e recauchutada da Santíssima Trindade: “Deus, pátria e família” — sendo a pátria a crucificada, e a família seu próprio clã. Ainda que o Brasil estivesse acima de tudo, Deus estava acima de todos. Tão acima que, apesar de onisciente, não perceberia as rachadinhas, o comportamento criminoso durante a pandemia, a devastação ambiental, a venda das joias, a incitação ao golpe e uma penca de outros pecados passíveis de penitência bem maior que dois pais-nossos e quatro ave-marias.

Como quem acende uma vela para si mesmo e outra para o diabo, Deus não tem preconceito ideológico nem desampara quem o procure. Lula garante que sua volta ao poder foi coisa d’Ele — cometendo a heresia do machismo linguístico ao chama-lO de “o homem lá de cima” (linguagem neutra, só no discurso escrito, né?).

— Vocês votarem em mim foi ato de fé, de coragem, que um milagre estava para acontecer nesse país — declarou, com um olho na Bíblia e outro na urna. — Deus não é mentira; é a verdade, e não pode usar em vão como eles usam todo santo dia — completou, usando o nome em vão, como faz todo santo dia.

Políticos sabem que, numa democracia, só o voto salva — e o caminho mais curto para a salvação passa pela oferenda, pelo dízimo, pelo confessionário. Há mais ateus num avião em queda livre que em campanha eleitoral. Que o digam Dilma Rousseff e Fernando Henrique Cardoso.

Sarney (rico governador do estado mais pobre do país, chefe de um governo pródigo em nepotismo e corrupção) proibiu a exibição de “Je vous salue, Marie” (de Jean-Luc Godard) “para assegurar o direito de respeito à fé da maioria da população brasileira” — e mandou que Deus fosse louvado em todas as cédulas (uma excrescência que corre o risco de jamais ser revogada).

Ter cidadania brasileira não impede que Deus preste serviços fora daqui. Sua mão teria ajudado Maradona a fazer um gol decisivo nas quartas de final contra a Inglaterra, na Copa de 1986. E, segundo Donald Trump, foi Ele quem “evitou que o impensável acontecesse“ no atentado de 13/7. A mão divina não deve ser mais a mesma, porque a bala ainda pegou de raspão.

Nas hostes infernais da oposição ao Todo-Poderoso, os tinhosos, cabruncos e capirotos ganharam a companhia de duas novas entidades malignas: fascistas e comunistas.

— Temos um mal pela frente, um capeta que quer implantar o comunismo no nosso Brasil — vociferou um.

— Com Boulos eleito, poderemos dizer que nunca mais os fascistas vão governar essa cidade e esse país — ululou o outro.

Além dos políticos, há mais uma categoria que tem certeza da inexistência de Deus. São os charlatães, que exploram a boa-fé alheia com “milagres” encenados para arrancar o dízimo — ou, como João de Deus, obter favores sexuais. Eles não se arriscariam a arder no mármore do inferno por toda a eternidade, pagando pelos pecados da ganância, da soberba, da fraude, da luxúria se temessem a hora da verdade no Dia do Juízo.

Se Deus é um delírio, como O definiu Richard Dawkins, o Brasil ainda deve demorar um pouco para sair do surto. Quem melhor escreveu a respeito foi o compositor Chico César:

— Essa gente é o diabo e faz da vida de Deus um inferno.

Não só da d’Ele. Da nossa também.

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sexta-feira, 26 de julho de 2024

EFEITO KAMALA

Flávia Oliveira, O Globo

Efeito Kamala esquenta campanha nos EUA e chega ao Brasil

Empolgação em torno dela lembra a vitória de Barack Obama em 2008

Quis o destino que a desistência de Joe Biden de concorrer à reeleição e, na sequência, apontar a afro-asiática Kamala Harris — filha de mãe indiana e pai jamaicano — como substituta na corrida à Casa Branca ocorresse no mês que o Brasil consagrou como Julho das Pretas e na semana em que se comemora o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, 25 de julho. A decisão anunciada na tarde do último domingo ativou o entusiasmo de uma campanha, até então, bastante morna do Partido Democrata.

Horas depois da decisão de Biden, a advogada e ativista negra Stacey Abrams declarou apoio enfático à ex-procuradora penal da Califórnia, ex-senadora, hoje vice-presidente dos Estados Unidos. Para quem não está ligando o nome à pessoa, Stacey, candidata derrotada em 2018 ao governo da Georgia, liderou movimento pelo voto de jovens e minorias étnicas e fundou a organização Fair Fight (Luta Justa, em tradução livre), para denunciar falhas do sistema eleitoral que resultavam na exclusão desses grupos. O par de iniciativas é reconhecido como responsável pela vitória da chapa Biden-Harris tanto na Georgia quanto no Arizona em 2022. No primeiro estado, o partido não chegava à frente na corrida presidencial desde 1992; no segundo, desde 1996.

Também no domingo, a reunião semanal do movimento Win With Black Women (algo como Vencer com Mulheres Negras) alcançou 44 mil participantes e apurou, ao menos, US$ 1,5 milhão em doações para a campanha de Kamala Harris, ainda a ser referendada na convenção do partido, no mês que vem. Os encontros virtuais por mais mulheres negras na política americana começaram em agosto de 2020, em plena pandemia. Do primeiro, participaram 90 ativistas. O mais recente contou com a deputada Maxine Waters, parlamentar negra da Califórnia, mesmo estado onde Kamala nasceu e fez carreira.

Cinco dias depois do lançamento, com Kamala já tendo discursado nos estados de Delaware, Wisconsin, Indiana e Texas, está evidente que a candidatura da vice, de 59 anos, no lugar do presidente, de 81, emprestou vitalidade a uma campanha que parecia fadada à derrota para o ex-presidente Donald Trump, candidato republicano. Para muitos, a empolgação em torno dela lembra a campanha que fez, em 2008, de Barack Obama o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Kamala já é a primeira mulher e a primeira pessoa de origem afro-asiática a se tornar vice-presidente.

A reviravolta na campanha dos Estados Unidos também foi sentida numa democracia ao Sul do continente que, faz tempo, clama por representatividade. As redes sociais explodiram em posts e fotos compartilhados por nomes da política, personalidades, artistas, influencers. A euforia era não só pelo nome democrata em condições melhores que Joe Biden de disputar com Trump, o presidente que se recusou a reconhecer o resultado das últimas eleições e tentou golpear a democracia. Era também pela perspectiva de uma mulher negra chegar à Casa Branca, com seus pontos fortes (caso da atuação por direitos reprodutivos das mulheres, da instituição do casamento homoafetivo e da feroz oposição a Trump desde a eleição do republicano) e fracos (o encarceramento de negros durante sua gestão na Procuradoria-Geral da Califórnia, a atuação modesta na crise da imigração quando vice).

Biden e Kamala frustraram o projeto de reeleição de Trump, na esteira das manifestações que tomaram os Estados Unidos em 2020 em protesto pelo assassinato de George Floyd, homem negro asfixiado até a morte por um policial branco. A então senadora foi escolhida vice por adicionar diversidade à chapa. Foi a via que pavimentou o comparecimento de negros, latinos e jovens às urnas.

A substituição de Biden por Kamala repercutiu intensamente no Brasil. Produziu no último domingo 129 mil menções e 68 milhões de contas alcançadas nas redes sociais X, Facebook e Instagram, segundo levantamento da Quaest.

— O anúncio da candidatura de Kamala repercutiu positivamente no ambiente digital brasileiro. A possibilidade de os Estados Unidos elegerem pela primeira vez uma mulher negra como presidente é vista com esperança pelos internautas — diz o professor Felipe Nunes, diretor do instituto.

Não faltou quem enxergasse alienação e ingenuidade na viralização em que Nunes viu esperança. Multiplicaram-se ataques e memes debochados apontando a inviabilidade de eleger Kamala, das metrópoles e quebradas do Brasil. Desprezaram a demonstração evidente de desejo de renovação política também nos trópicos. Ou não é também o Brasil o país embolorado das chapas masculinas, brancas, idosas? Não é aqui que o Legislativo, da direita à esquerda, caminha para aprovar anistia pelo descumprimento da distribuição proporcional de recursos públicos para candidaturas negras e de mulheres, estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral?

Um mês antes das eleições nos Estados Unidos, mais de 5.500 municípios brasileiros escolherão prefeitos e vereadores. Tomara as mensagens das redes alcancem as urnas, para que as posições de poder político no Brasil também ganhem diversidade de gênero e raça. Peguem seus títulos. O embarque nas seções eleitorais está próximo.

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A FORÇA POLÍTICA DA BAJULAÇÃO

José de Souza Martins, Valor Econômico

A destruição até dos laços de família com a polarização manipulada pelo bolsonarismo gerou a desorganização política do país com o crescimento da desorganização social

Um dos aspectos mais preocupantes da política brasileira desde o fim da ditadura militar e, acentuadamente, desde a ascensão de Jair Messias à Presidência da República, é o do declínio do humor político. Sinal de que está em decadência a consciência crítica popular que, entre nós, se manifestava no riso.

O bolsonarismo trouxe consigo o ódio às diferenças políticas, a satanização dos diferentes e das diferenças, a intolerância em relação ao outro, suas ideias, seu modo de ser. Trouxe, sobretudo, a ideologia no lugar do saber, da ciência, da arte, da liberdade de pensamento, da consciência crítica, do discernimento e da criatividade.

Na Primeira República, as músicas faziam o desmonte crítico dos fatos políticos e dos chamados figurões da política. Política era tudo. Na Revolução de 1924, em São Paulo, num combate durante uma noite fria no Belenzinho, o tenente João Cabanas, que comandava os rebeldes contra os legalistas do Exército, mandou seus soldados cantarem bem alto “Tatu Subiu no Pau”. Música de Eduardo Souto, sucesso do Carnaval de 1923, o que deixou os inimigos atônitos e vulneráveis. A cantoria fora de hora e de lugar era arma da revolta.

A música carnavalesca fazia parte de um mesmo conjunto de crítica política com as caricaturas de jornais, revistas e almanaques de farmácia.

Por esse crivo, sublinhar e ironizar as incoerências políticas era um modo de expor e ressaltar os aspectos irracionais e contraditórios da ação política. Muitas vezes, com verdadeiros diagnósticos etnográficos dos nossos defeitos políticos.

Desconstruir e ironizar para revelar e desqualificar o avesso de poderosos e do poder tem sido um modo de tomar consciência do que querem nos ocultar para nos dominar. Chico Buarque usou esse recurso político durante a ditadura militar. Dizer para desdizer.

Eu ainda não ingressara no curso primário quando, em 1945, até a molecada da rua, em suas brincadeiras, abria o berro para cantar “O Cordão dos Puxa-Saco”, de Roberto Martins. Puxa-saco não era o patriota, era o frouxo.

Com o fim da ditadura de Vargas, os oportunistas disputaram o vazio do poder, acolitados pelos bajuladores de sempre, suprapartidários. Aqui, isso aconteceria de novo com o fim da ditadura militar de 1964. Quem na véspera fora de direita, no dia seguinte de manhã já era de extremo centro. País macunaímico, temos vivido sob o domínio da cultura dos sem caráter.

O “Cordão dos Puxa-Saco” é composição lembrada ainda hoje porque descreve uma situação que se repete e perdura. Tem alguns detalhes interessantes. Em primeiro lugar, a distinção entre cordão e bloco.

O herói social da música é o bloco, modesto, pequeno, vicinal, comunitário, sem estandarte nem instrumentos. Vilão é o cordão, cheio de recursos, abrigo dos débeis de caráter que encontram seu lugar social puxando o peso que é dos outros.

Em países civilizados, a derrota eleitoral de um partido remove-o de fato do poder, mas não da política. Neles não existe poder indireto e disfarçado. Aqui, estamos vivendo a anomalia de que os derrotados continuam agindo como se o poder tivesse duas faces, a de dentro e a de fora, sendo esta a do poder dos puxa-saco, os lambe-botas, os chaleiras.

Vai se ver se a democracia está sendo derrotada pelo cordão dos puxa-saco. A não desprezível massa de 30% de seres imobilizados ideologicamente e inamovíveis, aprisionados no curral político da mera veneração a quem os capturou não como político, mas como feitor, e tem mais visibilidade como poder do que o governo.

O puxa-saquismo faz das pessoas anômalos cúmplices dos poderosos e neles nega a política como representação e o eleitor como cidadão. Durante a ditadura do Estado Novo, a grande massa getulista legitimava-se enviando cartas ao chefe de Estado, geralmente denunciando como comunistas os conhecidos, vizinhos, colegas, amigos e até parentes.

As cartas eram repassadas aos setores de repressão política do Estado, que fazia o seu serviço. Os delatores julgavam-se patriotas, como se julgam os aduladores de agora. A pátria não pode ser confundida com cordão dos puxa-saco.

A destruição até dos laços de família com a polarização manipulada pelo bolsonarismo gerou a desorganização política do país com o crescimento da desorganização social.

Foi particularmente atingido o caráter comunitário da sociabilidade brasileira e das nossas tradições, a tolerância em relação às diferenças de identidade social, de opção em relação ao que é próprio da sociedade moderna, sua diversidade pluralista e funcional. O puxa-saquismo é a consequência da linearização mental e ideológica da população. Nem Deus escapou. Surgiu entre nós o puxa-saquismo pseudo-religioso.

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SUCESSÃO DA CÂMARA E A DEMOCRACIA

Fernando Abrucio,Valor Econômico

Está em jogo o destino institucional do Legislativo, um processo que envolve uma avaliação acurada sobre os avanços obtidos e diversos problemas que a Casa ainda tem

Os atores políticos não estão de olho apenas na eleição municipal. Uma disputa que está mexendo com a elite da classe política é a sucessão na Câmara Federal. Depois de um dos presidentes mais poderosos da história da Casa, o deputado Arthur Lira, alguns candidatos surgiram e há meses fazem uma das mais longas campanhas da trajetória recente do Congresso. Pergunta-se muito qual nome seria o mais adequado para manter o poder obtido pelo Legislativo, mas pouco se fala sobre qual projeto seria melhor para que essa instituição servisse melhor à sociedade e à democracia do país.

É inegável que o perfil dos candidatos vai afetar o futuro da Câmara Federal. Nomes, com suas trajetórias institucionais, fazem sempre diferença em política. Só que está em jogo o destino institucional do Legislativo, um processo que envolve uma avaliação acurada sobre os avanços obtidos e diversos problemas que a Casa ainda tem. E, por enquanto, os concorrentes estão mais ávidos em fazer jantares e conversas reservadas com caciques políticos e deputados do baixo clero do que em apresentar projetos que definam os rumos da instituição nos próximos anos.

O principal ponto de partida para a discussão de um projeto de aperfeiçoamento institucional da Câmara Federal é o diagnóstico corrente na opinião pública e na ciência política de que houve uma relevante mudança no presidencialismo de coalizão, com o aumento do poder do Legislativo e o enfraquecimento relativo do Executivo federal neste jogo institucional. Essa percepção é majoritária, mas há visões divergentes ou formas diferentes de enxergar esse fenômeno, particularmente analisando a gestão de Arthur Lira.

Para parte importante dos analistas e atores políticos, o reforço recente do Legislativo federal piorou o sistema político, com o aumento do emendismo clientelista, do poder de chantagem do Centrão, de decisões tomadas pelos deputados com pouca conversa junto à sociedade, de uma polarização legislativa que transformou reuniões em baixarias sem controle e, sobretudo, da força de um presidente da Casa que desequilibrou o jogo dos Poderes. Todos esses pontos expressam grande parte da verdade dos fatos, porém, a Câmara Federal na Era Arthur Lira é mais do que isso.

A liderança de Lira teve um papel central na garantia da democracia, seja na votação que derrotou a possibilidade da volta das cédulas de papel nas eleições de 2022, seja na posição firme de reconhecer imediatamente a vitória de Lula no pleito presidencial. Talvez se possa dizer que não fez mais do que a obrigação de um democrata, só que o cenário de golpe estava muito avançado e nem todos teriam a coragem para ir contra o golpismo bolsonarista. Provavelmente a maioria dos congressistas não teria segurado essa barra.

Lira também foi fundamental para garantir a base orçamentária do novo governo, para aprovar o novo arcabouço fiscal e, sobretudo, em todo o processo de tramitação e aprovação da reforma tributária, modificação que esperara mais de 30 anos para avançar no Legislativo. Sempre será possível reclamar de uma ou outra atuação de Lira, mas houve igualmente projetos maiores em seu mandato.

Os lados problemático e positivo da presidência de Arthur Lira coexistiram, e o novo presidente que for eleito em fevereiro de 2025 terá de levar em conta que precisa aprender com ambos para enfrentar os desafios de fazer algo melhor do que o antecessor. Não basta ser o chefe do sindicato dos deputados para ser um comandante forte da Casa. Arthur Lira foi isso e algo mais, tendo um projeto de poder voltado a alguns temas fortes em setores sociais importantes.

Ademais, as críticas feitas ao novo perfil de poder do Legislativo vão continuar e provavelmente se tornarão mais fortes daqui para a frente. Não será possível simplesmente ignorar essas visões negativas, ao custo de se perder legitimidade e força ao longo dos próximos dois anos. O caráter reformista e defensor das instituições que também esteve presente em alguns momentos de 2021 a 2024 terá de encontrar um novo sentido. Quais reformas serão priorizadas pelo sucessor de Lira?

Todo esse processo de aperfeiçoamento institucional, por fim, terá como bússola política fundamental uma eleição presidencial novamente polarizada, mas com um provável candidato à reeleição cujo mandato é baseado em políticas públicas, e não na guerra cultural e num distributivismo improvisado, como fora Bolsonaro. Neste cenário, há muitas chances de o Centrão se dividir na eleição de 2026, porque será difícil ficar completamente contrário a um governo federal que terá muito poder na execução das emendas e programas governamentais. Qual será o impacto disso na governabilidade do futuro presidente da Câmara?

Diante da necessidade de se ter um projeto institucional para a futura gestão da Câmara Federal, elencam-se aqui cinco desafios centrais para o biênio 2025-2026. O primeiro diz respeito ao modelo de processo legislativo que Lira implantou na Casa. O alto grau de centralização decisória do ponto de vista da agenda legislativa e a rapidez do processo decisório são dois pontos que marcaram o grande poder do então presidente, mas que, ao final, desgastaram a figura pessoal de Lira e, pior, o próprio Legislativo. A votação sobre o PL relativo ao aborto é o maior exemplo disso, embora a votação da definição das alíquotas do novo IVA brasileiro tenha sido ainda mais desastrosa para o país - e é provável que o Senado mude várias das decisões dos deputados, desmoralizando a condução política feita por Lira.

Uma governança baseada em poucos atores, com deliberações açodadas que reduziram o tempo de reflexão e discussão dos deputados, é um desastre para a imagem institucional da Câmara Federal e algo que cada vez mais desgastará os ocupantes da presidência da Casa, porque o número de descontentes tende a aumentar com o uso desmesurado do poder centralizado.

Em poucas palavras, o futuro comandante da Câmara precisa construir um modelo de maior debate e parcimônia na tramitação das matérias legislativas. Muitas reformas são necessárias, mas serão tanto melhores se forem decididas com o tempo necessário de maturação, com abertura para que se ouçam mais as opiniões minoritárias e que os majoritários possam fazer suas escolhas levando em conta todas as consequências de suas decisões.

Em complemento ao aspecto anterior, um segundo desafio para o sucessor de Arthur Lira será ouvir mais a sociedade e os especialistas na construção de sua agenda legislativa. Não que a Câmara tenha sido fechada para os setores sociais. Todavia, há a impressão de que ficou mais aberta a determinados grupos e lobbies.

Para mudar essa percepção, é preciso abrir a Casa para mais discussões substantivas com a população e com estudiosos. O caso da redução da tributação sobre as armas mostra que a soma do açodamento e centralização decisórios com a falta de efetivo diálogo com a sociedade gerou um monstrengo, que provavelmente será mudado pelo Senado. A volta para a Câmara dessa proposição certamente colocará a instituição numa saia justa junto à maioria do eleitorado, tal como aconteceu na questão do aborto.

Um terceiro desafio diz respeito ao clima de guerra criado na Câmara, com parlamentares brigando como moleques da sétima série, em vez de atuarem como representantes pagos pelo povo para resolver os problemas do país. A liderança dessa baderna certamente é da bancada mais próxima da extrema direita, com destaque para os midiáticos que ganham poder se tornando heróis da radicalização nas redes sociais. Mas parte dos congressistas governistas também entrou nesse clima juvenil e irresponsável. Acabar com esse circo é uma forma de evitar que o discurso antipolítico e antidemocrático enfraqueça todas as instituições, incluindo o Congresso Nacional.

Será muito difícil manter parte do modelo emendista atual no próximo biênio legislativo. Este quarto desafio provavelmente já emergirá com uma nova decisão do STF sobre as chamadas emendas Pix, que não têm transparência e racionalidade orçamentária. Isso não quer dizer que os congressistas devam abdicar de seu poder orçamentário, só que ele deve ter um formato mais compatível com o controle democrático e com a boa organização das políticas públicas. Ser influente sobre as bases políticas locais é legítimo e os parlamentares precisam recalibrar o modo de exercer esse poder, porque a visão do eleitorado sobre o modelo atual tenderá a piorar cada vez mais.

Como último e mais complexo desafio está a necessidade de melhorar a articulação e reduzir o conflito com as outras instituições políticas, como o Senado, o STF e a Presidência da República. A defesa da relevância estratégica da Câmara Federal deve ser prioridade de seu presidente, para que não haja dúvida do papel dos deputados eleitos pelo povo brasileiro. Não obstante, tanto mais bem avaliado será o sucessor de Arthur Lira se ele for capaz de ampliar o diálogo democrático e distensionar a polarização política.

Em 2026 haverá uma nova eleição presidencial que poderá fraturar o país ou recolocar a disputa política num patamar civilizado. Neste embate, o novo presidente da Câmara será uma peça-chave para garantir um desfecho feliz à democracia do país.

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MORRE ROSA MAGALHÃES

José Raphael Berrêdo, Wesley Bischoff, g1 Rio — Rio de Janeiro

Rosa Magalhães, carnavalesca com mais títulos no Sambódromo, morre aos 77 anos no Rio

Carnavalesca colecionou títulos na Imperatriz Leopoldinense, Unidos de Vila Isabel e Império Serrano. Artista morreu na noite de quinta-feira (25).

Rosa Magalhães, carnavalesca com mais títulos no Sambódromo do Rio de Janeiro, morreu na noite desta quinta-feira (25), aos 77 anos. Ela foi vítima de um infarto. Campeã absoluta da avenida, Rosa colecionou sete títulos ao longo de mais de 50 anos de Carnaval.

A carnavalesca começou a carreira como assistente, em 1970, no Salgueiro. No ano seguinte, a escola foi campeã. Em 1982, Rosa se tornou campeã pela primeira vez como carnavalesca, no Império Serrano. Ao lado de Lícia Lacerda, venceu com “Bum bum paticumbum prugurundum”.

Em 1987, também ao lado de Lícia Lacerda, sacudiu a Sapucaí com “Ti-ti-ti do sapoti”, levando a Estácio ao quarto lugar.

Cinco anos depois, com a morte de Viriato Ferreira, Rosa passou a assinar sozinha o carnaval da Imperatriz Leopoldinense. A carnavalesca fez história na escola, conquistando cinco títulos (1994, 1995, 1999, 2000 e 2001).

O último título foi em 2013, na Unidos de Vila Isabel. Em 2023, Rosa foi carnavalesca no Paraíso do Tuiuti, conquistando o oitavo lugar.

Além do Carnaval, Rosa venceu um prêmio Emmy na categoria figurino pelo trabalho na abertura dos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro.

Já em 2016, a carnavalesca foi responsável pela cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos do Rio. A festa teve Martinho da Vila cantando "Carinhoso" e muito samba.

Para Fábio Fabato, jornalista e amigo da carnavalesca, Rosa merece estar no mesmo altar de artistas como Tarsila do Amaral e Candido Portinari.

"Rosa foi a maior fazedora da maior das festas populares do planeta. Só isso já bastaria para ser considerada uma das grandes artistas brasileiras de todos os tempos. Uma capacidade única de descobrir histórias e contar para as pessoas a partir de uma linguagem inventada pelo Brasil: o desfile das escolas de samba."

Rosa também trabalhou como cenógrafa de várias novelas e séries da TV Globo.

Começo no Carnaval

Artista plástica, com três graduações — pintura, cenografia e indumentária —e ex-professora da Escola de Belas Artes da UFRJ, Rosa entrou para o mundo do samba em 1970, levada pelas mãos do então professor Fernando Pamplona para o Salgueiro.

Ela se formou nessa “academia”, junto com Arlindo Rodrigues, Joãosinho Trinta, Maria Augusta e Lícia Lacerda. Na época, Laíla era o diretor de harmonia.

“Naquela época mulher não ia à quadra da escola de samba. A gente trabalhava no quintal da casa de um diretor salgueirense, em Botafogo. Lá a gente fazia alegorias e fantasias. E fazia a montagem final dos carros no Pavilhão de São Cristóvão”, disse Rosa em entrevista ao g1 em 2020.

E foi com este primeiro trabalho, como uma das assistentes de Pamplona, que Rosa conquistou seu primeiro título, no Carnaval de 1971. Foi quando o Salgueiro começou a fazer um Carnaval diferente, exaltando a cultura negra, com o enredo “Festa para um rei negro”.

"Era tudo novo, a gente fazia um trabalho muito legal. Ganhar é muito bom. E o primeiro título a gente nunca esquece. E o último, também não”, afirmou.

Em 1982, quando assinou seu primeiro Carnaval com a amiga Lícia Lacerda, no Império Serrano, Rosa conta que brigou muito. Mas conseguiu se impor e conquistou seu primeiro campeonato como carnavalesca.

"Foi uma luta. O Pamplona deu a ideia do enredo, e nós desenvolvemos. Mas mudamos um monte de coisa, a começar pelo nome. De 'Praça 11, Candelária e Sapucaí', para 'Bum bum paticumbum prugurundum'. Briguei muito, o trabalho levou um mês para ser aceito", lembrou.

A dupla Rosa-Lícia ainda fez um dos mais memoráveis carnavais da Estácio de Sá, o "Ti-ti-ti do sapoti", em 1987. Quando Lícia se mudou para os Estados Unidos, Rosa seguiu sozinha e fez mais dois enredos para a Estácio.

Sequência de títulos

A época de ouro da carnavalesca aconteceu entre 1994 e 2001, quando conquistou nada menos do que cinco dos oito campeonatos da Imperatriz Leopoldinense.

Foi na Verde e Branca de Ramos que Rosa se firmaria com um trabalho requintado, luxuoso e calcado em enredos históricos muito bem trabalhados.

Criatividade, riqueza de detalhes e acabamento passam a ser a marca de carnavais perfeitos, como “Catarina de Médicis”, “Mais vale um jegue”, “Theatrum rerum” e “Cana-caiana”.

Foram cinco títulos, sendo um tricampeonato – de 1999 a 2001 –, em 18 anos de trabalho na Imperatriz. Com isso, Rosa se tornou a grande dama do Carnaval Carioca.

Nem Joãosinho Trinta, amigo e parceiro de Rosa no Salgueiro de 1971, chegou a tanto. O carnavalesco tem nove títulos em três escolas diferentes, sendo dois bicampeonatos pela Beija-Flor.

“Carnaval é uma cachaça. Mas daquela bem boa, lá de Paraty”, disse Rosa Magalhães.

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MORRE J.BORGES

Do g1 Caruaru

J. Borges, artista e poeta pernambucano, morre aos 88 anos

Artista morreu nesta sexta-feira (26), na casa onde morava na cidade de Bezerros, no Agreste.

J. Borges, xilogravurista, poeta e cordelista pernambucano, morreu na manhã desta sexta-feira (26), aos 88 anos, em Bezerros, no Agreste de Pernambuco, onde ele nasceu e viveu toda sua vida. A informação foi confirmada pelo filho do artista, Pablo, ao g1.

Segundo familiares, o pernambucano foi internado há duas semanas por problemas no pulmão e coração, mas recebeu alta e morreu em casa, por volta das 6h.

velório do artista começou por volta das 13h no Centro de Artesanato, que fica localizado no município de Bezerros. O enterro será às 15h deste sábado (27), no Cemitério Parques dos Eucaliptos, no bairro Santo Amaro, também na cidade.

Conhecido como mestre da arte popular brasileira, ele só frequentou a escola por um ano. Aprendeu a ler, escrever e fazer contas. Na juventude, foi carpinteiro e pedreiro, até descobrir a literatura de cordel. Há 60 anos, virou escritor.

A imagem da igrejinha foi a primeira xilogravura produzida por J. Borges - um dos grandes mestres dessa arte -, primeiro esculpida em madeira e depois impressa no papel.

"Eu, quando inicio um cordel para escrever ou uma gravura para fazer, eu penso logo se vai tocar no sentimento do povo”, contou o artista em entrevista ao Jornal Nacional.

Sua arte está reunida em uma exposição gratuita no Museu do Pontal, no Rio de Janeiro, até 25 de março de 2025. "É uma das pessoas que ajudou a moldar uma ideia visual sobre o Nordeste e sobre a xilogravura brasileira”, afirma Lucas Vandebeuque, curador da exposição.

Além disso, tem obras expostas no Museu do Louvre, na França, e já expôs em países como Estados Unidos, Alemanha, Suíça, Itália, Venezuela e Cuba.

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Reconhecimento e admiração

Ao longo de sua trajetória, J. Borges ganhou vários prêmios, como a comenda da Ordem do Mérito Cultural, o prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) na categoria Ação Educativa/Cultural e o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco.

O encontro com o escritor Ariano Suassuna, no início da década de 1970, foi um marco na história de J. Borges. Encantado pela criatividade das gravuras, Ariano ajudou a levar a obra do amigo para o mundo. José Saramago era outro fã. O livro "O Lagarto", do escritor português, ganhou ilustrações do artista pernambucano.

Ilustrou também a capa de livros de Eduardo Galeano, inspirou documentários e o desfile da escola de samba Acadêmicos da Rocinha, em 2018.

Sobre J. Borges

José Francisco Borges, conhecido como J. Borges, tinha 88 anos e era pintor, cordelista, poeta, xilogravurista. Ele era natural de Bezerros, no Agreste de Pernambuco, e ganhou título de Patrimônio Vivo Imaterial de Pernambuco, além de ter sido agraciado com a Ordem do Mérito Cultural do Brasil em 1999. Já ilustrou obras de escritores como José Saramago e Eduardo Galeano.

J. Borges começou a trabalhar aos 10 anos, na cidade em que nasceu, onde vive e trabalhava. Depois de publicar um cordel em 1964, o artista foi levado à xilogravura para ilustrar seus versos e, desde então, não parou de fazer matizes, que são entalhadas.

Os títulos dos cordéis são o principal mote para o xilogravurista criar os desenhos, sem esboço ou rascunho. As imagens são talhadas diretamente na madeira e ilustram, de maneira original, a cultura do povo do Nordeste.

Uma parte importante do imaginário nordestino sempre esteve presente na obra de J. Borges. Ele só frequentou a escola por um ano. Aprendeu a ler, escrever e fazer contas. Na juventude, foi carpinteiro e pedreiro, até descobrir a literatura de cordel. Há 60 anos, o leitor apaixonado virou escritor.

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quinta-feira, 25 de julho de 2024

LUTA E REPRESENTATIVIDADE

Hoje, 25 de julho é dia de celebrar, reverenciar Tereza de Benguela. A data comemorativa foi criada em 2014 e celebra também o Dia Nacional da Mulher Negra Latino-americana, Caribenha.

Teresa é considerada uma heroína por ter defendido seu povo da opressão, por volta de 1750, em Mato Grosso.

Chamada de Rainha Tereza, ela liderou o quilombo Quariterê, próximo a Vila Bela da Santíssima Trindade, em Mato Grosso, na fronteira com a Bolívia.

Uniu negros, brancos e indígenas para defender o território por muitos anos. Foi ela a responsável pelo desenvolvimento do quilombo, implantando novos modelos de desenvolvimento, como o uso do ferro na agricultura.

A rainha chegou a ser comparada a Zumbi dos Palmares, um dos símbolos da resistência negra no país. A data agora é Lei e foi sancionada em 2014, pela presidenta Dilma.

Hoje, 25 de julho também se comemora o Dia Internacional da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha. A data foi instituída em 1992.

A data é um marco na luta da mulher negra contra opressão de gênero, o racismo, exploração de classe. A data dar visibilidade, reconhecimento, e reforça a presença da mulher negra nesse continente.

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TANTAS HISTÓRIAS

Hoje, 25 de julho que se comemora o Dia Nacional do Escritor, fez-me lembrar de uma história da escritora cearense, Rachel de Queiroz, relatada em sua autobiografia Tantos Anos, escrita por Rachel e sua irmã caçula, Maria Luiza de Queiroz, em 1998.

Rachel de Queiroz, a pioneira cearense – foi a primeira mulher a entrar na Academia Brasileira de Letras, 1977 – conhecida pelas belas histórias contadas em suas obras, o carinho que tinha pelas palavras, seja nas crônicas, nas peças de teatro ou nos romances, ela era uma mulher à frente do seu tempo. Até na política Rachel de Queiroz enveredou e teve uma vida intensa.

A consagrada carreira de escritora e jornalista, parte dos brasileiros já conhece, mas, na política é desconhecida pela maioria da população brasileira. Rachel se tornou membro do Partido Comunista ao lado de amigos de sua geração, uma turma politizada e ‘comunizada”, como relatou ela na autobiografia Tantos Anos, de 1998. Foi presa duas vezes.

Em 1931, após passar dois meses no Rio de Janeiro – tinha ido receber o Prêmio Graça Aranha, dado a O Quinze – Rachel volta ao Ceará, com credenciais do Partido Comunista, já politizada e com a missão de promover e reorganizar o Bloco Operário e Camponês, movimento político o qual ela tinha participado.

Rachel passou a fazer parte do Partido Comunista, mesmo sem ter feito uma ficha, assinado alguma ata. Aliás, não se podia deixar nenhum rastro de papéis, livros ou qualquer tipo de documento, a polícia era brutal e se pegasse algum vestígio, levava todos para a cadeia: às pessoas e os papéis. Com a chegada de Getúlio Vargas ao Rio, a polícia ficou mais feroz.

Em 1937, com a decretação do Estado Novo de Getúlio Vargas, os livros de Rachel de Queiroz foram proibidos e, num fato marcante, várias de suas obras acabaram queimadas em praça pública em Salvador (BA), junto a livros de Jorge Amado, José Lins do Rego e Graciliano Ramos, todos classificados de subversivos.

O desligamento do Partido Comunista aconteceu após ela ver censurado pelo próprio Partido o romance João Miguel. No romance, João Miguel, ‘campesino’ bêbado, matava outro ‘campesino’. O aviso: só permitiria a publicação da obra, se Rachel fizesse as modificações apontadas pelo presidente do Partido Comunista. Segundo o Partido, a trama era carregada de preconceitos contra a classe operária.

Jamais se curvou as imposições feitas a sua obra, Rachel de Queiroz não aceitou as tais modificações exigidas pelo Partido Comunista, pegou o original que tinha datilografado e saiu em disparada, como relatado por ela no capítulo O Rompimento, da autobiografia Tantos Anos.

Em sua obra Caminho de Pedras (1937), Rachel trata desse momento político que viveu no Partido Comunista, porque fazer política na década de 20, ser comunista era muito perigoso. A ideia de comunismo era distorcida e alguém que ousasse se apresentar como comunista pagaria um preço alto, até com a própria vida.

Rachel de Queiroz faleceu dormindo numa rede, em sua casa no Rio de Janeiro, em 4 de novembro de 2003.

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RELEMBRANDO PEDRO LAVANDEIRA

Há exatos 21 anos, sobralenses davam adeus a Pedro Lavandeira, um dos maiores poetas populares, da região norte do Ceará. Mestre na arte de transformar grandes sucessos musicais em memoriáveis músicas de campanha política da família Prado, Pedro Lavandeira deixou o legado da amizade, competência e honestidade. Pedro sempre estava feliz.

Relembrando esse grande poeta popular Pedro Lavandeira, ouça a música O poeta partiu  que seu irmão, o cantor Zé Lavandeira fez para homenagear o saudoso irmão. Ouça outras músicas memoráveis das campanhas pradista, na voz de Pedro Lavandeira.

Como escreveu o poeta, jornalista Silveira Rocha, Pedro Lavandeira foi de uma política só, de um partido só. Pedro Lavandeira amigo fiel e compadre de Zé Prado, sempre esteve ao lado de Zé em suas campanhas, empunhando a bandeira branca.

Quem vê essa imagem do amigo Pedro Lavandeira, não tem como não voltar no tempo e reviver grandes campanhas políticas de nossa princesa do Norte. Pedro foi de uma política só, de um partido só, de um amigo só, o seu compadre José Parente Prado, de quem ele empunhara a bandeira branca desde quando o Zé iniciou sua trajetória política.

Via blog Sobral em Tribuna de Silveira Rocha, veja algumas frases do poeta Pedro, inseridas nas músicas que ele compôs:

"Vai, vai, vai, vai, ninguém segura não. O prefeito é o José Prado, ganha disparado nessas eleições".

(Primeira composição de Pedro, inspirada pelo próprio Zé Prado).

"Quem corre cansa, quem anda alcança, não vou de carro,pode virar"

(campanha de José Prado contra Carlos Alberto Arruda).

"Mas eu não sou de exigir muito, vista a roupa que quiser, mas doutor faça favor, de entregar a quem lhe entregou, entregue a Zé o que é de Zé".  (crítica a Dr. José Euclides).

"O verde que pintou no comício a lagarta deu; o verde quis brotar novamente, a vaca comeu". (campanha Zé Prado contra Padre Zé").

"Ele ai, gosta de taxa e de imposto, até cachorro paga R$ 10 pra se soltar. Perdeu o rumo e agora vai tomando a reta, sonhando com bicicleta e carroça pra emplacar". (crítica a Cid Gomes).

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NA UNHA DO GUAXINIM

Há exatos 21 anos, sobralenses davam adeus a Pedro Lavandeira, um dos maiores poetas populares, da região norte do Ceará. Mestre na arte de transformar grandes sucessos musicais em memoriáveis músicas de campanha política da família Prado, Pedro Lavandeira deixou o legado da amizade, competência e honestidade. Pedro sempre estava feliz.

Relembrando esse grande poeta popular Pedro Lavandeira, ouça a música O poeta partiu  que seu irmão, o cantor Zé Lavandeira fez para homenagear o saudoso irmão. Ouça outras músicas memoráveis das campanhas pradista, na voz de Pedro Lavandeira. A música Na unha do guaxinim virou um clássico da campanha  Pradista no ano 2004.

Como escreveu o poeta, jornalista Silveira Rocha, Pedro Lavandeira foi de uma política só, de um partido só. Pedro Lavandeira amigo fiel e compadre de Zé Prado, sempre esteve ao lado de Zé em suas campanhas, empunhando a bandeira branca.

Quem vê essa imagem do amigo Pedro Lavandeira, não tem como não voltar no tempo e reviver grandes campanhas políticas de nossa princesa do Norte. Pedro foi de uma política só, de um partido só, de um amigo só, o seu compadre José Parente Prado, de quem ele empunhara a bandeira branca desde quando o Zé iniciou sua trajetória política.

Via blog Sobral em Tribuna de Silveira Rocha, veja algumas frases do poeta Pedro, inseridas nas músicas que ele compôs:

"Vai, vai, vai, vai, ninguém segura não. O prefeito é o José Prado, ganha disparado nessas eleições".

(Primeira composição de Pedro, inspirada pelo próprio Zé Prado).

"Quem corre cansa, quem anda alcança, não vou de carro,pode virar"

(campanha de José Prado contra Carlos Alberto Arruda).

"Mas eu não sou de exigir muito, vista a roupa que quiser, mas doutor faça favor, de entregar a quem lhe entregou, entregue a Zé o que é de Zé".  (crítica a Dr. José Euclides).

"O verde que pintou no comício a lagarta deu; o verde quis brotar novamente, a vaca comeu". (campanha Zé Prado contra Padre Zé").

"Ele ai, gosta de taxa e de imposto, até cachorro paga R$ 10 pra se soltar. Perdeu o rumo e agora vai tomando a reta, sonhando com bicicleta e carroça pra emplacar". (crítica a Cid Gomes).

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