segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

FESTIVAL DE MEMES, IMPULSOS E DISPAROS

Alvaro Costa e Silva, Folha de S.Paulo

Preparem-se para um festival de memes, todos autorreferentes, irônicos e principalmente debochados. Uma enxurrada de filmes curtos de marketing político, formato ideal para plataformas do tipo TikTok e Instagram. Uma avalanche de postagens no Facebook e Twitter, impulsos pagos para se manter em evidência nas redes. E, apesar da prometida vigilância do TSE, os disparos em massa, grande atração de 2018, estão dispostos a continuar a farra, mesmo que tenham de se mudar: sai o WhatApp, entra o Telegram.

Com os R$ 4,9 bi do fundo eleitoral, aprovados no Orçamento, a grana para os marqueteiros está garantida. Agora é reforçar a imagem com que cada candidato irá se apresentar, a melhor maneira de vender o velho peixe com as atuais táticas de convencimento, promessa e ilusão. Em caso de dúvida ou de crise na campanha, consultar um influencer digital.

Entre os presidenciáveis, Lula é o que tem a estratégia claramente definida. Para neutralizar o antipetismo e se garantir como único adversário capaz de derrotar Bolsonaro, ele é hoje um homem de centro-esquerda, mais de centro que de esquerda, aquém do Lulinha Paz e Amor. Mostrando-se à vontade com os novos tempos, outro dia tuitou uma imagem dele mesmo segurando um sabre de luz. E eu que pensava que o Jedi era o Sergio Moro...

Ao lado de Moro, há gente demais querendo ajudar --setores das Forças Armadas, do mercado financeiro, da imprensa--, mas que acabam atrapalhando. Ele dá a impressão de fazer qualquer coisa que lhe mandam fazer, até tirar uma foto num fliperama, na esperança de se aproximar e roubar votos de Lula e de Bolsonaro, o antigo chefe. Para o ideal de ser um Carlos Lacerda, falta-lhe bem mais que oratória.

Com ou sem mentira no Telegram, uma coisa é certa: Bolsonaro será Bolsonaro. Como sempre foi, aliás. A diferença é que quatro anos terão se passado e, nesse ínterim, o mito está se esfarelando.

Alvaro Costa e Silva -Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

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LEMBREM DE 2018, PEDE CIRO, QUANDO ELE NÃO VOTOU EM HADDAD NO 2º TURNO

Do Blog do Noblat, Metrópoles

As repórteres Camila Zarur e Jussara Soares perguntaram a Ciro Gomes (PDT), candidato pela quarta e última vez a presidente da República:

“Em um eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro, em quem o senhor votaria?”

Ele respondeu: “No Ciro Gomes.”

Elas insistiram:

“Nem cogita essa hipótese?”

Ciro poderia ter respondido que não, encerrando o assunto. Mas seria pouco para ele. Então, disse:

“Nenhuma hipótese. “Remember” 2018.

Ciro ficou de fora do segundo turno de 2018 porque no primeiro só obteve 12,5% dos votos, contra 29% de Fernando Haddad (PT) e 46% de Jair Bolsonaro (PSL). O que ele fez em seguida? Viajou a Paris e negou apoio a Haddad.

A não ser que mude de opinião, Ciro repetirá a dose este ano caso Lula e Bolsonaro se enfrentem no segundo turno. É o que deverá acontecer, segundo as pesquisas de intenção de voto. Ciro aparece em terceiro lugar, empatado com Sergio Moro (PODEMOS).

Há 4 anos, Ciro apostou que a Justiça impediria Lula de ser candidato (acertou), e que ele seria o candidato da esquerda contra Bolsonaro no segundo turno (errou). Culpa Lula por não ter sido. Não o perdoa por ter indicado Haddad no seu lugar.

Embora o Supremo Tribunal Federal tenha anulado as condenações de Lula e declarado Moro um juiz parcial, Ciro imaginou que Lula não se candidataria outra vez a presidente. Errou. Hoje, no Ceará, estado de Ciro, Lula o derrotaria com folga.

Ciro é um poço até aqui de mágoa com Lula e o PT. Sente-se também rejeitado pelas “elites” do país que não compartilham suas ideias e temem seu temperamento explosivo. Agora, apresenta-se como “rebelde”, portador de esperanças. E tenta ir em frente.

Diz que o PDT está com ele e não abre. Há um grupo numeroso de deputados do PDT contra sua candidatura por não acreditar em suas chances. Ciro vê o PT cearense oferecer apoio ao candidato do PDT ao governo em troca de apoio a Lula no segundo turno.

É uma parada indigesta para ele, convenhamos. É um sonho acalentado por muitas décadas que poderá se desmanchar. Mas Ciro sempre terá Paris como consolo.

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NARA, MILITARES E O BOLSONARISMO

Cristina Serra, Folha de S.Paulo

A entrevista do comandante da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Junior, à Folha ofende os fatos e a lógica. Baptista repete a ladainha de que "a política não entrará nos nossos quartéis" e que os militares sempre prestarão continência "a qualquer comandante supremo das Forças Armadas".

Para ser levado a sério, ele teria que explicar com clareza, não com ambiguidades e recados mal disfarçados, a nota intimidatória do ministério da Defesa à CPI da Covid no Senado e o tuíte do Alto Comando do Exército, publicado por Villas Bôas, em 2018, com ameaças ao STF, na véspera da votação do habeas corpus de Lula.

Bolsonarista raiz, Baptista compara a presença de militares no atual governo à atuação de acadêmicos nos mandatos de FHC e à de sindicalistas na era Lula. Cinismo ou ignorância?

Para dimensionar o necessário debate sobre o papel dos fardados na democracia, trago argumentos do historiador Manuel Domingos Neto, um dos maiores estudiosos do tema no Brasil, em artigo publicado no portal "A Terra é Redonda". O professor toca num dos nervos centrais da questão: a dependência tecnológica das nossas FAs de fornecedores de armas e equipamentos "que não defendem o Brasil, mas reforçam o poderio de potências imperiais".

Sem romper essa dependência, o que esperar dos militares quando —e se— voltarem aos quartéis? Segue Domingos Neto: "Formar novos Bolsonaros, Helenos, Villas Bôas, Pazuellos, Etchegoyens ou coisa pior?". Continuarão os homens armados a arrogar-se a condição de "pais da pátria", "estigmatizando os que lutaram por mudanças sociais?". Manterão suas "operações de garantia da lei, que beneficia os de cima, e da ordem, que massacra os de baixo?".

Para ampliar a discussão, sugiro ainda a série "O Canto Livre de Nara Leão", que resgata momento de luminosa coragem da cantora. Em plena ditadura, ela diagnosticou sem meias palavras: "Esse Exército não serve para nada". Nara, atualíssima, cinco décadas depois.

Cristina Serra é paraense, jornalista e escritora. É autora dos livros “Tragédia em Mariana - a história do maior desastre ambiental do Brasil” e “A Mata Atlântica e o Mico-Leão-Dourado - uma história de conservação”.

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QUIMICAMENTE INSUSTENTÁVEL

Artigo de Fernando Gabeira

Em sintonia com a ciência, estamos focados no aquecimento global. Mas o planeta está sendo atacado em outros flancos. É bom saber, para efeito de sobrevivência. Um estudo realizado pelo Centro de Resiliência de Estocolmo concluiu que a poluição química passou dos limites. A produção aumentou 50 vezes nos últimos 50 anos e deve aumentar na mesma quantidade até 2050.

Tive notícia desse estudo no blog Mar sem Fim, de João Lara Mesquita. Mas ele foi publicado também na revista Environmental Science & Technology.

O que significa passar dos limites? O espaço operacional foi ultrapassado, superando a capacidade global de avaliação e monitoramento dos resíduos químicos.

Essa é uma história longa. O jornal inglês The Guardian falou sobre o perigo que os pesticidas produzem ao atingir insetos não alvos e desequilibrar o ambiente. Lá atrás, houve um livro seminal chamado “A primavera silenciosa”. Sua autora, Rachel Carson, abordou o tema do excesso de defensivos, no caso o DDT, por um ângulo extraordinário: a desaparição dos pássaros.

O próprio governo americano, em 1959, encontrou níveis perigosos do herbicida aminotriazole nos mirtilos. Surgiu até uma canção, “Cranberry Blues”, que dizia: “Se quer ter certeza de que não vai ficar doente, não toque num oxicoco nem com uma vara de três metros”.

Os tempos são outros: piores agora. Aqui no Brasil, em Alter do Chão, no Pará, as águas azuis do lugar foram transformadas por uma espessa camada marrom. Era resultado do desmatamento, mas também do garimpo que usa mercúrio em grande quantidade.

O mercúrio é um produto que faz mal à saúde indiscutivelmente. Mas há outros muito mais difíceis de serem detectados.

Trabalhei em dois casos, nos quais senti essa dificuldade. Um deles foi na zona rural de Petrópolis. Dezesseis recém-nascidos morreram num curto espaço de tempo. Investiguei o lugar e constatei que havia uma plantação de tomates e muitas caixas vazias de agrotóxico. Os tomates estavam numa elevação, e provavelmente a chuva levou agrotóxico para o riacho onde as famílias lavavam as mamadeiras.

Outra experiência foi em Venâncio Aires, no Rio Grande do Sul. Havia muita depressão e suicídio entre os plantadores de fumo. Eles trabalhavam com produtos químicos organofosforados. Houve um relatório de um grupo interdisciplinar denunciando o fato, e passei uns dias na região.

Tanto em Petrópolis quanto em Venâncio Aires, sem a pesquisa mais profunda, inclusive com análise dos corpos, foi difícil avançar com as suspeitas.

Os efeitos de produtos químicos são cumulativos. Não acontecem no imediato. Pesquisas com golfinhos, por exemplo, já mostram que, apesar de habitarem o mar alto, já estão contaminados.

Importante conversar sobre isso no Brasil. O governo Bolsonaro bate recordes na aprovação de agrotóxicos. Em 2019, aprovou 474; em 2020, 493; no final de 2021, já eram 1.558. O país tornou-se um líder global no setor, com um total 3.618 agrotóxicos, alguns proibidos na Europa.

A pesquisa sueca tem muito a ver com nossa realidade, pois aqui se usam entre 12 e 16 quilos de agrotóxicos por hectare, segundo o atlas organizado pela professora Larissa Bombardi: “Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil”.

O resultado disso é que, em grande parte de comunidades pesquisadas, encontram-se 27 tipos de toxinas na água. Se há um território exemplar de onde a poluição química saiu do controle, este país é o Brasil.

Dentro dos limites, será importante recuperar o controle. Nada contra o agronegócio. Em primeiro lugar, trata-se de um tema essencial para a saúde das pessoas, embora no momento nosso foco seja a pandemia e seus efeitos.

Mas um trabalho de revisão da política ultraliberal de Bolsonaro interessa estrategicamente ao agronegócio. Para ocupar de forma permanente um lugar de destaque no planeta, terá de se adequar às preocupações dos próprios consumidores.

No momento, o foco é o aquecimento global, mas a poluição química corre por fora.

Artigo publicado no jornal O Globo em 31/01/2022

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FIQUE ATENTO

Estado de Minas, via Correio Braziliense

Eleições: saiba o que impede o voto e como quitar as pendências eleitorais

Cidadãos com pendências junto à Justiça Eleitoral têm até o dia 4 de maio para regularizá-las. Se as inconsistências forem mantidas, não será possível exercer o direito ao voto no pleito deste ano, previsto para outubro. Pessoas sem o título de eleitor também devem providenciar o documento até o quarto dia de maio.

Por causa da pandemia de covid-19, o recadastramento biométrico foi suspenso sem data para retorno. Apesar disso, 259 cidades mineiras concluíram o processo antes da epidemia de coronavírus. Moradores desses locais que não compareceram a um posto da Justiça Eleitoral para a inclusão da impressão digital não conseguirão votar.

Pessoas que se ausentaram em três turnos eleitorais consecutivos sem apresentar justificativa também precisam procurar a Justiça para serem considerados aptos ao voto. É possível agendar horário no site do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) ou buscar ajuda presencial em um cartório eleitoral.

Cidadãos com sentenças penais com trânsito em julgado – sem a possibilidade de recurso, portanto – têm os direitos políticos suspensos. Por isso, não poderão votar. A regra não vale para presos provisórios e adolescentes internados em casas de recuperação. Caso desejem ir às urnas, integrantes os dois grupos também podem quitar pendências com a Justiça Eleitoral até 4 de maio.

O voto é obrigatório para os brasileiros maiores de 18 anos. Adolescentes de 16 e 17 anos, bem como analfabetos e maiores de 70 anos, têm a opção de não participar da “festa da democracia”.

Em dois de outubro, data do primeiro turno, o eleitor deverá ir à seção eleitoral com um documento oficial com foto (carteira de identidade, passaporte, carteira de categoria profissional reconhecida por lei, certificado de reservista, carteira de trabalho ou carteira nacional de habilitação).

O título de eleitor não é obrigatório, mas a orientação da Justiça Eleitoral é levar o documento físico – ou na versão digital, via aplicativo e-Título – para facilitar a identificação do local correto de voto.

O segundo turno, caso necessário, está agendado para o dia 30 de outubro.

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MOVIMENTOS PRÓ-IMPEACHMENT DE DILMA AGORA SE DIVIDEM ENTRE BOLSONARO E MORO

Gustavo Côrtes, Especial para O Estadão, O Estado de S.Paulo

A empresária Rosangela Lyra surpreendeu amigos ao revelar, em conversas privadas, que pretende votar no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva logo no primeiro turno das eleições deste ano. Fundadora do Política Viva, entidade que criou em 2013 após encerrar um período de 28 anos no posto de diretora da Dior na América Latina, Rosangela se notabilizou por fazer oposição ao PT em movimentos da sociedade civil. “O objetivo é tirar Bolsonaro do segundo turno e evitar mais um mandato desse governo, a maior ameaça à nossa liberdade desde a ditadura”, disse a empresário.

Seu posicionamento atual, porém, destoa do de líderes que, assim como ela, foram às ruas pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), destituída do cargo pelo Congresso em 2016. A maior parte dos grupos que naquele momento se uniram em favor da bandeira antipetista hoje orbita em torno do projeto presidencial do ex-juiz Sérgio Moro (Podemos) ou trabalha pela reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL). 

O racha dos líderes pró-impeachment de Dilma ganhou novo capítulo na semana passada, quando o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua embarcaram oficialmente na pré-candidatura de Moro, que foi ministro da Justiça e Segurança Pública no governo Bolsonaro. Os dois grupos deram guarida ao atual governo em nome do discurso anticorrupção e da agenda liberal abraçados pelo atual chefe do Executivo na campanha que pavimentou seu caminho rumo ao Palácio do Planalto. Posteriormente, no entanto, saltaram do barco e chegaram a subscrever pedidos de impeachment de Bolsonaro, após perceberem que as promessas não seriam levadas adiante.

Outros grupos, como o Acorda Brasil, o Revoltados Online e o Nas Ruas, do qual fazem parte as deputadas aliadas ao Planalto Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF), mantêm-se, até hoje, na base orgânica do bolsonarismo.

‘Decepção’

“A legislatura de 2018 promoveu uma renovação histórica, mas de baixíssima qualidade. Para nós, foi muito decepcionante”, disse a porta-voz do Vem Pra Rua, Luciana Alberto. Neste ano, o grupo decidiu investir em lideranças próprias nas eleições.

Segundo Luciana, não houve apoio a Bolsonaro já no segundo turno de 2018. Contudo, ela considera como “desembarque” o momento a partir do qual o Vem Pra Rua passou a fazer oposição ao governo. Procurado pelo Estadão, o coordenador da entidade à época do processo de impeachment, Rogério Chequer, não quis se manifestar. Ele se afastou de suas funções no grupo em 2019, depois de disputar o governo de São Paulo pelo Novo. Hoje sem partido, descarta a possibilidade de concorrer a algum cargo em 2022. “Tenho me dedicado exclusivamente aos meus negócios”, declarou Chequer à reportagem.

Chequer manifestou publicamente apoio a Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018, mas, segundo Luciana, o afastamento dele não se deve a divergências internas. “Ele não participou da decisão de ir para a oposição ou protocolar pedido de impeachment.”

Essa mudança de postura, reconheceu Luciana, provocou desgastes internos no movimento. “Toda movimentação de muita responsabilidade, como fazer oposição a um governo ou protocolar um pedido de impeachment, acaba gerando discordâncias. Apesar de entenderem a gravidade dos fatos, alguns acharam que um impeachment seria um desgaste muito grande para o País. Houve rachas, dissidências, o que é natural em um movimento social”, disse a porta-voz.

Na semana passada, integrantes do movimento se reuniram com o presidenciável do Podemos, que assinou um termo de compromisso com algumas pautas. O documento cita o fim da reeleição, reformas econômicas, responsabilidade fiscal, combate à corrupção e ao crime organizado e prestação de contas e transparência dos gastos públicos. 

Vácuo

Para o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos principais líderes do MBL, o grupo se equivocou ao não imprimir esforços para ocupar o espaço aberto pela insatisfação popular com as gestões petistas após a saída de Dilma. “A gente deveria ter construído uma alternativa de poder e pensar na derrubada do governo Dilma como uma substituição. A gente focou muito em derrubá-la e chegamos a 2018 sem uma alternativa liberal. Esse foi o nosso erro.”

Às vésperas do anúncio de sua filiação ao Podemos, Kataguiri fez publicações nas redes sociais nas quais pontuou divergências ideológicas com Moro, que, segundo ele, não é a favor de um “estado mínimo, com participação do governo somente em áreas essenciais”, nem defende reformas liberais tão arrojadas quanto o grupo gostaria. “Ele não é um liberal de formação como nós. Se formos discutir a privatização da Petrobras, do Banco do Brasil ou da Caixa, o Moro tende a ser contrário e nós, favoráveis”, observou o parlamentar. 

Kataguiri condicionou a entrada no partido à adesão a uma carta-compromisso. De acordo com jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), parlamentares que a assinam têm autonomia legislativa e não podem sofrer punições por votarem contra as orientações das legendas às quais pertencem.

O deputado também admitiu que o MBL perdeu apoio ao adotar postura mais crítica a Bolsonaro. “Em 2019, nos Estados, a gente teve algumas dissidências de coordenadores, mas, nacionalmente, isso não ocorreu. Aqueles que fundaram o MBL continuaram. Eu diria que 30% da militância nos abandonou quando passamos para a oposição ao governo”, afirmou Kataguiri. 

Lava Jato

Hoje à frente da Associação Comercial dos Jardins e do Itaim, bairros nobres da capital paulista, Rosangela Lyra foi militante aguerrida da Operação Lava Jato, responsável pela prisão de Lula. O Ministério Público Federal (MPF) a premiou por sua participação na coleta de assinaturas em apoio às “10 Medidas Contra a Corrupção”, um pacote de leis encampado por procuradores da força-tarefa da operação para alterar o sistema penal do País. “Direta e indiretamente, eu fui responsável por mais da metade das assinaturas”, disse a empresária.

Ela também integrou o Acorda Brasil ao lado do empresário Otávio Fakhoury, apontado pela CPI da Covid como suspeito de compartilhar informações falsas sobre a pandemia. Rosangela afirmou que deixou o grupo por causa dos acenos à extrema-direita.

A empresária também atuou com Carla Zambelli e Bia Kicis na época em que organizou manifestações de rua. As parlamentares comandavam o Nas Ruas, hoje encabeçado pelo empresário bolsonarista Tomé Abduch.

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JULGAMENTOS CRUCIAIS

Mariana Muniz, O GLOBO

STF abre o ano com julgamentos cruciais para a eleição e com impasse sobre Bolsonaro

BRASÍLIA – O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma as atividades e sessões de julgamentos nesta terça-feira em meio aos preparativos para o ano eleitoral e envolto em embates com o presidente Jair Bolsonaro (PL), que na última sexta-feira descumpriu ordem judicial dada pelo ministro Alexandre de Moraes ao se recusar a prestar depoimento à Polícia Federal. Na pauta estão assuntos cruciais para o meio político, como federações partidárias e fundo eleitoral, além de assuntos polêmicos , como rachadinhas e operações policiais em favelas do Rio durante a pandemia.

Na sessão que marca a abertura do ano Judiciário, o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, deverá fazer um discurso pedindo prudência no ano eleitoral — um reflexo da expectativa de acirramento de ânimos com a proximidade da campanha. A solenidade será feita por videoconferência em razão das novas medidas de restrição adotadas pelo STF diante do aumento de casos de Covid-19, e deve contar com a presença de Bolsonaro e dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Na última sexta-feira, a Advocacia Geral da União (AGU) pediu para o plenário do STF examinar o despacho do ministro Moraes que determinava o interrogatório de Bolsonaro no inquérito que apura o vazamento de documentos sigilosos de investigação sobre um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Moraes rejeitou o pedido e manteve a obrigação do depoimento

Além do impasse jurídico com Bolsonaro, que aumenta as tensões entre o STF e o presidente, o tribunal estará no centro das atenções do mundo político ao julgar questões essenciais para a disputa eleitoral deste ano.

Na próxima quinta-feira, por exemplo, está marcado o julgamento da ação proposta pelo PTB que questiona a constitucionalidade das federações partidárias. O GLOBO apurou que os ministros devem manter, na linha do que foi definido pelo ministro Luís Roberto Barroso em uma liminar de dezembro, a validade da união das legendas que, pelo mecanismo, precisam permanecer juntas por pelo menos quatro anos. O instrumento é vital principalmente para os partidos menores, que correm o risco de não ultrapassar a cláusula de barreira e, assim ficar sem acesso a recursos públicos e a tempo de propaganda na TV.

O PT, que negocia uma federação com o PSB, pediu a Barroso mais prazo para a formação das federações. Ele determinou que esse tipo de união deve ser constituída até seis meses antes das eleições, ou seja, abril. Pela lei aprovada no Congresso, o prazo era até dois meses antes do pleito. Além de PT e PSB, estão empacadas as conversas entre PSDB e Cidadania, assim como os diálogos de PDT, Avante e Rede, e PCdoB, PV, PSOL.

Embora ainda não tenha data para ser julgado, outro assunto-chave que deve ser analisado ainda no início deste ano é a ação que questiona o fundo eleitoral de R$ 4,9 bilhões para bancar as campanhas em 2022. Interlocutores da Corte afirmam que o ministro André Mendonça quer tratar o caso com rapidez e pretende liberar o processo para a pauta ainda em fevereiro. O fundão está sendo questionado em ação movida pelo partido Novo.

Outros temas sensíveis

Para além dos julgamentos que vão impactar as eleições, o início do semestre terá julgamentos sensíveis, como o que vai definir, pela primeira vez, um entendimento da Corte sobre a prática de rachadinha. A ação penal é contra o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), acusado pela Procuradoria-Geral da República de peculato pelo suposto recolhimento do salário de assessores. O julgamento pode ter impacto em outros casos, como a investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Nessa lista também está a chamada “ADPF das Favelas”, referente às restrições impostas à realização de operações policiais em comunidades do Rio durante a pandemia de covid-19. A ação é a primeira a ser julgada pelo plenário do STF neste ano, e já contou com os votos do ministro Edson Fachin, relator, e Alexandre de Moraes.

Entre os temas caros ao governo Bolsonaro está a análise de duas liminares de Barroso, exigindo comprovante de vacina para quem vem do exterior e suspendendo a proibição a empresas de cobrarem o documento de seus funcionários. Elas estão pautadas para o próximo dia 9.

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BALELA MILITAR

Igor Gielow, Folha de S.Paulo

Militares vão prestar continência a Lula ou a qualquer outro, diz comandante da FAB

BRASÍLIA Questionado se irá prestar continência caso o hoje favorito nas pesquisas eleitorais, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ou outro candidato tome o lugar de Jair Bolsonaro (PL) em 2023, Carlos de Almeida Baptista Junior é direto.

"Lógico. Nós prestaremos continência a qualquer comandante supremo das Forças Armadas, sempre", disse.

Se a resposta parece óbvia, os três anos de governo do capitão reformado do Exército em que os militares voltaram aos holofotes da política a fazem necessária neste 2022.

Não foram poucos, nesse período, que viram com temor a proximidade das Forças Armadas das ideias autoritárias e golpistas do presidente.

E Baptista não é um militar qualquer. É, desde a crise que derrubou a cúpula da Defesa em abril, o comandante da FAB (Força Aérea Brasileira).

Mais que isso, o tenente-brigadeiro-do-ar sempre é citado nos meios militares como o mais bolsonarista dos três chefes que ascenderam na ocasião. Ele dá de ombros.

"Não sei de onde saiu isso. Esse clichê me foi colocado uma hora depois da minha indicação", disse à Folha em entrevista no seu gabinete, na quinta-feira passada (27).

Depois ele sugere a origem: sua atuação nas redes sociais, onde interage com postagens da órbita bolsonarista. "Como comandante da FAB, sempre ratifiquei a posição apartidária da Força. Uma coisa é falar de política, outra é de política partidária", diz.

Em julho passado, Baptista Junior gerou polêmica ao reforçar a crítica feita por Walter Braga Netto (Defesa) à CPI da Covid. Citando militares investigados no Ministério da Saúde, o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), falou em "lado podre" das Forças.

O brigadeiro, que havia coassinado a nota de Braga Netto com os outros dois comandantes, concedeu entrevista ao jornal O Globo dizendo que "homem armado não faz ameaça". O comandante diz que estava certo.

Sua fala sobre a eleição vem na sequência de um movimento em que Exército e Marinha sinalizaram descolamento de Bolsonaro, como a Folha mostrou recentemente. É uma sinalização institucional a Lula, presidenciável ao qual os militares são mais refratários, e a outros candidatos.

Questionado sobre o fato de que a FAB permite que militares não vacinados contra Covid-19 trabalhem, desde que assinem termos, ele diz os protocolos de saúde são rígidos. Até aqui, 96% dos 66 mil militares da Força haviam tomado ao menos uma dose, e 76%, as duas.

O comandante também falou sobre a carta na qual anunciou o corte de parte da encomenda da aviões de transporte KC-390 da Embraer, primeira rusga pública da Força com a empresa que foi dela de 1969 a 1994. "A partir de hoje, eu sou o cliente", afirma.*

Na troca dos comandos, o sr. foi apontado como o mais bolsonarista dos novos chefes. Depois, houve o episódio da CPI da Covid. Como o sr. vê essa avaliação? Acho que isso veio da indicação [do presidente]. Não demorou uma hora, e um site de política me chamou de o mais bolsonarista dos novos comandantes. Não sei de onde saiu isso. Como comandante da FAB, sempre ratifiquei a posição apartidária da Força. Uma coisa é falar de política, outra é de política partidária.

Esse carimbo, esse clichê, me foi colocado uma hora depois da minha indicação. Possivelmente porque eu era o único que utilizava, e ainda utilizo, as mídias sociais, com todos os riscos disso, porque acho que é ferramenta importante. O comandante da FAB é uma figura parcialmente política, e não estou falando de política partidária, estou falando da melhor definição de política, de interlocução com autoridades do governo, em prol da missão da Força Aérea.

Foi um episódio traumático? Foi uma troca de comandantes, que são cargos de livre provimento do presidente, e não vou entrar nessa avaliação, pois não cabe a mim avaliar os atos do presidente. Mas logo depois o voo de cruzeiro voltou à Força Aérea. Eu tenho 46 anos de FAB. Ela está dentro de seu papel constitucional. Ou seja, não há tendências político-partidárias na FAB, aliás, como as Forças fazem desde 1985. Foi sim uma troca inesperada, mas o voo de cruzeiro está voltando, estamos focando os projetos estratégicos.

E a questão da nota contra a CPI? Cada um de nós que entra nas Forças Armadas faz um juramento, que é a defesa da pátria, e no finalzinho diz "cuja a honra, integridade e instituições defenderei com o sacrifício da própria vida". Aquela nota ocorreu porque a CPI é uma ferramenta da democracia, mas as instituições são o que garante a democracia. A instituição militar, judiciária, a imprensa. Cada um de nós tem uma responsabilidade muito grande.

Aquela nota foi apenas para que a gente firmasse a posição de que um, nós não somos lenientes com erro. Se houver algum militar errando, existe o Poder Judiciário, mecanismos de controle. Mas isso não pode transbordar para o todo. Quando alguém quer atacar a mídia, é muito ruim, se ele quer atacar um repórter que não tem a responsabilidade que deveria ter. Isso serve para militar. Acho que foi bem recebido, tanto que no relatório final da comissão não foi citada a instituição, mas os indivíduos.

Eu concedi a entrevista [ao jornal O Globo] no dia seguinte porque achei que ficou faltando a gente ratificar a nossa não leniência com desvios. Logicamente, repercutiram outras palavras.

A questão do homem armado não fazer ameaça. Isso serve para qualquer pessoa com arma. É nosso mote, que a arma não serve para ameaçar ninguém. Cumpriu o objetivo.

O ano passado foi todo de crispação política extrema, até o 7 de Setembro [quando Bolsonaro protagonizou atos golpistas]. Desde então, a situação refluiu um pouco, com a entrada do centrão no governo. O sr. acha que essa situação agora reduziu a exposição dos militares? Os militares estão expostos como no governo de Fernando Henrique Cardoso [PSDB, 1995-2002] estavam expostos os acadêmicos e no governo de Luiz Inácio Lula da Silva [PT, 2003-10], os sindicalistas. O presidente trouxe para o governo dele pessoas de sua confiança.

Essa exposição maior dos militares sob Bolsonaro leva também a uma incompreensão mútua, com a imprensa por exemplo. Mas a relação veio para ficar, não? O poder civil tem pouco interesse historicamente no militar? Eu acho que depende de atividades como essa conversa. O poder civil é muito pouco focado na atividade militar, e talvez dê muito pouca importância à instituição militar. Acho que isso tem a ver com longo período de paz do Brasil, graças a Deus, estamos aqui para evitar a guerra. Isso é dissuasão.

Isso é bom, mas não é bom quando não conseguimos discutir prioridades orçamentárias. Quando não conseguimos colocar a imagem de que somos um seguro de um país riquíssimo. Só se sai desse status atual com muito diálogo.

Sobre a participação das Forças no governo, a FAB, até por ser menor, tem uma participação menor. Isso é normal. Qualquer governo precisa buscar os melhores na sociedade para fazer a gestão, sejam eles civis ou militares, e aí falo de militares da reserva.

O sr. concorda que devam ser da reserva? A lei autoriza o uso de militares da ativa por até dois anos. Esse é um debate muito interessante, como a elegibilidade de militares, juízes, procuradores. Não devemos partir a casuísmos.

omo o sr. vê a tensão eleitoral em 2022 e a eventual mudança total de orientação do próximo governo? Eu receio que nossa sociedade esteja muito dividida, muito polarizada e radical. Isso é ruim para o futuro, estamos chegando a um nível de incapacidade de compreender uma visão diferente, e isso se reflete na disputa política. A FAB, e as Forças, tenho certeza, se manterão dentro de sua destinação constitucional. Não tomarão partido, a política não entrará nos nossos quartéis. Não há qualquer indução por parte do comando da FAB. Como cidadão, vejo com preocupação como estamos radicalizados, isso não é bom.

Objetivamente, vocês vão prestar continência se Lula ou qualquer outro for presidente? Lógico. Nós somos poder do Estado brasileiro. A continência é um símbolo. Quando a gente entra nas Forças Armadas, a gente aprende que ela visa a autoridade. Nós prestaremos continência a qualquer comandante supremo das Forças Armadas, sempre.

Quando o sr. encontrou com o Gilmar Mendes para dizer isso [depois da crise da nota da CPI], algumas pessoas perguntaram: "Mas ele não é bolsonarista?". Não, eu sou comandante da Força Aérea, represento uma instituição.

O sr. acredita que há um dano às Forças pela associação com o governo Bolsonaro? As Forças sempre foram as instituições mais respeitadas. Não acho que haja dano como instituição, embora pense que haja uma utilização disso da parte contrária. Os exemplos que damos são as melhores ferramentas que temos, mesmo que a curto prazo isso não seja entendido. A sociedade sabe que pode continuar contando com suas Forças Armadas como instituições de Estado, apartidárias.

O sr. tem alguma percepção de politização na tropa? Não, eu mantenho a tropa informada e damos o exemplo. Logicamente, sei que num ano eleitoral essa preocupação tem de ser enfatizada, pois somos feitos de cidadãos.

O Exército mandou adiantar os exercícios militares até setembro para ter tropas à disposição em caso de confusão na eleição e depois. Haverá algo assim na FAB, isso se aplica? Não, qualquer participação nossa é mais de apoio logístico, o que já fazemos 24 horas por dia. Aqui falamos da questão dos meios.

Nós começamos a pandemia em 24 de fevereiro, a nossa primeira missão foi em 6 de março, fomos buscar os brasileiros em Wuhan. Chegar lá com os países todos fechados foi um trabalho importante. Desde 2013, o Brasil carece de um avião para essa missão. Hoje [quinta, 27] foi lançado o edital para a compra de dois aviões A330 para essa função.

Não há uma sinalização contraditória para a indústria nacional, já que foram reduzidas as compras do cargueiro KC-390 da Embraer? A FAB é feita de um arranjo muito bem pensado de meios, doutrina, infraestrutura, pessoal treinado. Quando vamos aos meios, existe um planejamento baseado em capacidades. O Brasil precisa de 28 KC-390 [encomenda inicial a ser reduzida]? Talvez até mais.

Mas temos de olhar nossa defesa como círculos concêntricos, no centro tem de ter 36 caças Gripen armados, não avião para o [desfile do] 7 de Setembro, depois helicópteros, transporte. O que estamos fazendo é que não dá para ter isso no contrato com nossa realidade orçamentária. Imagina comprar um carro 2021 para receber em 2040.

Mas sua carta aberta à Embraer foi algo inédito, os termos foram duros. Foram. Nesses 50 anos, fizemos opções. Não temos a opção de fazer a Embraer em vez de fazer a Força Aérea. Temos de fazer a Força Aérea, trazendo o spin-off de toda a indústria. Muitas vezes, a opção priorizou a Embraer, para desenvolvimento da indústria. Mas minha função aqui é fazer a Força Aérea. Isso não é algo de governo, viu?, é um processo.

O ministro Raul Jungmann [Defesa, 2017-18] falou isso quando assumiu: precisamos caminhar do possível para o necessário. O que é possível com o limite orçamentário que é dado. Se isso me deixa fazer um desembolso de prioridades e pagar R$ 1 bilhão por ano em KC-390, só posso pagar um avião e meio por ano. Comprar 28, só vamos receber daqui a 14 anos, não faz sentido para nós ou para a Embraer. Há processos de obsolescência a analisar.

Estamos próximos de finalizar a renegociação. Converso toda a semana com o CEO da Embraer. A Embraer e a FAB são indissociáveis. A lei autoriza a gente reduzir ou ampliar em 25% qualquer objeto contratual unilateralmente sem causar danos, prejuízo, ao contratado.

O sr. acha que houve uma inversão de papéis na relação da FAB com a Embraer depois da privatização de 1994? Este é o primeiro parágrafo da minha mensagem. A partir de hoje, eu sou o cliente.

CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR, 61

Filho do comandante da FAB de 1999 a 2003, o brigadeiro é piloto especializado em aviação de caça, somando 2.200 das suas 4.000 horas de voo nesses modelos. Entrou na Força em 1975 e chegou ao topo da hierarquia em 2018. Assumiu o comando quando era responsável pela logística da corporação, após a crise militar que derrubou a cúpula da Defesa em abril de 2021.

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SOB NOVAS REGRAS, IMPORTAÇÃO DE ARMAS DE FOGO BATEM RECORDE NO BRASIL

Leandro Prazeres, BBC News Brasil

É o maior valor da série histórica produzida pela Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia (Siscomex), que começa em 1997.

Os dados levantados pela BBC News Brasil mostram que o aumento não foi apenas no valor importado, mas na quantidade de armas que entraram no Brasil.

No ano passado, houve um crescimento de 12% no total de revólveres e pistolas importadas (sem contar outros tipos de armas de fogo), chegando a 119.147 contra 105.912 em 2020.

Entre fuzis, carabinas, metralhadoras e submetralhadoras houve um aumento de 574%. Em 2020, foram importadas 1.211 armas desse tipo. Em 2021, o número chegou a 8.160. Foi o segundo aumento expressivo consecutivo na importação desse tipo de armamento. Entre 2019 e 2020, houve um crescimento de 226% na entrada dessas armas no país, saindo de 371 em 2019 para 1.211 em 2020. Entre 2018 e 2019, o aumento havia sido de apenas 13%.

Especialistas em segurança pública ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o aumento na importação de armas pelo Brasil é resultado das mudanças feitas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro que tornaram mais fácil comprar armas no Brasil e dizem que esse crescimento pode ter efeitos negativos para a segurança pública.

O Exército, responsável pelo controle das importações de armas no país, informou, por meio de sua assessoria de imprensa, não ter estudos sobre as causas desse aumento e que o órgão vem executando o rastreio e controle de armas e munições de acordo com a legislação. Procurados, o Ministério da Justiça e a Presidência da República não se pronunciaram.

A fonte do levantamento feito pela BBC News Brasil é o sistema de estatística alimentado pelo Ministério da Economia e que está disponível na internet. Ele coleta informações de importadores e exportadores sobre os produtos que entram e saem do Brasil. Os dados não distinguem se as armas foram importadas por órgãos públicos, pessoas físicas ou empresas.

O levantamento reúne dados dos quatro grupos de armas entre as mais comuns e que podem ser adquiridas tanto por forças de segurança como polícias e Exército, quanto por empresas e civis e militares devidamente autorizados.

A única exceção é com relação ao grupo que agrega fuzis, carabinas, metralhadoras e submetralhadoras. As duas primeiras podem ser vendidas para pessoas físicas, enquanto as duas últimas são exclusivas para forças de segurança.

Isso ocorre porque a Siscomex agregou esses quatro tipos de armas em um único grupo e não detalha quantas armas de cada tipo foram importadas.

Revólveres, pistolas e fuzis em alta

​O aumento no volume de fuzis importados acontece após o presidente Jair Bolsonaro ter assinado, a partir de 2019, uma série de decretos que facilitaram a aquisição desse tipo de armamento.

Antes, cidadãos comuns que quisessem ter um fuzil precisariam ser cadastrados junto ao Exército como colecionadores, e só podiam acessar modelos com mais de 70 anos, ou seja, armas efetivamente antigas. Caçadores e atiradores registrados não poderiam ter acesso a esse tipo de armamento.

Com os decretos do presidente, porém, caçadores e atiradores também passaram a ter direito de adquirir fuzis.

Os decretos de Bolsonaro também aumentaram a quantidade que cada CAC (caçadores, atiradores esportivos e colecionadores) pode ter acesso.

Colecionadores, que só poderiam ter um fuzil de cada modelo, agora podem ter até cinco armas de cada modelo. Caçadores, que não poderiam ter fuzil, agora podem ter até 15 unidades. Atiradores, que antes também não poderiam ter fuzis, agora podem ter até 30 armas desse tipo.

Outra categoria de armas que também registrou crescimento foi a de espingardas e carabinas de tiro ao alvo, que teve alta de 35%, saindo de 4.125 armas importadas em 2020 para 5.572 em 2021.

Somando todos os grupos levantados pela BBC News Brasil, foram importadas 140.559 armas de fogo em 2021 contra 119.335 no ano anterior, um crescimento superior a 17%.

Os dados mostram que a Áustria foi o principal exportador de armas de fogo para o Brasil em 2021. A nação europeia exportou US$ 11,9 milhões em armas para o país. Ela é a sede da Glock, uma das maiores fabricantes de armas do mundo.

Em segundo lugar no ranking ficaram os Estados Unidos (US$ 8 milhões) e em terceiro vem a Itália (US$ 6,4 milhões).

Dados do Exército, que usa uma metodologia diferente, também apontam aumento no volume de pedidos de importação de armas de fogo entre 2020 e 2021.

Exército também aponta alta

O Exército é responsável por dar autorização à entrada de diversos tipos de armas, entre elas revólveres, pistolas e fuzis.

De acordo com o órgão, o Exército autorizou a entrada de 144.992 armas, um crescimento de 111% em relação ao ano anterior, quando o órgão autorizou a entrada de 68.521.

Segundo nota enviada pela assessoria de imprensa do Exército, a diferença entre os dados do órgão e da Siscomex se devem, entre outros motivos, pelo fato de que o Exército contabiliza as quantidades contidas nas licenças de importação que chegam ao órgão, independente de a Receita Federal ter liberado a entrada dos produtos ou não.

Os dados do Exército mostram ainda que a maior parte dos pedidos de importação (69,08%) foi feito por empresas. O restante foi feito por órgãos públicos (30,7%) e 0,2% por pessoas físicas.

Tendência de alta

O Brasil vem registrando um crescimento no volume de importação de armas desde 2015, mas os dados mostram que essa tendência se acentuou durante o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Em 2019, por exemplo, primeiro ano do seu governo, as importações de armas de fogo aumentaram 46%, bateram recorde e chegaram a US$ 23,8 milhões. Em 2020, o crescimento foi de 64% e um novo recorde: US$ 38,9 milhões.

O aumento aconteceu no mesmo período em que o governo federal alterou normas que facilitaram a compra de armas no país, uma promessa de campanha de Bolsonaro.

No Brasil, a posse e o porte de armas são regulados pelo Estatuto do Desarmamento, de 2003, e por uma série de portarias e instruções normativas.

Pessoas físicas que queiram adquirir uma arma de fogo precisam cumprir uma série de regras, como comprovar que não respondem a inquéritos e demonstrar aptidão psicológica.

A legislação ainda prevê a possibilidade para que integrantes de algumas categorias, como militares, possam comprar suas próprias armas de forma legal. Além disso, a lei prevê que caçadores, atiradores esportivos e colecionadores (CACs) também podem adquirir armamentos.

Desde 2019, o governo aumentou a quantidade de armas que CACs podem comprar, flexibilizou as regras para apresentação de antecedentes criminais e facilitou as exigências para apresentação de exames psicológicos para quem quiser comprar armas.

Em dezembro de 2020, o governo reduziu de 20% para zero a alíquota de importação para revólveres e pistolas, o que, em tese, tornaria esses produtos mais baratos no mercado nacional.

A medida, no entanto, foi suspensa por uma decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). O caso ainda precisa ser julgado pelo Pleno do tribunal.

Em fevereiro do ano passado, o presidente assinou uma nova série de decretos que aumentava de quatro para seis a quantidade de armas que um civil poderia comprar.

A nova norma também foi suspensa por uma decisão do STF, desta vez da ministra Rosa Weber.

Bolsonaro também assinou decretos que tiravam do Exército a obrigação para fiscalizar prensas para recarregar munições de diversos calibres e a que ampliava para até 1 mil o limite de munições de calibre de uso restrito por CAC.

As medidas também estão suspensas liminarmente pelo STF, que ainda deverá decidir sobre o assunto de forma definitiva.

Em diversas ocasiões, o presidente defendeu que a população se armasse. Em agosto do ano passado, por exemplo, Bolsonaro incentivou apoiadores a comprarem fuzis.

“Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado. Eu sei que custa caro. Tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”, afirmou o presidente.

‘Demanda reprimida‘

O empresário e conselheiro da Associação Brasileira de Importadores de Armas e Materiais Bélicos (Abiamb), Demetrius Oliveira, afirma que o aumento da importação de armas e munições no Brasil é resultado da conjunção entre “demanda reprimida” e medidas tomadas pelo governo nos últimos anos.

“Há uma demanda reprimida por variedade e qualidade de produtos nesse segmento. Esses produtos têm uma forte aceitação do público no Brasil […] Os decretos mais recentes deram mais clareza às pessoas que queriam adquirir suas armas e isso também pode ter contribuído”, afirmou.

Demetrius diz ainda acreditar que a posição política do governo Bolsonaro também contribuiu para o aumento das importações de armas no Brasil.

“Esse fenômeno se acentuou (importação de armas) talvez porque a gente tenha um governo de direita que olha pro cidadão dentro do seu direito constitucional à liberdade e fizeram com que tivéssemos uma mudança desse paradigma”, afirmou.

Especialistas alertam para riscos à segurança pública

Para o gerente do Instituto Sou da Paz e autor de um livro sobre o mercado de armas no Brasil, Bruno Langeani, a quebra do monopólio das empresas nacionais e facilitação das regras para Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) impulsionaram o aumento da entrada de armas estrangeiras no Brasil.

“Antes, havia uma norma que impedia a importação de armas a menos que não houvesse similar no mercado nacional. Essa mudança foi pensada antes, mas entrou em vigor no atual governo. Depois disso, houve uma série de facilitações para que os CACs pudessem comprar armas e munições. Tudo isso fez as importações aumentarem”, afirma.

Na avaliação de Langeani, a facilidade para a importação tende a aumentar a quantidade de armas que podem chegar ao crime organizado.

“Antigamente, no mercado ilegal, fuzis custavam entre R$ 40 mil e R$ 50 mil. Agora, com as novas regras, esse preço pode chegar a R$ 20 mil. Quando você aumenta a quantidade de armas pesadas que civis podem comprar, você está aumentando a quantidade de armas que pode acabar abastecendo as quadrilhas e isso é ruim para a segurança pública”, explica.

Para Langeani, um exemplo disso aconteceu na terça-feira (25/01), quando a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) apreenderam 26 fuzis, 21 pistolas, três carabinas e munição para fuzil em uma casa na Zona Norte da capital fluminense. De acordo com as investigações, o material havia sido adquirido por um traficante de armas que tinha uma licença de CAC. De acordo com a polícia e o MPRJ, o traficante comprava as armas de forma legal e repassaria os produtos a facções do crime organizado.

“Essa apreensão é um exemplo do que a gente tem alertado. Essas mudanças criaram um acesso legal a um número alto de armas e munições de calibre restrito. Agora, traficantes de armas podem receber em casa esses produtos feitos no Brasil ou no exterior com um verniz de legalidade e depois repassar essas armas ao crime organizado”, afirmou.

Para o pesquisador em segurança pública da International Action Network on Small Arms (Rede de Ação Internacional Sobre Armas Pequenas), Ivan Marques, as mudanças na legislação e a propaganda pró-armamentista feitas pelo presidente Jair Bolsonaro impulsionaram a importação de armas no Brasil nos últimos anos.

“O que levou a esse crescimento foi essa combinação entre flexibilização das normas e a propaganda feita pelo presidente que, publicamente, defende que as pessoas se armem”, afirma.

Segundo ele, as consequências da entrada de cada vez mais armas no país são negativas.

“Há uma clara ligação entre os mercados legal e ilegal de armas. Armas que inicialmente são destinadas a um proprietário legítimo e que comprou dentro da lei acabam indo parar nas mãos de criminosos. Isso pode levar mais ou menos tempo, mas essa conexão é real”, explica.

Demetrius Oliveira, que defende a importação de armas, disse que esse argumento não considera a rigidez do sistema de registro e monitoramento de armas.

“O sistema brasileiro é muito rígido e não é tão fácil assim para as armas compradas legalmente serem usadas no crime. Na minha empresa, por exemplo, não tenho nenhum registro de arma que eu importei e que tenha ido parar nas mãos de criminosos. O crime organizado não é clientes de importadores legais. Eles trazem armamento ilegal da mesma forma que a droga entra no país”, diz.

Procurado, o Exército disse em nota que o órgão não tem estudos sobre o aumento das importações de armas. A nota diz ainda que o Sistema Nacional de Rastreamento de Produtos Controlados pelo Exército (Sisnar), que faz o controle e rastreio de armas de fogo e munições, “vem sendo executado de forma eficiente”.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e a Presidência da República foram procurados pela reportagem, mas não enviaram respostas.

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AGENDA QUENTE

Redação, O Estado de S.Paulo

Congresso Nacional e STF voltam das férias com agenda quente

O Congresso Nacional retoma os trabalhos legislativos nesta quarta-feira, 2, após o recesso iniciado antes do Natal. No retorno das atividades, 32 medidas provisórias aguardam análise dos parlamentares na Câmara e no Senado. Os temas são diversos e incluem ações de enfrentamento às enchentes de fim de ano, propostas para saúde e educação e validação do salário mínimo. Também volta a operar nesta semana o Judiciário, que tem na pauta do Supremo Tribunal Federal uma ação do PDT sobre a Lei da Ficha Limpa, entre outras.

Outro tema relevante que terá impacto no pleito de outubro é a definição das federações, que prevê a união de partidos por um período mínimo de quatro anos e impõe a aliança em todas as disputas nesse período. O Supremo julgará ação do PTB contestando a liberação de federações, e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deverá decidir se prorroga o prazo para as composições partidárias, que termina no início de março. Partidos de esquerda solicitaram o adiamento até agosto. Além de PT, PSB, PV e PC do B, que propuseram a prorrogação PSDB e Cidadania têm negociações avançadas para formar sua própria federação, como mostrou o Estadão.  

Do total de Medidas Provisórias aguardando análise no Congresso, 16 foram publicadas durante o recesso. Outras serão votadas porque estão em regime de urgência, uma delas trancando a pauta de votações no Senado, ou por estarem próximas do prazo em que perdem a vigência.

Confira as principais votações do Congresso e do Judiciário na volta do recesso:

Congresso

Enfrentamento às enchentes

Os parlamentares vão analisar duas medidas provisórias editadas em janeiro e que abriram crédito extraordinário para corrigir os danos causados pelas chuvas que atingiram diversas regiões do País. Segundo informações do Congresso, parte da verba também será destinada para apoio aos Estados da Região Sul, afetados com forte estiagem.

Salário mínimo

Também nesta semana os congressistas vão analisar a MP 1091/21, que fixou o valor do salário mínimo de 2022 em R$ 1.212 mensais. Assinada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em dezembro do ano passado, a medida precisa ser validada pelo Congresso para continuar valendo após o fim de sua vigência, que expira em abril. 

Vacinas

Também está na pauta a MP 1081/21, que autoriza o Poder Executivo  a doar imunizantes contra a covid para outros países, por intermédio do Ministério da Saúde, em caráter de cooperação humanitária internacional. A medida prevê que as doações sejam efetivadas por termo firmado entre os governos federais dos dois países. As despesas decorrentes do transporte das vacinas serão bancadas pelo destinatário da doação ou por dotações orçamentárias do Poder Executivo federal.

Prouni

O Congresso analisa esta semana a MP 1075/21, que permite o acesso de estudantes de escolas particulares ao Programa Universidade para Todos (Prouni). Se aprovada pelos parlamentares, o programa deixará de ser exclusivo para alunos de escolas públicas ou de escolas privadas com bolsa integral e passará a incluir quem estuda em escola particular sem bolsa.

Judiciário

Na volta dos trabalhos, o Supremo Tribunal Federal (STF) se debruça novamente sobre uma ação movida pelo PDT que questiona o prazo pelo qual um candidato é considerado inelegível pela Lei da Ficha Limpa. O julgamento foi suspenso em setembro do ano passado após pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Até então, só o relator, o ministro Nunes Marques, havia depositado seu voto. 

Ficha Limpa

A Corte também vai prosseguir com a análise da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) das Favelas, que trata de correções nas políticas de segurança pública do Rio de Janeiro e prevê a criação de um plano de redução da letalidade policial no Estado. A análise da arguição é esperada com expectativa por movimentos sociais em prol da população que vive nas favelas, que defendem mudanças nas táticas de operações policiais nessas localidades.

Federações

Esta semana, o tribunal deve julgar uma ação movida pelo PTB que questiona a legalidade das federações. A relatoria do caso é do ministro Luís Roberto Barroso. Foi ele quem determinou, no ano passado, em decisão provisória, que a lei que permite a união entre os partidos é válida. O PTB argumenta que o dispositivo burla a vedação às coligações nas eleições proporcionais.

Já o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai analisar petição do PT e PSB solicitando a prorrogação do prazo para a formalização das federações partidárias. As siglas querem adiar a data limite de início de março para início de agosto. A federação é a aposta de partidos menores para sobreviver à cláusula de desempenho; as legendas precisam superar um número mínimo de votos e representantes eleitos para ter acesso ao fundo partidário.

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TRIUNFO SOCIALISTA

Editorial Folha de S.Paulo

As eleições legislativas de Portugal, realizadas de forma antecipada no domingo (30), deram ao Partido Socialista uma vitória tão contundente como inesperada.

No poder desde 2015, mas sempre com uma bancada minoritária, a agremiação do primeiro-ministro António Costa obteve ao menos 117 dos 230 assentos do Parlamento, conquistando, assim, uma maioria absoluta só alcançada antes uma única vez, em 2005.

A vitória socialista constitui também um triunfo pessoal de Costa, que deve se tornar o premiê português mais longevo desde a Revolução dos Cravos, em 1974.

Embora as pesquisas viessem apontando um empate entre o PS e o direitista Partido Social-Democrata (PSD) —e, em alguns casos, até uma vitória do PSD—, o que se viu foi uma vantagem de quase 800 mil votos dos socialistas sobre os social-democratas, ainda a segunda força política do país, mas agora reduzidos de 79 para 71 cadeiras.

O resultado deu a Costa, em tese, a estabilidade parlamentar almejada havia anos. De 2015 a 2019, o premiê governou sob um arranjo inédito de siglas de esquerda, que ganhou o epíteto de geringonça, dado seu caráter insólito.

Após o PS vencer o pleito de 2019, o acordo foi desfeito, e Costa passou a negociar projetos pontualmente. A estratégia, porém, ruiu no ano passado, quando o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista votaram contra a proposta de Orçamento, o que levou à dissolução do Legislativo e à nova eleição.

Os antigos integrantes da geringonça terminaram severamente punidos pelos eleitores, em especial o Bloco de Esquerda, cuja bancada passou de 19 para 5 deputados, pior resultado desde 2002.

Nessa dança das cadeiras, quem assumiu o posto de terceira força foi o Chega, agremiação de extrema direita que se apresenta como antissistema, vocifera contra a população cigana e defende pautas controvertidas, como a castração química para pedófilos.

As 12 cadeiras obtidas pelo Chega põem fim a uma excepcionalidade de Portugal, um dos poucos países europeus que ainda não haviam conhecido avanços significativos da direita mais radical.

Dentre as tarefas do próximo governo, destaca-se a gestão dos vultosos recursos fornecidos pela União Europeia para a retomada pós-pandemia. Costa desfrutará de uma posição mais cômoda no Legislativo, mas terá contra si uma oposição mais ruidosa e hostil.

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A CORDA ESTICADA E O CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE

José Eduardo Faria, O Estado de S. Paulo

A ampliação do protagonismo judicial na vida política brasileira, decorrente da mobilização da sociedade para exigir nos tribunais a concretização de direitos constitucionais e das ações interpostas contra decisões ilegais tomadas pelo Executivo, está provocando dois desdobramentos no funcionamento das instituições democráticas.

O primeiro desdobramento é um debate sobre a efetividade da tripartição dos Poderes – mais precisamente sobre o alcance do poder arbitral do Supremo Tribunal Federal. Em que medida ele estaria deixando de ser um órgão de controle da constitucionalidade das leis para exercer um papel transformador, assumindo funções do Executivo? Em vez de olhar para o passado, interpretando a Constituição numa perspectiva estrita, secundum legem, limitando-se a estabelecer as condições para o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos, a corte não estaria com sua antena excessivamente voltada ao futuro?

De fato, em vez de preservar a ordem constitucional, agindo com base em critérios lógico-formais, por vezes o STF preocupa-se mais com a eficiência dos resultados de suas decisões. O problema é que, se passar a interpretar a Constituição sistematicamente de modo extensivo, praeter legem, ele tenderá a perder sua neutralidade. Uma atuação ativista pode afrontar o princípio da divisão dos poderes, segundo o qual a relação de equilíbrio entre eles implica uma força capaz de controlá-los de modo politicamente isento. Esse princípio, que está na base no moderno Estado de Direito, diferencia a política, que é o campo dos antagonismos e paixões, e o direito, que é o locus da objetividade decorrente do rigor lógico-formal e da neutralidade ideológica.

Sem compreender as especificidades dessa discussão, um general do Palácio do Planalto fez, no final do ano, afirmações insensatas sobre ela. Criticou as decisões que têm sido tomadas por ministros do STF, acusando-os de tentar “esticar a corda até arrebentar”. E disse que, por ter de manter o presidente da República informado, precisa “tomar dois Lexotan por dia para não o levar a adotar uma atitude mais drástica em relação ao STF”.

O segundo desdobramento da ampliação do protagonismo judicial está nas pesquisas sobre o STF. Até há alguns anos, elas eram descritivas ou primavam por um tom ensaístico. Careciam de rigor metodológico, precisão conceitual e foco. Hoje elas revelam o que os estudos mais antigos não mostravam. Deixam claro que cabe ao STF dar a última decisão no caso de crises institucionais resultantes de divergências na interpretação do direito. Explicitam que o direito não é uma ciência exata, mas social, razão pela qual está sempre sujeito a controvérsias com relação ao modo como é aplicado. E apontam que, apesar de o STF ser por princípio um poder neutro, isso não implica indiferença política com relação ao funcionamento das instituições.

Se estamos regidos por uma Constituição, ela é o que os responsáveis por sua aplicação decidem o que é – já afirmavam alguns ministros da Suprema Corte americana há mais de um século.  A base dessa afirmação é a consciência de que não há interpretação literal da lei. A vida do direito não é lógica, é experimento, dizia, à época, o ministro Wendell Holmes Jr. Segundo ele, os valores morais prevalecentes, as teorias políticas e até os preconceitos dos juízes com relação às pessoas têm mais importância do que os silogismos, na determinação das regras pelas quais os homens são governados. É por isso que o sistema jurídico não pode ser derivado, como a matemática, de um conjunto de axiomas – concluía.

A importância das pesquisas feitas pelas novas gerações de publicistas, como Virgílio Afonso da Silva e Conrado Hubner, em São Paulo, Diego Argüelles, Daniel Sarmento e Ivar Hartmann, no Rio, e Marcus Faro de Castro, em Brasília, por exemplo, reside justamente neste ponto. Elas mostram com funcionam os processos interpretativo e deliberativo do STF. Do ponto de vista da interpretação do direito, revelam que, quando aplicam a Carta, exercendo o papel de guardiães da legitimidade constitucional, os ministros do STF seguem algum método para cobrir o fosso entre a ordem legal e as condições efetivas da vida brasileira. Algumas vezes recorrem aos princípios gerais de direito que informaram a redação da própria Constituição. Em outras, optam por interpretações extensivas, conscientes de quem pronuncia as palavras da lei na prática define seu sentido num caso concreto. Sabem que só assim conseguirão enfrentar o desafio de ajustar sua função a uma sociedade em mudança – ainda que isso possa aumentar o risco de eventual arbítrio judicial. Têm consciência de que, se ignorarem a realidade, em nome da segurança jurídica e de uma visão estreita da tripartição dos poderes, a ordem jurídica será afrontada por uma sociedade que não se acha protegida pela Constituição.

Do ponto de vista do processo deliberativo, essas pesquisas constatam que, pelos motivos acima apontados, decisões não unânimes no STF tendem a ser inevitáveis. Com base em entrevistas com ministros da corte, mapeiam o debate sobre se suas divergências devem ser tornadas públicas ou se o dissenso interno não deve ser divulgado. Também discutem se a divergência pública possibilita maior diálogo do STF com a sociedade, aumentando a aceitação das decisões judiciais. Mostram como um voto divergente e minoritário pode ser um voto seminal, convertendo-se numa decisão à frente de seu tempo e se tornando uma posição majoritária no futuro. Revelam o fenômeno dos votos concorrentes – aqueles que, apesar de não divergirem do resultado final do julgamento, discordam do caminho para se chegar a ele. Explicam como não é factível supor que todos os ministros da corte, por terem sido indicados por diferentes presidentes da República, tenham a mesma compreensão sobre o papel de um órgão colegiado, o que abre caminho para decisões judiciais opostas sobre temas semelhantes.  E indagam se, como os ministros escrevem seus votos antes de conhecer os votos dos demais e sem saber qual será o voto vencedor, isso não prejudica um diálogo capaz de apontar os eventuais defeitos de uma decisão majoritária.

Por desconhecer os processos interpretativo e deliberativo do STF, o general do Palácio do Planalto errou grosseiramente ao acusar o Judiciário de exorbitar. O problema não é o despreparo jurídico de seu autor, mas as implicações institucionais de sua fala. Vinda de um ministro de um governo que militariza a máquina governamental, despreza direitos fundamentais e convoca multidões de fanáticos para aplaudir medidas antidemocráticas propostas pelo presidente em seus delírios de onipotência, essa fala revela que golpismo jamais foi uma palavra vazia para essa gente. É uma obsessão de um grupo que ascendeu acidentalmente ao poder, em 2018. E, quanto maior é sua insegurança com relação à eleição de 2022, maior é essa obsessão.

*José Eduardo Faria, titular da Faculdade de Direito da USP. Chefe do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito. Foi um dos ganhadores do Prêmio Jabuti de Literatura em 2012, na área de direito

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domingo, 30 de janeiro de 2022

AS ELEIÇÕES ARMADAS APÓS DESCASO COM MEDIDAS DE BOLSONARO

Janio de Freitas, Folha de S. Paulo

O incompreensível descaso com as medidas de Bolsonaro para armar parte da população, sendo tantas as implicações nocivas daí advindas, é tão ameaçador para o futuro próximo quanto a própria ação armadora de Bolsonaro.

Recente descoberta no Rio indica que armas de combate, modernas e caríssimas, estão entrando em alta quantidade e tomando destinos imprecisos. Chegam em importações dadas como legais, amparadas nos atos a respeito, repletos de lacunas, emitidos por Bolsonaro.

Com permissões para colecionadores, atiradores e outros, um casal jovem importava lotes volumosos de armas, dezenas de fuzis modernos e ainda metralhadoras, pistolas, revólveres e projéteis aos muitos milhares. Dispensadas, agora, as autorizações e a vigilância do Exército. O casal associava operações em Goiás e no Rio, onde foi localizada uma casa cheia de armas em bairro residencial.

As alternativas permitidas pelas liberações de Bolsonaro são tantas —registros pessoais e comerciais sem limite, importações sucessivas, inexistência de fiscalização, entre outras— que um só operador pode armar para combate todo um contingente. É o que está acontecendo. Com quantidades ignoradas de importadores, de armas, munições e de financiadores. Certo é não haver motivo, muito ao contrário, para supor exclusividade do casal no fornecimento de armas bélicas.

A quem, é a questão mais importante. Aos bandos conhecidos e à milícia, veio pronta a afirmação na única e precária notícia policial (em O Globo de 26.jan) sobre o arsenal encontrado. Provável final de um lote importante, os 26 fuzis e até metralhadora de chão, além de outras armas e muita munição, indicam custo além do conveniente para aquela freguesia, cliente dos preços no contrabando, solidários e sem impostos.

“Se não tiver voto impresso, não vai ter eleição” pode ser uma frase simbólica dos tantos avisos públicos de um propósito anti-eleitoral. Reforçado no que as atuais sondagens do eleitorado sugerem. E já sonorizado na volta à mentira de fraude nas eleições de 2018. Tal propósito não se consumaria no grito, nem deve contar com a sabotagem eleitoral de outro Sergio Moro e de procuradores bolsonaristas à disposição de Augusto Aras. Armas potentes, porém, se ajustam bem ao propósito.

As medidas de Bolsonaro para o armamento de civis obedeceram a um plano. Mostrou-o a escalada em que se deram. Primeiro, a posse doméstica, depois facilidades para o porte. Então os primeiros incentivos à compra e às munições, com possível importação, e aí a posse ampliada. Até chegar à compra de 60 armas por cabeça e mil projéteis por arma/ano. Sem restrição a várias importações. Para atenuar o comprometimento do silencioso Exército nesse plano sinistro, suas obrigações ligadas à posse de armas foram extintas quase todas.

Essas medidas não vieram do nada para o à toa. São uma denúncia de si mesmas e de suas finalidades criminosas. Fuzis e metralhadoras não se prestam ao alegado “direito do cidadão de se defender”, argumento da má-fé de quem, assaltado, entregou sua arma, a moto e a falsa valentia ao jovem assaltante.

As importações de fuzis e metralhadoras não são suspeitas: são, com toda a certeza, armas para o crime. Contra pessoas, grupos, instituições constitucionais e o regime de liberdades democráticas.

Estamos já no ano eleitoral. É preciso identificar e comprovar o destino das armas de uso bélico importadas, em quantidade, por decorrência de medidas programadas e impostas por Bolsonaro, sem resistência institucional, dos meios de comunicação ou dos setores civis influentes. Do contrário, quem puder, e tiver tempo, saia da frente dessas armas.

BOM ENCONTRO

O charlatanismo de Marcelo Queiroga vai encontrar nos próximos dias a indignação da medicina honesta.

Mais de uma corrente de médicos e a própria Academia Brasileira de Medicina discutem reações aos ultrajes de Queiroga à medicina e à defesa científica da população. Queiroga tem pretensões eleitorais na Paraíba. Sua eleição seria uma vergonha irreparável para o estado.

FONTE E PONTE

O interesse por saber os ganhos de Sergio Moro através do escritório americano Alvarez & Marsal lembra outras investigações no gênero. A constatação depende menos das contas pessoais do que de investigação na empresa pagadora.

É comum que escritórios de advocacia e consultorias sirvam ao repasse, como remunerações suas, de pagamentos em que o pagador não pode aparecer, sob pena de causar escândalo ou incorrer em crime junto com o recebedor.

No caso de Moro, se tal investigação fosse desejada pelos que o questionam, precisaria ser feita nos Estados Unidos. O que é impensável.

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O TREM-BALA MORREU, MAS SUA ESTATAL VIVE

Elio Gaspari, O GLOBO

A repórter Amanda Pupo revelou que a Valec e a Empresa de Planejamento e Logística, a EPL, deverão sobreviver à tentativa do ministro Paulo Guedes de fechá-las. Ambas nasceram em torno do Trem-Bala que ligaria o Rio a São Paulo, um sonho de Lula e de Dilma Rousseff, que estaria rodando para atender às torcidas da Copa de 2014. Uma, a Valec, abrigava o projeto; a outra, a EPL, abrigou seus destroços.

A sobrevivência dessas estatais mostra que, como o Fantasma das Selvas, elas são imortais. Do Trem-Bala já não se fala, mas a Valec e a EPL seriam necessárias, para ajudar, como consultoras, no desenho da política de transportes nacional. Em tese, reeditariam o falecido Grupo Executivo de Integração da Política de Transporte, o Geipot, criado em 1965 e extinto em 2008. Na prática, corre-se o risco de criar uma porta giratória.

O Geipot definiu a política de transportes nacional numa época em que predominava a balbúrdia. O czar da economia, Roberto Campos, pôs lá cabeças de primeira que arrumaram a casa, ocupando poucos andares no Centro do Rio. A partir de 1967, ele começou a desandar e, quando acabou, não houve choro nem vela. Em 2022, a máquina federal tem (ou deveria ter) instrumentos para cuidar do planejamento de rodovias, ferrovias e portos. Não precisa de mais uma camada burocrática.

O Trem-Bala foi uma boa ideia. Ligaria o Rio a São Paulo em poucas horas. Ela foi destruída pela inépcia e por malandragens. Não teve estudo de viabilidade nem projeto, sequer grandes empreiteiros interessados. Poderia custar US$ 15 bilhões. A Valec tornou-se um feudo do eterno Valdemar Costa Neto. Seu presidente, conhecido como Doutor Juquinha, passou uns dias na cadeia, e o sonho resultou apenas num litígio com um empresário italiano. Graças ao BNDES e ao Tribunal de Contas da União, a maluquice foi travada em 2011.

Em julho de 2012 o “Doutor Juquinha” (José Francisco das Neves) passou alguns dias na cadeia. Costa Neto patrocinou seu sucessor, no governo de Michel Temer.

A ideia do Trem-Bala já havia produzido uma estatal, a Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade, a ETAV. Arquivado o trem, ela transmutou-se na Empresa de Planejamento e Logística, a EPL. Desde o início, ela pretendia ser um novo Geipot.

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, conhece essa história. Auditor da Controladoria-Geral da União, ele comandou a faxina de 2012 como interventor no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. Na ocasião, referindo-se à situação do DNIT, ele disse: “O que fazem com ele é uma covardia”. Tinha menos servidores do que precisava, para se dizer o mínimo. Tarcísio assumiu o ministério supondo que fecharia a Valec e a EPL. Passaram-se três anos, não conseguiu fechá-las e voltou ao ponto de partida, com o “novo Geipot”. Isso num governo que tem um ministério da Infraestrutura e o DNIT. Haveria covardia maior?

Transformar a EPL em algo parecido com uma empresa prestadora de serviços de consultoria de transportes cria o risco de se criar uma porta giratória que nada herda do Geipot do tempo de Roberto Campos.

Paulo Guedes perdeu mais uma, na qual tinha razão.

Cassações impróprias

Prosseguindo uma caça às bruxas disseminada no mundo acadêmico, o procurador dos Direitos do Cidadão do Rio Grande do Sul, Enrico Rodrigues de Freitas, recomendou à reitoria da Universidade Federal que casse os títulos de doutores honoris causa concedidos no século passado aos presidentes Costa e Silva e Emílio Médici.

Noves fora uma provável interferência na autonomia universitária, trata-se de uma vindita histórica de gritante parcialidade. Nenhum dos dois generais pediu à universidade que lhes desse o título. Eles foram concedidos por professores titulares, interessados em bajular os presidentes. A bem da verdade, tanto Costa e Silva como Médici nem vaidosos eram.

(Meses depois de um evento na Federal do Rio Grande do Sul, durante o qual discursou sobre a relatividade da democracia, “suicidou-se” no hospital da base aérea de Canoas o estudante de engenharia da UFRS Ary Abreu Lima da Rosa.)

Os dois generais governaram o país durante a ditadura e nenhum dos dois moveu uma palha para abrir o regime. Os títulos não deveriam ter sido dados, mas ao cassá-los, nada mais justo do que divulgar os nomes dos professores que votaram pela concessão do mimo.

Cassações semelhantes já ocorreram na Federal do Rio de Janeiro e na Unicamp, sempre livrando a cara dos bajuladores. Expondo-se a memória de quem usou a universidade para bajular poderosos talvez se evite a repetição das palhaçadas.

Metas ambientais

Comprometendo-se com a OCDE a reduzir o desmatamento, Jair Bolsonaro criará a primeira meta do governo de seu sucessor.

Caso ele consiga a reeleição, contará outra história.

Etiqueta

Magistrados que compõem corpos colegiados e participam de sessões virtuais devem fazer uma caridade aos advogados que defendem suas causas. Basta que prestem atenção a quem fala ou, pelo menos, finjam que estão atentos.

A pandemia disseminou a conduta de doutores que ligam seus computadores e ficam lendo, sabe-se lá o quê.

Fiesp

Depois de oito anos consecutivos de Paulo Skaf na presidência da Fiesp, o mineiro Josué Gomes da Silva está na cadeira sem disposição de repetir a marca.

Por temperamento e experiência empresarial, olhará mais para o chão das fábricas do que para os tapetes do poder.

Boate Kiss

A defesa de um dos condenados pelas mortes de 242 pessoas no incêndio da Boate Kiss, em 2013, achou boa ideia recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos contra a decisão do ministro Luiz Fux que determinou o imediato cumprimento da sentença de primeira instância.

Gesto bonito para a plateia que discordou da decisão de Fux. No mundo das coisas reais (como o incêndio), a iniciativa poderá, em tese, resultar numa recomendação para que os condenados possam recorrer em liberdade, sem qualquer efeito prático. A corte interamericana não tem poder para obrigar o Judiciário brasileiro a soltar os presos, ainda bem.

Botticelli patrulhado

O pequeno quadro de Cristo pintado por Sandro Botticelli em torno de 1500 foi vendido por US$ 45,4 milhões, um décimo do que valeu o Salvator Mundi de Leonardo da Vinci e um quarto do que um bilionário pagou pelo Retrato de Adele Bauer, de Gustav Klimt.

Esses preços refletem a bizarrice do mercado de arte, mas um Botticelli que parece barato é um grande exemplo do efeito das patrulhas. Depois de ter pintado maravilhas pagãs, Botticelli foi influenciado pela patrulhagem moralista do frei Girolamo Savonarola. Chegou a queimar algumas de suas pinturas e nunca mais foi o mesmo.

Quanto ao frei, foi excomungado, enforcado e queimado em 1498.

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ATRÁS NAS PESQUISAS, BOLSONARO ENFRENTA DEFECÇÕES PRÓ-LULA NO CENTRÃO

Rayanderson Guerra e Bianca Gomes, O GLOBO

RIO E SÃO PAULO – Em meio à rejeição crescente a Jair Bolsonaro (PL), integrantes do Centrão, bloco aliado ao governo, já defendem abertamente o apoio ao principal adversário do titular do Palácio do Planalto na disputa: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que aparece à frente nas pesquisas eleitorais. Lideranças dos partidos nos estados, prefeitos e deputados ouvidos pelo GLOBO avaliam que, apesar do alinhamento nacional, as costuras locais, a popularidade do petista, especialmente no Nordeste, e o negacionismo presidencial na pandemia devem decidir os rumos das alianças.

Pesquisa Datafolha divulgada em dezembro apontou que a atual gestão é rejeitada por 53% da população, o patamar mais alto desde o início do mandato. Na ocasião, Lula apareceu com 48% das intenções de voto, contra 22% de Bolsonaro. Há duas semanas, o mesmo instituto revelou que 58% dos brasileiros acreditam que o presidente atrapalhou a vacinação de crianças contra a Covid-19. Em função dos reflexos negativos da conduta, aliados vêm tentando demovê-lo das críticas insistentes à imunização — por ora, a iniciativa não alcançou sucesso.

Os exemplos de debandada vêm se avolumando pelo país. Prefeito de Nova Iguaçu, quarto maior colégio eleitoral do Rio, Rogério Lisboa (PP) vai apostar na dobradinha entre Lula e o governador Cláudio Castro, que tentará a reeleição pelo PL, sigla do presidente. À vontade no desalinho com o comando nacional do PP, o mandatário diz que nunca houve pedido de sustentação ao atual ocupante do Planalto.

— No meu carro, a bandeira não vai ser do PT, mas do Lula. Não vou com Bolsonaro de jeito nenhum. O PP e Ciro Nogueira estão no coração do governo, mas nunca houve uma orientação de quem eu deveria apoiar. Bolsonaro não consegue sair dos extremos. Não usa a razão tempo algum. Isso de negar vacina, protocolos… Precisamos de consenso, equilíbrio, de um líder — afirma.

“Posições respeitadas”

Em entrevista ao GLOBO durante a semana, o ministro Ciro Nogueira (Casa Civil), integrante do comitê de pré-campanha de Bolsonaro e presidente licenciado do PP, reconheceu a existência de um movimento interno de defecção, mas procurou minimizá-lo: “Essas posições têm que ser respeitadas. Isso não acontece só em um partido específico”, disse.

As movimentações pró-Lula também ficaram explícitas no giro do petista por seis estados do Nordeste, em agosto do ano passado. Na Bahia, o vice-governador João Leão (PP), aliado histórico do PT na região, reuniu-se com o ex-presidente e divulgou a imagem nas redes sociais. Leão é apontado como possível candidato ao Senado na aliança que terá o senador Jaques Wagner (PT) como nome à sucessão do governador Rui Costa (PT). A pressão do comando nacional para que o vice seja candidato ao Executivo não vem surtindo efeito. “Tenho grande amizade, admiração e respeito ao líder político que Luiz Inácio Lula da Silva é para o Brasil. Estamos juntos com Lula”, disse durante a visita.

Otoni de Paula (PSC-RJ):Subprocuradora garantiu que inquérito sobre atos antidemocráticos ‘não vai dar em nada’

Filho do vice-governador, o deputado federal Cacá Leão, líder do PP na Câmara e dirigente da sigla na Bahia, diz que a frente que está há 16 anos no governo local será mantida:

— Apesar do apoio nacional a Bolsonaro, temos a garantia de independência e autonomia. O ex-presidente Lula tem buscado a conciliação, somar apoios. A conversa do PP da Bahia e de outros estados, como Pernambuco, é no sentido de ele receber o apoio do partido.

Há a possibilidade, inclusive, de repetição da aliança local unindo PT e PP. Um dos cotados para a vaga de vice é Zé Cocá (PP), prefeito de Jequié, cidade de cerca de 150 mil habitantes. Ele também é presidente da União dos Municípios da Bahia (UPB) e, apesar de publicamente negar a articulação, tem participado de reuniões no Palácio de Ondina nas últimas semanas. Em março do ano passado, ele disse que o PP “marchará com Rui Costa” nas eleições de 2022. Cinco meses depois, participou de um evento com Lula ao lado da deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA). Procurado, ele não retornou ao contato do GLOBO.

Em Pernambuco, o presidente estadual do PP, deputado federal Eduardo da Fonte, esteve com Lula quando ele foi ao estado e sinalizou que o apoiaria na eleição presidencial, segundo petistas presentes na reunião. O parlamentar diz que não vê problema em apoiá-lo nas eleições deste ano e descarta a possibilidade de seguir com Bolsonaro.

Lula tem o apoio ainda da ala pernambucana de outro partido que integra a base de Bolsonaro, o Republicanos. Em declarações públicas, o chefe da legenda no estado, deputado federal Silvio Costa Filho, disse que o presidente nacional da sigla, Marcos Pereira, já foi informado sobre a posição do partido no estado e reforçou que a legenda terá autonomia e independência para seguir com Lula na campanha eleitoral. Costa Filho é aliado do governador Paulo Câmara, um dos maiores defensores no PSB da aliança com o PT na disputa ao Planalto.

— O nosso caminho em Pernambuco será ao lado do ex-presidente Lula — afirmou o parlamentar.

Já na Paraíba, a configuração ainda depende de um acerto local. Inclinado a apoiar Lula, o prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena (PP), ainda aguarda um posicionamento do ex-presidente sobre o cenário local. O ex-governador Ricardo Coutinho, adversário de Lucena, se filiou recentemente ao PT — em reação, o prefeito disse que Lula deveria se afastar de “más companhias”.

Para o cientista político Marcus Ianoni, da Universidade Federal Fluminense (UFF), a boa avaliação de Lula no Nordeste e a rejeição a Bolsonaro são dois fatores que devem pesar na escolha das lideranças.

— Os líderes partidários e políticos com mandato já colocam na balança o peso de estarem associados ao presidente Jair Bolsonaro. Os índices de rejeição aumentam a cada pesquisa, e as críticas pela condução do governo federal também. Além disso, Lula tem alta aprovação no Nordeste, estados em que deve ocorrer o maior número de traições dos partidos do Centrão.

Preocupação com a base

A cientista política Maria do Socorro, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), avalia que o peso e o histórico das alianças locais seguem uma lógica pragmática, em que as chapas são construídas de acordo com a possibilidade de vitória e influência política nos redutos eleitorais.

— Prefeitos, deputados estaduais e até federais se preocupam em como serão votados em suas bases. Os acordos são construídos com base em arranjos, que não necessariamente refletem a posição da direção nacional da legenda — diz.

O acordo nacional com o Centrão também não deve garantir a Bolsonaro sustentação integral no principal palanque estadual que está empenhado em montar, caso de São Paulo. Há no PP, PL e Republicanos indicações de apoio ao vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB), candidato do atual titular do Palácio dos Bandeirantes, João Doria (PSDB). O deputado estadual Delegado Olim (PP) disse que não vai apoiar o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, candidato do presidente ao posto.

— Tarcísio foi um ótimo ministro, mas ninguém o conhece em São Paulo. Eu vou apoiar o (Rodrigo) Garcia. Aqui em São Paulo, o PP, pelo menos eu, o (Guilherme) Mussi e alguns outros, pensamos no Garcia — disse o deputado, que integra a base do governo paulista na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).

Procurado, o deputado federal Guilherme Mussi, presidente estadual do PP, disse que não há nada definido ainda.

— Estamos aguardando a janela partidária. Em breve, haverá encontro entre a direção do partido, deputados e pré-candidatos, para debater sobre o tema — afirmou, por meio de nota.

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RANKING DAS CIDADES QUE MAIS VOTAM NO CENTRÃO, GRUPO QUE MANDA NO CONGRESSO

André Shalders, enviado especial à Marzagão, Gameleira de Goiás e Jesúpolis (GO), O Estado de S.Paulo

O Centrão, bloco de partidos que dá as cartas na política nacional, tem o controle quase absoluto de boa parte das pequenas cidades do País, uma base capaz de se perpetuar independentemente das eleições presidenciais deste ano. Um levantamento feito nas últimas semanas pelo Estadão revela que o grupo considerado fisiológico tem votos em quase todos os municípios e que 1.294 deles elegem prioritariamente deputados federais desse campo político. Representantes do Centrão são bem votados e costumam se reeleger utilizando uma engrenagem poderosa, que envolve a distribuição de verbas da União para prefeitos aliados.

Mesmo com a má fama do bloco, todos os pré-candidatos ao Palácio do Planalto, em outubro, já acenaram para composições com os três principais partidos do grupo, Progressistas, PL e Republicanos, além de legendas menores como Patriota, Avante, PSC e PROS. Juntas, essas sete siglas têm, hoje, 152 deputados federais e projetam aumentar esse número. Uma das características do Centrão é estar sempre na órbita dos governos.

O grupo controla da Câmara dos Deputados, presidida por Arthur Lira (Progressistas-AL), à Presidência da República, com Jair Bolsonaro, filiado ao PL, partido de Valdemar Costa Neto. No atual governo, o bloco de partidos passou a dominar até o Orçamento, com os remanejamentos de verbas avalizados por pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que é presidente licenciado do Progressistas.

Campeã

Maranhãozinho (MA), de apenas 14 mil habitantes e às margens da BR 316, está entre as cem cidades mais pobres do País, segundo o IBGE. É também a campeã de votos no Centrão. Nas eleições de 2010, 2014 e 2018, a cidade deu 74,6% dos votos para deputados federais e partidos do grupo político. Na última, o deputado mais votado foi Josimar Maranhãozinho (Progressistas), com 83,5% da preferência. Recentemente, ele foi indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, sob a suspeita de desviar verbas do orçamento secreto destinadas à Saúde – o deputado nega as acusações. Em segundo lugar está Guararema (SP), base eleitoral do deputado Márcio Alvino (PL).

Na última semana, a reportagem do Estadão esteve em três cidades do interior de Goiás que estão entre as que mais deram votos ao Centrão, proporcionalmente. Gameleira de Goiás, Marzagão e Jesúpolis estão entre os 10% dos municípios do País que mais elegem candidatos do bloco. Nas três localidades, o mesmo cenário: os votos vão para os deputados federais que têm apoio dos prefeitos – e os prefeitos apoiam quem leva recursos federais para as cidades.

Emendas

Marzagão está distante 166 quilômetros em linha reta de Gameleira de Goiás. Em 2020, os 2,2 mil habitantes do local elegeram Solimar Cardoso de Souza, do PSC, para comandar a cidade. Sob o novo prefeito, o local vem conseguindo captar recursos federais e estaduais com emendas de políticos como os deputados federais Glaustin da Fokus (PSC) e Adriano do Baldy (PP), além do estadual Amauri Ribeiro (PRP). O dinheiro permitiu recapear ruas e reformar a escola municipal, onde algumas salas agora têm ar-condicionado – comodidade rara na rede básica de ensino do País.

Na semana anterior à visita da reportagem, os deputados federais estavam na cidade para a inauguração de uma obra, segundo relataram o professor de educação física João Eduardo Martins e o motorista Lindomar Gomes da Silva. “Não é como antigamente, que dizia que ia vir a verba, mas nunca chegava”, afirmou Silva.

‘Centro’

Hoje ministro e um dos principais líderes do Centrão, Ciro Nogueira afirmou que o Progressistas é um partido de centro-direita, mais do que representante do bloco. “Eu milito na política, com mandato, desde 1994. Nunca foi aprovado nada no Congresso Nacional, nenhuma tese prosperou no País, sem o apoio dos partidos de centro”, disse ele ao Estadão.

Nogueira também rejeita a ideia de que o grupo só se movimente por interesses fisiológicos. “Um exemplo bem claro, que tira essa pecha de fisiologismo, foi o que aconteceu no governo do presidente Jair Bolsonaro. Nós começamos, e não foi só o Progressistas, a apoiar o governo muito antes de qualquer técnico do nosso partido ser escolhido para ministérios ou para cargos públicos. E em momento nenhum mudou essa relação de apoio por conta desses cargos.”

Outro líder do Centrão que critica o rótulo é o deputado Marcos Pereira (SP), bispo da Igreja Universal e presidente nacional do Republicanos. “O termo ‘Centrão’ é uma tentativa infantil de rotular alguns partidos que atuam como centro moderador. Não é um grupo, nem uma coligação, nem uma entidade formal”, disse Pereira ao Estadão. Segundo ele, sem um “centro moderador” na política, o Brasil cairia no “radicalismo” e no “extremismo”. “Eu falo pelo Republicanos. Muitas pessoas que julgam ou rotulam o partido o fazem ou por preconceito ou por desconhecimento. Temos contribuído de forma efetiva para o desenvolvimento do Brasil em diferentes frentes.”

História

Doutor em Ciência Política e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Danilo Medeiros afirmou que o termo “Centrão” surgiu durante a Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988) – o grupo do “Centro Democrático” se opunha ao que seus integrantes consideravam excessos da ala progressista. A percepção do grupo era a de que Mário Covas tinha lotado a comissão de sistematização da Assembleia de representantes da esquerda – o que não era o caso, segundo pesquisador. “Esse grupo entendeu que aquilo não estava refletindo as preferências do plenário.

Desde 2010, os deputados federais do Centrão tiveram votos em 5.298 municípios brasileiros – ou seja, em 95% de todas as cidades do País, espalhadas nas 27 unidades federativas. A força do bloco é também um fenômeno consistente no tempo: desde 2010, o grupo teve 22,1% dos votos para deputado, em média, em todo o Brasil. Em 2018, os sete partidos do grupo tiveram, juntos, quase um quarto (24%) dos votos para a Câmara.

‘Padrão’ 

Ao contrário do que sugere o senso comum, o voto no Centrão não está concentrado na Região Nordeste. Desde 2010, os 1.793 municípios da região deram, em média, 21,6% dos votos para deputados federais do bloco – número próximo da média nacional. O que os dados mostram é que a concentração de votos do grupo se dá em cidades pequenas: nos municípios onde o bloco tem mais votos, o número médio de eleitores é de 15,5 mil. Já nas cidades em que o grupo vai pior, o colégio eleitoral médio é de 20,9 mil. Nas cidades que estão entre os 10% que mais votaram nos candidatos do Centrão, o número médio de eleitores é ainda menor, 10,3 mil.

“As prioridades dos eleitores em cidades menores são diferentes daquelas dos grandes centros”, disse o professor Felipe Nunes, da Universidade Federal de Minas Gerais. Fundador da empresa de pesquisa e consultoria Quaest, Nunes observou que isso ajuda a explicar a concentração de votos do Centrão nas pequenas cidades. “Nos dados (levantados pela reportagem) tem uma pista muito importante. Se você pegar as cidades com mais de 50% dos votos para o Centrão, vai ver que o colégio eleitoral médio é de 27 mil. São cidades abaixo de 30 mil eleitores que concentram o voto.”

Já nas cidades que têm até 20% de votos para o Centrão, portanto, no outro extremo, o colégio eleitoral cresce para 60 mil, em média. “O Centrão é alimentado por um padrão de votação de cidades pequenas, onde você tem ainda um modo de organização social e política mais tradicional”, afirmou o professor.

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