Com as galerias fechadas ao público, o Senado aprovou na
noite desta quarta (24), por 40 votos a 26, o Projeto de Lei (PL) 131/2015, do
senador José Serra (PSDB-SP), que abre às multinacionais estrangeiras a
possibilidade de explorar o pré-sal. Foram mais de seis horas de intenso
debate, em que a bancada do PT se posicionou unânime ao lado do grupo mais
progressista da casa, que defendia a manutenção da maior estatal brasileira
como a operadora única do maior tesouro brasileiro.
No final da tarde, porém, um inusitado acordo firmado entre
PSDB, PMDB e o governo Dilma Rousseff para a aprovação do projeto proporcionou
a vitória da proposta tucana. O teor do acordo foi materializado no
substitutivo apresentado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), apresentado como
um meio termo entre as regras atuais e a mudança completa proposta por Serra.
Pelas regras atuais, aprovadas em 2010, a Petrobrás é a
exploradora única do pré-sal, com a prerrogativa de deter pelo menos 30% de
participação nos consórcios firmados para explorar o petróleo no mar. O texto
de Serra propunha a abertura à participação das multinacionais, e previa que o
Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) poderia oferecer ou não à
Petrobrás a possibilidade de participar da extração de cada campo.
Já o dito texto de consenso de Jucá, aprovado pela maioria
em plenário, mantém a retirada da Petrobrás como operadora única, mas exige que
o CNPE ofereça a preferência de exploração à estatal antes de realizar leilões
para definir a participação das multinacionais. A postura do governo em aprovar
o acordo, porém, foi de encontro ao principal argumento usado pela bancada do
PT para rechaçar o projeto: com o barril
de petróleo alcançando um dos preços mais baixos da história, o momento não é
de discutir o assunto.
A senadora Gleise Hoffmann (PT-PR) sustentou que o barril
petróleo registra hoje o preço mais baixo da história devido a questões
geopolíticas. Mais incisivo, Lindberg Farias (PT-RJ) disse que abrir a
possibilidade das multinacionais extraírem o pré-sal no atual contexto é
entregar o maior patrimônio brasileiro aos gringos a preço de banana. “Nós estamos querendo entregar o pré-sal a
preço de banana para as multinacionais do petróleo. (…) Nós estamos entregando
o futuro, o pré-sal”, ressaltou.
Perplexidade e abandono
No final da votação, os senadores que lutaram pela
manutenção da Petrobrás como operadora única do pré-sal estavam desolados. Ao
lado de Roberto Requião (PMDB-PR), Lindberg Farias (PT-RJ) desabafou. “Nós
fizemos aqui o bom combate. No dia de ontem [terça], nós perdemos por dois
votos [na votação pela manutenção da urgência do projeto]. Nós estamos aqui
meio perplexos, porque nós fomos derrotados por uma aliança do governo com o
PSDB”, afirmou o parlamentar.
Farias explicou que esteve durante a manhã daquele mesmo dia
no Palácio do Planalto, conversou com o ministro Berzoini e a orientação foi a
de que a bancada lutasse para manter a Petrobrás como operadora única do
pré-sal e responsável por pelo menos 30% das extrações. Entretanto, a tarde, já
durante o debate em plenário, o governo mudou de posição.
“Sinceramente, eu acreditava que nós poderíamos ter ganho
essa votação. Nós nos sentimos aqui abandonados em uma matéria estratégica. Eu
só quero dizer que nós vamos continuar nossa luta. Nós vamos fazer mobilização
nas ruas, vamos para o debate na Câmara e vamos começar uma grande campanha
para que a presidenta Dilma, se chegar ao Palácio do Planalto, vete este
projeto, porque é um projeto que afronta a soberania nacional”, afirmou.
Exceções petistas
O sentimento de perplexidade e abandono, aliás, dominava
toda a bancada do PT, que votou contra o projeto, mesmo em desacordo com a
determinação do Planalto. As exceções foram a dos senadores Walter Pinheiro
(PT-BA) e Jorge Viana (PT-AC), que não compareceram à sessão. E, também, a do
senador Humberto Costa (PE), definido poucas horas antes da votação como o
líder do governo na casa, em substituição à Delcídio Amaral (PT-MS), envolvido
na operação Lava Jato.
Na votação, Humberto Costa se absteve de tomar posição.
Antes disso, em uma demonstração de coerência, repassou à senadora Gleise
Hoffmann (PT-SC) a prerrogativa de orientar a bancada do partido, da qual ele
também é o líder. A ex-ministra de Dilma que, durante a tarde, chegou a afirmar
à Carta Maior, em entrevista, que o governo manifestara posição contrária à
matéria, manteve-se fiel ao partido. Orientou o voto não ao PL de Serra.
“O acordo firmado entre o governo, o autor do projeto e o
relator da matéria melhora o teor, mas, ainda assim, o PT acha que não é o
momento para esta discussão e encaminha voto contrário”, justificou a senadora que, mais cedo,
protagonizou um dos mais belos embates com Serra em defesa da Petrobrás.
O tucano havia contestado a informação repassada ao plenário
por Gleise de que a estatal brasileira consegue extrair petróleo do pré-sal ao
custo de US$ 8 o barril, enquanto as multinacionais estrangeiras, que não detém
a tecnologia de ponta da Petrobrás, o fazem por pelo menos US$ 14. Serra
argumentou que o preço médio do barril extraído em terra pela Petrobrás é de
U$S 22: portanto, desdenhou a informação de que a extração no pré-sal pudesse
ser feita por quase três vezes menos. “Isso deve ser um daqueles números que os
petroleiros passam para enganar a sua bancada”, ironizou.
Gleise rebateu de pronto. “Não são números dos petroleiros,
senador Serra, mas da empresa. A extração no pré-sal é mais barata na média por
causa da alta produtividade do sistema desenvolvido pela Petrobrás”, explicou.
Ela também rebateu o argumento do tucano de que o projeto ajudará Brasil a sair da crise econômica atual.
“Mesmo que o leilão seja realizado este ano, a extração só começará depois de
2021. Então, em que isso ajuda?”, questionou.
O maior partido do governo
O PMDB, que até ontem estava dividido em relação ao projeto,
atendeu à determinação do Planalto e orientou voto favorável. Mas não sem antes
puxar a orelha do PT, que já havia orientado voto contrário. “Este substitutivo
não é de autoria do senador Romero Jucá, que sempre foi aqui um brilhante
relator, mas do governo federal. E o partido do governo, neste momento,
assusta-me, por votar e fazer o encaminhamento, com todo respeito que tenho à
senadora Gleisi Hoffmann, contrariamente a um texto que veio do governo”, disse
Eunício Oliveira (PMDB-CE), pela liderança do partido.
O posicionamento não foi unânime na legenda. Responsável por
um dos mais brilhantes discursos da terça contra o açodamento na mudança na
legislação petrolífera, a senadora Simone Tebet (PMDB-MS) desabafou. “O governo
já não tinha meu voto. Agora, perdeu também o meu respeito”, afirmou ela, em
alusão a mudança repentina de posicionamento que permitiu que o assunto fosse
esgotado sem um debate mais aprofundado com a sociedade brasileira.
Requião não comentou o desfecho da votação em plenário, mas
já havia deixado sua posição bem clara durante o debate. Para ele, a aprovação
do projeto vai gerar desemprego, desindustrialização e ainda colocará em xeque
a soberania nacional. “Senador José Serra, dá uma olhada lá para trás e veja
quantos lobistas do petróleo estão frequentando o plenário do Senado, onde não
podem entrar os trabalhadores da FUP [ Federação Única dos Petroleiros],
denunciou, atacando a decisão de Renan Calheiros de fechar as galerias ao
público.
Outro peemedebista que surpreendeu no debate foi o
ex-ministro das Minas e Energias dos governos Lula e Dilma, senador Edison
Lobão (PMDB-MA). Profundo conhecedor do assunto, ele rebateu os argumentos de
Serra um a um. Enquanto o tucano dizia que a Petrobrás não tem como explorar o
pré-sal porque está quebrada, com dívidas acumuladas de R$ 500 bilhões, Lobão
explicava que, pelas regras atuais, a empresa recupera de pronto todos os seus
investimentos em extração.
“Em primeiro lugar, a Petrobras fica autorizada e obrigada a
participar com 30% na condição de operadora única, mas não vai investir seus
recursos 100%. Cada empresa que participa do consórcio vai investir os seus
recursos na proporção das ações que possui naquele consórcio. Agora vem o
segundo argumento para o qual peço a atenção dos senhores senadores. Que
despesas são essas que a Petrobras vai fazer para a exploração do petróleo?
Basicamente nenhuma. Por que nenhuma? Porque ela vai investir, sim, o seu
dinheiro – e os outros também –, porém, no instante em que encontrar o
petróleo, na lei do petróleo atual, na Lei de Partilha, essas empresas serão
ressarcidas de todas as despesas que fizerem. (…) O que isso quer dizer? A
Petrobras e as outras empresas que tiverem investido no pré-sal, no instante em
que o pré-sal começar a jorrar, serão ressarcidas de todas as despesas. Então,
como é que a Petrobras não tem condições de enfrentar isso?”, questionou.
A defesa do Pl de Serra
Dentre os favoráveis ao PL de Serra, ninguém foi tão
explícito ao falar sobre as reais intenções privatistas do grupo quanto Blairo
Maggi (PP-MT). “Se o preço do petróleo não tivesse tão ruim, se a empresa não
tivesse tão quebrada, eu proporia até vender a Petrobrás. Ela é mal gerida. E
vai continuar mal gerida, porque este é o jeito da coisa pública funcionar”,
afirmou, convicto.
Serra e seu grupo preferiram tentar minimizar os efeitos
nocivos do projeto, usando firulas e jogos de palavras. “A única coisa que o projeto faz é tirar a
obrigatoriedade de essa empresa ter que investir em cada poço do pré-sal mais
ainda, com 30%. Ninguém está entregando nada. Ninguém está levando nada embora.
Tudo continua nas mãos do poder público, apenas a Petrobras não é obrigada a
investir. Apenas isso. Se ela quiser, em um mês, ela manifesta sua intenção e
controlará o poço”, sustentou.
Humberto Costa foi quem desmontou a falácia. Ele disse que,
na votação de terça, em que Serra conseguiu manter a urgência do projeto por 33
votos a 31, muitos senadores acompanharam o tucano porque acreditaram no
discurso de que a proposta mantinha a preferência da Petrobrás. Entretanto, ele
leu o texto em plenário e demonstrou que aquilo não era verdade. “O texto diz
que o Conselho Nacional de Política Energética poderá conceder a preferência a
Petrobras. Mas isso não está garantido”, destacou.
Aécio Neves (PSDB-MG) chegou a dizer que o projeto funciona
como uma espécie de bóia de salvação para a Petrobrás, falida, segundo ele,
pela má gestão petista. “Este projeto unicamente tira da Petrobrás um ônus que
ela não tem mais como atender e dá a ela o bônus da preferência”, afirmou. Antes de defender sua posição em plenário,
foi visto conversando com o presidente do Centro Brasileiro de Infra-estrutura,
Adriano Pires, reconhecido lobista das petrolíferas internacionais.
O projeto, agora, segue para votação na Câmara.