Enquanto o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), era
homenageado por uma plateia de políticos e empresários em Natal, na última
quarta-feira (16), a Câmara de Vereadores paulistana votava na sessão do dia um
pacote de 28 projetos de lei e de decretos legislativos, de autoria dos
vereadores, com homenagens e criação de datas comemorativas. Único projeto do
Executivo na ordem do dia, a concessão do estádio do Pacaembu à iniciativa
privada teve a discussão retirada da pauta –o projeto sobre o estádio é um dos
dez encaminhados pela administração municipal à Câmara em oito meses de mandato.
Um projeto de lei pode ser apresentado à Câmara tanto pelo
prefeito como pelos vereadores. Depois de criado, ele é discutido na Câmara dos
Vereadores da cidade, onde será aprovado ou rejeitado. Se aprovado, ele segue
para sanção ou veto do prefeito.
Em São Paulo, o
número de projetos que têm como autoria o Executivo é o menor desde a gestão
Jânio Quadros (1985-1988), segundo dados do portal da Câmara compilados pelo
UOL. Para o levantamento, foram consideradas as matérias enviadas aos
vereadores de São Paulo até o dia 8 de agosto do primeiro ano de cada mandato.
Em 1985, Jânio enviou aos vereadores 123 projetos – 56 deles
foram encaminhados até 8 de agosto daquele ano; no mesmo período, Doria enviou
uma dezena. A marca de Doria é ultrapassada com folga também no mandato
seguinte ao de Jânio pelos 33 projetos enviados por Luiza Erundina (1989-1992),
quando a então prefeita pelo PT, hoje deputada pelo PSOL, esteve na chefia do
Executivo municipal. Naquele ano, foram 115 proposições à Câmara.
Total de projetos até
8 de agosto do 1º ano de cada mandato*
Jânio Quadros (1985 a 1988): 56 projetos
Luiza Erundina (1989 a 1992): 33 projetos
Paulo Maluf (1993 a 1996): 86 projetos
Celso Pitta (1997 a 2000): 33 projetos
Marta Suplicy (2001 a 2004): 46 projetos
José Serra/Gilberto Kassab ** (2005 a 2008): 13 projetos
Gilberto Kassab (2009 a 2012): 18 projetos
Fernando Haddad (2013 e 2016): 25 projetos
João Doria (2017): 10 projetos
* A data se refere à do último envio de projetos do
Executivo à Câmara até esta segunda (21) ** Serra renunciou na metade do
mandato para se eleger governador de SP em 2006
Os dez projetos de Doria representam pouco mais de 11% dos
86 que Paulo Maluf (1993-1996) apresentou até meados de agosto de 1993, ano em
que mandou ao Legislativo 142 matérias. A marca fica abaixo também do afilhado
político de Maluf, Celso Pitta (1997-2000), que, dos 56 projetos de seu
primeiro ano de mandato, destinou à Casa 33 deles nos sete primeiros meses.
"Certamente o Executivo tem a leitura de que esse não é
um momento bom para enviar projetos à Câmara, já que, mesmo tendo ganho a
eleição com uma boa maioria, isso não se reflete ainda na base dele na Câmara;
há um atrito. Isso gera um desgaste
forte para a imagem dele, e, nesse cenário, é comum que se retarde o envio de
matérias até se recompor essa base pela votação de projetos prioritários",
afirma o cientista político Renato Eliseu Costa, professor de políticas
públicas na Fesp (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).
Marta, Serra, Kassab e Haddad superam tucano
Segunda prefeita de São Paulo eleita pelo PT, a hoje
senadora pelo PMDB Marta Suplicy (2001-2004) assinou 75 projetos em seu
primeiro ano de mandato, 46 deles até o começo de agosto. A gestão de José Serra
e Gilberto Kassab (2005-2008), que contou com a mudança de chefia –Serra
renunciou ao cargo em 2006 para se eleger governador --, registrou 32 matérias
em 2005, 13 delas nos primeiros oito meses. Reeleito (2009-2012), Kassab também
propôs mais que Doria em seu primeiro ano de mandato completo (2009): 27
projetos, 18 deles até 8 de agosto.
Derrotado por Doria na tentativa de reeleição, em 2016,
Fernando Haddad (2013-2016) apresentou aos vereadores 25 projetos no período
equivalente ao do rival. Em seu primeiro ano, o petista mandou ao legislativo,
ao todo, 43 matérias.
Projetos polêmicos no primeiro ano
Apesar da diferença na oferta de propostas, tanto Doria como
seus antecessores mais recentes protocolaram, nos oito meses iniciais do
mandato, projetos que despertaram polêmica dentro ou fora da Câmara de
Vereadores.
Dos dez projetos do
atual prefeito, por exemplo, três integram o PMD (Plano Municipal de
Desestatização) e preveem a concessão de equipamentos e serviços municipais à
iniciativa privada. Segundo a administração, o pacote de concessões pode gerar cerca de R$ 5 bilhões
de receita. O tucano conseguiu ainda a aprovação do projeto que cria o Conselho
Municipal de Desestatização e Parcerias. Estudantes chegaram a ocupar o
plenário da Câmara por dois dias em protesto contra as privatizações.
Com Haddad, o projeto
de lei que alterava a legislação tributária relativa ao IPTU (Imposto Predial
Territorial Urbano) – com aumento progressivo do imposto – até passou pelos
vereadores, mas sofreu reveses judiciais até o prefeito, no ano seguinte, desistir
do reajuste.
Com Kassab, o primeiro ano da gestão teve em 2009 aprovação
da Câmara para a terceirização da Nova Luz – por meio de concessão urbanística
que permitiria à prefeitura transferir à iniciativa privada o processo de
desapropriações na região da cracolândia. Considerado inviável economicamente
pela gestão de Haddad, o plano acabou engavetado.
Prefeito "precisa estreitar a relação", diz
analista político
No discurso de posse feito na Câmara, em 1º de janeiro,
Doria prometeu prestigiar o Legislativo com visitas mensais, o que vem sendo
feito, desde então. Para o cientista político Renato Eliseu Costa, professor da
Fesp, no entanto, o número de projetos
abaixo do já apresentado em primeiros anos de gestões anteriores pode revelar
"falta de experiência" no trato com os vereadores –o que já fica mais
claro, segundo ele, na dificuldade do Executivo em aprovar as concessões de
espaços públicos mesmo entre membros de sua base.
"A fala constante do prefeito de que não é político,
mas gestor, mostra falta de experiência em um relacionamento com a Câmara de
Vereadores, que, no nosso modelo político, é sempre uma força política muito
forte – a ponto de conseguir, por exemplo, vetar ações do Executivo. Doria
ainda não conseguiu lidar com essa relação, mesmo tendo prometido fazer visitas
mensais à Casa", observou.
Na análise do cientista político, o tucano "enfrenta
oposição dentro do próprio partido". "O PSDB não tem se mostrado
contente com as ações do prefeito, tanto que, na votação dos projetos de
concessões, não foi só a oposição que se manifestou contrariamente", disse
Costa, para ressalvar: "Mas o PSDB não é 100% coeso, e isso desde as
prévias [que definiram Doria como o candidato da sigla]."
Marcas da gestão Doria não demandam autorização legislativa
Para Costa, o baixo número de projetos em comparação com
outros prefeitos indica que resoluções internas ou atos administrativos da
prefeitura --que não passam pelo Legislativo-- conseguem organizar o cotidiano
da administração. "As principais
ações do prefeito, até agora, se deram no campo da gestão, não necessariamente
sob a necessidade de serem aprovadas como lei", afirma o cientista político.
"Basta ver o Diário Oficial da cidade para constatar isso", diz
Costa, citando o programa de zeladoria urbana "Cidade Linda", uma das
principais bandeiras do prefeito, e o aumento dos limites de velocidade nas
marginais, promessa de campanha.
Indagado sobre a queda no volume de propostas ao longo das
décadas, o cientista político destacou a forma como se desenhou a campanha
passada, com o prefeito eleito despontando entre os primeiros na reta final da
disputa. "Como Doria falava mais de gestão, e não tanto de obras, pode ser
também que esse número inferior agora de projetos que mexam com o Orçamento
seja reflexo das promessas – diferentemente do que propunha, por exemplo, Paulo
Maluf. Doria não propôs nenhuma grande obra", comparou.
Relação com os vereadores
Cientista político da UnB (Universidade de Brasília),
Ricardo Whrendorff Caldas discorda do colega paulistano: para ele, não é o
número de projetos que serve de base para se medir a eficiência no trato com o
Legislativo, mas a capacidade de a prefeitura aprovar e fazer tramitar essas
matérias.
"Não é relevante o número de projetos para definir a
capacidade de articulação de um prefeito, mas o de projetos que foram
aprovados. O mesmo raciocínio vale para deputados e senadores – salientando
que, se forem projetos de peso, é natural que demorem um pouco mais para serem
aprovados", definiu.
Sob a condição de hipótese, Caldas afirmou que a redução do
número de projetos ao longo das décadas pode indicar um "elemento de
prudência" por parte do mandatário. "Projeto encaminhado e parado,
sem andar nas comissões, pode indicar insucesso ou falta de prestígio do
administrador público. Porque, se não há falta de articulação, as coisas
costumam caminhar dentro do previsto", finalizou.
"Parcimônia", diz líder do governo
Líder do governo na Câmara, o vereador Aurélio Nomura (PSDB)
defendeu que "a produtividade do governo não se mede pelo número de projetos
do Executivo à Câmara".
"Se a gente olha as gestões anteriores, vai ver que
muitos dos projetos aprovados, pelo menos 80%, não foram efetivados; muitos
sequer tiveram o decreto pertinente regulamentando a lei", citou. "Os projetos de melhoria urbana da gestão
passada, por exemplo, previam desapropriar mais de 10 mil residências na zona
leste e um plano de melhorias na zona norte. Não foram implementados",
afirmou.
De acordo com o
tucano, "Doria tem trabalhado com parcimônia" em relação ao envio de
projetos, "mesmo porque, temos leis demais, mas nem sempre
aplicadas".
"Ele vem focando na apresentação projetos que
efetivamente quer e vão ser aprovados. E não acho que os projetos não vêm
detalhados ou que haja racha no partido: os projetos das concessões
apresentados pelo prefeito foram votados, e estamos realizando audiências
públicas sobre eles."
Nomura afirmou ainda que, até o final do ano, o Executivo
deve apresentar à Câmara os projetos de concessão à iniciativa privada do
Autódromo de Interlagos e do Anhembi. "Um número grande de projetos é uma
grande ilusão. O que temos que nos perguntar é: quantos dos projetos já
apresentados foram de fato implementados?"
"Gestão rasa", afirma líder do PT
Já para o líder do PT na Câmara, vereador Antonio Donato,
"a produção legislativa do Executivo é baixa" porque "reflete a
falta de projetos para a cidade que poderiam se materializar em projetos de lei".
"O projeto que criminaliza a pichação [de autoria
parlamentar, e protocolado em 2005] que foi aprovado este ano tem baixo
impacto; é de importância inócua frente aos problemas da cidade. E agora os
projetos de privatização que o Executivo mandou são vagos, genéricos, o que
explica a dificuldade de se concretizar a aprovação deles", relatou.
Segundo o petista, o
número de proposições de Doria à Câmara reflete uma eleição "muito
particular" vencida em primeiro turno –a primeira vez que isso acontece na
história da capital paulista. "O debate programático foi muito rebaixado,
de modo que foi exigido do atual prefeito propor projetos estruturantes para a
cidade. O que ele apresentou na campanha foi um plano de concessões e privatizações
que, por meio de projetos absolutamente vagos, têm agora uma dificuldade imensa
de ver construída a discussão em segundo turno", definiu. "É uma
produtividade fruto de uma gestão rasa, com uma visão superficial e que não se
materializa sobre a cidade.”
"Quem faz projetos é o Legislativo", diz prefeito
O prefeito de São
Paulo, João Doria (PSDB), minimizou nesta quarta-feira (23) o fato de ser o
líder de Executivo que menos enviou projetos à Câmara de Vereadores paulistana
nos últimos 32 anos.
"Quem faz projetos é Legislativo, não é Executivo. Isso
é bom. Se tem um Legislativo valorizado, cabe a ele legislar, e ao Executivo,
executar. Não há nenhuma razão de perplexidade diante disso", afirmou o
prefeito João Doria ao UOL, pouco antes de embarcar para Vitória, onde
receberá, nesta tarde, o título de "Cidadão Vilavelhense" –a quinta
homenagem em um intervalo de 15 dias.
Segundo o levantamento, a marca de dez projetos enviados
pelo atual Executivo à Câmara, entre janeiro e 8 de agosto, foi superada por
todos os prefeitos anteriores desde Jânio Quadros (1985-1988), em igual período
de cada primeiro ano de mandato. Ainda de acordo com os dados, o hoje deputado
federal pelo PP Paulo Maluf foi o campeão de envio de matérias, 86, em pouco
menos de oito meses do primeiro ano de gestão (1993-1996).
"Se nós temos um bom Legislativo, e nós temos, cabe a
ele a execução de projetos de lei", defendeu o prefeito de São Paulo, para
quem a Câmara paulistana tem "uma boa representatividade". "Os
vereadores têm uma composição muito boa e
muito diversificada em seus campos de atuação –são pessoas especializadas;
gente da habitação, da habitação popular, da cidadania, do transporte e da
cultura", salientou.
Indagado sobre as dificuldades para aprovação, mesmo entre
vereadores de sua base, de projetos do PMD (Plano Municipal de Desestatização),
considerados essenciais pela atual administração e que preveem conceder à
iniciativa privada equipamentos e
espaços públicos, o prefeito afirmou: "Tudo isso será aprovado dentro
desses próximos 30 dias. Estamos muito confiantes no bom trabalho que a Câmara
tem feito", concluiu.
Um projeto de lei
pode ser apresentado à Câmara tanto pelo prefeito como pelos vereadores. Há
projetos, entretanto, que são de responsabilidade exclusiva do prefeito, como
os que alteram o Orçamento. Depois de
criado o texto, ele é discutido no legislativo municipal, onde será aprovado ou
rejeitado. Se aprovado, segue para sanção ou veto do prefeito.