Ana Estela de Sousa Pinto, via
Jornal de Brasília
Bruxelas, Bélgica – Em meio a uma investida ambiental da
União Europeia que pode afetar interesses de exportadores brasileiros, a
ministra da Agricultura do Brasil, Tereza Cristina, foi descrita como “senhora
desmatamento” e “musa do veneno” em reportagem publicada nesta sexta (29) pelo
jornal francês Le Monde.
Os apelidos não são novos, mas desde 2019 os papéis de vilão
no duelo com a França vinham sendo do ministro do Meio Ambiente, Ricardo
Salles, e do presidente Jair Bolsonaro, enquanto Tereza Cristina corria o mundo
para convencer parceiros internacionais de que o descontrole ambiental não
interessa ao agronegócio brasileiro.
No auge da crise do desmatamento, no final do ano passado, a
ministra fechou acordos na Ásia e no Oriente Médio enquanto Bolsonaro chamava a
França de imperialista e Salles travava a Conferência do Clima.
O enfoque do Le Monde para publicar a entrevista com a
ministra da Agricultura, feita em novembro de 2019, mostra que a imagem pela
qual ela vinha trabalhando está sendo afetada por números da gestão Bolsonaro.
Na mesma semana em que o ministério lançou um programa de
bioinsumos, Tereza Cristina ganhou como gancho recordes de desflorestamento.
“Na Amazônia brasileira, desde o início do ano, 1.202 km² de floresta tropical
desapareceram, mais de 1.400 campos de futebol por dia”, descreve o jornal -uma
alta de 55% no ano, como mostrou reportagem da Folha de S.Paulo.
Entre 1º e 30 de abril, com a pandemia de coronavírus
acelerando no Brasil, os alertas de corte raso de floresta feitos pelo sistema
Deter, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), saltaram 64% em
comparação ao mesmo período do ano anterior. Foram derrubados 405,61 km² de floresta
no mês passado, ante 247,39 km² de 2019.
Segundo o Le Monde, “a temida e influente ministra da
Agricultura do Brasil é uma dama de ferro dedicada ao agronegócio, cujas
políticas acabaram de levar a um novo recorde de desmatamento”.
A reinclusão de Tereza Cristina na narrativa europeia sobre
a atitude antiambiental brasileira vai além dos meios de comunicação. Governos
nacionais e a Comissão Europeia (o Executivo da União Europeia) deram sinais
concretos na direção de tornar mais rígidas as regras de acordos comerciais
como o que o Mercosul negociou com a UE e pretendia ver assinado e ratificado
neste ano.
O vídeo em que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles,
defende que o governo aproveite a crise do coronavírus para aprovar reformas
infralegais, incluindo alterações ambientais ainda corria os gabinetes
europeus, mas o que preocupava exportadores brasileiros era outra notícia: o
anúncio pela Comissão Europeia de duas propostas que podem afetá-los em cheio:
a Estratégia para a Biodiversidade e a “Farm to Fork” (da fazenda ao garfo).
Elas preveem até 2030 uma redução de 50% no uso de
pesticidas, 20% no uso de fertilizantes químicos, 50% no uso de antibióticos na
criação de animais e a ampliação para 25% da área destinada a agricultura
orgânica, além do aumento na proteção de reservas florestais.
As regras, se aprovadas pelo Parlamento Europeu e pelos 27
países membros, passam a valer para todos os alimentos importados pela União
Europeia. Além disso, França e a Holanda pediram à UE que “mostre os dentes”
nos tratados comerciais, transformando o cumprimento de regras ambientais em
cláusula essencial desses acordos.
Uma revisão da política comercial europeia já foi anunciada
pelo comissário Phil Hogan para este ano, e a proposta franco-holandesa fará parte
do debate. Se adotada, ela facilita a retirada de benefícios comerciais por
causa da alta de desmatamentos, como vem ocorrendo no Brasil.
O desmatamento na Amazônia que será divulgado em novembro
deste ano será muito maior que o de 2019, de acordo com projeções feitas a
partir de dados computados pelo Deter, sistema do Inpe (Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais) de monitoramento da floresta em tempo real, feitas pelo
biólogo João Paulo R. Capobianco, ex-secretário-executivo do Ministério do Meio
Ambiente (2003-2008).
Os números mostram que o desmatamento acumulado entre agosto
de 2019 e o final de abril deste ano chegou a 5.666,10 km2, número é 94,4%
acima do registrado em abril 2019 e 83,7% acima da média dos últimos quatro
anos para esse mês. No ano, a taxa deverá ficar entre 12 mil km2 e 16 mil km2,
uma das piores escaladas de aumento na destruição da floresta. O resultado deve
reverter totalmente os ganhos obtidos com a implantação Plano de Prevenção e
Controle do Desmatamento da Amazônia, lançado em 2004.
Nesse cenário, as declarações de Salles dão munição a
políticos ambientalistas. No Parlamento Europeu, a eurodeputada alemã Anna
Cavazzini, do Partido Verde, viu no vídeo “a confirmação inconcebivelmente
descarada de algo que o governo Bolsonaro está fazendo há semanas:
desmantelando passo a passo os regulamentos de proteção da Amazônia, enquanto o
mundo combate o coronavírus”.
Cavazzini, que é porta-voz de política comercial dos Verdes
europeus, se opõe ao acordo de livre comércio como Mercosul por causa do que
chamou de “ameaça de um colapso ecológico na iminente temporada de queimadas”,
em entrevista à agência DW.
“O acordo aumenta a pressão sobre a Amazônia e a política de
Bolsonaro já viola todas as obrigações ambientais previstas no pacto”, afirmou
ela.
Para o diretor executivo da Unica (União da Indústria de
Cana-de-Açúcar), Eduardo Leão de Sousa, o Brasil tem sido vítima de “ataques de
grupos organizados europeus, com o intuito de evitar a ratificação do tratado e
criar barreiras comerciais protecionistas”.
Mas a oposição de eurodeputados não se limita ao Partido
Verde. De centro-direita, Pascal Canfin, presidente da comissão ambiental do
Parlamento Europeu, já declarou que o acordo da UE com o Mercosul não seria
ratificado, porque contradiz os planos da Europa de enfrentar a emergência
climática.
Canfin é figura central na discussão, no Parlamento, das
novas regras propostas pela Comissão para agricultura e biodiversidade. “A UE é
a primeira potência comercial do mundo, por isso temos que usar esses acordos
comerciais para contribuir com nossa visão do que é a globalização correta”,
afirmou ao Guardian.
Além de aprovação no Parlamento Europeu, o acordo comercial
precisa ser ratificado por cerca de 35 parlamentos nacionais e regionais no
continente. Além da França e da Holanda, o acordo deve encontrar resistência da
Áustria, em que o Partido Verde integra a coalizão governista. No programa do
novo governo, apresentado em fevereiro, o premiê austríaco, Sebastian Kurz,
disse que buscaria uma “rejeição do acordo comercial do Mercosul em sua forma
atual”.
O parlamento da Áustria já havia adotado em setembro moção
para obrigar o governo a vetar a ratificação do acordo no Conselho da UE (que
reúne os líderes dos 27 membros do bloco).
Se descontrole na Amazônia pode arrastar o tratado comercial
e dificultar exportações de pecuária e soja, são as mudanças na política
ambiental europeia que preocupam setores como o de frutas, que vende para o
continente 70% de todo o volume exportado.
Com maior incidência de microorganismos por causa do clima
mais úmido, o Brasil pode encontrar problemas para cumprir as reduções no uso
de químicos se esses novos requisitos não forem acompanhados de uma aceleração
na oferta de produtos biológicos, diz Jorge Souza, da Abrafrutas.
Segundo Souza, que costuma receber missões de inspeção
europeias, a tendência a aumentar restrições é irreversível. “A sociedade
urbana europeia é cada vez mais sensível ao tema, e qualquer dano à imagem do
produto brasileiro é sério, seja fato ou não”, diz ele, que foi por dez anos
exportador de banana-prata produzida em Minas Gerais.
Segundo o executivo, para reagir a isso é preciso cumprir a
lei -“nosso código já é dos mais rigorosos do mundo”- e melhorar a comunicação
com o consumidor. “Qualquer notícia diferente disso, na Amazônia ou fora dela,
é comercialmente muito ruim.”
Leão, da Unica, diz que o etanol brasileiro já é reconhecido
como o biocombustível de primeira geração que mais reduz as emissões de gases
de efeito estufa (70%, no mercado europeu), se comparado ao combustível fóssil,
que o Brasil é o país com o maior número de empresas certificadas e que espera
que “os fatos prevaleçam sobre interesses econômicos pontuais”.
A maré, no entanto, está virando contra o Brasil na União
Europeia, segundo consultores e advogados que participam de negociações
comerciais. Além de uma tendência mais protecionista incentivada pela crise do
coronavírus, a burocracia da UE está concentrada nas negociações do brexit.
As novas regras de relacionamento da Europa com o Reino
Unido precisam estar prontas até o final deste ano, se o governo britânico não
pedir prorrogação de prazo (o que precisa fazer no próximo mês), e a
expectativa é que isso também empurre o acordo com o Mercosul para um “momento
político mais propício”.
Enquanto isso, do outro lado do canal da Mancha, a embaixada
do Brasil em Londres fez circular a primeira edição de um novo boletim em
inglês, “AgriSustainability Matters” (a sustentabilidade agrícola é
importante), que, como diz o nome, tem como objetivo combater a visão de que o
agronegócio brasileiro desrespeita o ambiente.
Nessa edição, o articulista convidado foi o ex-ministro da
Agricultura Roberto Rodrigues, que ocupou de 2003 a 2006 a pasta pela qual
responde hoje Tereza Cristina.
As informação são da FolhaPress