domingo, 31 de maio de 2020

DIÁRIO DA CRISE

Do Blog do Gabeira

Diário da Crise LXXI

Domingo de muito trabalho. Não houve futebol mas as torcidas levaram a emoção para as ruas.

Consegui descer com meu banquinho para tomar um pouco de sol. Mas foi tudo. Nem pude cuidar direito de postar as fotos no Instagram.

As manifestações em São Paulo terminaram com violência. As torcidas organizadas lutavam pela democracia.

Mas seu estilo representa apenas uma parte mas não todo movimento democrático. Durante a semana, ele se manifestou mais no campo virtual, através de manifestos de juristas do Manifesto Basta,  grupos como Estamos Juntos ou Somos 70 por cento.

Já vi manifestações em São Paulo, recentemente são mais maduras.

Segui com os moradores de Paraisópolis até o Palácio Morumbi, cobrindo seu protesto.

Tanto os manifestantes como a PM tinham uma comissão de negociação. Entre os manifestantes era um grupo de negociadores mais algumas pessoas encarregadas de filmar tudo.

Quando o movimento democrático ganhar as ruas, creio que saberá respeitar as regras do distanciamento social, como fizeram recentemente manifestantes em Israel.

De qualquer forma, observei que no Rio começou também o movimento de defesa da vida negra, com o mesmo slogan dos Estados Unidos.

Observei também que a PM separando grupos bolsonaristas e antibolsonaristas, no Rio e em SP, sempre se coloca de costas para os bolsonaristas e de frente para os opositores.

Muita coisa se movendo num país em quarentena e que lidera o número diário da contaminações, avançando para 30 mil mortes.

Imaginem o que não seria sem quarentena.

Por hoje paro aqui. Soube que Crivella iria liberar o exercício e enchi o pneu da bicicleta. Mas acho que vai ser adiado para 8 de junho. Espero então sentado no meu banquinho azul.

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O MASCATE DA MORTE

Weiller Diniz, OS DIVERGENTES

A putrefação e o rastro pestilento infectam a insalubre milícia do capitão Bolsonaro. Ao longo do tempo os cadáveres estão sendo empilhados. Uma necrópole infame e particular desse mascate da morte. Sua vida é tracejada pelo extermínio. A morte é a meta, o ódio o método. Prescrevendo, ilicitamente, o medicamento ineficaz contra a Covid-19 e letal, escarneceu: “Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda tubaína”, debochou seguido de uma depravada zombaria.

O escárnio diante de 18 mil mortes naquele dia – derivadas de um recorde diário de óbitos – mascarou outra perversão primitiva. Tubaína, além do refrigerante, especula-se, teria sido um método de tortura que provoca o afogamento da vítima através do excesso de líquido empurrado por um funil através da garganta. Em ato falho, o adorador do pau de arara e maníaco por rituais mortuários, não disfarçou a índole mórbida e o sadismo torpe.

A falange macabra é ancestral. A fedentina fúnebre o circunda como varejeiras em fezes, dia sim, outro também. Na escalada da pandemia desprezou com um “e daí?” a superação dos números chineses e a marca mais de 5 mil mortos no Brasil. Dias antes excrementou: “brasileiro tem que ser estudado. O cara não pega nada. Eu vi um cara ali pulando no esgoto, sai, mergulha… Tá certo?! E não acontece nada com ele”. As metáforas nauseabundas são inquilinas confortáveis da débil cognição do capitão.

A marcha patogênica diante da pandemia expeliu esterco suficiente para adubar o planeta. Na eclosão da crise palpitou “superdimensionamento” e “fantasia”. Insistiu no menoscabo à vida comparando a letalidade a outras gripes menos virulentas (H1N1) e empacou na “histeria” após a 1 morte, em 17 de março. Agredir governadores e a mídia passou a ser um método diversionista até atingir o ápice da estupidez no pronunciamento no dia 14 de março: “gripezinha”, “resfriadinho”, minimizou após falsear um armistício com governadores.

O trote do descaso prosseguiu ao proclamar o fim da pandemia, em 12 de abril. Já eram 22 mil casos e a marca dos mil óbitos: “Parece que está começando a ir embora essa questão do vírus”. O negacionismo, desmentido pelas valas e corpos empilhados, foi desmascarado em 20 de abril, quando atingimos 40 mil infecções e 2,5 mil mortes: “Eu não sou coveiro”, em outro solavanco de insanidade. Antolhado em crenças tão vaporosas quanto flatulências, seguiu receitando o medicamento fatal, proscrito pela OMS e banido na França.

Ao conspirar contra o isolamento, o capitão sabotou a ciência e contribuiu para aumentar a velocidade da infecção e letalidade dos casos brasileiros. Estudo da universidade de Cambridge atribui uma parcela de mortes à retórica sepulcral contr o relaxamento. “Brevemente o povo saberá que foi enganado por esses governadores e por grande parte da mídia nessa questão do coronavirus”, golfou, equivocadamente, no final de março.
Entre 26 de fevereiro até o final de maio, o número de casos da Covid-19 explodiu no Brasil. Do caso 01 até os dados atuais de mortes foram apenas 3 meses. CPFs indisciplinados que insistem em falecer diante da insipiência do capitão. Foram 3 ministros da saúde, boicotes contra o isolamento e uma pregação demente sobre a eficácia da cloroquina.

O culto a morte, armamentismo, idolatria a sanguinários, milícias e extermínio de adversários resumem o doentio ideário do capitão. “Só vai mudar, infelizmente, quando um dia nós partimos para uma guerra civil., aqui dentro e fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil…Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente”, apregoou em 1999. Após 3 décadas o agouro é sempre lembrado.

Na escatológica reunião do covil golpista, em 22/04/2020, o capitão regurgitou novamente o desejo de armar a população e impedir rastreamentos de balas. Isso só interessa ao crime. Na sua primeira investida foi brecado pelo parlamento, que fuzilou, em maio de 2019, o decreto banalizando o acesso às armas. O tiro saiu pela culatra. O Congresso abateu a medida. As únicas vidas que preza é a própria e dos filhos. Por isso o rapapé a Augusto Aras, titular da ação penal. Visitas pessoais, promessas de cargos e medalhas. A família tem pendor pela bajulação. Flávio Bolsonaro condecorou o miliciano Adriano da Nóbrega.

A promiscuidade com a face mais aterradora da morte – a milícia, que assassinou Marielle Franco, é íntima. Flávio Bolsonaro na Alerj em 2007: “A milícia nada mais é do que um conjunto de policiais, militares ou não, regidos por uma certa hierarquia e disciplina, buscando, sem dúvida, expurgar do seio da comunidade o que há de pior: os criminosos”. O pai ricocheteou: “Elas oferecem segurança e, desta forma, conseguem manter a ordem e a disciplina nas comunidades. É o que se chama de milícia. O governo deveria apoiá-las, já que não consegue combater os traficantes de drogas. E, talvez, no futuro, deveria legalizá-las”.

A desenvoltura ultrapassa a retórica. Flávio Bolsonaro contratou o PM das ‘rachadinhas’, Fabricio Queiroz, amigo do pai. Queiroz era camarada de Adriano da Nóbrega. Adriano foi condenado por homicídio e o capitão o inocentou no plenário da Câmara. A medalha de Tiradentes a Adriano, da assembleia, foi entregue na cadeia. Tempos depois foi medalhado com uma rajada de tiros. Flavio empregou a então esposa de Adriano, Danielle Mendonça da Costa, e a mãe, Raimunda Veras Magalhães.

O gestual da ‘arminha’ maculou a campanha, bem como a cena de fuzilar “a petralhada” no Acre. Ao votar contra Dilma Rosseuf, reverenciou o ex-chefe do Doi-Codi, o condenado Carlos Alberto Brilhante Ustra, síntese do sadismo assassino da ditadura. Na presidência estendeu o tapete vermelho de sangue para o facínora major Curió, comandante da repressão no Araguaia, que resultou em 41 mortes. O novo recruta, sargento Tainha Roberto Jefferson, já posou com armas. As analogias mortíferas contagiaram Paulo Guedes, que colocou uma granada no bolso do inimigo, o servidor público.

Agônico e marchando para a deterioração. Essa é a trajetória fúnebre do capitão flagelo. A escumalha é a borra de um dos mais vis embates, há 84 anos na Universidade de Salamanca, opondo civilização e barbárie. O general franquista, José Millán-Astray instigava a plateia fascista, no início da guerra civil espanhola. Coincidência, a palavra de ordem era liberdade: “Abaixo a inteligência e viva a morte”. Miguel de Unamuno, intelectual, reitor e ex-franquista que não se calou: “Às vezes o silêncio é mentir”.

Em nome da razão contra ignorância, da prevalência da ciência diante do obscurantismo, dos verdadeiros democratas em detrimento dos fascistas, do triunfo da verdade sobre a mentira, da civilização em desfavor da bestialidade, da predominância da paz contra o belicismo e, sobretudo, da afirmação da vida antepondo-se a morte, não é hora de silêncio, menos da mentira: nem cloroquina, nem tubaína. Desinfetem a latrina.

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MILITAR DA ATIVA E MILITAR DA RESERVA

Joaquim Falcão, Folha de S.Paulo

Existe o militar da ativa e o militar da reserva. Os militares da ativa e da reserva que trabalham no governo. E os que não trabalham. Existe a elite militar, e a tropa militar. E por aí vamos. Militar é gênero de múltiplas espécies.

Muitos tendem a perceber os militares como um só todo. Com obrigações, valores, missões, benefícios, ideologias, limites únicos. Como bloco uniforme e monolítico.

Não são, não. Diferem, e muito.

Toda a carreira do militar da ativa é formalizada, previsível e institucionalizada por critérios objetivados, diria o ministro Ayres Britto. Etapas adequadas ao mérito e treinamento que tiveram. O soldo é predeterminado. A hierarquia profissional prevalece. São obrigados ao silêncio obsequioso. São proibidos de se manifestar politicamente.

Já com o militar da reserva que vai para o governo, não. É opção individual. Depende de sua vontade e do convite político. O cargo no governo, seja no primeiro, segundo ou qualquer escalão, necessariamente não corresponde ao treinamento que receberam na ativa. Ao ir para o governo, a renda individual do militar da reserva, em geral, aumenta.

A hierarquia é outra. Às vezes, generais da reserva disputam publicamente posições dentro do governo. Falam, debatem e discordam em público. Mais ainda. Quando militar na ativa comete alguma falta, é julgado na Justiça Militar. De legislação e critérios próprios. Quando em cargo de governo, não. Generais vão depor diante de delegados. E, às vezes, são contraditados.

A evidência destas diferenças de posicionamento entre militar da ativa e militar da reserva, dentro do mesmo governo, está ficando cada vez mais nítida. Para o brasileiro, em geral. Globalmente também.
E, com certeza, gera tensões internas. E externas.

Como ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno enviou o seu alerta ao ministro Celso de Mello. Mas não assinou somente como ministro. Sua letra mostra que assinou como general. Qual, afinal, a identidade dos militares em cargos de governo? A que são obrigados? Por quem falam? É o que o Brasil quer saber.

Desde 1988, as Forças Armadas fizeram claro esforço para recuperar a imagem dos militares desgastada pela ditadura. Nacional e internacionalmente. Não somente por causa dos limites constitucionais. Mas por voluntária autolimitação.

Conseguiram. O que tem sido extremamente saudável para o Estado democrático de Direito.
Construíram confiança e legitimidade ao adotarem comportamento democrático diante do poder. Todas as pesquisas de opinião e de confiança nas instituições demonstraram o sucesso dessa política por anos.

As Forças Armadas, as igrejas e a imprensa são instituições em quem os brasileiros mais confiam.
Essa conquista das Forças Armadas é um ativo que não precisa correr nenhum risco. Mas deve estar passando agora por um “stress test”. Devido ao crescente número de militares da reserva assumindo cada vez mais cargos e responsabilidades no governo federal.

Os militares da reserva no governo não têm responsabilidade direta sobre a imagem da corporação como um todo. Mas interferem. Queiram ou não. A responsabilidade direta pela imagem é dos militares da ativa fora do governo.

Será que essa imagem vai passar imune a este período de extrema radicalização política?
Difícil saber. As tensões e diferenças internas entre militares movem-se como placas tectônicas. Mas é certo que política e governo são um risco às Forças Armadas.

Lembro muito de um episódio simbólico, no final do governo João Baptista Figueiredo. Houvera reunião de ministros da Cultura de vários países em Veneza. Representando o Brasil, foi, então secretário de Cultura, o designer pernambucano Aloísio Magalhães. Que sofreu um acidente vascular cerebral em pleno discurso que fazia.

Faleceu lá mesmo. Uma tragédia.

​Dias depois, alguns membros do Conselho da Fundação Pró-Memória foram a Brasília conversar com o ministro de Educação e Cultura, o general Rubem Ludwig. Que os surpreendeu ao dizer: “Quem deveria ter ido a Veneza era eu. Mas mandei o Aloísio. Não achei que a cultura brasileira deveria se apresentar ao mundo através de um general”.

Ou seja, há limites. Existem valores intangíveis para os militares ocuparem cargos no governo. E se politizarem.

Militar é carreira de Estado. Não de governo.

Joaquim Falcão

Doutor em educação pela Universidade de Genebra, mestre em direito pela Universidade Harvard, membro da Academia Brasileira de Letras e professor da Escola de Direito do Rio da FGV

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MIRANDO O PASSADO

Ascânio Seleme, O GLOBO

Que importância têm PT, PSOL, PCdoB? Nenhuma. No momento, nem oposição fazem corretamente. No futuro, talvez, mas terão de rebolar muito para conseguirem voltar a ter a preponderância que culminou nas eleições de Lula da Silva e Dilma Rousseff. Então, por que Bolsonaro, seus filhos, seus ministros mais engajados e toda a ala ideológica do governo não param de falar nesses partidos? Porque não têm mais desculpa para o fracasso político do chefão. O presidente, que poderia ter governado em paz, mesmo tocando aqui e ali sua tresloucada pauta conservadora, perdeu completamente o rumo e a liderança quando os escândalos de seus filhos começaram a bater em sua porta. E então apontou seus canhões para o passado.

Os alvos de Bolsonaro e sua turma passaram a ser os partidos de esquerda, sobretudo o PT, do qual o presidente se julga o verdadeiro antagonista. Por isso, todas as vezes que se vê confrontado parte para cima do que já passou, do que virou história. Discurso contra a bandeira vermelha é de uma obviedade sem limites. Atacar os governos de Lula e Dilma virou quase um bordão na boca do presidente e de seus aliados. O que eles fazem é explorar o sentimento de rejeição ao PT que transbordou pelos quatro cantos do país depois da desilusão provocada pelos escândalos do petismo.

Tem o mesmo valor o continuado discurso anticorrupção do clã, que também motiva a militância bolsonarista. Não há um dia em que Bolsonaro, um de seus zeros, um de seus ministros ou um aliado importante não fale que a era da corrupção acabou no país. Em seus monólogos para sua claque e alguns microfones na portaria do Palácio da Alvorada, Bolsonaro não se cansa de repetir: “querem a volta da corrupção”; “perderam a boquinha e querem a mamata de volta”; “estou há 500 dias no governo e não há nenhum caso de corrupção contra mim”. Claro que combater a corrupção é importante, mas não é tudo.

Alguém tem dúvida de que mais cedo ou mais tarde vão começar a eclodir casos de corrupção no governo, sobretudo agora que Bolsonaro embarcou a turma do centrão em postos que comandam orçamentos de bilhões de reais? Ninguém. Quando houver, têm de ser cortados, corrigidos e os responsáveis devem ser punidos. É assim que a banda toca. Esta é uma questão bem encaminhada no país. Com a Lava-Jato, abriu-se um caminho nunca antes trilhado no combate à corrupção. Nem por isso, aliás, Bolsonaro deixou de tirar seu ministro-símbolo, Sergio Moro, para poder manipular a Polícia Federal em favor dos meninos, da família e de amigos, como ele mesmo explicou.

Mas estes argumentos têm prazo de validade. Os militantes mais sofisticados e sinceros e menos engajados e radicais já começam a perceber que Bolsonaro quer tapar o sol que queima a todos com a peneira dos partidos de esquerda e os escândalos de corrupção da era petista. E, mais grave, usa uma cortina de fumaça para tentar esconder o que mais o apavora, a fragilidade dos filhos enrolados com a Justiça. Bolsonaro se exaspera, eleva a voz e xinga desbragadamente por um único motivo, percebe que a navalha se aproxima de sua garganta.

Os novos inimigos de Bolsonaro, Supremo e Congresso servem eventualmente como argumento substituto dos partidos de esquerda e da corrupção. Na ótica de sua excelência, tem a mesma intenção, impedir que o capitão purifique a nação do comunismo e da roubalheira. A indigência intelectual dessa lógica é óbvia, mas dela a turma do Palácio do Planalto não se afasta. Naquela já famosa reunião ministerial, quando Abraham Weintraub se volta na cadeira e aponta para a Praça dos Três Poderes, ele falava dos dois Poderes instalados ali do lado. Embora tenha mencionado apenas o Supremo, queria mandar prender também “os vagabundos” do Congresso. Seu gesto e sua fala não deixam margem para a dúvida.

O aloprado prestou depoimento ontem à Polícia Federal. Não disse nada, exercendo o direito de não produzir prova contra ele mesmo (e precisava?). Mas se tivesse falado, com certeza diria que defendia o Brasil, a moralidade e os bons costumes, que tratava retoricamente de um retrocesso do país ao tempo da corrupção e da ameaça vermelha. Weintraub é tão atrasado e retrógrado quanto Bolsonaro. Pior do que Bolsonaro, porque é de uma sabujice de fazer inveja ao Barão de Pindaré, um dos maiores puxa-sacos de Dom Pedro II. Weintraub é a prova incontestável de que este governo só mira o passado, mesmo quando tenta sobreviver no futuro.

Saudades de FH e Lula
Tolerância é a mola que movimenta a política. Sem ela, não se faz política. Os últimos presidentes brasileiros deram show de tolerância. Michel Temer foi objeto de uma denúncia de altíssima combustão, não saiu das páginas dos jornais e teve seu governo contaminado por ela, mas jamais perdeu a fleuma. Dilma foi impedida de continuar governando e nunca ameaçou qualquer tribunal ou casa legislativa. Lula foi julgado e acabou preso depois de ser denunciado em cinco casos de corrupção. Nem por isso ameaçou descumprir a sentença, apesar de aloprados ao seu redor aconselharem que não se entregasse ou se refugiasse numa embaixada. Fernando Henrique foi denunciado por compra de votos na emenda da reeleição e acusado no falso dossiê Cayman e nunca ameaçou virar o barco. Eram outros tempos.

Degenerativa
Professores gostam de dar nomes a etapas da História. Batizaram de “República do Café com Leite” a política dos anos 30, de “Nacional Populismo” a ditadura Vargas, de “Nova República” a transição democrática de Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. Chamaram de “Social-Liberalismo” a era FH, e de “Reformista” a de Lula. Difícil encontrar um nome para atual etapa da (turbulenta) vida nacional. Há os que já chamam o governo de Bolsonaro de “Neofascista”, mas o ex-deputado e professor de História Chico Alencar prefere a designação de “República Degenerativa do Brasil”. Faz sentido.

Reconhecendo a fake
A frase de Bolsonaro é esclarecedora. No monólogo irresponsável em que ameaçou não cumprir determinação do Supremo Tribunal Federal, produziu mais uma confissão de culpa: “(Querem tirar) a mídia que tenho a meu favor”. Oras, presidente, mídia a favor não se têm. Compra-se. No seu caso, o que existe é mídia paga ou ideologicamente comprometida. É mídia mentirosa, falsa e criminosa.

Indo às compras
Em qualquer lugar do mundo o gesto seria tratado como um acinte à Justiça. No Brasil desses dias parece apenas mais uma bobagem do presidente. Ao afirmar que o procurador Augusto Aras é merecedor de uma terceira vaga no STF, Bolsonaro mostrou que está disposto a pagar qualquer preço para o processo contra ele não caminhar no Supremo. Além de, embora diga que não, estar desejando a aposentadoria (ou a morte) precoce de um dos ministros do tribunal.

Ex-futuro ministro
Muito dificilmente o ministro da Justiça, André Mendonça, ganhará cadeira no Supremo Tribunal Federal. Pode até ser indicado para a vaga por Bolsonaro, mas depois da aberração que produziu, na forma de um habeas corpus em favor do colega Abraham Weintraub, a coisa se complicou para ele. Primeiro, será discretamente detonado pelos atuais ministros do STF. Depois, vai ter que se explicar no Senado onde será sabatinado. O problema é que seu caso não tem explicação.

Ódio a índio
O amalucado ministro da Educação disse naquela reunião memorável no Palácio do Planalto que tem “ódio da expressão povos indígenas”. Pois é. No início desta semana, o general Eduardo Pazuello, ministro interino da Saúde, inaugurou uma ala de hospital no Amazonas que atenderá exclusivamente a índios, onde disse: “A gente vai ter capacidade de recebê-los num local preparado para eles, na sua cultura, na sua essência como povo indígena”. E agora, Weintraub?

Influência
“Sou a deputada mais influente do Congresso, que mais tem visualização de vídeos”, disse esta semana, orgulhosa, Carla Zambelli. Saudades do tempo em que influência na Casa se media pela participação em comissões, pelo número de projetos aprovados, pela capacidade de aglutinar e produzir entendimentos.

Benedita fora
O jornalista José Maria Trindade, da Rádio Jovem Pan, comentando esta semana a ação da PF contra o governador do Rio, Wilson Witzel, lembrou que quatro dos últimos cinco mandatários estaduais já foram presos, só Benedita escapou. E disse que perguntou a ela por que nunca foi alcançada. Bené teria respondido, segundo Zé Maria, “fiquei pouco tempo, meu filho”.

Bacana SP 1
Casas chiques em subúrbios e condomínios elegantes no entorno de São Paulo, como Boa Vista e Terras de Itú, estão sendo alugadas para a quarentena por até R$ 100 mil por mês. O proprietário de uma dessas mansões alugou a sua por quatro meses e com o dinheiro comprou uma quitinete para sua filha nos Jardins.

Bacana SP 2
Outra novidade desta crise é o aumento importante do interesse por residências fora das áreas mais densas da cidade, já que as pessoas perceberam que dá para trabalhar sem sair de casa. Em São Paulo, o Jardim Guedala, um bairro bacana mas de baixíssima valorização, de repente virou o queridinho de quem tem algum dinheiro e quer sair da muvuca. Três casas foram vendidas na mesma rua do Jardim Guedala na semana passada. Uma delas estava encalhada há mais de dois anos.

Bacana SP 3
Quase todas as lojas de decoração da Alameda Gabriel Monteiro da Silva, em São Paulo, estão funcionando a todo vapor, apesar de não serem essenciais e por decreto estarem proibidas de abrir. Basta chegar e bater na porta. Muitos dos que alugaram casas no interior durante a pandemia estão aproveitando para fazer reformas nas suas casas paulistanas. E as lojas de decoração são indispensáveis numa hora dessa, não é mesmo?

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BOLSONARO, O AUTOR DAS CRISES

Editorial O Estado de S.Paulo

Com frequência, o presidente Jair Bolsonaro coloca-se como vítima. O discurso é de que seu governo enfrenta uma descomunal resistência por parte dos outros Poderes, da esquerda, da academia, da imprensa, dos organismos internacionais e de todos os que não estão de acordo com sua pauta “conservadora”. Tal perseguição seria a causa das muitas crises que o seu governo tem enfrentado. Ainda que amplamente difundida por seus robôs e apoiadores, essa retórica não tem nenhum fundamento na realidade. As crises, que com razão trazem crescente preocupação aos brasileiros, foram e são causadas apenas e tão somente por Jair Bolsonaro. É ele que deliberadamente tem insistido em produzir, a cada semana, uma nova instabilidade, uma nova fonte de atrito com todos os que não se dispõem a prestar-lhe vassalagem.

Foi Jair Bolsonaro que criou, por exemplo, a crise que desembocou na demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde. Não havia oposição à gestão de Mandetta. Ao contrário, era uma das poucas áreas do governo que recebiam elogio e reconhecimento de vários setores da sociedade. No entanto, para espanto de todos - afinal, o País começava a enfrentar o maior desafio de sua história na área da saúde -, o presidente Bolsonaro fez de tudo para se indispor com Mandetta.

Demitido Mandetta, Nelson Teich assumiu o cargo. Apesar do caráter inusitado da troca no meio da pandemia, houve por um tempo a expectativa de que a mudança na Saúde diminuiria as tensões, permitindo que a pasta realizasse o seu trabalho. Mas, para nova surpresa do País, em menos de um mês, Jair Bolsonaro indispôs-se com o ministro da Saúde, exigindo que ele tomasse medidas contrárias às evidências médicas. Novamente, não houve nenhuma ingerência externa a gerar desgaste para Nelson Teich. Foi Jair Bolsonaro que inviabilizou sua permanência na pasta.

Outra crise gerada exclusivamente pela atuação presidencial deu-se no Ministério da Justiça, com a demissão de Sérgio Moro, até então o ministro mais popular do governo. Jair Bolsonaro insistiu em realizar, contra a vontade de Moro e sem motivos plausíveis, a troca do diretor-geral da Polícia Federal (PF) Maurício Valeixo e do superintendente do órgão no Rio de Janeiro. Naquele momento, não havia nada pressionando a saída de Sérgio Moro da pasta da Justiça. Foi Jair Bolsonaro que inviabilizou a permanência do ex-juiz da Lava Jato no governo.

E foram precisamente essas ações do presidente da República que levaram o Supremo Tribunal Federal (STF) a abrir inquérito, a pedido da Procuradoria-Geral da República, para investigar possível interferência política na PF. Todo o País estava voltado para uma única questão - o enfrentamento da crise sanitária, social e econômica causada pela pandemia do novo coronavírus. A autonomia da PF não estava na pauta. Foi Jair Bolsonaro que criou essa crise que, por motivos óbvios, causou grave instabilidade.

Outra grave crise é a tensão entre o governo federal e o STF. Mais uma vez, seu criador se chama Jair Bolsonaro. Aqui, há um aspecto interessante, que põe por terra a retórica bolsonarista da perseguição contra o presidente. De forma escancarada, quem persegue e afronta é Jair Bolsonaro, com a participação ativa de seus apoiadores. Por exemplo, Bolsonaro tem comparecido frequentemente a manifestações que pedem nada mais nada menos que o fechamento do STF. Semanas atrás, o presidente Bolsonaro levou de surpresa uma turba de apoiadores para constranger o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, em seu gabinete. Nas redes sociais, a ofensiva contra o STF é assustadora. Poucos são os brasileiros que não recebem, todos os dias, alguma mensagem de ataque ou de ameaça das redes bolsonaristas contra integrantes do Supremo. E tudo isso porque o presidente Jair Bolsonaro se sente incomodado com decisões que lhe são desfavoráveis. Ora, o papel constitucional do STF é defender a Constituição, e não assentir a tudo o que o chefe do Executivo faça.

O País vive um momento especialmente delicado, por questões médicas, sociais e econômicas. Basta com a irresponsabilidade - verdadeiro escárnio com a população e o interesse público - de criar continuamente novas crises.

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QUANDO A MANICURE OUVE O PLANO GUEDES

Vinicius Torres Freire, Folha de S.Paulo

O que diriam donos de restaurantes ou lanchonetes, manicures, barbeiros, lojistas de roupas e sapatos, mestres de obras ou proprietários de negócios de consertar coisas se ouvissem o plano do governo para reparar a economia depois da catástrofe? Esses são os empresários mais típicos do Brasil. São milhões.

Os seus empreendimentos entram na categoria dos setores econômicos “comércio” e “outros serviços” (que inclui ainda profissionais liberais, saúde e educação privadas, entretenimento, cultura, esportes, hotéis etc.). Produzem mais de 31% do PIB (17% vêm só de “outros serviços”). Notem: o valor da produção da agropecuária é pouco mais de 5% do PIB; o da indústria, 11%.

Tamanho não é tudo, decerto. As contas do PIB são apenas contabilidade: dizem que, em certo período, produziu-se tanto. Não explicam nada. Por exemplo, não dizem se um setor é mais ou menos capaz de arrastar outros consigo (basta pensar nos negócios indiretos sustentados por montadoras, por exemplo).

Mas vê-se aí o tamanho de um problema. O setor “outros serviços”, como era de esperar, levou o maior tombo do PIB do primeiro trimestre.

O que o governo pensa em fazer para tirar o país da depressão da epidemia? Nada além do que fantasiava, tentava, pretendia ou prometia fazer antes da epidemia. É o que tem dito Paulo Guedes e foi o que disseram seus economistas ao comentar o PIB do primeiro trimestre.

O que acontecia com a economia brasileira pouco antes de a epidemia chegar? Nada além do que acontecia desde 2017, crescimento de 1% ao ano. Detalhes adiante.

O que é o programa do governo? O gasto extra para no fim deste 2020; cumpre-se o teto. Reformas: tributária, abertura comercial, mais trabalhista, novas leis de falências, saneamento e gás para incentivar investimento privado; concessões, que virariam obras em 2023, se tanto.

De um modo ou de outro (existem vários modos), é preciso tocar mesmo tais mudanças. Mas dizer que por isso o investimento privado vai voltar em volume considerável, se algum, é pensamento desejante. Essas ideias não têm correspondido aos fatos. Menos ainda sob a baderna subversiva bolsonarista.

A taxa de investimento até 2019 era de 15% do PIB, ainda menor que o nível mais baixo deste século, antes da recessão. Taxa de investimento: quanto do produto ou da renda nacional (do PIB) é destinado a aumentar a capacidade produtiva: novas fábricas, imóveis, máquinas etc.

A economia não decolava antes da epidemia. A indústria de transformação (“fábricas”) estagnara. O setor de serviços crescia a ninharia de 0,7% ao ano. O comércio, ao ritmo medíocre de 1,9%. A soma dos rendimentos do trabalho (“massa de rendimentos”) aumentava pouco e desacelerava desde novembro de 2019.

Na recessão deste 2020, teremos quase dois anos em um: vamos afundar algo próximo do mergulho sinistro de 2015-2016. Do fundo desse poço, o emprego levou dois anos para se recuperar e ficou mais informal, precário e inseguro.

A dívida das famílias em março já estava no nível mais alto da série, em 15 anos. As pessoas perderão empregos, seus negócios, patrimônio e reservas financeiras, se tinham. Os pequenos vão ter ainda menos acesso a crédito, pois suas finanças e garantias serão mais precárias, se sobrar algo.

De onde vai sair capital e/ou crédito para a reconstrução? Havendo recursos, e pensemos aqui também nos grandes, quem vai investir com a demanda deprimida e capacidade ociosa ainda maior do que já havia até 2019?

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ALGUMAS LIÇÕES DA COVID-19

José Roberto Mendonça de Barros, O Estado de S.Paulo

Após três meses de distanciamento social, muitos Estados e municípios iniciam uma cuidadosa volta à normalidade. Embora em poucos lugares se tenha decretado o fechamento total (lockdown), o confinamento começou a mostrar resultados onde a pandemia se iniciou, que é o Estado de São Paulo. Em particular, no município da capital o processo está mais avançado, como se pode verificar pelo comportamento de uma curva que mostra a evolução da média móvel de sete dias de novos óbitos, que parece estar se estabilizando. Um indicador adicional é que a pressão sobre o número de leitos de UTI disponíveis amenizou.

Durante esse período, um número limitado, porém relevante, de setores teve desempenho satisfatoriamente bom. São eles:

– O agronegócio, que foi capaz de colher uma safra recorde e encaminhá-la para os mercados.

– A logística, incluindo a chamada última milha, que é a entrega no endereço do comprador final.

– O comércio exterior, especialmente na exportação de produtos agrícolas, que tem batido recordes. Em boa parte, isso se deve à automação de terminais e sistemas de despacho de caminhões e trens, que acabou com boa parte do congestionamento nos portos.

– O sistema financeiro, no qual a generalização do “home banking” é anterior ao “home office”. Nenhuma transação deixou de ser feita.

– O segmento de telecomunicações e de tecnologia da informação (TI), incluindo as empresas de base tecnológica.

– Os setores do comércio ligados a alimentação, higiene, limpeza e farmacêutica, bem como suas indústrias fornecedoras.

– Os serviços de saúde e assistência, inclusive com expressiva elevação de emprego e de recursos provenientes de doações do setor privado.

Esses segmentos têm algumas características comuns: todos tiveram muita agilidade na introdução de protocolos para evitar a difusão do vírus, sem parar a produção e colocar em perigo a saúde dos funcionários. Todos atendem às necessidades básicas das famílias.

Têm sido objeto de inovações tecnológicas, elevação da produtividade e redução de custos. Isso é chave. No caso da saúde, são muitos os exemplos: desenvolvimento e produção de equipamentos e serviços, inclusive respiradores, equipamentos auxiliares nos tratamentos e em cirurgias, desenvolvimento de novos testes, nacionalização na produção de certos sais etc.

Vários desses segmentos têm se beneficiado da desvalorização cambial, especialmente porque os itens não comercializáveis, como salários e logística, ficaram mais baratos em dólares. Por exemplo, pela primeira vez na história, a logística de grãos em Mato Grosso ficou mais barata que a logística do Meio-Oeste americano.

Existe uma clara indução para a adoção de processos automatizados, até para garantir o distanciamento social e evitar o contato com cartões e dinheiro ou automação de segurança residencial.

Durante esse período, muitas oportunidades novas se tornaram visíveis, desde as decorrentes da expansão da área da saúde aos diversos serviços prestados a distância e a possibilidade de nacionalização de vários materiais e equipamentos.

É uma chance que não poderemos perder, desde que a nova produção já se inicie minimamente competitiva dada a desvalorização da moeda brasileira. Entretanto, se for para pedir subsídios em Brasília, será melhor nem começar.


O que mais impressiona na gravação da reunião ministerial é a total falta de propósito, de agenda e de rumo. Uma sucessão de falas desarranjadas, patéticas e algumas alucinadas, incluindo armar grupos de militantes. O maior problema do País, o coronavírus, não foi nem sequer mencionado.

É impossível dar certo qualquer empreendimento com esse corpo diretivo. Especialmente, o Brasil.

E não se pode dizer que isso é por conta do STF.

*Economista e sócio da MB Associados.

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A BOA NOTÍCIA

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

Para quem imagina, ou teme, que tudo está perdido, eis a boa notícia: as instituições e os setores responsáveis da sociedade se movem contra a escalada que vai de impropérios imbecis a ameaças perigosas. Não há reuniões secretas pela madrugada, apenas a velha e boa troca de impressões, informações e perplexidade, à luz do dia. Em plena pandemia, todos conversam freneticamente e há uma saudável resistência democrática no País.

O primeiro passo é contar a verdade, desmontar a versão de que o presidente Jair Bolsonaro é a vítima e que os palavrões e absurdos de 22 de abril foram “desabafo” de um homem perseguido com sua família, amigos e aliados. Afinal, quem ameaça quem? Quem ataca e quem é vítima? Quem precisa de um “basta, pô!”? Certamente, quem faz discurso em atos que se apropriam das cores e símbolos nacionais, com o QG do Exército ao fundo, para atacar a democracia e a ordem constituída.

E não é de hoje. Quem disse que “basta um soldado e um cabo para fechar o Supremo”? Faz apologia de “rupturas”? Comanda o “gabinete de ódio”? Insiste em intervir em PF, Coaf, Receita? Desafia até protocolos universais de saúde em atos contra o Legislativo e o Judiciário?

O senso de dever e responsabilidade uniu os desiguais do Supremo, pôs as cúpulas do Congresso e de partidos de barbas de molho, mexeu com o instinto democrático da mídia, reanimou velhas associações de belo passado e presente inerte e a até a discreta Sociedade Brasileira de Psiquiatria deu um grito pela democracia. A Igreja Católica anda mais quieta do que a história exige, mas as entidades judaicas acusam indignação com o uso de Israel em vão. Cresce a consciência do que se passa no País, cresce a resistência.

As Forças Armadas não passam ao largo disso. Nelas pululam dúvidas, discordâncias, o temor de quebra de uma imagem exemplar. Em nome do que? Do falso dilema entre defender Bolsonaro dos próprios fantasmas ou ser devoradas por dragões comunistas imaginários que estão sob cada cama, ministério, instituição? Louve-se o silêncio dos comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica. O general Augusto Heleno tentou consertar sua frase sobre “consequências imprevisíveis” e o vice Hamilton Mourão descartou golpes e aventuras militares com desprezo, ironia.

No artigo “O militar surtou”, no Estadão, Manuel Domingos Neto, ex-vice-presidente do CNPq e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED), lembra a presença decisiva das FA na engenharia, topografia, desenho, infraestrutura, artes, ciência, história, matemática, veterinária, logística, aeronáutica. E provoca: para hoje os militares se imiscuírem com terraplanistas, criacionistas, inimigos da razão? Contra a ciência e as pesquisas? Artigos assim servem de boia para militares que querem distância de fake news e golpes.

O mais objetivamente grave da reunião de 22 de abril foi o presidente encarnar Hugo Chávez: “Eu quero todo mundo armado. Povo armado jamais será escravizado”. Não é bravata. Partiu de quem já condecorou e empregou familiares de líder de milícias, derrubou portarias do Exército sobre armas e multiplicou munições nas ruas, enquanto mete as polícias no bolso. Como ficam as FA se milicianos armados tentarem invadir o Supremo, as polícias lavarem as mãos e o circo da democracia pegar fogo? É melhor prevenir do que remediar.

Em 31/03/2019, no texto “Construir, não destruir”, descrevi o que há de comum entre os projetos do capitão Bolsonaro e do coronel Chávez de alimentar as milícias e espancar Judiciário, Legislativo e mídia para instalar suas crenças e delírios de poder. O Brasil, porém, jamais será uma Venezuela. Nem pela direita, nem pela esquerda. Há resistência e é à luz do dia.

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O QUE FALTA É CORAGEM

Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo

Da internet vieste, à internet voltarás. Esse parece ser o pesadelo que assola os atuais líderes políticos brasileiros, de todos os partidos, em todas as instâncias. Aqueles que os eleitores colocaram em postos de comando sem saber que dali a poucos anos seríamos assolados por uma pandemia.

Do presidente ao vereador, os incumbidos de tomar decisões que definirão se sairemos antes ou depois desse pesadelo, com mais ou menos mortes e no fundo ou a meio caminho dele no poço econômico, todos pautam suas ações pela repercussão nas redes sociais, por um cálculo mesquinho de perdas e ganhos políticos e por pouca ou nenhuma ciência, o que explica que estejamos no pior dos mundos sob todos os ângulos.

A covardia é um dos atributos que mais contribuem para a maneira tresloucada com que Jair Bolsonaro investe contra as instituições, o bom senso e a saúde pública. Trata-se de um Forrest Gump, aquele personagem que chegou lá por acaso. Estava passando no momento exato da História em que a corrupção desbragada cometida pelo lulopetismo levou uma parcela da sociedade a um surto de eleger qualquer coisa menos um petista.

Bolsonaro sabe que se não fossem o petrolão, as redes sociais e a facada que levou em 6 de setembro de 2018 jamais chegaria à Presidência da República com seu clã da rachadinha, seus amigos milicianos, seu passado desairoso no Exército e na Câmara, sua absoluta falta de ideias sobre qualquer coisa, seu time de ressentidos vingativos e seu saco de gato ideológico que junta tudo de mais atrasado que existe em termos de teorias da conspiração disponíveis no mundo.

Por isso vê inimigos em toda parte e, quando colocado diante de um desafio concreto que o obriga a governar, não tem a menor ideia de o que fazer. Aí faz o que sabe: cria encrenca, cria fantasias – que podem ser nióbio, pílula do câncer, mamadeira de piroca ou cloroquina, ao sabor do momento – e sai atrapalhando qualquer esforço de conduzir o navio para longe do iceberg.

Deputados, senadores, governadores e prefeitos, eleitos na mesma onda de pane coletiva da razão, olham para um presidente desgovernado e agem entre a omissão e uma crítica medrosa.

Pior: muitos deles acabam cedendo aos mesmos critérios anticientíficos e irrazoáveis para lidar com a pandemia. Não há outra explicação a não ser capitulação à pressão do próprio Bolsonaro, de empresários e de prefeitos para o governador de São Paulo, João Doria, que vinha adotando um discurso de que pautaria suas ações pela ciência e por dados, ter tomado uma medida tão desastrosa quanto anunciar a abertura da economia a partir desta semana, inclusive na capital, quando está morrendo mais gente do que nunca e os hospitais vão colapsar. Faltou coragem de persistir na linha que ele mesmo traçou, e o desvio de rota pode custar muito mais caro.

E os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre? São espectadores robustos de um espetáculo diário de diminuição do tamanho do Parlamento, enquanto se limitam a notas de repúdio descoladas da gravidade do momento.

Se os eleitos estão atados à própria covardia, resta o Judiciário, que tem agido. Como o rol dos pusilânimes inclui também o procurador-geral da República, Augusto Aras, que dorme e acorda sonhando com uma vaga no Supremo, cabe à corte tentar impor freios à barbárie e ao contrassenso. O problema é que há meios legítimos e outros questionáveis para que o tribunal exerça esse seu papel de freios e contrapesos.

Diante dessa balbúrdia institucional, o melhor para o brasileiro é continuar em casa o quanto puder, porque se depender de seus homens públicos não há segurança para sair na rua sem saber se vamos ser assolados pelo vírus ou por um golpe de Estado. Ou por ambos.

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LIVRO APONTA TUTELA DE MILITARES NA REPÚBLICA

José Murilo de Carvalho, O GLOBO

As Constituições determinam o papel dos atores políticos. Vejamos como as nossas definiram o das Forças Armadas.

1824: sem papel político e policial.

Art. 47: “A Força Militar é essencialmente obediente; jamais se poderá reunir, sem que lhe seja ordenado pela autoridade legítima”.

Art. 48: “Ao Poder Executivo compete privativamente empregar a Força Armada de Mar e Terra, como bem lhe parecer conveniente à segurança e defesa do Império”.

1891: com papel político e policial.

Art. 14: “As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da pátria no exterior e à manutenção das leis no interior. A força armada é essencialmente obediente, dentro dos limites da lei, aos seus superiores hierárquicos, e obrigada a sustentar as instituições constitucionais”.

1934: com papel político e policial.

Art. 162: como em 1891. Acrescenta nas atribuições: “defesa da ordem e da lei”.

1937: sem papel político e policial.

Art. 161: “As forças armadas são instituições nacionais permanentes, organizadas sobre a base da disciplina e da fiel obediência à autoridade do presidente da República”.

1946: papel político e policial.

Art. 176: “As FA […] são instituições nacionais permanentes […] sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei”.

Art. 177: “Destinam-se as FA a defender a pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem”.

1967: papel político e policial.
Art. 92: repete 1946, trocando “poderes constitucionais” por “poderes constituídos”.

1988: papel político e policial.

Art. 142: “[como em 1946] organizadas […] sob a autoridade suprema do PR, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Foi longo e difícil o debate sobre este artigo, feito sob forte pressão do ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves. Mas a disputa deu-se em torno da expressão “garantia da lei e da ordem”. Segundo os críticos, ela podia dar margem a golpismo. Este dispositivo, no entanto, estava presente, com pequenas nuanças de redação, desde a Constituição de 1891, passando pelas de 1934, 1946 e 1967.

Hoje, creio que a atribuição mais grave é colocar as Forças Armadas como garantidoras dos poderes constitucionais, presente desde 1891. Houve uma reviravolta na interpretação desse papel. Em 1891, ironicamente, a Constituição proibia o que o Exército acabara de fazer: desrespeitar as instituições constitucionais. Mesmo assim, deixou uma saída intervencionista ao acrescentar “dentro dos limites da lei”. Juarez Távora não viu na limitação qualquer obstáculo à revolta dos tenentes: eles sabiam definir o que era ou não legal.

Hoje, a garantia dos poderes constitucionais tornou-se a justificativa preferida pelas FA para definir seu papel e justificar sua intervenção. A mais recente manifestação desta postura foi o alerta ameaçador do general Augusto Heleno a propósito de eventual apreensão do celular do presidente. A apreensão, se levada a efeito, seria uma tentativa de “comprometer a harmonia entre os poderes”, com “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”. Um dispositivo que, inicialmente, visava a impedir intervenção, passou a ser justificativa de intervenção. A Constituição imperial dizia no artigo 98: “O Poder Moderador […] é delegado privativamente ao Imperador […] para que vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos”. Temos uma República julgada incapaz de se autogovernar, sujeita à tutela de um novo Poder Moderador.

*José Murilo de Cavalho é historiador

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SENHORA DESMATAMENTO

Ana Estela de Sousa Pinto, via Jornal de Brasília

Bruxelas, Bélgica – Em meio a uma investida ambiental da União Europeia que pode afetar interesses de exportadores brasileiros, a ministra da Agricultura do Brasil, Tereza Cristina, foi descrita como “senhora desmatamento” e “musa do veneno” em reportagem publicada nesta sexta (29) pelo jornal francês Le Monde.

Os apelidos não são novos, mas desde 2019 os papéis de vilão no duelo com a França vinham sendo do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e do presidente Jair Bolsonaro, enquanto Tereza Cristina corria o mundo para convencer parceiros internacionais de que o descontrole ambiental não interessa ao agronegócio brasileiro.

No auge da crise do desmatamento, no final do ano passado, a ministra fechou acordos na Ásia e no Oriente Médio enquanto Bolsonaro chamava a França de imperialista e Salles travava a Conferência do Clima.

O enfoque do Le Monde para publicar a entrevista com a ministra da Agricultura, feita em novembro de 2019, mostra que a imagem pela qual ela vinha trabalhando está sendo afetada por números da gestão Bolsonaro.

Na mesma semana em que o ministério lançou um programa de bioinsumos, Tereza Cristina ganhou como gancho recordes de desflorestamento. “Na Amazônia brasileira, desde o início do ano, 1.202 km² de floresta tropical desapareceram, mais de 1.400 campos de futebol por dia”, descreve o jornal -uma alta de 55% no ano, como mostrou reportagem da Folha de S.Paulo.

Entre 1º e 30 de abril, com a pandemia de coronavírus acelerando no Brasil, os alertas de corte raso de floresta feitos pelo sistema Deter, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), saltaram 64% em comparação ao mesmo período do ano anterior. Foram derrubados 405,61 km² de floresta no mês passado, ante 247,39 km² de 2019.

Segundo o Le Monde, “a temida e influente ministra da Agricultura do Brasil é uma dama de ferro dedicada ao agronegócio, cujas políticas acabaram de levar a um novo recorde de desmatamento”.

A reinclusão de Tereza Cristina na narrativa europeia sobre a atitude antiambiental brasileira vai além dos meios de comunicação. Governos nacionais e a Comissão Europeia (o Executivo da União Europeia) deram sinais concretos na direção de tornar mais rígidas as regras de acordos comerciais como o que o Mercosul negociou com a UE e pretendia ver assinado e ratificado neste ano.

O vídeo em que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defende que o governo aproveite a crise do coronavírus para aprovar reformas infralegais, incluindo alterações ambientais ainda corria os gabinetes europeus, mas o que preocupava exportadores brasileiros era outra notícia: o anúncio pela Comissão Europeia de duas propostas que podem afetá-los em cheio: a Estratégia para a Biodiversidade e a “Farm to Fork” (da fazenda ao garfo).

Elas preveem até 2030 uma redução de 50% no uso de pesticidas, 20% no uso de fertilizantes químicos, 50% no uso de antibióticos na criação de animais e a ampliação para 25% da área destinada a agricultura orgânica, além do aumento na proteção de reservas florestais.

As regras, se aprovadas pelo Parlamento Europeu e pelos 27 países membros, passam a valer para todos os alimentos importados pela União Europeia. Além disso, França e a Holanda pediram à UE que “mostre os dentes” nos tratados comerciais, transformando o cumprimento de regras ambientais em cláusula essencial desses acordos.

Uma revisão da política comercial europeia já foi anunciada pelo comissário Phil Hogan para este ano, e a proposta franco-holandesa fará parte do debate. Se adotada, ela facilita a retirada de benefícios comerciais por causa da alta de desmatamentos, como vem ocorrendo no Brasil.

O desmatamento na Amazônia que será divulgado em novembro deste ano será muito maior que o de 2019, de acordo com projeções feitas a partir de dados computados pelo Deter, sistema do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) de monitoramento da floresta em tempo real, feitas pelo biólogo João Paulo R. Capobianco, ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente (2003-2008).

Os números mostram que o desmatamento acumulado entre agosto de 2019 e o final de abril deste ano chegou a 5.666,10 km2, número é 94,4% acima do registrado em abril 2019 e 83,7% acima da média dos últimos quatro anos para esse mês. No ano, a taxa deverá ficar entre 12 mil km2 e 16 mil km2, uma das piores escaladas de aumento na destruição da floresta. O resultado deve reverter totalmente os ganhos obtidos com a implantação Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia, lançado em 2004.

Nesse cenário, as declarações de Salles dão munição a políticos ambientalistas. No Parlamento Europeu, a eurodeputada alemã Anna Cavazzini, do Partido Verde, viu no vídeo “a confirmação inconcebivelmente descarada de algo que o governo Bolsonaro está fazendo há semanas: desmantelando passo a passo os regulamentos de proteção da Amazônia, enquanto o mundo combate o coronavírus”.

Cavazzini, que é porta-voz de política comercial dos Verdes europeus, se opõe ao acordo de livre comércio como Mercosul por causa do que chamou de “ameaça de um colapso ecológico na iminente temporada de queimadas”, em entrevista à agência DW.

“O acordo aumenta a pressão sobre a Amazônia e a política de Bolsonaro já viola todas as obrigações ambientais previstas no pacto”, afirmou ela.

Para o diretor executivo da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), Eduardo Leão de Sousa, o Brasil tem sido vítima de “ataques de grupos organizados europeus, com o intuito de evitar a ratificação do tratado e criar barreiras comerciais protecionistas”.

Mas a oposição de eurodeputados não se limita ao Partido Verde. De centro-direita, Pascal Canfin, presidente da comissão ambiental do Parlamento Europeu, já declarou que o acordo da UE com o Mercosul não seria ratificado, porque contradiz os planos da Europa de enfrentar a emergência climática.

Canfin é figura central na discussão, no Parlamento, das novas regras propostas pela Comissão para agricultura e biodiversidade. “A UE é a primeira potência comercial do mundo, por isso temos que usar esses acordos comerciais para contribuir com nossa visão do que é a globalização correta”, afirmou ao Guardian.

Além de aprovação no Parlamento Europeu, o acordo comercial precisa ser ratificado por cerca de 35 parlamentos nacionais e regionais no continente. Além da França e da Holanda, o acordo deve encontrar resistência da Áustria, em que o Partido Verde integra a coalizão governista. No programa do novo governo, apresentado em fevereiro, o premiê austríaco, Sebastian Kurz, disse que buscaria uma “rejeição do acordo comercial do Mercosul em sua forma atual”.

O parlamento da Áustria já havia adotado em setembro moção para obrigar o governo a vetar a ratificação do acordo no Conselho da UE (que reúne os líderes dos 27 membros do bloco).

Se descontrole na Amazônia pode arrastar o tratado comercial e dificultar exportações de pecuária e soja, são as mudanças na política ambiental europeia que preocupam setores como o de frutas, que vende para o continente 70% de todo o volume exportado.

Com maior incidência de microorganismos por causa do clima mais úmido, o Brasil pode encontrar problemas para cumprir as reduções no uso de químicos se esses novos requisitos não forem acompanhados de uma aceleração na oferta de produtos biológicos, diz Jorge Souza, da Abrafrutas.

Segundo Souza, que costuma receber missões de inspeção europeias, a tendência a aumentar restrições é irreversível. “A sociedade urbana europeia é cada vez mais sensível ao tema, e qualquer dano à imagem do produto brasileiro é sério, seja fato ou não”, diz ele, que foi por dez anos exportador de banana-prata produzida em Minas Gerais.

Segundo o executivo, para reagir a isso é preciso cumprir a lei -“nosso código já é dos mais rigorosos do mundo”- e melhorar a comunicação com o consumidor. “Qualquer notícia diferente disso, na Amazônia ou fora dela, é comercialmente muito ruim.”

Leão, da Unica, diz que o etanol brasileiro já é reconhecido como o biocombustível de primeira geração que mais reduz as emissões de gases de efeito estufa (70%, no mercado europeu), se comparado ao combustível fóssil, que o Brasil é o país com o maior número de empresas certificadas e que espera que “os fatos prevaleçam sobre interesses econômicos pontuais”.

A maré, no entanto, está virando contra o Brasil na União Europeia, segundo consultores e advogados que participam de negociações comerciais. Além de uma tendência mais protecionista incentivada pela crise do coronavírus, a burocracia da UE está concentrada nas negociações do brexit.

As novas regras de relacionamento da Europa com o Reino Unido precisam estar prontas até o final deste ano, se o governo britânico não pedir prorrogação de prazo (o que precisa fazer no próximo mês), e a expectativa é que isso também empurre o acordo com o Mercosul para um “momento político mais propício”.

Enquanto isso, do outro lado do canal da Mancha, a embaixada do Brasil em Londres fez circular a primeira edição de um novo boletim em inglês, “AgriSustainability Matters” (a sustentabilidade agrícola é importante), que, como diz o nome, tem como objetivo combater a visão de que o agronegócio brasileiro desrespeita o ambiente.

Nessa edição, o articulista convidado foi o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, que ocupou de 2003 a 2006 a pasta pela qual responde hoje Tereza Cristina.

As informação são da FolhaPress

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O RONCO DOS FRACOS

Editorial Folha de S.Paulo

A população já sabe que não deve levar a sério o que diz o presidente Jair Bolsonaro. Ainda assim, é forçoso anotar, até como registro para a posteridade, que, no dia 28 de maio de 2020, o chefe de Estado do Brasil afirmou, referindo-se a decisões do Poder Judiciário: “Ordens absurdas não se cumprem”.

O mandatário, que jurou submissão à Carta democrática de 1988, atravessava mais um surto autoritário. Crivado de derrotas nos tribunais, com um inquérito do Supremo tendo na véspera fechado o cerco sobre a máquina de difamações e ameaças alimentada por familiares e assessores próximos, Bolsonaro voltou a cevar a franja de lunáticos golpistas que o apoia.

“Mais um dia triste na nossa história. Mas o povo tenha certeza, foi o último. Acabou,...” e proferiu mais um de seus palavrões habituais. Pouco antes, o deputado federal Eduardo Bolsonaro declarara, num encontro de carnívoros da truculência, que a ruptura era questão de quando, não mais de se.

Os rugidos são inversamente proporcionais ao dano que essas figuras liliputianas da política brasileira podem causar à institucionalidade. Configuram-se, na verdade, sintomas do enfraquecimento e do isolamento progressivos de Jair Bolsonaro e seu círculo de fanáticos.

Em pleno século 21, decorridos 35 anos de enraizamento da democracia na sociedade e na máquina administrativa, não há hipótese de retrocesso às quarteladas do passado. Elas eram compatíveis com um país muito mais simples, quase simplório, e com um contexto global maniqueísta. Isso, sim, acabou.

O presidente da República que decida afrontar uma ordem do Poder Judiciário não disporá de tanques como salvaguarda. Enfrentará as consequências criminais e políticas que o ato estúpido implica. O parlamentar que, como Eduardo, reincide ao invocar rupturas autoritárias tem encontro marcado com o Conselho de Ética da sua Casa.

O presidente que rosnou perante a turma de agitadores violentos que o bajula no famigerado cercadinho do Alvorada foi o mesmo que, ordeiramente, ingressou com recurso no Supremo para tentar evitar o depoimento do ministro da Educação que havia insultado a corte.

O ensaio de rebeldia de Abraham Weintraub —que faria mais jus a ser titular de uma pasta da Ignorância— tampouco se materializou. Nesta sexta (29), bovinamente, cumpriu seu dever de comparecer ao depoimento no inquérito que apura ameaças a membros do STF e exerceu o direito de ficar em silêncio. Calado, aliás, é um poeta.

Nada garante que não haverá novas operações como a que alvejou bolsonaristas na quinta (27). Mas, se o presidente quiser reduzir sua probabilidade, basta andar entre as linhas traçadas pela Constituição.

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sábado, 30 de maio de 2020

DO JEITO ERRADO E SEM A MAIORIA

Editorial O Estado de S.Paulo

Em seus arroubos contra as instituições, o presidente Jair Bolsonaro gosta de se colocar como fiel escudeiro da vontade popular. A proximidade com o cidadão comum seria seu baluarte. Segundo o discurso bolsonarista, todo o restante seria secundário, o importante seria a conexão do presidente Bolsonaro com o sentimento majoritário da população brasileira, o que lhe autorizaria a fazer o que bem entender. O povo estaria incondicionalmente ao lado de Bolsonaro – ao lado dessa espontaneidade sem regras, freios ou protocolos.

Ainda que entusiasme os camisas pardas, esse discurso está muito distante da realidade. Na verdade, há algum tempo a maioria da população desaprova o modo como Jair Bolsonaro governa. A maioria não está ao seu lado, como indica, entre outras sondagens, a última pesquisa do Datafolha, realizada nos dias 25 e 26 de maio.

A avaliação do presidente Jair Bolsonaro é ruim ou péssima para 43% dos brasileiros. É o maior porcentual de rejeição desde o início do governo. Os que o consideram ótimo ou bom são 33%; e regular, 22%. Na comparação com os outros três presidentes anteriores – Fernando Henrique, Lula da Silva e Dilma Rousseff –, nesse mesmo tempo de governo, Jair Bolsonaro tem a pior avaliação.

A respeito do comportamento do presidente Jair Bolsonaro, 37% consideram que ele nunca se comporta de forma adequada. Em posição oposta, 13% acham que Bolsonaro se comporta adequadamente em todas as ocasiões. A rejeição é quase três vezes maior, mostrando o equívoco de dizer simplesmente que o País está dividido em relação a Bolsonaro. Há sim apoiadores do presidente, mas o fato é que existem muito mais pessoas descontentes com seu modo de governar.

Quanto à avaliação do desempenho do presidente da República em relação à pandemia, os números são ainda piores para Jair Bolsonaro. Metade dos brasileiros (50%) avalia como ruim ou péssimo o desempenho de Bolsonaro na pandemia. Aqueles que o consideram ótimo ou bom são 27%; e regular, 22%. A esse respeito, são significativas as quedas na avaliação positiva do Ministério da Saúde nos últimos dois meses, após as demissões de Luiz Henrique Mandetta e de Nelson Teich. Jair Bolsonaro pode achar que faz impunemente o que bem entender, mas a população não viu com bons olhos a atuação presidencial na Saúde.

Outro dado é que, para a maioria dos brasileiros (53%), o presidente da República tem responsabilidade, em alguma medida, pelo avanço da pandemia. Para 33% dos entrevistados, Bolsonaro é muito responsável pelo atual quadro; e para 20%, “um pouco responsável”. Vê-se que a maioria da população não acha nenhuma graça com o “e, daí?” de Bolsonaro, em relação ao número de mortes pela covid-19.

E não é apenas uma única pesquisa a mostrar a rejeição a Bolsonaro. Realizada em 28 de maio, a sondagem da XP/Ipespe aponta, por exemplo, que, para 49% dos brasileiros, o governo de Bolsonaro é ruim ou péssimo; para 26%, ótimo ou bom; e para 23%, regular. Novamente, fica evidente a desproporção da rejeição. O número de pessoas que desaprovam o governo de Jair Bolsonaro é quase o dobro das que o aprovam.

Com 17 meses de governo, é evidente que a rejeição a Bolsonaro não é nenhuma torcida contra o País ou para que o governo fracasse. É antes a decepção de quem, no início de 2019, nutria expectativas de que o novo governo pudesse trazer melhorias ao País, mas que, decorrido menos de ano e meio, vê com cansaço um quadro desolador de irresponsabilidades, ações destemperadas, conflitos desnecessários e prevalência de interesses familiares.

Trata-se de um fato: a maioria da população não apoia o modo de Jair Bolsonaro governar. Além disso, está claro, a essa altura, que esse jeito de conduzir o País, criando continuamente conflitos com outros Poderes, não lhe traz nenhum apoio popular adicional. Não se pode nem mesmo dizer que Bolsonaro esteja consolidando uma base de apoio, pois esta é cada vez menor. O que cresce é a oposição a ele. Por que não fazer do jeito certo, governando dentro dos limites constitucionais, com planejamento, competência e responsabilidade? Talvez assim Bolsonaro experimentasse uma sensação inédita – a de ver crescer o número de pessoas que aprovam o seu governo.

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HOMICÍDIOS EM ALTA

Raul Jungmann, Blog do Noblat – VEJA

Em meados de 2017 o índice nacional de homicídios, ascendente por décadas, principiou a desacelerar e, no ano seguinte, surpreendentemente, caiu pela primeira vez em cinco anos. Ao final de 2018 a redução tinha sido de 10%, um feito a comemorar. Em 2019, a tendência se manteve e a queda foi maior, de 19%, numa redução de 10.000 mortes a menos.

Surgiram então as mais diversas teorias e explicações para tal queda. Para uns, teria sido a redução dos massacres dentro do sistema prisional. Para outros, as razões seriam: a ocorrência de mudanças nas dinâmicas do crime, uma maior articulação entre as polícias, os centros de operação e inteligência integrados – saldo dos grandes eventos (Copa do Mundo e Olimpíadas) e, por fim, a mudança demográfica em curso, com a redução de jovens e adolescentes vulneráveis.

Da minha parte defendi que a queda dos índices fora fruto da ação dos governos estaduais, face à proximidade das eleições de 2018. Sabiam os governadores que teriam no julgamento da população sobre a segurança pública um aspecto chave para o seu sucesso nas eleições. Com a chegada do atual governo federal ao poder, o discurso de imediato foi o de chamar para si a queda nacional dos homicídios. Ela seria fruto da transferência de alguns líderes de facções criminosas de penitenciárias estaduais para unidades federais e de uma maior atuação da Polícia Federal no combate às drogas etc.

Para nós era evidente, e sem descartar o efeito positivo dessas medidas, que elas eram insuficientes para justificar uma queda dos homicídios daquela ordem e em escala nacional. Quando à frente do Ministério da Segurança, desenvolvemos ações várias, como a coordenação de todas as polícias do país no combate à pedofilia, ao feminicídio, e homicídios, vinculação de recursos das loterias ao Fundo Nacional de Segurança, implantação do Pró- Segurança no BNDES com R$ 40 bilhões, dentre outras. E criamos o Susp, Sistema Único de Segurança Pública.

Não obstante a contribuição dessas medidas, jamais nos consideramos protagonistas da queda dos índices. Afinal, são os estados que cuidam, legal e executivamente, da questão da violência e da segurança pública, através das polícias, judiciário e ministério público estaduais e não o governo federal.

Pelos dados divulgados pelo Monitor da Violência, os homicídios subiram de janeiro de 2020 para cá, 11%, portanto antes do início da pandemia, sem que tivéssemos mudanças palpáveis nas causas apontados para a queda dos homicídios registrada anteriormente. E por que caíram, então? Pela razão de que o fôlego fiscal e a injeção de recursos dos governos estaduais na segurança de 2017/ 2018, esgotou-se, lamentavelmente.

Nesse contexto, urge (i)implantarmos o SUSP e de dotarmos o pais de um efetiva política e um sistema de segurança pública, que coordene os esforços da união, dos estados e municípios; (ii) enfrentarmos a crise do nosso sistema prisional, superlotado e nas mãos das facções criminosas; (iii) revermos nossa atual política de drogas; (iv) despolitizar, reformar e equipar materialmente e de recursos humanos qualificados nossas polícias; e (v) desenvolver um amplo programa nacional de prevenção social focado na juventude vulnerável.

*Raul Jungmann – ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Teme

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HÁ 15 ANOS NO AR

Em 30 de maio de 2005 estreou o blog político Sou Chocolate e Não Desisto. Um dos primeiros blogs de política do país, atrás apenas do blog do jornalista Ricardo Noblat que teve suas atividades iniciadas em abril de 2004.

Com 5.479 dias no ar, mais de 4,6 milhões de visitas dos seis continentes, a cada dia o blog tem se destacado na blogosfera. Nesses 14 anos, o blog Sou Chocolate e Não Desisto participou de alguns prêmios, entre eles o TopBlog, a maior premiação voltada para a blogosfera brasileira.

Desde a criação do Prêmio TopBlog em 2009, o nosso blog tem ficado entre os 100 blogs (2009, 2010, e 2012) mais votados na categoria política/pessoal pelo júri popular. Em 2011, em segundo lugar pelo júri acadêmico.  Em 2013 ficamos em terceiro lugar pelo júri popular. Neste ano, ficamos entre os 100 blogs mais votados pelo júri popular.

É uma honra ter o reconhecimento desse trabalho. A responsabilidade a cada dia aumenta. Obrigado a todos os leitores, amigos e parceiros. Valeu, galera!

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DIÁRIO DA CRISE

Do Blog do Gabeira

Diário da Crise LXX

Hoje é sábado, um dia muito especial nos Estados Unidos. A semana foi de protestos, incêndios e quebradeiras. O governador de Minesota espera que o movimento seja muito mais intenso hoje.

Trump decidiu acionar o Exército pois a Força Nacional não deu conta, foi ultrapassada pelos manifestantes em número cada vez maior.

A onda de protestos percorre os Estados Unidos. Alguns já ligam a morte de George Floyd, o negro assassinado, às mortes dos negros com Covid19. Não consigo respirar  – esta frase ecoa pelo país e unifica a morte de Floyd com as outras.

O Cvid19 pode ser combatido com vacina mas o racismo é algo que leva décadas para ser vencido.

Passei a manhã lendo e achei que curioso que o matador, o policial Derek Chauvin e Loyd tenham trabalhado numa mesma casa noturna de Mineapolis. Provavelmente não tenham interagido naquela época.

Também no Brasil o número de negros e pardos mortos na pandemia de Covid19 são maioria. São dados do Ministério da Saúde.

O número de pessoas que se declaram negras cresceu muito de 2012 para 2018. Hoje temos uma população negra assumida de 19 milhões de pessoas. Somados aos classificados como pardos formam a maioria.

Um dos pontos em discussão nos EUA que certamente pode interessar no Brasil é o papel do presidente Trump comparado com o de outros presidentes que viveram crise semelhante.

Trump se apresenta como um guerreiro e não um conciliador, alguém que busca a luta e não a paz. Muito possivelmente suas insinuações de que a multidão amotinada deveria ser tratada a tiro colocou lenha na fogueira.

É muito cedo para saber onde tudo isso vai parar. Mas é hora de estudar o caso americano e aprender com ele, pois os problemas são semelhantes. E os estilos presidenciais, infelizmente, também são parecidos.

O foguete especial Space X foi lançado com dois tripulantes a bordo. Um terraplanista escreveu hoje: gastam fortunas para nos convencer que a terra é redonda, usando truques sofisticados de computação. Não vamos nos calar.

Bravo.

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E DAÍ ?

Merval Pereira, O GLOBO

O procurador-geral da República, Augusto Aras, não consegue nem mesmo entrar no elevador cheio na sede de Brasília da instituição que preside, tamanho o desconforto que está provocando entre seus pares.

A proximidade excessiva, quase obscena, com o presidente Bolsonaro, a quem cabe a Aras julgar no caso da interferência na Polícia Federal, traz o descrédito ao corpo de procuradores. Não é por acaso que surgiu o abaixo-assinado, com assinaturas de mais da metade dos componentes do Ministério Público, para tornar lei a praxe de o presidente da República ter que escolher de uma lista tríplice o ocupante do cargo.

Aras colocou-se à margem da corporação, não participando da disputa, atitude que agradou a Bolsonaro. Mesmo assim, a revolta interna o atinge, a ponto de ter havido uma reação branca dos procuradores, que se recusaram a ajudá-lo a escrever a manifestação da PGR contra o inquérito das fake news.

Em Brasília, já há quem o chame de procurador-geral do Bolsonaro. Ou quem diga que o governo tem hoje três pessoas exercendo o cargo de advogado-geral da União: o próprio, José Levi, o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, e o procurador-geral da República, Augusto Aras.

Os dois últimos, por sinal, disputando vagas no Supremo Tribunal Federal, a cenoura com que Bolsonaro lhes acena para conseguir que assumam tarefas incompatíveis com os cargos que ocupam. Por isso, há no Congresso uma movimentação para aprovar uma lei que impediria que o procurador-geral da República fosse reconduzido ao cargo, e também exigiria uma quarentena para que pudesse assumir cargo no governo depois de terminar seu mandato.

Mendonça, por exemplo, não seria o mais indicado para assinar a petição do habeas corpus para o ministro da Educação, Abraham Weintraub, no Supremo Tribunal Federal. Seria tarefa de José Levi, mas Bolsonaro queria que o ato tivesse uma demonstração política de repúdio à convocação de seu ministro e de todos os que foram alvo da ação da Polícia Federal na quarta-feira. É esse tipo de solidariedade política que Bolsonaro exigia, e nunca obteve, de Sergio Moro.

Aliás, este governo é tão disfuncional que, na fatídica reunião ministerial, Bolsonaro estranhou que ministros fossem elogiados enquanto ele recebia críticas da imprensa. Criou-se até uma campanha nas mídias sociais estimulando elogios ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, para que fosse demitido por ciúmes de Bolsonaro.

O humor tem sua razão de ser, mas, de repente, Weintraub, que estava sob críticas de alas do Planalto que o consideram, além de incompetente, um gerador de atritos com a sociedade, passou a ser um símbolo dos extremistas após ter dito na reunião que colocaria “os vagabundos do Supremo” na cadeia.

Temeu ser preso, exigiu uma proteção oficial, gerando o tal habeas corpus. Chamado a depor, ficou em silêncio, numa atitude de protesto, embora legal. Ganhou alguns meses de vida. Ontem, foi condecorado pelo presidente Bolsonaro com a Ordem do Mérito Naval, ao lado do procurador-geral da República (do Bolsonaro?), Augusto Aras.

A desenvoltura com que o presidente utiliza-se dos instrumentos institucionais para fazer política é surpreendente. Usa condecorações oficiais para mandar recados, vai a posse de procuradores sem ser convidado para elogiá-los numa tentativa de constrangê-los, coloca Augusto Aras oficialmente numa lista de nomes para o Supremo Tribunal Federal, humilhando-o publicamente. Distribui cargos a rodo para o centrão, sem o menor pudor.

Talvez esteja indo com muita sede ao pote, temendo que os inquéritos em andamento o peguem desprevenido no meio do caminho. Tal qual o governador do Rio, Wilson Witzel, seu antigo amigo e hoje inimigo figadal, Bolsonaro e seus filhos foram apanhados muito cedo pela Justiça. Como Michel Temer, terá que dedicar o resto do mandato a salvar a sua pele e a dos seus. E daí?

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O TRUNFO E A FRAGILIDADE

Alon Feuerwerker, Análise Política

O presidente da República opera a política de um jeito fixo, na ofensiva o tempo todo. Mais ainda agora quando entende que as instituições ensaiam cercá-lo. Para romper a tentativa de cerco ele mira no elo mais fraco, o desgaste delas junto à sociedade. E apoia-se na figura mais preservada da demolição institucional dos anos recentes: as Forças Armadas. Vai dar certo?

Depende também de como será executado. Mas é uma tentativa, sem dúvida.

Ganha a guerra não necessariamente quem tem mais recursos, ganha quem sabe empregá-los com mais eficiência. Algo que funciona é concentrar o fogo no ponto mais débil da linha de defesa adversária. Para um governo e um presidente acossados por subestimar o SARS-CoV-2 é ouro em pó ver introduzida a variável da corrupção nas iniciativas destinadas a enfrentar a pandemia.

Jair Bolsonaro vem acumulando pontos na sacola. Livrou-se do festejado ministro da Saúde e do festejadíssimo ministro da Justiça. O custo de imagem foi baixo. O custo político foi próximo de zero. E decepou uma perna da resistência congressual quando dividiu o dito centrão e atraiu o presidente do Senado. O da Câmara dá sinais de entender a nova situação.

Quem tem o poder só perde a iniciativa por distração ou imperícia. Mas de vez em quando os súditos rompem a barreira do ponto crítico e passam a não mais suportar a dominação, se o custo de enfrentar o poder é menor que o de continuar passivo. As medições de popularidade nem sempre conseguem calcular isso. Muitas vezes o problema cresce silenciosamente. Você só percebe quando é tarde.

Uma coisa que ajuda é olhar sempre para o ponto futuro, para onde caminham as tendências. A favor de quem opera a inércia. Se nada acontecer, acontece o quê? Se ninguém introduzir o fato novo relevante, no final dá em quê?

A inércia está em parte a favor do presidente. Os governadores, alguns disfarçando, organizam a reabertura das atividades econômicas mesmo na subida da Covid-19. Pois não há mais condições políticas de segurar, especialmente na população que ganha menos e na turma que depende das atividades informais. Só quem continua podendo ficar em casa são os de renda garantida.

E os governadores e prefeitos têm um encontro marcado com o calendário eleitoral. Pode até atrasar umas semanas, mas vai acontecer.

Mas a inércia também joga contra. O exercício do poder faz acumular descontentamentos, mágoas, ressentimentos, insatisfações. Em última instância é sempre o governo quem acaba organizando e engrossando a oposição. Acontece novamente agora na Praça dos Três Poderes.

Por enquanto, a dificuldade momentânea de os insatisfeitos juntarem-se todos contra ele ajuda Bolsonaro.

O governo supõe que capturar um punhado de votos congressuais vai ser suficiente para neutralizar o cerco e a tentativa de aniquilamento. Ou que vai conseguir intimidar todos os potenciais inimigos o tempo todo, ou por tempo suficiente. Ou que as barreiras que separam os inimigos entre eles serão para sempre mais fortes que o desejo, de todos e de cada um, de se livrar de Sua Excelência.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

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Publicado originalmente na revista Veja 2.689, de 03 de junho de 2020

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