Maíra Nunes Renata Rios,
Correio Braziliense
Depois da divulgação, na última sexta-feira, da nota do
Ministério do Meio Ambiente (MMA) sobre a redução de recursos para proteção da
Amazônia e do Pantanal, o governo decidiu recuar, ao menos, em relação ao corte
de R$ 60 milhões previsto já para o Orçamento de 2020. O dinheiro não será mais
contingenciado. DIante desse vaivém, uma das principais vozes políticas no
Brasil pela valorização dos recursos naturais e do desenvolvimento sustentável,
a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva aponta, em entrevista ao Correio, o
“desmonte das políticas públicas na área de proteção ambiental” por parte do
governo de Jair Bolsonaro como o principal motivo para o quadro preocupante da
atualidade. “Há conivência do governo com desmatadores ilegais, com os que
tocam fogo na floresta, com garimpeiros ilegais e grileiros”.
Conhecida pelo trabalho como ministra, que exerceu de 2003 a
2008, no governo Lula, Marina Silva acumula 33 anos de vida pública, tendo
concorrido três vezes à Presidência da República. Foi deputada estadual e
senadora pelo Acre e é reconhecida pela conduta política dentro e fora do
Brasil. Entre as conquistas que obteve à frente da pasta está o Plano de Ação
para Prevenção e o Controle do Desmatamento da Amazônia Legal, que integrou 14
ministérios e resultou na queda do desmatamento na Amazônia em 57% em três
anos, além do desmantelamento de centenas de empresas ilegais. Aos 62 anos, a
historiadora e professora filiada à Rede Sustentabilidade também critica a
condução do país em meio à pandemia: “Está entre as piores do mundo”. Marina
destaca, ainda, as ações do Congresso diante da maior crise sanitária do
século, criticando a postura do PT e do PSDB por “continuarem não querendo
reconhecer os erros que cometeram”, e pondera que ser oposição, hoje, no Brasil,
é “sobretudo estar focado em dar respostas para a defesa da saúde pública, da
dignidade humana e defender a democracia.” Veja os principais trechos da
entrevista.
O Brasil registra aumento do desmatamento e das
queimadas. De que forma a senhora enxerga esse momento do país?
No ano passado, já tivemos um grande aumento na taxa de desmatamento. Neste
ano, estamos tendo, novamente, uma taxa muito alta e, olha, isso é reflexo do
desmonte das políticas públicas na área de proteção do meio ambiente. O ministério
(do Meio Ambiente) foi desmontado. Ele foi enfraquecido orçamentariamente e do
ponto de vista de gestão e político. Tudo isso, deliberadamente. Além do mais,
todos os sinais políticos que são passados é de que há conivência do governo
com desmatadores ilegais, com os que tocam fogo na floresta, com garimpeiros
ilegais e grileiros. Essa é a triste realidade que faz com que o desmatamento
aumente de forma desenfreada. Há um discurso e uma prática que, o tempo todo,
demonstra, claramente, uma relação de conivência com os ilegais, que demonstra
uma expectativa de que haverá impunidade. Não vamos nos esquecer de que o
Brasil domina formas institucionais legais de gestão de como combater
desmatamento. O Brasil tem experiência exitosa do ponto de vista legal, de
gestão e operacional nisso. O Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento é
reconhecido no mundo inteiro como a maior e melhor política pública de
enfrentamento ao desmatamento.
Pode detalhar o Plano de Prevenção do Desmatamento?
Ele era sustentado em três diretrizes: combater práticas ilegais, apoiar as
atividades produtivas sustentáveis e fazer o ordenamento territorial e
fundiário. Ele não só evitou desmatamento, como ampliou as áreas protegidas. Só
no ano passado, no governo de Jair Bolsonaro, o Brasil foi responsável pela
destruição de um terço das florestas virgens do mundo. De 2003 a 2008, durante
a minha gestão como ministra do Meio Ambiente, nós fomos responsáveis por 74%
das áreas protegidas criadas no mundo. Fomos responsáveis por reduzir o
desmatamento em 83% durante 10 anos. Nesse período, fomos o país que mais
reduziu a emissão de CO2 no âmbito do Protocolo de Quioto. Como a nossa maior
emissão era em função das queimadas e dos desmatamentos, que estavam caindo, o
Brasil pôde ser o primeiro país em desenvolvimento a assumir meta de redução de
CO2. Tudo isso é uma demonstração de que é possível fazer. Como se não
bastasse, fizemos isso quando a economia cresceu, em média, de 3% a 4% ao ano;
o agronegócio, mais de 2%; enquanto o desmatamento caía.
Qual o impacto que os danos ambientais produzem na imagem
do Brasil no resto do mundo?
Não podemos falar só dos danos à imagem, mas, sim, dos danos reais. O Brasil
perdeu inteiramente o protagonismo no cenário ambiental mundial e passou a ser
um pária ambiental. O Brasil era altamente respeitado em negociações
internacionais e, agora, passou a ter restrições de investimentos, porque a
União Europeia está indo no caminho de implementação de objetivos do
investimento sustentável. O Brasil vai na contramão de tudo e de todos. A
pressão que acontece sobre investidores — e a própria consciência dessas
pessoas — é de que chegamos no limite em relação às emissões de CO2, à
destruição de biodiversidade, dos ecossistemas e dos serviços ecossistêmicos.
Ela faz com que, agora, os investimentos estejam sendo retirados do Brasil. Os
prejuízos já são políticos, econômicos e, consequentemente, sociais. É muito
grave um país na situação em que estamos, com metade da população
economicamente ativa sem trabalho, que vai encolher o PIB em mais de 5%, ter
esses investimentos sendo suspensos, acordos comerciais rompidos e uma série de
prejuízos à nossa agricultura. São prejuízos reais por uma ação deliberada do
governo. Hoje, o agronegócio brasileiro paga o preço daqueles que acharam que
era um bom negócio flexibilizar a proteção do meio ambiente — um péssimo
negócio político, social, econômico e ambiental.
É possível reverter os danos gerados pelo aumento do
desmatamento?
É possível. O governo não faz isso porque não quer. Não fez porque desmontou o
que vinha funcionando, cortou orçamento e tem aliança com o que há de mais
atrasado em relação à Amazônia. É possível reverter isso. O Plano de Prevenção
e Controle do Desmatamento é uma experiência concreta em três dimensões. Basta
colocar para funcionar. No ano passado, no auge das queimadas, nós,
ex-ministros do Meio Ambiente, levamos uma proposta para os presidentes da
Câmara e do Senado sugerindo medidas concretas, que, se tivessem sido feitas,
não estaríamos vivendo o que estamos vivendo com essa intensidade de agora. E
teríamos dado outro sinal aos investidores, não sinais de imagem, de discurso e
de propaganda. Até as áreas úmidas do Brasil estão pegando fogo, como é o caso
do Pantanal. O Fundo Amazônia foi desarticulado, uma parte dos recursos era
para um programa de combate às queimadas, e outra parte, para pesquisas e
desenvolvimento sustentável. Agora, o governo federal fez o Plano Safra e não
cobrou contrapartida ambiental, enquanto deveria ter incentivado a agricultura
de baixo carbono. Tudo isso ajuda a reverter o processo, mas o nível de
desarticulação e empoderamento com criminosos é tão alto que não é fácil
reverter, mesmo fazendo todos os esforços.
Em meio à pandemia, como a senhora avalia a gestão do
governo federal em relação ao novo coronavírus?
Sem sombra de dúvidas, está entre as piores do mundo. É muito grave um país na
situação em que estamos, com metade da população economicamente ativa sem
trabalho, que vai encolher o PIB em mais de 5%, ter esses investimentos sendo
suspensos, acordos comerciais rompidos e uma série de prejuízos à nossa
agricultura. Temos uma situação em que o próprio presidente da República
desmoralizou, desincentivou e desqualificou as orientações da comunidade
científica, de sanitaristas, de médicos e da Organização Mundial da Saúde
(OMS), levando o nosso país a esta situação de milhões de pessoas infectadas e
com mais de 100 mil pessoas que perderam a vida. E ainda em um platô altíssimo
de contaminação e de mortalidade. Então, é a pior condução. Só não está sendo
pior, ainda, porque há uma ação do Congresso; houve um esforço para que
houvesse um socorro emergencial para a sociedade e, bem ou mal, há ação dos
estados.
Em quais ações, na opinião da senhora, o governo está
deixando a desejar?
Não vamos nos esquecer de que o projeto que o governo mandou originalmente de
ajuda emergencial foi de R$ 200. Quem fez o esforço e os debates políticos para
ampliar esses recursos foi o Congresso Nacional. Não vamos nos esquecer que os
indígenas foram entregues à própria sorte. Quem fez o esforço para ter um plano
emergência aos nossos indígenas foi a deputada Joenia (Wapichana — Rede), com
outros senhores parlamentares, na frente indígena, com o apoio do Supremo. Não
vamos nos esquecer de que o presidente da República vetou, praticamente, o
projeto inteiro, deixando só a emenda e o nome do autor; e que foi o Congresso
quem derrubou os vetos de Bolsonaro. Não vamos nos esquecer de que, em uma
pandemia em que se precisa proteger a educação, foi preciso um esforço enorme
da sociedade e do parlamento para se aprovar o Fundeb (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica), e que o governo era contra.
O Sistema Único de Saúde (SUS) se fortaleceu em meio à
pandemia?
O SUS, que eu sempre defendi, é uma grande aquisição da sociedade brasileira,
da luta de sanitaristas, de médicos preocupados com a saúde pública e com os
mais vulneráveis. Nós teríamos uma situação de completa crise humanitária sem
precedentes se não tivéssemos o Sistema Único de Saúde como temos, com todas as
suas dificuldades e precariedades. Inclusive, neste momento, até pessoas que
antes tinham uma visão crítica do SUS, agora, reconhecem a sua importância. Com
certeza, ele sai reconhecido e, assim, deve ser fortalecido. É onde nós temos o
atendimento aos mais vulneráveis e onde temos pesquisa de ponta em vários
setores, como a FioCruz (Fundação Oswaldo Cruz).
Existe uma crítica sobre a falta de união da oposição ao
governo Bolsonaro. Como analisa esta cobrança?
A primeira coisa que se tem que ter claro é que esse termo genérico, como se a
oposição fosse homogênea, não existe. Naquilo que é fundamental para os
interesses do país se tem tido uma ação concreta dentro do Congresso. Em
relação ao Fundeb, houve uma articulação ampla, que, inclusive, extrapolou a
questão de oposição ou não oposição. A renda básica emergencial não seria
estabelecida se não fosse a ação do Congresso, no qual há diferentes segmentos
da oposição e que fizeram um papel fundamental. Existe um campo do qual eu participo,
que fazem parte, também, PSB, PDT, Cidadania e PT, que tem trabalhado muito
articulado para que possamos ter uma ação, em primeiro lugar, em defesa dos
interesses da sociedade brasileira. Hoje, ser oposição é, sobretudo, estar
focado em dar respostas para a defesa da saúde pública, da dignidade humana e
defender a democracia. Esse é um trabalho que deve e precisa ser feito.
Acredita ser real o risco à democracia no Brasil?
Ainda que o presidente faça de conta que está operando no dispositivo "paz
e amor", no primeiro teste ao qual foi submetido, ele ameaça esbofetear o
jornalista que faz uma pergunta. Temos uma situação que a defesa da democracia
se compõe da necessidade de respeito à Constituição, à autonomia dos Poderes, à
liberdade de imprensa, à garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana.
Tudo isso que o tempo todo esse governo ameaça.
“(A gestão do governo federal em relação à pandemia)
Está, sem sombra de dúvidas, entre as piores do mundo. Estamos sem ministro da
Saúde há cinco meses na crise de saúde pública mais grave deste século. Temos a
execução dos recursos da saúde que são vergonhosos diante da necessidade que
têm estados e municípios”
“É muito grave um país na situação em que estamos, com
metade da população economicamente ativa sem trabalho, que vai encolher o PIB
em mais de 5%, ter esses investimentos sendo suspensos, acordos comerciais
rompidos e uma série de prejuízos à nossa agricultura”
“O SUS, que eu sempre defendi, é uma grande aquisição da
sociedade brasileira. Nós teríamos uma situação de completa crise humanitária
sem precedentes se não tivéssemos o SUS como temos, com todas as suas
dificuldades e precariedades”