segunda-feira, 31 de agosto de 2020

MONARQUIAS REPUBLICANAS

Hélio Schwartsman, Folha de S.Paulo
Suécia, Dinamarca e Noruega não são Repúblicas —são monarquias constitucionais—, mas levam o princípio republicano da igualdade entre os cidadãos mais a sério do que muitas autoproclamadas Repúblicas. Ali, são mínimas as distinções legais entre pessoas comuns e políticos.
Na Suécia, por exemplo, como relata Claudia Wallin em “Um País sem Excelências e Mordomias”, não é incomum ver o premiê usando transporte público para chegar ao Parlamento ou empurrando seu carrinho de compras no supermercado, já que lá geladeira cheia à custa do contribuinte não está entre as prerrogativas do cargo.
Eu não poderia concordar mais com essa ideia. Exceto por recepções oficiais, não encontro nenhum bom motivo para pagarmos as refeições do presidente e sua família, assim como não me parece haver razão para parlamentares terem mais direito à liberdade de expressão do que outras pessoas. Todos devem tê-la na maior amplitude possível.
Não penso que verei em vida o fim das benesses, mas considero positivo o movimento que o STF vem esboçando nos últimos anos para reduzir imunidades e desaforamentos, ainda que a forma hesitante e nem sempre consistente sob a qual as decisões foram tomadas tenha produzido muita confusão.
Chegamos finalmente ao caso Witzel. Os indícios de desvios que pesam contra o governador parecem fortes, mas achei temerária a decisão do STJ de tirá-lo do cargo por decisão monocrática e sem nem sequer ouvi-lo. Tribunais superiores tiram sua força da colegialidade. Teria feito mais sentido esperar alguns dias para reunir a corte especial do STJ e aí, se fosse o caso, decidir pelo afastamento liminar ou até pela prisão preventiva.
Meu ponto é que precisamos proteger o mandato eletivo conferido pela população sem blindar a pessoa física do político, mesmo que isso signifique colocar dirigentes para despachar da cadeia. É estranho, mas não inédito no Brasil.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".
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"BRASIL VIROU UM PÁRIA AMBIENTAL"

Maíra Nunes Renata Rios, Correio Braziliense
Depois da divulgação, na última sexta-feira, da nota do Ministério do Meio Ambiente (MMA) sobre a redução de recursos para proteção da Amazônia e do Pantanal, o governo decidiu recuar, ao menos, em relação ao corte de R$ 60 milhões previsto já para o Orçamento de 2020. O dinheiro não será mais contingenciado. DIante desse vaivém, uma das principais vozes políticas no Brasil pela valorização dos recursos naturais e do desenvolvimento sustentável, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva aponta, em entrevista ao Correio, o “desmonte das políticas públicas na área de proteção ambiental” por parte do governo de Jair Bolsonaro como o principal motivo para o quadro preocupante da atualidade. “Há conivência do governo com desmatadores ilegais, com os que tocam fogo na floresta, com garimpeiros ilegais e grileiros”.
Conhecida pelo trabalho como ministra, que exerceu de 2003 a 2008, no governo Lula, Marina Silva acumula 33 anos de vida pública, tendo concorrido três vezes à Presidência da República. Foi deputada estadual e senadora pelo Acre e é reconhecida pela conduta política dentro e fora do Brasil. Entre as conquistas que obteve à frente da pasta está o Plano de Ação para Prevenção e o Controle do Desmatamento da Amazônia Legal, que integrou 14 ministérios e resultou na queda do desmatamento na Amazônia em 57% em três anos, além do desmantelamento de centenas de empresas ilegais. Aos 62 anos, a historiadora e professora filiada à Rede Sustentabilidade também critica a condução do país em meio à pandemia: “Está entre as piores do mundo”. Marina destaca, ainda, as ações do Congresso diante da maior crise sanitária do século, criticando a postura do PT e do PSDB por “continuarem não querendo reconhecer os erros que cometeram”, e pondera que ser oposição, hoje, no Brasil, é “sobretudo estar focado em dar respostas para a defesa da saúde pública, da dignidade humana e defender a democracia.” Veja os principais trechos da entrevista.
O Brasil registra aumento do desmatamento e das queimadas. De que forma a senhora enxerga esse momento do país?

No ano passado, já tivemos um grande aumento na taxa de desmatamento. Neste ano, estamos tendo, novamente, uma taxa muito alta e, olha, isso é reflexo do desmonte das políticas públicas na área de proteção do meio ambiente. O ministério (do Meio Ambiente) foi desmontado. Ele foi enfraquecido orçamentariamente e do ponto de vista de gestão e político. Tudo isso, deliberadamente. Além do mais, todos os sinais políticos que são passados é de que há conivência do governo com desmatadores ilegais, com os que tocam fogo na floresta, com garimpeiros ilegais e grileiros. Essa é a triste realidade que faz com que o desmatamento aumente de forma desenfreada. Há um discurso e uma prática que, o tempo todo, demonstra, claramente, uma relação de conivência com os ilegais, que demonstra uma expectativa de que haverá impunidade. Não vamos nos esquecer de que o Brasil domina formas institucionais legais de gestão de como combater desmatamento. O Brasil tem experiência exitosa do ponto de vista legal, de gestão e operacional nisso. O Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento é reconhecido no mundo inteiro como a maior e melhor política pública de enfrentamento ao desmatamento.
Pode detalhar o Plano de Prevenção do Desmatamento?

Ele era sustentado em três diretrizes: combater práticas ilegais, apoiar as atividades produtivas sustentáveis e fazer o ordenamento territorial e fundiário. Ele não só evitou desmatamento, como ampliou as áreas protegidas. Só no ano passado, no governo de Jair Bolsonaro, o Brasil foi responsável pela destruição de um terço das florestas virgens do mundo. De 2003 a 2008, durante a minha gestão como ministra do Meio Ambiente, nós fomos responsáveis por 74% das áreas protegidas criadas no mundo. Fomos responsáveis por reduzir o desmatamento em 83% durante 10 anos. Nesse período, fomos o país que mais reduziu a emissão de CO2 no âmbito do Protocolo de Quioto. Como a nossa maior emissão era em função das queimadas e dos desmatamentos, que estavam caindo, o Brasil pôde ser o primeiro país em desenvolvimento a assumir meta de redução de CO2. Tudo isso é uma demonstração de que é possível fazer. Como se não bastasse, fizemos isso quando a economia cresceu, em média, de 3% a 4% ao ano; o agronegócio, mais de 2%; enquanto o desmatamento caía.
Qual o impacto que os danos ambientais produzem na imagem do Brasil no resto do mundo?

Não podemos falar só dos danos à imagem, mas, sim, dos danos reais. O Brasil perdeu inteiramente o protagonismo no cenário ambiental mundial e passou a ser um pária ambiental. O Brasil era altamente respeitado em negociações internacionais e, agora, passou a ter restrições de investimentos, porque a União Europeia está indo no caminho de implementação de objetivos do investimento sustentável. O Brasil vai na contramão de tudo e de todos. A pressão que acontece sobre investidores — e a própria consciência dessas pessoas — é de que chegamos no limite em relação às emissões de CO2, à destruição de biodiversidade, dos ecossistemas e dos serviços ecossistêmicos. Ela faz com que, agora, os investimentos estejam sendo retirados do Brasil. Os prejuízos já são políticos, econômicos e, consequentemente, sociais. É muito grave um país na situação em que estamos, com metade da população economicamente ativa sem trabalho, que vai encolher o PIB em mais de 5%, ter esses investimentos sendo suspensos, acordos comerciais rompidos e uma série de prejuízos à nossa agricultura. São prejuízos reais por uma ação deliberada do governo. Hoje, o agronegócio brasileiro paga o preço daqueles que acharam que era um bom negócio flexibilizar a proteção do meio ambiente — um péssimo negócio político, social, econômico e ambiental.
É possível reverter os danos gerados pelo aumento do desmatamento?

É possível. O governo não faz isso porque não quer. Não fez porque desmontou o que vinha funcionando, cortou orçamento e tem aliança com o que há de mais atrasado em relação à Amazônia. É possível reverter isso. O Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento é uma experiência concreta em três dimensões. Basta colocar para funcionar. No ano passado, no auge das queimadas, nós, ex-ministros do Meio Ambiente, levamos uma proposta para os presidentes da Câmara e do Senado sugerindo medidas concretas, que, se tivessem sido feitas, não estaríamos vivendo o que estamos vivendo com essa intensidade de agora. E teríamos dado outro sinal aos investidores, não sinais de imagem, de discurso e de propaganda. Até as áreas úmidas do Brasil estão pegando fogo, como é o caso do Pantanal. O Fundo Amazônia foi desarticulado, uma parte dos recursos era para um programa de combate às queimadas, e outra parte, para pesquisas e desenvolvimento sustentável. Agora, o governo federal fez o Plano Safra e não cobrou contrapartida ambiental, enquanto deveria ter incentivado a agricultura de baixo carbono. Tudo isso ajuda a reverter o processo, mas o nível de desarticulação e empoderamento com criminosos é tão alto que não é fácil reverter, mesmo fazendo todos os esforços.
Em meio à pandemia, como a senhora avalia a gestão do governo federal em relação ao novo coronavírus?

Sem sombra de dúvidas, está entre as piores do mundo. É muito grave um país na situação em que estamos, com metade da população economicamente ativa sem trabalho, que vai encolher o PIB em mais de 5%, ter esses investimentos sendo suspensos, acordos comerciais rompidos e uma série de prejuízos à nossa agricultura. Temos uma situação em que o próprio presidente da República desmoralizou, desincentivou e desqualificou as orientações da comunidade científica, de sanitaristas, de médicos e da Organização Mundial da Saúde (OMS), levando o nosso país a esta situação de milhões de pessoas infectadas e com mais de 100 mil pessoas que perderam a vida. E ainda em um platô altíssimo de contaminação e de mortalidade. Então, é a pior condução. Só não está sendo pior, ainda, porque há uma ação do Congresso; houve um esforço para que houvesse um socorro emergencial para a sociedade e, bem ou mal, há ação dos estados.
Em quais ações, na opinião da senhora, o governo está deixando a desejar?

Não vamos nos esquecer de que o projeto que o governo mandou originalmente de ajuda emergencial foi de R$ 200. Quem fez o esforço e os debates políticos para ampliar esses recursos foi o Congresso Nacional. Não vamos nos esquecer que os indígenas foram entregues à própria sorte. Quem fez o esforço para ter um plano emergência aos nossos indígenas foi a deputada Joenia (Wapichana — Rede), com outros senhores parlamentares, na frente indígena, com o apoio do Supremo. Não vamos nos esquecer de que o presidente da República vetou, praticamente, o projeto inteiro, deixando só a emenda e o nome do autor; e que foi o Congresso quem derrubou os vetos de Bolsonaro. Não vamos nos esquecer de que, em uma pandemia em que se precisa proteger a educação, foi preciso um esforço enorme da sociedade e do parlamento para se aprovar o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), e que o governo era contra.
O Sistema Único de Saúde (SUS) se fortaleceu em meio à pandemia?

O SUS, que eu sempre defendi, é uma grande aquisição da sociedade brasileira, da luta de sanitaristas, de médicos preocupados com a saúde pública e com os mais vulneráveis. Nós teríamos uma situação de completa crise humanitária sem precedentes se não tivéssemos o Sistema Único de Saúde como temos, com todas as suas dificuldades e precariedades. Inclusive, neste momento, até pessoas que antes tinham uma visão crítica do SUS, agora, reconhecem a sua importância. Com certeza, ele sai reconhecido e, assim, deve ser fortalecido. É onde nós temos o atendimento aos mais vulneráveis e onde temos pesquisa de ponta em vários setores, como a FioCruz (Fundação Oswaldo Cruz).
Existe uma crítica sobre a falta de união da oposição ao governo Bolsonaro. Como analisa esta cobrança?

A primeira coisa que se tem que ter claro é que esse termo genérico, como se a oposição fosse homogênea, não existe. Naquilo que é fundamental para os interesses do país se tem tido uma ação concreta dentro do Congresso. Em relação ao Fundeb, houve uma articulação ampla, que, inclusive, extrapolou a questão de oposição ou não oposição. A renda básica emergencial não seria estabelecida se não fosse a ação do Congresso, no qual há diferentes segmentos da oposição e que fizeram um papel fundamental. Existe um campo do qual eu participo, que fazem parte, também, PSB, PDT, Cidadania e PT, que tem trabalhado muito articulado para que possamos ter uma ação, em primeiro lugar, em defesa dos interesses da sociedade brasileira. Hoje, ser oposição é, sobretudo, estar focado em dar respostas para a defesa da saúde pública, da dignidade humana e defender a democracia. Esse é um trabalho que deve e precisa ser feito.
Acredita ser real o risco à democracia no Brasil?

Ainda que o presidente faça de conta que está operando no dispositivo "paz e amor", no primeiro teste ao qual foi submetido, ele ameaça esbofetear o jornalista que faz uma pergunta. Temos uma situação que a defesa da democracia se compõe da necessidade de respeito à Constituição, à autonomia dos Poderes, à liberdade de imprensa, à garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana. Tudo isso que o tempo todo esse governo ameaça.
“(A gestão do governo federal em relação à pandemia) Está, sem sombra de dúvidas, entre as piores do mundo. Estamos sem ministro da Saúde há cinco meses na crise de saúde pública mais grave deste século. Temos a execução dos recursos da saúde que são vergonhosos diante da necessidade que têm estados e municípios”
“É muito grave um país na situação em que estamos, com metade da população economicamente ativa sem trabalho, que vai encolher o PIB em mais de 5%, ter esses investimentos sendo suspensos, acordos comerciais rompidos e uma série de prejuízos à nossa agricultura”
“O SUS, que eu sempre defendi, é uma grande aquisição da sociedade brasileira. Nós teríamos uma situação de completa crise humanitária sem precedentes se não tivéssemos o SUS como temos, com todas as suas dificuldades e precariedades”
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GUARDIÕES DO CRIVELLA

Do G1, RJ2
'Guardiões do Crivella': funcionários da prefeitura fazem plantão na porta de hospitais para impedir trabalho da imprensa
O RJ2 revelou nesta segunda-feira (31) um esquema montado com funcionários públicos para fazer plantão na porta dos hospitais municipais do Rio, atrapalhar reportagens e impedir que a população fale e denuncie problemas na área da Saúde.
A organização tem escalas diárias, horários rígidos e ameaças de demissão.
Resumo
A reportagem mostrou que:
  • por grupos de Whatsapp, funcionários públicos são distribuídos por unidades de saúde municipais para fazerem uma espécie de plantão;
  • em duplas, eles tentam atrapalhar reportagens com denúncias sobre a situação da saúde pública e intimidar cidadãos para que não falem mal da prefeitura;
  • O RJ teve acesso ao conteúdo dos grupos e viu que, após serem escalados, eles postam selfies para dizer que chegaram às unidades;
  • um dos funcionários aparece em várias fotos ao lado de Crivella e tem salário de mais de R$ 10 mil;
  • quando conseguem atrapalhar reportagens, eles comemoram nos grupos;
  • prefeitura não nega a criação dos grupos e diz que faz isso para 'melhor informar a população.
Entre os participantes de um dos grupos, um telefone chama a atenção. O número aparece registrado como sendo do próprio prefeito, Marcelo Crivella. O Jornal Nacional apurou que o prefeito já usou esse número. A equipe de reportagem ligou, mas ninguém atendeu.
“O prefeito, ele acompanha no grupo os relatórios e tem vezes que ele escreve lá: ‘Parabéns! Isso aí!’”, contou à TV Globo um dos participantes dos grupos.
As 'invasões'
Em uma entrevista ao vivo para o Bom Dia Rio em 20 de agosto, no Hospital Rocha Faria, dona Vânia cobrava uma transferência para a mãe que tem câncer, mas não conseguiu terminar a conversa com a repórter Nathália Castro porque dois homens começaram as agressões verbais e gritos de "Bolsonaro".
A repórter pediu desculpas para Vânia, encerrou a reportagem e as agressões dos dois homens continuaram, gerando uma confusão.
Dias depois, no Hospital Rocha Faria, o repórter Ben-Hur Corrêa falava da falta de equipamentos de raios-x e da situação do caixa da prefeitura, quando dois homens impediram a reportagem.
Em seguida, um dos homens botou o crachá e foi em direção ao interior do hospital.
Os ataques não acontecem por acaso. Ao contrário: são organizados e pelo poder público.
Os agressores são contratados da prefeitura do Rio. Recebem salários pagos pelo contribuinte para vigiar a porta de hospitais e clínicas, para constranger e ameaçar jornalistas e cidadãos que denunciam os problemas na saúde da capital fluminense.
Nesta segunda-feira (31), o repórter Paulo Renato Soares fazia uma entrevista na porta do Hospital Salgado Filho, no Méier. Ao primeiro sinal de que a gestão da saúde poderia ser criticada, o entrevistado foi interrompido (veja no vídeo acima).
  • Funcionário da prefeitura: "Fala isso não, meu querido".
  • Entrevistado: "Oi?"
  • Funcionário da prefeitura: "Fala isso não, cumpadre".
  • Entrevistado: "Como, perdi um dedo, não posso falar?"
  • Funcionário da prefeitura: "Fala isso não, meu irmão".
  • Entrevistado: "Não tô falando do hospital, não. Estou falando de Rocha Miranda".
  • Funcionário da prefeitura: "Você foi bem atendido, não foi?"
  • Repórter: “Ele [o entrevistado] não pode falar da saúde?"
  • Funcionário da prefeitura: "Não".
  • Repórter: "O senhor pode deixar ele falar da saúde?"
  • Funcionário da prefeitura: "Está tudo indo bem, meu querido"
O repórter, então, começa a confrontar o funcionário:
  • Repórter: "O senhor é o senhor José Robério Vicente".
  • Funcionário da prefeitura: "O hospital está tudo certinho, meu querido. O prefeito está trabalhando correto e bem."
  • Repórter: "Quem está trabalhando bem?"
  • Funcionário da prefeitura: "Com certeza, o prefeito está trabalhando bem. Na saúde. Que negócio é esse, rapaz?"

José Robério Vicente Adeliano foi admitido na prefeitura em novembro de 2018, em “cargo especial”. O salário bruto é de R$ 3.229.
Ricardo Barbosa de Miranda foi contratado pela prefeitura em junho de 2018, como assistente 3 e salário de R$ 3.422.
Guardiões
Os dois fazem parte de um grupo que se apresenta em um aplicativo de mensagens como "Guardiões do Crivella". Para cumprir a tarefa de tentar calar a população e a imprensa, os guardiões têm até escala.
O RJ2 teve acesso às conversas desse e de outros dois grupos. Um identificado como Assessoria Especial GBP -- gabinete do prefeito -- e o outro, como Plantão.
É por esses grupos que os funcionários da prefeitura ficam sabendo pra onde vão – em duplas ou sozinhos – para cumprir o dia de trabalho e impedir que se mostrem as dificuldades na saúde.
Quando chegam nas unidades, ainda de madrugada, precisam registrar a presença. Na rotina, todos os dias têm que mandar selfies do lugar onde estão: "Hospital Souza Aguiar, cheguei cedo"; "Bom dia companheiros, mais um dia no Albert Schweitzer"; "Equipe Pedro 2º"; "Hospital Evandro Freire - Beto e Dani" foram algumas mensagens postadas.
Em uma foto aparecem Robério e Ricardo Barbosa, que a TV Globo encontrou no Salgado Filho, mostrando que estavam a postos.
Depois de bater essa espécie de ponto, os funcionários públicos monitoram e relatam tudo o que acontece na porta das unidades de saúde. Principalmente a chegada dos jornalistas.
Foi assim, na quinta-feira (27), quando a equipe da Globo esteve no Rocha Faria. Eles ficam sempre com o celular na mão, fazem vídeos dos jornalistas, estão sempre perto da reportagem e esperam o momento de agir.
Os escalados naquele dia eram:
  • Marcelo Dias Ferreira, desde setembro de 2018 na prefeitura com cargo especial e salário bruto de R$ 2.788.
  • Luiz Carlos Joaquim da Silva, o Dentinho, contratado em dezembro de 2019 com salário bruto de R$ 4.195, em cargo especial.
  • Dentinho tem várias fotos com Crivella nas redes sociais desde a campanha para a prefeitura. É ele também que impede a entrevista com dona Vânia (citada no inicio da reportageao cobrar uma transferência para a mãe com câncer).
Bronca após atraso
Na quinta-feira (27), no entanto, os vigias estavam atrasados. Não viram o repórter Ben-Hur entrar ao vivo, ainda muito cedo, o que provocou irritação e cobrança nos grupos.
Alguém identificado apenas como ML manda a foto da reportagem e escreve: “A Globo está no Rocha. Cadê a equipe do Rocha? Mateus, liga pra equipe do Rocha”.
Mateus responde: “Sim, senhor”.
Depois da bronca, além dos dois escalados, chegou um reforço: outra dupla de agressores.
Eles atrapalharam a continuação da reportagem – e comemoraram:
ML – que aparece no grupo – está sempre dando ordens. “Marquem durinho aí, hein. Não dá mole pra eles, não", diz em uma das mensagens.
ML é Marcos Paulo de Oliveira Luciano, o Marcos Luciano. Outro que divulga várias fotos com o prefeito.
Em 2018, Marcos Luciano ganhou uma moção de aplausos e louvor na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), a pedido da deputada Tia Ju, do Republicanos, o mesmo partido de Crivella.
O currículo de Marcos, apresentado na época, revela a proximidade dele com o prefeito. Trabalhou como missionário com Crivella na África e no Nordeste do Brasil, foi um dos coordenadores das campanhas eleitorais do bispo ao Senado e à prefeitura.
Desde 2017, Marcos Luciano é assessor especial do gabinete do prefeito. Em julho, o salário foi de R$ 10,5 mil.
A fala é de um dos contratados da prefeitura que fez parte do esquema para vigiar a porta dos hospitais. Ele diz que era intimidado pelos chefes.
"Todo tempo, ameaça é de demissão. Quando eles fazem reuniões com a equipe, ninguém pode entrar de celular e passam detectores de metal em cada funcionário e as reuniões são geralmente na prefeitura, e é muita ameaça.”
'Missão' antiga, intensificada na pandemia
O homem conta ainda que a tática foi adotada no fim do ano passado e aumentou durante a pandemia.
O que diz a prefeitura
Em nota, a Prefeitura do Rio diz que "reforçou o atendimento em unidades de saúde municipais no sentido de melhor informar à população e evitar riscos à saúde pública, como, por exemplo, quando uma parte da imprensa veiculou que um hospital (no caso, o Albert Schweitzer) estava fechado, mas a unidade estava aberta para atendimento a quem precisava. A Prefeitura destaca que uma falsa informação pode levar pessoas necessitadas a não buscarem o tratamento onde ele é oferecido, causando riscos à saúde".
Repercussão
A Associação Brasileira de Imprensa afirmou que os episódios repetidos nas portas dos hospitais mostram que não estamos diante de fatos isolados, mas de uma política do prefeito pra constranger repórteres e cidadãos. A ABI reafirmou o compromisso com a liberdade de expressão e irá defender esses princípios.
"A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) denuncia mais um atentado contra a democracia por parte do prefeito Marcelo Crivella. Em ações orquestradas, funcionários da prefeitura tentam intimidar, com agressões verbais e ameaças de agressões físicas, jornalistas que trabalham em reportagens sobre a situação de calamidade dos hospitais públicos no Rio. As ameaças se estendem aos usuários que prestam depoimentos sobre o mau atendimento. Episódios ocorridos nas portas de vários hospitais municipais nos últimos dias mostram que não estamos diante de fatos isolados, mas de uma política do prefeito para constranger repórteres e cidadãos. A ABI reafirma seu compromisso com a liberdade de expressão e deixa claro que irá às últimas consequências para defender esses princípios. Não aceitaremos que o prefeito Crivella tente violentar a democracia e impeça o trabalho da imprensa", diz a nota, assinada pelo presidente Paulo Jeronimo.
A Associação Nacional de Jornais lamentou que funcionários da prefeitura do Rio estejam impedindo a atividade jornalística e afirmou que os maiores prejudicados são os cidadãos do Rio, a quem esses funcionários deveriam prestar seus serviços e de quem recebem seus salários.
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NÃO AMEACE. RESPONDA, PRESIDENTE

Marcos Strecker, ISTOÉ
Durou 67 dias a trégua de Jair Bolsonaro com os outros Poderes e as instituições democráticas. O presidente moderou os ataques como estratégia de sobrevivência após a prisão de Fabrício Queiroz, em 18 de junho. Isso projetou uma imagem mais favorável do mandatário, que conseguiu, além disso, ampliar sua popularidade com o auxílio emergencial de R$ 600. Essa conversão à moderação não significou, no entanto, uma nova visão institucional do cargo ou uma fase inédita de respeito à democracia. Como se viu pelas suas últimas declarações, Bolsonaro ainda não compreendeu os limites constitucionais do seu cargo, nem o papel da imprensa.
Ao ser indagado sobre os depósitos do seu amigo na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro, o presidente perdeu a compostura no domingo, 23, durante visita à Catedral Metropolitana de Brasília. Disse ao repórter do jornal O Globo que tinha “vontade de encher sua boca de porrada”. Os depósitos somam R$ 89 mil. Queiroz é o operador do esquema de rachadinha no antigo gabinete do filho 01 na Assembleia Legislativa fluminense, segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ). Antes da posse, o presidente declarou que recebeu algumas parcelas do ex-PM, ligado às milícias cariocas, para quitar um empréstimo de R$ 40 mil. Agora, já se provou que os valores não batem. A movimentação supera o dobro desse valor. Além disso, o MP-RJ aponta depósitos feitos também por Márcia de Aguiar, mulher de Queiroz. O ministro Celso de Mello, do STF, criticou a declaração. “A grosseria de qualquer presidente da República revela perigoso desapreço e claro desrespeito pela liberdade de informação e de imprensa”, disse. “É inadmissível censurar jornalistas pelo mero descontentamento com o conteúdo veiculado”, emendou seu colega de corte, Gilmar Mendes. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, criticou o rompante e disse esperar que o presidente “retome a postura mais moderada que vinha mantendo”.
Além da ameaça ao trabalho da imprensa, a fala de Bolsonaro levanta uma questão de fundo. O presidente tinha cessado as ameaças ao STF, muitas vezes operadas por seuseus extremistas seguidores. A cooptação do Centrão também sinalizava a busca por uma relação mais produtiva com o Congresso, ainda que aberta à reedição de esquemas corruptos. A estratégia conciliadora, como se viu, pode ser abandonada a qualquer momento, à medida que os inquéritos que ameaçam o clã Bolsonaro se aprofundem. Atualmente, o alcance do esquema da rachadinha originado no gabinete de Flávio Bolsonaro já adquiriu uma nova dimensão que engolfa o clã presidencial em uma nuvem de suspeições. O advogado Frederik Wassef, que escondeu Queiroz até a prisão, está envolvido em nebulosas negociações com a Procuradoria-Geral da República, a pedido do presidente, para interceder pela JBS. Há suspeita da ligação de Wassef com o favorecimento para empresas que têm contratos milionários com o governo (leia mais à pág. 32). Tudo isso desestabiliza o mandatário e mostra que sua nova fase é de um equilíbrio frágil, instável. Os depósitos na conta da primeira-dama podem significar para Bolsonaro o que o Fiat Elba representou para Fernando Collor, ou o tríplex no Guarujá para o ex-presidente Lula. A prova cabal de vínculos com esquemas criminosos. São dúvidas assim que desestabilizam governos construídos sobre bases falsas e corruptas.
Depois de agredir o repórter que o inquiria sobre os cheques, Bolsonaro dobrou a aposta e chamou os jornalistas de “bundões” no evento “Brasil vencendo a Covid-19”, no Palácio do Planalto, no dia seguinte — deixando de mencionar os 120 mil brasileiros que já tombaram com o coronavírus. Em visita a Ipatinga (MG), na quarta-feira, 26, voltou a se irritar com a pergunta sobre os cheques depositados na conta de Michelle. Exaltado, por três vezes chamou um jornalista de “otário”. Esse comportamento não apenas reafirma o desprezo pela liberdade de imprensa. É combustível para ataques aos jornalistas, a exemplo do que ocorre em ditaduras. Não se trata de explosões bizarras de um político rude e inculto. Fazem parte de um projeto autoritário que deseja calar a sociedade. Na Venezuela, paramilitares a soldo oficial perseguem e torturam os profissionais de imprensa. Aqui, o trabalho é feito por milícias virtuais, incluindo as ações coordenadas pelo “gabinete do ódio”, instalado no Palácio do Planalto. O temor, inclusive no exterior, é que os arroubos do presidente levem seus seguidores a tomar ações concretas contra jornalistas, colocando o Brasil definitivamente na lista de Nações que constrangem a liberdade de imprensa. Isso isola o País na comunidade internacional e ameaça acordos costurados há anos pela diplomacia brasileira, como a integração à OCDE e o acordo Mercosul-União Europeia. Nesse último episódio, apoiadores do presidente usaram as redes com esse objetivo. “Foi pra isso que votei nele! Jornalista vagabundo tem que apanhar na rua!”, dizia um deles. São ações insufladas pelo mandatário desde o início da gestão. No ano passado, Bolsonaro foi o responsável por 58% dos 208 ataques contra veículos e profissionais de imprensa no Brasil, segundo a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ).
Desta vez, ironicamente, o rompante do presidente se voltou contra ele nas redes sociais e gerou uma onda de indignação que mobilizou a internet. Mais de 1 milhão de interações ocorreram no domingo, a partir de 353 mil usuários, com a pergunta: “Presidente @jairbolsonaro, por que sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?”.
Internet contra Bolsonaro
Celebridades aderiram, como a cantora Anitta, o influencer Felipe Neto, o humorista Fabio Porchat, a atriz Patricia Pillar e o cantor Caetano Veloso. Mas o grosso veio de manifestações espontâneas de populares. Em quatro dias, ocorreram 4,3 milhões de interações no Facebook, segundo Fábio Malini, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo. Os perfis de Bolsonaro nas principais plataformas foram invadidos com a mesma pergunta em milhares de comentários, neutralizando a resposta do presidente. Durante a crise, os apoiadores do governo tentaram criar uma falsa “narrativa” para o destempero de Bolsonaro. Segundo essa versão, o jornalista que inquiriu o presidente teria provocado: “Vamos visitar sua filha na cadeia”. Não é o que ocorreu. A verdadeira frase, dita por um homem na multidão, foi “Vamos visitar nossa feirinha na catedral, presidente”. Bolsonaro tentou usar a interpretação alternativa e publicou o vídeo do incidente, apagando a frase fictícia, mas com um versículo bíblico: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Em vão. Foi um massacre nas redes. Para Malini, essa foi a maior crise do presidente na internet, rivalizando com o episódio do “golden shower”, no carnaval de 2019. “Criou uma nova forma de lidar com o governo, que é o perguntaço. É uma atividade nata do repórter. Isso deve ser utilizado outras vezes em situações análogas”, afirmou. As pessoas descobriram um mecanismo de lidar com um determinado fato, e criticar o governo por meio de menções diretas nas contas oficiais. Para ele, essa pergunta pode virar um novo “Cadê o Queiroz?”. “Os bolsonaristas fazem muito isso, de usar uma pergunta que é compartilhada por várias pessoas. Sincronizam uma ação de ataque ou defesa. O último alvo forte foi o Moro”, diz Malini. Para ele, o Twitter era uma bolha polarizante nas eleições de 2018, mas o viés de oposição ao governo Bolsonaro está ganhando força. O pesquisador também nota que está se reproduzindo um fenômeno que ocorreu nas últimas eleições britânicas: a expansão dos movimentos virais gerados a partir de conteúdos originais da imprensa. “Os conservadores nas últimas eleições no Reino Unido se beneficiaram disso. É um fenômeno novo”, diz. Assim, paradoxalmente, o presidente acabou fortalecendo os profissionais que desejava atacar.
A relação tumultuada com os profissionais de comunicação é uma constante para o presidente. “Ô rapaz, pergunta pra sua mãe sobre o comprovante que ela deu pro teu pai, tá certo?”, disse em dezembro, ao ser indagado também sobre cheques de Queiroz à primeira-dama. “Você tem uma cara de homossexual terrível, mas nem por isso eu te acuso de ser homossexual”, disse a outro jornalista. “Tem familiares meus aqui. Eu prefiro vê-los do que responder uma pergunta idiota para você. Está respondido?”, disse em julho de 2019, perguntado sobre ter oferecido carona a parentes em helicóptero da FAB. As suas investidas são parecidas com a exibida em 1983 pelo general Newton Cruz. O antigo chefe do Comando Militar do Planalto mandou o radialista Honório Dantas “calar a boca” durante uma entrevista coletiva. Exaltado pelas perguntas incômodas, agarrou o profissional pelo pescoço, exigindo um pedido de desculpas. O pendor autoritário do general gerou alguns dos últimos momentos ameaçadores do regime de exceção que entrava em colapso, mas despertava fãs. Naquela década, o então tenente Bolsonaro tentou se aproximar de Newton Cruz, cujos gestos, apesar de teatrais e patéticos, vieram após um período de trevas. Em 1968, o Ato Institucional nº 5 levou a censura às redações dos jornais, rádios e TVs, além de abrir o caminho para cassações, prisões e torturas. O AI-5, é bom lembrar, já foi defendido publicamente por Eduardo Bolsonaro. Na história do País, esse período obscuro só tem paralelo com a repressão promovida por Getúlio Vargas no Estado Novo, quando o Departamento de Imprensa e Propaganda ditava as informações que podiam chegar à sociedade e o jornal O Estado de S.Paulo sofreu intervenção. Fernando Collor tentou intimidar a Folha de S.Paulo enviando a Polícia Federal à sede do jornal dez dias após sua posse, a pretexto de uma investigação fiscal. No momento atual, felizmente não há espaço para retrocessos institucionais. Bolsonaro flerta com um momento passado, mas há um consenso estabelecido desde a redemocratização. Os governantes precisam prestar contas à Justiça e não conseguem mais aviltar a liberdade de expressão, expressa na Constituição e garantida pelo STF. Ao atual mandatário, como acontece nas grandes democracias, só resta seguir a lei. Para isso, deve responder não apenas à imprensa, mas à sociedade: “Presidente, por que sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?”.
Quem é bundão?
Antonio Carlos Prado
Jair Bolsonaro, digníssimo presidente do Brasil, precisamos refletir sobre “bundão”. Desculpem, leitores, a chula expressão, mas aqui temos de usá-la em nome do constitucional direito que toda a sociedade possui de ser bem informada. Bolsonaro afirmou, referindo-se à Covid-19: “Quando pega num bundão de vocês (jornalistas) a chance de sobreviver é bem menor” – ele comparava repórteres a si próprio, que já foi infectado e sarou. Pois bem, no estilo populista, Bolsonaro aposta na confusão. Vale esclarecer, então, quem de fato é “bundão”? Esse termo, impensável na boca de um presidente da República, significa ser covarde, “amarelar”, fugir das obrigações. Vamos, pois, a um lógico raciocínio: Presidente, quem é que foge de perguntas sobre o depósito de dinheiro na conta bancária de sua esposa, a sra. Michelle, feito por Fabrício Queiroz? Excelência, quem é que constantemente ameaça bater em jornalistas quando se sente incomodado com indagações? Quem diz a jornalistas se não têm pergunta melhor a fazer? O senhor é pessoa pública, ganha salário do erário, é obrigado a acolher a imprensa. Não é favor. Fugir disso, porque tem medo, é ser covarde. É “amarelar”. “Bundão”. E tentar esconder a covardia com agressividade é ato ainda mais covarde.
Se Bolsonaro pensa em tolher o artigo 5º da Constituição que assegura a liberdade de expressão (não a liberdade de governante ter boca suja), seria bom que ele memorizasse duas frases. Uma: “Posso discordar daquilo que você diz, mas dou a vida pelo direito de dizê-lo”. É de François Marie Arouet. A outra: “A liberdade de imprensa não pode ser limitada sem ser perdida”. É de Thomas Jefferson. Com certeza o presidente já estudou muito essas personalidades, dá para notar pela sua compostura. Falando-se em compostura, lembremos que o então presidente João Figueiredo (o general que preferia o cheiro de cavalo ao de povo) discutiu pessoalmente com manifestantes. Mas não derrubou o nível. Como disse recentemente o genial escritor, produtor e crítico musical Nelson Motta: “Não chega a ser o caso de ter saudade, mas Figueiredo perto de Bolsonaro era um lorde”.
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UMA ESCOLHA INFELIZ

Sérgio Dávila, Folha de S.Paulo
No dia 21 de agosto, a Folha publicou editorial no qual defendia que, se seguir adiante na proposta econômica dos desenvolvimentistas de seu governo, de elevar déficit e desrespeitar teto de gastos, Jair Bolsonaro corre o risco de ter resultado parecido ao obtido por sua antecessora Dilma Rousseff: popularidade momentânea e país quebrado no médio prazo.
O texto era intitulado “Jair Rousseff”, uma escolha infeliz que tentava resumir a pertinente comparação econômica sem levar em conta que colocava na mesma expressão o sobrenome de uma democrata que foi torturada pela ditadura militar e o prenome de um político apologista da tortura, que defende não só aquele regime como suas práticas vis e sanguinolentas.
Desde então, centenas de leitores e vários colunistas tiveram seus comentários com críticas ao texto publicados no próprio jornal, em prática que é pilar do Projeto Folha tal como imaginado por Octavio Frias de Oliveira (1912-2007) e seus filhos Otavio Frias Filho (1957-2018) e Luiz Frias: liberdade de expressão, pluralidade de opiniões e abrigo do contraditório.
A ex-presidente teve a íntegra de seu protesto publicada no jornal. Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda de Dilma, escreveu fora de sua coluna o texto “A Folha da Faria Lima”. Cristina Serra chamou a fusão dos dois nomes de “ultraje”. Outros colunistas se manifestaram veementemente, o que valeu definição de Juca Kfouri, intitulada “A Folha é Assim”:
“Capaz do pecado de um título insultuoso à ex-presidente Dilma Rousseff [...], esta Folha é capaz, também, de publicar muito mais críticas que elogios de seus leitores ao deslize. Melhor: mantém espaço para seus colunistas manifestarem a discordância. E isso tem nome num país pouco habituado ao contraponto civilizado: liberdade de expressão”.
Janio de Freitas, por sua vez, em sua coluna mais recente, não apenas discorda do publicado com argumentos, mas aproveita para fazer acusações infundadas que merecem resposta, algumas delas a pessoas que infelizmente já não estão mais aqui para se defenderem.
Num texto por vezes labiríntico, o colunista reclama tanto da preocupação (que chama de “ilusória”) com audiência por parte do jornal, hoje com leitura recorde em seus quase cem anos, como do pouco espaço que segundo ele sua coluna tem merecido na Primeira Página.
Mas é ao “romper um tabu”, como escreve, que comete injustiça: ao dizer que a Folha teria emprestado veículos à repressão na ditadura, no que chama de “tinta pegajosa e indelével”. A seguir afirma que nunca houve explicação satisfatória para o suposto episódio.
Não é verdade. Em 2018, meses antes de morrer, Otavio Frias Filho, então diretor de Redação da Folha, enviou o seguinte texto para o blog de Fernando Morais:
“Em nota recente que envolvia meu nome, seu blog fez menção às acusações de que veículos da então Folha da Tarde, pertencente ao Grupo Folha, teriam sido usados pela repressão à guerrilha no começo dos anos 70.
Em 2011, solicitei que uma pesquisa exaustiva fosse realizada para esclarecer o episódio. Seus resultados constam do livro ‘Folha Explica a Folha’ (2012; págs. 49 a 61), da jornalista Ana Estela de Sousa Pinto.
Não foram encontrados registros que comprovem essa utilização nem nos arquivos da ditadura, nem nos jornais clandestinos mantidos pela luta armada na época. A acusação se baseia no depoimento de dois militantes presos que afirmaram ter visto veículos do jornal no prédio do DOI-Codi (Vila Mariana, SP). Os atentados terroristas contra veículos da Folha, praticados pelo grupo ALN, ocorreram quatro dias depois da morte pela repressão do guerrilheiro Carlos Lamarca no interior da Bahia, sugerindo que o motivo do ataque foi a cobertura, bastante hostil, que a Folha da Tarde fez daquele fato.
A Folha sempre afirmou que, se a cessão de veículos ocorreu, foi de forma episódica e sem conhecimento nem autorização de sua direção”.
Mais adiante, Janio ressuscita o episódio “ditabranda”, outro termo infeliz utilizado pelo jornal em editorial de 2009 para dizer que o regime de exceção brasileiro foi menos mortal que o dos vizinhos argentino e chileno. Aqui, de novo o colunista defende patrões e culpa colegas, sugerindo que Otavio Frias Filho guardou silêncio e assumiu responsabilidade alheia.
No entanto, o próprio Otavio escreveu naquele mesmo ano nas páginas do jornal:
“O uso da expressão [...] foi um erro. O termo tem uma conotação leviana que não se presta à gravidade do assunto. Todas as ditaduras são igualmente abomináveis”.
Otavio então reforçava o contexto histórico da comparação e reprovava a reação de alguns intelectuais, que pediam que os responsáveis pelo editorial fossem forçados, “de joelhos”, a uma autocrítica em praça pública.
“Para se arvorar em tutores do comportamento democrático alheio, falta a esses democratas de fachada mostrar que repudiam, com o mesmo furor inquisitorial, os métodos de ditaduras de esquerda com as quais simpatizam.” As palavras seguem atuais.
Janio de Freitas é um ícone do jornalismo brasileiro. Suas reportagens do passado e suas colunas sempre foram referência na cobertura política, mas nem ele está a salvo de cometer injustiças e incorrer em erros facilmente evitáveis com um mínimo de apuração prévia.
Sérgio Dávila
Diretor de Redação
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DE CENTROAVANTE A ZAGUEIRO

Marcus André Melo, Folha de S.Paulo
Argumentei neste espaço quando a pandemia chegou que ela representava um choque exógeno no sistema político alterando os preços relativos das questões da agenda pública: os temas que levaram Bolsonaro à Presidência (segurança pública, corrupção, costumes) seriam eclipsados e o reformismo fiscal e econômico sairia da pauta. E que as questões fiscais adquiririam significado inteiramente novo face ao imperativo de expansão brutal do gasto.
O resultado líquido disso tudo é que “o ativo Guedes” perdeu valor.
O que efetivamente se seguiu não divergiu do script: a pandemia inviabilizou a agenda maximalista de Guedes e a debandada de membros de sua equipe é o melhor sinalizador disso. A janela de oportunidade para as privatizações foi fechada, pelo menos no curto prazo. Idem para algumas reformas microeconômicas. Mas ela não é o único fator: os efeitos do escândalo no clã familiar e a aproximação com o centrão eram previsíveis e se manifestam agora.
De antídoto anticaos social a sustentáculo da popularidade, o auxílio emergencial (cujo custo chega a 8,5% do PIB) revelou-se ex post crucial para a sustentação política do governo. Assim pandemia e escândalo desfiguraram a agenda Guedes; convertem o czar da economia em Torquemada do gasto muito além do papel que ministros da Fazenda normalmente cumprem. Sua agenda tornou-se inteiramente reativa: como o centroavante que decide o jogo que passa a jogar como zagueiro.
Muitos analistas parecem acreditar que Guedes é —no jargão— um jogador sincero e não estratégico: ou seja, suas propostas expressariam a sua preferência, e não um lance em um jogo de barganha de várias rodadas. O debate sobre o auxílio e a Renda Brasil tem sido marcado por certa ingenuidade interpretativa: o teatro montado sobre desavenças entre ministro e Executivo não é crível.
A expansão do gasto e sua sustentabilidade do ponto de vista dinâmico torna-se assim a questão central. Dois fatores, no entanto, mitigam o custo reputacional quando governos fazem dívida. O mais importante é que virtualmente todos os governos estão fazendo o mesmo. Em segundo lugar, ele se dá sob a batuta de um ministro notoriamente avesso à expansão do gasto. Aqui observamos o “efeito Nixon goes to China”, pelo qual apenas um anticomunista raivoso pode se aproximar da China sem demonstrar estar fazendo concessões.
No limite admitindo-se que Guedes permaneça, um eventual abandono do teto de gastos (via PEC excluindo o Renda Brasil do limite) terá custos importantes, mas menos desastrosos que ocorreria na ausência daquelas duas condições. Mesmo como rainha da Inglaterra o Guedes ainda é útil.
Marcus André Melo
Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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domingo, 30 de agosto de 2020

O PRESIDENTE BRUCUTU

Vicente Vilardaga, ISTOÉ
O presidente Jair Bolsonaro quer dar porrada. Calar a imprensa com um gancho de direita. Conquistar respeitabilidade aplicando um mata-leão. Resolver seus assuntos no braço. Ameaçar e insultar jornalistas para fugir de temas indigestos e proteger a mulher Michelle, que recebeu um depósito bancário de R$ 89 mil de Fabrício Queiroz. Enganou-se quem pensava que o presidente estava se regenerando, passando a exercer a presidência de uma maneira mais digna e menos barulhenta. O velho Bolsonaro de sempre só esperava uma oportunidade para se manifestar e mostrar seu lado cruel e brutamontes. Renegar a paz e o amor. E ele voltou a demonstrar seus piores instintos ao ameaçar um repórter na frente do Palácio do Planalto.
Bolsonaro é o tipo de líder que prefere matar o mensageiro que ouvir uma mensagem desagradável. Seu objetivo é acabar com a informação de qualidade, com as estatísticas confiáveis e com as notícias que o incomodam. Quando ouve o que não quer, o presidente ameaça partir para as vias de fato. Xinga, grita, difama e ameaça dar porrada. É como o tiozão reacionário que não consegue conviver com a divergência, que dá showzinho em festas familiares por causa de discussões com o sobrinho mais crítico. A violência é um dos primeiros recursos dos intolerantes. Como não conseguem lidar com uma realidade que nega suas teses, eles tentam destruí-la. Bolsonaro odeia que exponham os integrantes de sua família num mar de lama, que descubram irregularidades na vida política de seus filhos, que levantem seus podres. Mas vai ter que se conformar. A trama que envolve Queiroz atinge sua prole, a mulher e ex-mulheres. E ainda pouco se sabe. Há muita lenha para queimar.
A lógica que move Bolsonaro a atacar jornalistas é a mesma que o leva a desmontar o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) ou tornar sigiloso todo tipo de informação pública e de boa qualidade, apurada pelos melhores métodos. Ele não quer saber se as queimadas na Amazônia aumentaram ou se Queiroz articulava uma máquina corrupta para desviar dinheiro do gabinete de Flávio Bolsonaro com as rachadinhas, além de outros esquemas. Para ele, essas são informações desagradáveis que precisam desaparecer. Na sua fúria autoritária ele pretende eliminar as notícias que não lhe interessam do mapa, aniquilar jornalistas e violentar a imprensa. Bolsonaro quer resolver as coisas na porrada. Definitivamente, nunca se viu um presidente tão truculento. Paz e amor é o escambau.
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DENÚNCIAS AO VENTO

Taísa Szabatura, ISTOÉ
Deveria bastar fazer uma denuncia através de um número de telefone para que os abusos de mulheres, idosos, crianças e adolescentes fossem apurados e até evitados. Mas no governo Bolsonaro não é isso que acontece. Seja através do Disque 100 (Disque Direitos Humanos) e do 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou por meio dos Conselhos Tutelares, pouco ou nada se sabe do resultado real das queixas feitas pelas vítimas de violência. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, finge que não ouve e que não vê. Mesmo em governos anteriores, quando o encaminhamento de denúncias já era extremamente baixo, pelo menos, os dados eram divulgados no relatório anual do ministério. Em 2020, o governo decidiu omitir a porcentagem dos casos que teriam sido investigados após denúncia. Pressionado, o Ministério disse em nota que não apresentou os dados por uma “opção editorial”, com o objetivo de mostrar apenas dados gerais, mas que “todos os casos eram encaminhados”. Porém, a taxa média de retorno de todos os canais de comunicação das queixas foi de 17.9%, ou seja, menos de 16 mil casos obtiveram alguma resposta.
Damares viu a divulgação do relatório produzido sob a sua tutela como uma agressão. “A guerra contra a pedofilia não é fácil, vão inventar todo tipo de mentira para nos desacreditar”, disse ela nas redes sociais, convocando seus apoiadores para que saíssem em sua defesa. Ela, que foi abusada na infância, afirmou no início do governo que a proteção das crianças e adolescentes era a sua principal causa. Contudo, não é isso que se observa quando os dados são friamente analisados.
O relatório da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos mostra que, em 2019, foram feitas 86.837 denúncias de violência contra crianças e adolescentes, o que representa 55% do total das denúncias recebidas. Em relação a 2018, houve um aumento de 13,9% nas queixas, o que pode indicar que há maior mobilização por parte da sociedade na hora de fazer uma notificação.
Para a psicóloga Maria Elena Sodré, membro da ONG EPTOM, que atua contra o abuso infantil, e conselheira dos Direitos da Criança e do Adolescente, atender às denúncias é crucial. “Quando há agressão física, a vítima precisa ser encaminhada imediatamente para os serviços de saúde e assim controlar as conseqüências futuras do abuso”, diz. Ela relembra ainda que um menor de idade não tem maturidade suficiente para se defender sozinho e que as crianças são, na maioria dos casos, abusadas por membros da família, sendo difícil fazer o caso chegar a uma delegacia. “O atendimento desse tipo de denúncia pode evitar que o abuso dure por muito tempo, com efeitos que podem ser devastadores”, afirma.
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A DERROCADA DE WITZEL

Editorial Folha de S.Paulo
Mesmo para os padrões mais rasteiros da política brasileira, não deixa de provocar espanto a tradição de envolvimento de governadores do Rio de Janeiro em escândalos de corrupção.
Dos ex-dirigentes eleitos no estado que permanecem vivos (Anthony Garotinho, Rosinha Garotinho, Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão e Moreira Franco), todos foram afastados ou presos por suspeitas de malversação de recursos.
Essa pouco ilustre galeria passa agora a contar com o atual mandatário, Wilson Witzel (PSC), acusado de ocupar um dos “vértices da pirâmide” de um esquema fraudulento de contratos ligados ao combate da pandemia de Covid-19.
A decisão de afastá-lo do cargo por 180 dias, tomada pelo ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, representa, até o momento, o desdobramento mais estrepitoso da crise que se instalou na administração fluminense nos últimos meses.
No início de maio, uma operação do Ministério Público do Rio levou à prisão do ex-subsecretário de Saúde e de seu substituto. Posteriormente, foi detido o ex-titular Edmar Santos, solto neste mês após acordo de delação premiada.
O grupo é suspeito de desviar recursos de contratos emergenciais para a compra de respiradores. As investigações logo atingiram o próprio Wilson Witzel, alvo da Operação Placebo, deflagrada em maio pela Polícia Federal. O escândalo pulverizou seu apoio político.
Em junho, 69 dos 70 deputados da Assembleia Legislativa do Rio apoiaram a abertura do processo de impeachment do governador.
Na operação desta sexta (28), foram também expedidos 17 mandados de prisão, incluindo o do presidente nacional do PSC, Pastor Everaldo, e 84 de busca e apreensão, que atingiram o vice-governador, o presidente da Alerj e a primeira-dama do estado, Helena Witzel.
Em que pese a competência do STJ para determinar o afastamento do governador fluminense, causa espécie que decisão tão grave tenha sido proferida por um único ministro, e não pelo colegiado, do qual se espera agora que analise o caso com máxima celeridade.
Seja qual o for desfecho, o novo revés, somado ao processo de impeachment, é golpe duríssimo para o destino político de Witzel.
O ex-juiz surfou a onda bolsonarista para eleger-se governador, embora hoje seja desafeto do presidente. Apoiado no populismo policial e numa imagem de probidade, chegou a ambicionar a disputa ao Planalto em 2022. Por ora, sua derrocada parece tão vertiginosa quanto foi sua ascensão.
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NAZISTAS, ASSASSINOS, ABUSADORES, CORRUPTOS E MILICIANOS ESTÃO NO PODER

Antonio Prata, Folha de S.Paulo
A cantora, deputada e pastora evangélica Flordelis não podia se separar do filho adotivo com quem havia se casado —ex-marido de uma de suas filhas também adotadas— porque um divórcio escandalizaria a Deus: então, obviamente, decidiu matá-lo. Com a ajuda dos filhos, claro. Essa lógica tão cristalina quanto um bloco de granito é um resumo perfeito do bolsonarismo.
Nas eleições de 2018, Bolsonaro se apresentou como anti-establishment e antipolítico, embora tivesse passado as últimas três décadas bundando na Câmara dos Deputados. Durante os anos em que bundou em Brasília, Bolsonaro mantinha um apartamento funcional, pago por nós, embora contasse com um imóvel próprio. Quando questionado, disse que o apartamento funcional, pago por nós, era “pra comer gente”. E quem mama nas tetas do Estado, segundo ele e seu asseclas, é o coreógrafo, o ator de teatro, o aluno cotista, o pesquisador da Capes, do CNPq que contam, ou, em grande parte, contavam, com incentivos estatais.
Este velho político que usava o nosso dinheiro “pra comer gente”, que está no terceiro casamento, que elogia publicamente o músico espancador da namorada, coloca-se como “defensor da família”. É uma defesa da família bem parecida com a da deputada Flordelis. Um duplo twist carpado na lógica já torta do Maluf, “estupra, mas não mata”: é o “mata, mas não desquita”.
Os cruzados da família não vão atrás do tio pedófilo que violentava a criança dos seis aos dez anos, vão atrás é da menina no hospital para fazer um aborto legal depois de ser engravidada pelo estuprador. A criança teve que entrar no hospital dentro do porta-malas de um carro, enquanto os defensores da família gritavam “assassina!”. A neonazista Sara Winter (leiam o perfil na última Piauí) divulgou os dados da criança em suas redes, de forma a garantir que ela siga sendo para sempre abusada, agora não mais pelo tio, mas por todos os cidadãos e cidadãs “de bem”.
“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos." Quando eu ouvi pela primeira vez o slogan inconstitucional com que Bolsonaro batizou nosso Estado laico, lamentei profundamente. Hoje em dia, diante da demolição moral, institucional, ambiental, enfim, da implosão civilizacional a que estamos assistindo, lamento profundamente é que não tenhamos no lugar deste herege um presidente “profundamente evangélico”.
Ao contrário do presidente, que não leu sequer a bula da cloroquina, li a Bíblia de cabo a rabo. Não encontrei nos Evangelhos um versículo sequer que justifique ter como braço direito da família um miliciano assassino suspeito de organizar rachadinhas no gabinete do filho e repassar dinheiro para a mulher do pai. Tampouco encontrei nos Evangelhos —o Velho Testamento é outra coisa, ali El Shadai bota pra quebrar— nada que embase o extermínio de 30 mil ímpios. Porrada na boca. Rato na vagina. (Uma tara do ídolo do Bolsonaro, Brilhante Ustra). Jesus fez-se conhecido principalmente por curar doentes. Não por dar as costas a leprosos dizendo que era “só uma micosezinha” e deixar morrer 120 mil em poucos meses.
Jesus sacrificou-se para salvar a humanidade. Bolsonaro sacrifica a humanidade para salvar o próprio rabo. Não é um bundão, é um serial killer. Quando a crise econômica bater feio, ele dirá como Pôncio Pilatos, algoz de Cristo: “Lavo minhas mãos”. As mãos de Pilatos estão sujas até hoje, 2020 anos depois.
Nazistas, assassinos, abusadores de crianças, corruptos, delinquentes e milicianos estão no poder, hoje, no Brasil, em nome da família, de Deus e da liberdade. Amém.
Antonio Prata
Escritor e roteirista, autor de “Nu, de Botas”.

Adams Carvalho
Ilustração de Adams Carvalho para coluna de Antonio Prata
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AS MULHERES DO PODEROSO CLÃ BOLSONARO

Do EL PAÍS
Embora o núcleo duro do clã Bolsonaro seja claramente masculino, ele também inclui mulheres, as três com quem o presidente compartilhou sua vida, as mães de seus filhos. Por motivos diferentes, elas também são notícia. A atual esposa, a primeira-dama Michelle Bolsonaro, de 38 anos, protagonizou o fenômeno viral da semana por conta de um dinheiro de origem suspeita que recebeu de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro. A segunda mulher, Ana Cristina Valle, uma advogada de 53 anos, também sob suspeita por esse mesmo caso de desvio de dinheiro público. E a primeira, Rogéria Nantes Nunes Braga, de 65 anos, mãe dos três filhos mais velhos do mandatário, os três políticos profissionais com vários mandatos legislativos nas costas, cogita disputar as próximas eleições municipais por uma vaga na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro.
Juntas, compõem uma árvore genealógica complexa, uma família com vários ramos cujo lema poderia ser “política (ou o poder) acima de tudo”, parafraseando seu lema de Governo, “Brasil a cima de tudo, Deus acima de todos”. Os laços −incluindo os trabalhistas e políticos− sobrevivem às rupturas sentimentais. Desde que se casou pela primeira vez, em 1978, Jair Bolsonaro nunca chegou a ficar um ano solteiro.
Formou uma dessas famílias cada vez mais comuns, mas que pouco tem a ver com a família clássica apregoada pelas Igrejas evangélicas que tantas alegrias lhe deram em forma de votos. Cinco filhos de três casamentos, exatamente como seu admirado Donald Trump.
A primeira-dama do Brasil é uma mulher discreta quase três décadas mais jovem que o presidente. Evangélica, mãe da única filha de Bolsonaro, Laura ―a menina por quem esse presidente machista baba. Conheceram-se no Congresso quando Michelle era secretária de outro deputado. Às vezes ela participa de algum ato governamental de perfil social ou acompanha seu marido, mas sempre em segundo plano. Raramente fala em público. Foi vista usando máscara antes que fosse obrigatório, nada a ver com ele, sempre relutante. E, assim como ele e vários ministros, acaba de superar o coronavírus sem consequências graves.
Uma ameaça explícita de Bolsonaro a um jornalista se voltou como um bumerangue contra ele na última semana, embora sua esposa é que tenha sido colocada sob os holofotes. No domingo passado, um repórter perguntou ao presidente sobre umas transferências suspeitas de um amigo da família preso por corrupção, e Bolsonaro lhe respondeu com uma frase inadequada para um chefe de Estado, mas que não destoa de seu histórico de grosserias: “Tenho vontade de encher tua boca de porrada”. Nas horas seguintes, mais de um milhão de tuiteiros o bombardearam com a pergunta que o deixou nervoso e ficou sem resposta: “Presidente @JairBolsonaro, por que sua esposa Michelle recebeu 89.000 reais de Fabrício Queiroz?”. Essa quantia foi depositada na conta da primeira-dama, como descobriu a polícia. A pergunta continua sem resposta. Michelle também não abriu a boca.
É um caso complicado, coisa que no Brasil não é incomum. A polícia suspeita que o primogênito do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, administrava com Queiroz, seu faz-tudo, um sistema para ficar fraudulentamente com parte dos salários de assessores de seu gabinete, quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro. E é aí que aparece a conexão com a segunda esposa de Jair Bolsonaro, a mãe de Renan, o único filho que não está na política. Aos 22 anos, ele estuda direito. Embora tenham se separado há mais de uma década, Ana Cristina Valle −que não usa o sobrenome de seu ex− colocou parentes como funcionários nos escritórios legislativos de Flávio e de seu irmão Carlos, familiares que agora estão sendo investigados pela polícia por repassar ao chefe parte de seus salários, uma prática conhecida como “rachadinha”.
O Bolsonaro pai tem conseguido manter boas relações com suas ex-esposas. As duas saíram em sua defesa quando a ocasião exigiu e pediram votos para ele. Isso também não causa muita surpresa se olhamos para os Bolsonaro mais como uma marca ou como uma empresa.
O presidente foi militar antes de iniciar uma longa e insignificante carreira de deputado enquanto ia colocando sua prole na política. A jogada funcionou. Tem cada um dos filhos mais velhos colocado em uma casa legislativa. Flávio, 39 anos, é senador, o calcanhar de aquiles de uma família que fez da luta contra a corrupção sua grande bandeira política. Carlos, 37 anos, é vereador no Rio. E Eduardo, de 36, deputado federal. Seu pai os defende com unhas e dentes.
Dizem que Jair Bolsonaro tem mais instinto que inteligência. O fato é que, depois de um ano e meio no poder, com uma trajetória repleta de escândalos, sua popularidade está mais alta que nunca. Escrúpulos, certamente, não lhe sobram. Quando se separou de Rogéria após uma década de casamento, Bolsonaro fez com que Carlos, então com apenas 17 anos, concorresse contra ela nas eleições municipais, para que não fosse reeleita vereadora. O jovem obteve três vezes mais votos que sua mãe e ficou com a cadeira na Câmara do Rio, que ainda ocupa. Está em seu quinto mandato. Agora Rogéria aspira a reconquistar o cargo no Rio, nas eleições municipais de novembro. Seus planos de concorrer como vice na chapa do prefeito Marcelo Crivella, um pastor evangélico, esfriaram, mas quem sabe, ainda faltam três meses.
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A FEIJOADA QUE DERRUBOU O GOVERNO

A feijoada que derrubou o governo reúne histórias políticas sempre saborosas, tanto das grandes figuras da República, como Juscelino Kubitschek, João Goulart ou Jânio Quadros, como das menos conhecidas do público atual (mas não por isso menos interessantes).
Uma delas é Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, a raposa mineira que "tirava a meia sem tirar o sapato" e que, ao deixar o Ministério da Fazenda, pediu sete contos emprestados para pagar suas dívidas.
Já o chefe de polícia de Getulio Vargas, João Alberto Lins de Barros, intimava os amigos a comparecer de madrugada à delegacia com o objetivo de formar uma roda de pôquer.
Só Getulio Vargas recusou-se a dar entrevista a Joel: esmagou no cinzeiro o que restava do charuto e saiu sem se despedir, batendo a porta. O incidente, claro, rendeu matéria. Em meio a esses personagens todos, salta aos olhos um em especial: o próprio Joel.
Seja no relato de sua experiência como correspondente na Segunda Guerra, na observação fina da fauna política brasileira e no relato histórico despretensioso, Joel mostra como o jornalismo pode ser saboroso e surpreendentemente original.
Sinopse do livro
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CORRIDA DA TOGA

Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo
Com o protagonismo ainda maior adquirido pelo Supremo Tribunal Federal em tempos de revisão da Lava Jato e de freios nos arreganhos autoritários de Jair Bolsonaro, foi desencadeada uma bizarra corrida pelas duas cadeiras de ministros que vão vagar no intervalo de um ano. Vale tudo para demonstrar lealdade ao presidente e ser digno da canetada da sua Bic.
Pelo menos três atores têm sido pródigos em mostrar serviço na expectativa de serem premiados com a cobiçada toga. A briga pelos lugares dos “Mellos”, Celso e Marco Aurélio, tem produzido decisões em que o direito é torcido e retorcido, com graves consequências políticas e institucionais.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, nomeado por Bolsonaro ao arrepio da lista tríplice e à revelia dos seus pares, é um deles. A última da PGR sob seu comando foi produzida pelo seu vice, Humberto Jacques de Medeiros: o parecer favorável ao foro privilegiado retroativo para Flávio Bolsonaro no caso Fabrício Queiroz.
Medeiros também tem expectativas com a “corrida da toga”: se for Aras o agraciado agora em novembro, são grandes as chances de Bolsonaro designá-lo para o seu lugar.
O fundamento para aliviar a barra de Flávio contrasta com o que o próprio Medeiros usou em outra recente decisão polêmica: a de que requisitar documentos da Lava Jato de Curitiba. Agora ele argumentou que Flávio pode ter seu caso levado para o TJ do Rio porque a decisão do STF em contrário não era vinculante. Na outra, pegou um precedente aleatório para justificar a requisição de dados, sem evocar a necessidade de “aderência”. Um direito para cada ocasião.
Aras deu parecer contrário a buscas e apreensões contra bolsonaristas no inquérito do STF. Agora, no caso Wilson Witzel, o Ministério Público Federal pediu o afastamento de um governador e ele foi acatado por um ministro do STJ de forma monocrática.
Qual a linha da PGR? Depende da circunstância e do alvo?
O próprio STJ, aliás, virou palco auxiliar da corrida pela vaga no tribunal mais prestigiado. Basta lembrar do “canto do cisne” de João Otavio de Noronha na presidência da Corte: mandar Fabrício Queiroz para a prisão domiciliar por uma liminar no meio do recesso. Noronha é outro que tem a expectativa de ser agraciado por Bolsonaro.
Mais próximo do presidente está o ministro da Justiça, André Mendonça, que se transformou em tudo aquilo que Bolsonaro queria que Sérgio Moro fosse, mas o ex-juiz não quis.
A Advocacia-Geral da União, que ele chefiava antes, continua sendo uma subsidiária de sua linha de trabalho, e a pasta da Justiça virou um misto de advocacia particular do presidente e agência de espionagem de seus inimigos, em procedimento para o qual a maioria dos ministros do STF passou uma reprimenda, mas aliviou a barra do postulante a colega.
E aí há um aspecto importante: os 11 ministros do Supremo têm dado sinais ambíguos quanto à defesa da institucionalidade e aos freios necessários aos demais Poderes e a outros órgãos do sistema de Justiça.
Contêm o presidente, mas usam expedientes no mínimo duvidosos para isso. Repreendem os excessos da Lava Jato, mas seguem tomando decisões monocráticas que chocam a sociedade porque vão na contramão do esperado combate à impunidade. Defendem a liberdade de imprensa, mas abrem um precedente ao evocar a Lei de Segurança Nacional para punir ativistas – dando a senha para Mendonça fazer o mesmo com um jornalista.
O grau de degradação de todas as instâncias da vida nacional que Bolsonaro produziu com sua Presidência tóxica em um ano e 8 meses dará trabalho de corrigir. O sistema de Justiça não passará incólume a essa deliberada estratégia de destruição. Sob a complacência, quando não participação ativa, de muitos dos seus atores.
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O ADVOGADO DO DIABO

Eudes Lima, ISTOÉ
O advogado Frederick Wassef é conhecido no Ministério Público Federal e na Polícia Federal como o “anjo” da família Bolsonaro e dos amigos do presidente envolvidos nas “rachadinhas” promovidas no gabinete do senador Flávio quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro. “Anjo”, no entanto, não protege os familiares e amigos dos Bolsonaro com a benevolência angelical implícita no apelido. Ele está sendo muito bem pago para isso. O advogado é acusado de se beneficiar de diversas operações financeiras que têm engordado suas contas pessoais com milhões de reais, às custas do acesso privilegiado aos membros do clã presidencial. Ele já representou na Justiça o presidente e seus filhos, e foi o responsável por suspender as investigações contra o 01 por crimes como peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Quando Wassef ajudou a esconder Fabrício Queiroz em sua casa em Atibaia (SP), disse que o fez por questão humanitária, já que o ex-assessor de Flávio estava com câncer e precisava de ajuda. Mas agora sabe-se que essa relação foi além da preocupação com a saúde. Extratos de suas contas bancárias mostram que Wassef era uma espécie de caixa dois da família. Ele pagou R$ 10 mil ao médico urologista Wladimir Alfer, que atendeu Queiroz no Hospital Albert Einstein. Há dúvidas também se partiu de Flávio e do advogado o pagamento de R$ 133,6 mil, em dinheiro vivo, para a operação no estômago que Queiroz fez no local para se curar de um câncer.
E Wassef não pagou apenas médicos de Queiroz. Da conta de seu escritório de advocacia saíram os R$ 276 mil pagos ao advogado que defendeu Bolsonaro no STF quando ele foi acusado de apologia ao estupro e injúria contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS). O advogado Arnaldo Faivro Busato Filho disse que defendeu o presidente de graça, mas nem Wassef e nem Bolsonaro conseguem explicar a origem desse pagamento.
O prestígio de Wassef junto a Bolsonaro, inclusive, o faz ter trânsito livre tanto nos palácios do governo como em solenidades ministeriais. Na posse do atual ministro das Comunicações, Fábio Faria, em 17 de junho, o advogado foi uma das figuras proeminentes na solenidade. As suas ligações com o governo são, a cada dia, mais comprometedoras. Suas suspeitas ligações com a empresa Globalweb, fundada pela sua ex-mulher, Maria Cristina Boner Leo, têm levado à constatação de que há a formação de um triângulo financeiro envolvendo o casal e negócios duvidosos com o governo Bolsonaro. Além de Wassef ter conseguido a suspensão de uma multa de R$ 27 milhões aplicada pelo Dataprev à Globalweb, a empresa comandada por Cristina e sua filha Bruna Boner Leo aumentou seus ganhos com o governo em R$ 53 milhões. Em razão dessas relações espúrias, o advogado recebeu repasses de R$ 3,2 milhões, em 19 operações realizadas pela ex-enteada Bruna Boner Leo, que hoje dirige a Globalweb porque a mãe precisou se afastar do negócio em razão de inúmeros processos que responde na Justiça.
Por que a JBS pagou R$ 9 milhões a Wassef?
Outro negócio operado por Wassef com a participação dos Bolsonaro é a ajuda à JBS para que a empresa mantenha o acordo de delação premiada junto à Procuradoria-Geral da República (PGR). O procurador Augusto Aras deu prazo de 10 dias para que a JBS explique por que pagou R$ 9 milhões ao advogado. A PGR pediu, ainda, que o MP-RJ envie detalhes das operações que aparecem nos relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) envolvendo Wassef com a empresa dos irmãos Batista.
Wassef tem também participação ativa na defesa de Flávio no caso da “rachadinha”, embora depois da prisão de Queiroz tenha sido destituído do caso. Mas, quando ainda era defensor do 01, em julho de 2019 o advogado conseguiu paralisar a ação envolvendo seu cliente, investigado por ser o principal beneficiário de R$ 1,2 milhão movimentados entre 2016 e 2017 por Queiroz. Hoje, sabe-se que parte desse dinheiro pode ter ido parar na fantástica loja de chocolates de Flávio no Rio. O MP constatou que a loja recebeu mais de 1.500 depósitos feitos em dinheiro vivo, sempre em valores fracionados de R$ 2.000 ou R$ 3.000, para não atingir valores controlados pelo Coaf.
Segundo o MP, o senador realizou retiradas de valores da loja logo depois dos depósitos em espécie. O senador sacou R$ 978.225 entre março de 2015 e novembro de 2018, coincidindo com o período em que ocorreram os depósitos, levando à suspeita de lavagem de dinheiro. Diferentemente do filme, na vida real nenhum dos dois, nem o advogado e nem o senador, apresentam características de mocinho. O enredo da história envolvendo a família Bolsonaro mostra como o tráfico de influência no governo se mantém mesmo com a mudança dos inquilinos do Planalto. Flávio e Wassef são dois lados da mesma moeda.
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VENHA ENCHER MINHA BOCA DE PORRADA, PRESIDENTE !

Carlos José Marques, ISTOÉ
Porque eu também quero saber: por que a sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz? Não entendeu? Quer que eu pergunte de novo? Então aí vai: presidente, por que a sua esposa, Michelle recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz? Me diga mais: e seu filho, dono de laranjal, operador de rachadinhas, o pimpolho Flávio Bolsonaro, tenta esconder e manobrar para não ser preso por qual razão? Aqueles 1.512 depósitos feitos em dinheiro vivo na lojinha de chocolate do filhote senador e aplicados na boca do caixa para esconder as manobras do fisco em pequenas quantias a cada lançamento se deu a troco de que? Desembolso aos milhões, capaz de pagar apartamento, salinhas comerciais, despesas familiares, escolas das filhas, médicos, hospitais. Tem até cheque de milícia armada e criminosa, presidente! Algumas de suas ex-mulheres também receberam. O outro rebento, Carluxo, idem. A família inteira metida na boquinha do dinheirinho fácil e marginal, tomado em esqueminhas chulos de servidores públicos que lhe prestavam vassalagem. Diáconos de um clã político baixo clero cujas revelações vêm se multiplicando aos montes e o senhor não quer responder? Vai ter de dar muita porrada na boca de muita gente para saciar tantas perguntas que surgem dos abusos em série. Até seu advogado, Frederick Wassef, e o amigão dileto de décadas de pescaria Queiroz dividem a cena das tramoias, milimetricamente armadas fora da ordem legal. Presidente, não adianta ser tão arrogante – autoritário como sua natureza sempre demonstrou. Isso não lhe ajudará a esconder a incongruência de atos desabonadores. Entenda que o papel público que lhe foi outorgado não é para déspotas. Não nos tempos de hoje, nem em uma democracia. A braveza e valentia caricatas, de arrabalde, deveriam ficar circunscritas àquelas encenações que antes o senhor fazia para recrutas da caserna. A vida civil pede compostura.
Ninguém aqui lhe deve subserviência cega. Não estamos na era feudal do soberano e seus servos. Aqui fora tocamos, da melhor maneira possível, uma democracia que pelo voto direto e da maioria lhe aboletou como inquilino na cadeira de comando. Mas alto lá com os seus vitupérios! Dê porrada na boca de um de nós e vai para a cadeia. É crime, previsto em lei. O senhor sabe! Já a pergunta que um profissional de imprensa lhe fez, essa veio por dever de ofício. Entenda a diferença de uma vez por todas. O senhor, como funcionário público, no topo da burocracia estatal, deveria dar o exemplo. Se alguém dissesse que iria encher a sua boca de porrada, qual exatamente a reação que a ameaça lhe provocaria? Fico curioso, embora imagine o tipo de disposição de uma figura desbocada como a sua encarando tão escrachada violência pública. O senhor desrespeitou um cidadão, um profissional, um brasileiro que, assim como a sua figura, não merece o desacato. Menosprezo partindo especialmente de quem se acha estar por cima é o ardil de tiranos. Enorme distância guarda esse comportamento daquele de um verdadeiro estadista. Exatamente em que momento o senhor perdeu a noção do que vem a ser a zeladoria do bem estar social? Ou será que nunca teve a menor ideia do que se trata isso? Não será enchendo a boca de porrada de ninguém que o senhor irá chegar lá, presidente! Esqueça o irrefreável impulso para o desmando. Não leva a nada. Está fora do tempo e do espaço. Em desuso e em absoluto repúdio mundo afora. Quer ser lembrado por essa mancha na biografia? Quatro anos, quiçá oito, de mandato (e, sou franco, espero que não, tamanho o estrago e negação da realidade que já vêm promovendo em tão pouco tempo) não deveriam valer por uma vida inteira. O poder é passageiro, caro mandatário. Efêmero, diriam os sábios. Mas o comportamento ensandecido de quem prende e arrebenta para satisfazer os desejos absolutistas, não. Esse é lembrado para além morte. Que triste legado ficará. Não diria sequer para os seus filhos, que parecem guiar-se pela mesma cartilha – ao menos aqueles que também alçaram cargos públicos. Brigões todos, senhores de si, destemidos com as armas em punho, acreditam poder tudo. Vã ilusão. Precisam ser informados pela Lei que não conseguem. Ao contrário. Terão de se submeter a ela. E ai dos erros e desvios de cada um deles, pilhados em flagrante por uso indevido de dinheiro público, que já vêm sendo desvendado em seguidas investigações.
Desculpe presidente, não quero de novo despertar o seu ímpeto animalesco para encher minha boca de porrada. Mas são fatos. Fazer o que? Apenas os relato aqui, como muitos já o fizeram. Por isso, digo: não adianta nada querer “encher de porrada” a boca de todo mundo que lhe indaga sobre eventuais falcatruas. É um rebotalho caricato e extemporâneo da ditadura que não existe mais. Prepotência e impropérios não irão lhe livrar da realidade. Ou será que, diante de um juiz, indagado pela mesma questão, o senhor também tomará impulso para encher a boca dele de porrada? Se aceita o conselho: melhor evitar. Não acabaria bem. Aliás, decerto, indo as vias de fato nesse caso, as grades de uma prisão lhe receberiam de novo. Sei que já esteve por lá devido a atos de rebeldia, quando ainda habitava os quartéis. Refresque minha memória: Foi expulso de lá justamente por atitudes como essa, se não me engano. Estou certo, presidente? Está nos anais da história. Ela também mente? Falseia os fatos como é a sua especialidade? Outro dia uma universidade paulista levantou que, nesses quase dois anos de gestão, o senhor chegou a mentir, veicular desinformações nas redes sociais ou distorcer a realidade em um ritmo de ao menos duas vezes ao dia. Que coisa feia, presidente! O senhor acredita mesmo em fake news? Seu filho Carluxo com certeza. Afinal a Polícia Federal o identificou como chefe de um “gabinete do ódio” de produção e disseminação de notícias falsas contra adversários. Como pode uma coisa dessas não é, presidente? O senhor não tem vergonha da baixaria para calar opositores? Talvez não, acredito. Afinal, mácula mais notória e indiscutível o senhor já teve na aqui citada carreira militar de capitão. Em tempo, até o título de capitão reformado o senhor só recebeu justamente porque teve de sair de lá escorraçado por mau comportamento. Confere, ex-tenente? Julgado duas vezes por conduta irregular e atos que ofendem a honra pessoal e o decoro da classe, foi considerado culpado unanimimente por três julgadores, todos oficiais de alta patente. Deve ter sido constrangedor, tenho certeza. Logo os colegas de farda lhe condenando. E os tempos de prisão disciplinar devem ter sido duros. Por aqui, na vida civil, também não é bom abusar da destemperança. Na cadeira do Planalto, o senhor deve satisfações e não tem o direito de distribuir porradas a torto e a direita. Modere o tom mandatário. Ponha-se no seu lugar. Onde foi parar a exigida liturgia do cargo? O senhor não a conhece? Não é para inglês ver. Em tempo, recorrendo a outro dos epítetos que resolveu lançar contra aqueles que lhe questionam sobre o óbvio, quero reiterar aqui que “bundão” é o senhor que não explica, se acovarda diante de questões éticas, amarela e sai esbravejando. Profissionais de comunicação não são “bundões” por que não atendem aos seus anseios. “Bundão” é o senhor que incita a claque de fanáticos a darem porrada em jornalistas. “Bundão” é o senhor, que agride sistematicamente a legislação em vigor, com crimes de responsabilidade em profusão. Já passou do tempo e da hora da cassação do seu mandato. Na letra da lei, suas imprecações, em atos e palavras, deveriam ter lhe levado ao impedimento. Que as autoridades dos demais poderes acordem o quanto antes e tomem medidas contra a valentia descabida desse “bundão”. Que foi? Não gostou? Vai encher a minha boca de porrada? Então deixe eu lhe dar o motivo maior para tamanha ignorância: presidente, por que a sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?
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