sexta-feira, 31 de agosto de 2018

O ESQUEMA CEARENSE

Da VEJA

O candidato Ciro Gomes tem feito questão de lembrar ao eleitor que não é investigado pela La­va-Jato, mas a Lava-Jato está no seu encalço. A pedido da Procuradoria da República no Ceará, a polícia vem apurando a existência de um esquema de extorsão contra empresários no governo do Ceará. Entre os suspeitos de promover o achaque figuram um dos irmãos, o marqueteiro e um ex-empre­gador de Ciro Gomes — e, agora, apareceu uma testemunha afirmando que o próprio Ciro participava do esquema criminoso.

“Ciro sabia e participava, com certeza”, declara Niomar Calazans, 48 anos, ex-primeiro-tesoureiro do Pros, partido ao qual Ciro Gomes e seu irmão Cid foram filiados entre 2013 e 2015. Em entrevista exclusiva a VEJA, Calazans conta que o esquema de extorsão era usado por Ciro e seu grupo para financiar campanhas eleitorais (veja a entrevista abaixo). Ele também diz que os irmãos Gomes pagaram 2 milhões de reais para “comprar” o controle do Pros durante as eleições de 2014 no Ceará e, desde então, passaram a orientar todas as ações locais da sigla. Na época, Ciro Gomes era filiado ao Pros, e o diretório estadual era presidido por Danilo Serpa, seu afilhado político e chefe de gabinete do então governador cearense Cid Gomes.

O esquema de extorsão do governo do Ceará veio a público em maio do ano passado, quando se divulgou o conteúdo da delação dos empresários Joesley e Wesley Batista, donos da JBS. Eles contaram que o governo cearense, na gestão Cid Gomes (2007-2015), só aceitou pagar-lhes créditos fiscais aos quais a JBS tinha direito depois que concordaram em contribuir financeiramente para uma penca de aliados dos irmãos Gomes: o então candidato a governador Camilo Santana (PT), cinco candidatos ao Legislativo estadual e federal e o próprio Pros do Ceará, legenda que os irmãos Gomes controlavam.

Em 2010, segundo a delação dos Batista, a Cascavel Couros, empresa do grupo JBS, recebeu parte de seus créditos junto ao governo e, em troca, pagou 5 milhões de reais à turma. Em 2014, a empresa recebeu 97,5 milhões de reais do governo e depositou 20 milhões para os aliados dos irmãos Gomes no caixa um e no caixa dois do Pros. Falando em tese, sem conhecer o caso específico, Ricardo Tonassi, professor de direito da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, afirma: “Além de corrupção e lavagem de dinheiro, condicionar a liberação de um pagamento oficial a um benefício eleitoral é crime de responsabilidade, improbidade administrativa e abuso de poder político”.

O problema para os irmãos Ciro e Cid Gomes é que o esquema pode não ter ficado restrito à JBS. Até agora, só ela denunciou o que acontecia no Ceará, mas o próprio Joesley Batista, em conversas reservadas, faz uma indagação: “Será que a JBS foi a única vítima desse esquema de extorsão?”. O Programa de Incentivo às Atividades Portuárias e Industriais (Proapi), que previa o pagamento desses créditos, tinha, em 2014, outras nove empresas beneficiárias, das quais cinco eram credoras de quase tudo, o equivalente a 97% do total dos benefícios. Destas, quatro, incluindo a JBS, fizeram doações ao Pros e — coincidentemente — receberam seus créditos do governo.

Um levantamento de VEJA mostra que há uma notável sincronia entre as datas de pagamento dos créditos e as contribuições eleitorais das empresas beneficiadas. Confira:

* Entre 14 de agosto e 29 de dezembro de 2014, a Grendene, a maior exportadora de calçados do país, recebeu 90 milhões de reais. No mesmo período, a empresa e seus acionistas doaram um total de 4,1 milhões ao Pros e ao candidato a governador do Ceará. Em detalhes: a primeira parcela do crédito da Grendene foi liberada em 14 de agosto de 2014, e um de seus sócios, Pedro Bartelle Filho, fez duas doações — uma de 125 000 reais a um dos aliados, candidato a deputado federal, e a outra de 250 000 reais ao candidato Camilo Santana (PT), ambas em 20 de agosto, seis dias depois. Mais: a segunda parcela do crédito saiu em 25 de agosto, e Pedro Grendene Bartelle fez uma doação ao Pros, no valor total de 1,5 milhão, em 26 de agosto — um dia depois. No mesmo dia, seu filho, Pedro Bartelle, doou ou­tros 250 000 reais também ao Pros. Mais ainda: em 18 e 21 de setembro, o Ceará pagou 18,5 milhões de reais à Gren­dene e, logo em seguida, em 25 e 26 de agosto, o Pros recebeu 2 milhões de reais de contribuição pagos por Alexandre Grendene Bartelle, Pedro Grendene Bartelle e pela própria Grendene S.A.

* Outro caso. Entre 5 de junho e 10 de outubro do ano eleitoral de 2014, a Paquetá Calçados, outro gigante do setor de calçados, com 250 lojas pelo mundo e sete fábricas no Brasil e na Argentina, recebeu 41,7 milhões de reais em créditos do governo. Nesse período, doou 3,7 milhões ao Pros. Verifica-se, nesse caso, o mesmo balé de datas: saiu o pagamento e, pouco depois, caiu a contribuição eleitoral.

* Ainda outro caso. Em 7 de abril e em 21 de outubro de 2014, a Bermas Maracanaú, do município de mesmo nome, recebeu 18 milhões de reais do governo cearense e, nesse período, doou 990 000 reais, metade ao Pros e metade ao candidato dos irmãos Gomes ao governo do Ceará. Mais uma vez, as datas apresentam a mesma sincronia: o governo paga e, dias depois, a empresa faz a doação financeira.
A quinta grande credora do estado era a Vulcabras Azaleia — empresa com 15 000 empregados e com seus calçados distribuídos em vinte países. Ela não fez doação eleitoral alguma ao Pros nem ao candidato a governador apoiado pelos irmãos Gomes. Mesmo assim, recebeu seus créditos de 12,4 milhões de reais em 2014. Nesse caso, não há nenhuma conexão explícita, mas os investigadores têm levado em conta que os acionistas controladores da Grendene são os mesmos da Vulcabras Azaleia — ou seja, Alexandre Grendene Bartelle, Pedro Grendene Bartelle e Pedro Bartelle Filho. Procuradas, Grendene, Paquetá, Bermas e Vulcabras não se manifestaram.

A suspeita levantada pelo calendário é que o governo do Ceará costumava represar o pagamento dos créditos nos anos em que não havia eleição. No período eleitoral, no entanto, as torneiras do estado eram abertas — e as contribuições eleitorais jorravam. A regra, aparentemente, era simples: quem pagava recebia. Ao receber 97 milhões de reais no ano eleitoral de 2014, a Cascavel Couros, da JBS, por exemplo, embolsou mais do que o dobro do que recebera nos três anos anteriores somados. Aos números:

* Em 2011, quando não houve eleição, a Cascavel Couros tinha créditos de 58,2 milhões de reais, mas só recebeu 11,5 milhões;

* Em 2012, tinha ainda mais dinheiro para receber, 79 milhões, mas levou apenas 18 milhões;

* Em 2013, a situação ficou ainda pior: tinha 93,8 milhões de créditos e, no entanto, embolsou só 12,4 milhões;

* No ano eleitoral de 2014, porém, o cenário mudou radicalmente. Com 111 milhões de reais para receber, a Cascavel Couros levou 97,5 milhões — quase tudo a que tinha direito.

Quando o caso do esquema de extorsão no Ceará chegou ao Supremo Tribunal Federal, em agosto de 2017, a cronologia dos pagamentos à JBS não passou despercebida ao ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato. O magistrado destacou que o Ministério Público chamava a atenção para o fato de que os pagamentos em anos eleitorais “foram bem superiores aos realizados em anos pretéritos”. O que não se sabia é que os tais pagamentos em anos eleitorais também dispararam para outras empresas, e não só a JBS. Em 2015, dois anos antes da delação dos donos da JBS, já havia suspeita de que algo estranho estava acontecendo. Soraia Victor, conselheira do Tribunal de Contas do Ceará, percebeu que os pagamentos do programa de incentivo tinham crescido 250% no ano eleitoral de 2014. Desconfiada, ela quis investigar o assunto a fundo. “Meu relatório foi votado, mas o TCE nem sequer o discutiu. Não deu atenção ao que eu estava apontando. Pedi uma auditoria. Mas o tribunal discordou. O tempo mostrou que eu estava certa, embora, naquele momento, eu ainda não soubesse exatamente do que se tratava”, diz a conselheira. Dos seis membros do TCE à época, quatro eram ligados aos irmãos Gomes. Um deles, Patrícia Saboya, é ex-mulher de Ciro Gomes.

Os delatores da JBS contaram que, em meados de 2014, receberam uma visita do governador Cid Gomes, que pediu uma contribuição de campanha, sem condicioná-la a nenhum benefício. Dias depois, no entanto, veio o achaque. Segundo os delatores, Arialdo Pinho, então chefe da Casa Civil do governo de Cid Gomes, e o deputado federal Antônio Balhmann solicitaram uma reunião com os donos da empresa. O assunto era o mesmo de que Cid Gomes tratara antes: doações eleitorais. Só que, dessa vez, não houve rodeios. Em seu depoimento, Wesley Batista, da JBS, relatou que Arialdo Pinho foi direto ao assunto: “Olha, nós precisamos daquela contribuição de 20 milhões e aqui o negócio é assim: você paga e nós lhe pagamos. Se você não paga, o estado não libera”. A JBS topou. Houve o seguinte acerto: uma parte do dinheiro (10,2 milhões) seria repassada como contribuição oficial. O restante (9,8 milhões) cairia no caixa dois. Arialdo Pinho e Antônio Balh­mann ficaram encarregados de definir a forma e o destino dos repasses.

É antiga a amizade de Ciro com Arialdo Pinho. Quando foi prefeito de Fortaleza (1989-1990), Ciro ajudou Pinho a divulgar seu novo negócio, um parque aquático — o Beach Park. Após Ciro deixar a prefeitura e ficar sem mandato, o empresário lhe deu um emprego como diretor financeiro do Beach Park. Durante um período, foi seu chefe. Já Balhmann foi secretário do governo de Ciro e ocupou um cargo de destaque no Ministério da Integração Nacional quando o agora candidato a presidente comandou a pasta no governo Lula. Segundo a delação da JBS, Pinho e Balhmann ficaram responsáveis por indicar as empresas-laranja e encaminhar as notas fiscais dos supostos beneficiários.
Por orientação deles, os recursos da JBS foram repassados da seguinte forma: 4 milhões de reais para o diretório do Pros no Ceará, 9,8 milhões para empresas determinadas por Pinho e Balhmann e o restante para candidatos apoiados pelos irmãos Gomes (veja o gráfico ao lado). Entre os beneficiários da dinheirama aparecem o próprio Balhmann, o governador Camilo Santana (PT), que hoje concorre à reeleição com o apoio do presidenciável do PDT, e empresas ligadas aos irmãos Gomes. Uma delas é a Cankun Comunicação Institucional, que recebeu 1 milhão de reais. Seu dono, Manoel Canabarro, vem a ser o marqueteiro oficial da campanha de Ciro à Presidência.

O padrão “você paga e nós lhe pagamos” repetiu-se no caso das empresas com direito a 97% dos créditos devidos pelo Estado do Ceará. Por outro lado, o padrão “se você não paga, nós não lhe pagamos” também parece ter funcionado. A Dass Nordeste, uma fabricante de calçados esportivos, não fez nenhuma doação eleitoral. Em 2014, ela tinha apenas 1,6 milhão de reais a receber do governo cearense — uma ninharia, perto das demais beneficiadas pelo programa. Ainda assim, menos da metade desse valor foi paga à Dass Nordeste, que até hoje cobra, sem sucesso, a diferença. Os investigadores têm uma suspeita óbvia: a empresa não recebeu porque não topou pagar a propina. Procurada, a Dass não quis comentar o assunto.

O Ministério Público Federal no Ceará já identificou nas delações da JBS crimes de lavagem de dinheiro, além de corrupção ativa e passiva. Por determinação da Justiça, a Polícia Federal abriu um inquérito para averiguar o pagamento de propina em 2010. No último dia 24, o procurador Luiz Carlos Oliveira Júnior requereu a abertura de outra investigação para apurar o achaque de 2014. Cid Gomes, Arialdo Pinho e Antônio Balhmann são os alvos. Procurado por VEJA, Arialdo Pinho disse que “só falará à Justiça”. O deputado Antônio Balhmann admitiu ter pedido dinheiro à JBS, mas ressaltou que foi tudo dentro da lei e que jamais vinculou as doações à liberação de créditos pelo estado. O marqueteiro Manoel Canabarro, dono da Cankun, não quis comentar o caso. Os irmãos Ciro e Cid não responderam aos pedidos de entrevista.

“Ciro sabia e participava”

O administrador de empresas Niomar Calazans, 48 anos, ajudou a fundar o Pros e foi primeiro-tesoureiro nacional do partido por mais de dois anos. Durante esse tempo, também exerceu o cargo de secretário da presidência da legenda. As duas funções colocaram-no à cabeceira da mesa das principais negociações políticas e financeiras do Pros entre 2013 e 2015, período em que o partido, sabe-se hoje, foi usado como incubadora de várias tramoias, principalmente nas eleições de 2014. No âmbito federal, a sigla vendeu seu apoio à presidente Dilma Rousseff. Nos estados, vendeu diretórios regionais para abrigar candidaturas e dar suporte a alianças de conveniência.

Uma das tramoias aconteceu no Ceará. A Lava-Jato descobriu que uma empresa do grupo JBS pagou 20 milhões de reais em propina em troca da liberação de créditos junto ao governo — e parte do dinheiro foi parar nos cofres do Pros. Os delatores da empresa contaram que o acerto foi feito com o então governador Cid Gomes (Pros), o hoje deputado Antônio Balhmann e o hoje secretário estadual Arialdo Pinho.

Em entrevista ao repórter Hugo Marques, o ex-tesoureiro conta o que viu e ouviu sobre esses pagamentos de propina e diz que Ciro Gomes, candidato a presidente da República, sabia e participava de todas as negociações — as lícitas e as ilícitas. Afirma também que o presidenciável chegou a negociar pessoalmente a “compra” do diretório do partido no Ceará. Na terça-feira 28, Calazans prestou depoimento como testemunha num inquérito na Polícia Federal que investiga a falsificação de documentos da sigla — denúncia que ele mesmo fez em 2015, ainda na condição de tesoureiro, e que resultou em sua expulsão da legenda “por ter infringido o código de ética e disciplina do estatuto do Pros”. Calazans, na época, acusou Euripedes Junior, o presidente do partido, de fraudes e desvio de dinheiro público. A seguir, sua entrevista.

A JBS diz que pagou propina ao grupo do ex-governador Cid Gomes e ao Pros para receber créditos do governo. Isso é verdade? É totalmente verdade. Os delatores disseram exatamente o que aconteceu.

Quem sabia disso? Todo mundo sabia. Eles fizeram uma jogada lá, e o dinheiro veio desse acerto com os empresários.

Todo mundo quem? O governador Cid Gomes, o Ciro, o governador Camilo Santana, o Euripedes Junior, o Arialdo Pinho, o deputado Antônio Balhmann e todos os aliados deles que usaram o dinheiro na campanha.

Ciro Gomes também sabia? O Ciro Gomes sabia e participava, com certeza.

Ele também sabia que seu irmão Cid pedira propina à JBS? No Ceará, um não faz nada sem o outro. Cid Gomes era governador por indicação do Ciro. Quando um está em um partido, o outro também está. Trabalham em conjunto.

O senhor tem alguma prova de que Ciro sabia e participava de tudo? Prova material eu não tenho.

O senhor já esteve com Ciro Gomes? Diversas vezes. No Ceará, estive duas vezes com ele. As outras foram em Brasília. Sempre que ia a Brasília, ele visitava a sede do Pros para tratar desses negócios.

Que negócios eram esses? Os negócios políticos e os negócios financeiros. Quem indicou o presidente do Pros no Ceará foi o Ciro. O indicado foi o Danilo Serpa. Danilo também era o chefe de gabinete do governo Cid. Através do Danilo, Ciro mandava no diretório estadual e cuidava da parte financeira.

Não era o senhor que cuidava das questões financeiras? Eu era o tesoureiro nacional. Mas era o Ciro Gomes que negociava a parte do dinheiro do Ceará. Os 20 milhões de reais que a JBS repassou em 2014 foram para o grupo de Ciro, que apoiou a candidatura do Camilo Santana. Nós só acompanhávamos. Ciro precisava do partido no estado para tocar a campanha do seu grupo político. O pessoal dele negociou esses créditos, dinheiro usado para eleger o grupo dele. E ainda houve o caso dos 2 milhões que Ciro teve de dar ao Euripedes Junior para poder controlar o Pros no Ceará.

Ciro comprou a legenda por 2 milhões? Os irmãos Gomes compraram o diretório cearense do Pros. Euripedes controlava o partido e “vendia” os diretórios estaduais. Quem quisesse ter o controle local da sigla precisava pagar. Foi assim em Minas Gerais, em Mato Grosso do Sul, no Ceará e em outros estados. Em 2014, o Euripedes chantageou o Ciro: “Se você não depositar 2 milhões de reais na minha conta, eu não libero o diretório”. Esse diálogo foi reproduzido pelo próprio Euripedes em uma de nossas reuniões.

O senhor estava na reunião? Sim, foi uma conversa minha com o Euripedes Junior. Logo depois dessa conversa, inclusive, o Danilo Serpa, presidente do Pros no Ceará, me ligou. O Danilo falou: “O Euripedes está fazendo chantagem, nos retirou a senha do partido”. O Danilo pediu que eu fizesse uma aproximação do Euripedes com o Ciro. Fui então falar com o Euripedes e ele disse: “Quem manda no partido sou eu, as coisas vão acontecer do meu jeito”.

E o que aconteceu? O Ciro veio a Brasília para negociar diretamente com o Euripedes.

O senhor estava nessa reunião do Ciro com o Euripedes? Eu estava na sede do partido, vi quando eles entraram, mas não participei. Foi uma reunião muito tensa.

E houve o pagamento? Eles receberam a autorização para comandar o diretório regional. O que você acha?

Qual o destino da propina que a JBS pagou ao Pros? O dinheiro foi todo usado nas campanhas dos nossos candidatos no Ceará. Era uma questão regional dos irmãos Gomes. Eles arrecadaram e cuidaram da operação do dinheiro por lá.

Como assim? O Euripedes Junior tratava das questões nacionais. Foi ele quem negociou a venda do apoio do partido à candidatura da presidente Dilma. Já a propina da JBS no Ceará era uma coisa separada, coisa regional, da alçada dos irmãos Gomes. Basta ver para quem foi o dinheiro.

O senhor tem como provar essas acusações? Os depoimentos dos executivos da JBS são públicos e notórios. E eu acompanhei tudo isso de perto. Em 2014, denunciei à Justiça que o Euripedes usava o Pros para ganhar dinheiro — e fui expulso do partido no início de 2015. Continuo colaborando com as autoridades. Não há inocente nesse meio.

O senhor está disposto a depor oficialmente acusando Ciro Gomes de envolvimento no esquema? Meu compromisso é com a verdade. Aquilo que me for perguntado e de que eu tiver conhecimento, vou falar sem restrição alguma.

Por que o senhor não denunciou antes a venda do Pros no Ceará por 2 milhões? Nos depoimentos que prestei à Polícia Federal e à Polícia Civil, só me perguntaram sobre falsificação de atas de reuniões e uso irregular de dinheiro público envolvendo o presidente do Pros, temas que denunciei ao Ministério Público em 2015, antes de ser expulso do partido. Há muitas coisas que presenciei e, se me perguntarem, vou dizer como aconteceram.

Matéria da VEJA escrita por Nonato Viegas e Hugo Marques

Bookmark and Share

LEVEZA E FIRMEZA

Cláudio Teran, via Facebook
Marina Silva se saiu melhor que Alckmin; Bolsonaro e Ciro no moedor de candidatos do Jornal Nacional.
Sim, ela foi inquirida de forma incisiva como os outros. Sim, teve bate boca entre ela, Bonner e Renata. Mas Marina desviou das cascas de banana que o JN lhe apresentou, e o fez de forma olímpica.
Rebateu, dosando leveza e firmeza, questões como apoio a Aécio Neves em 2014; a pretensa falta de liderança; e não fugiu de nenhuma acusação deincoerência feita pelos apresentadores.
Única mulher candidata, Marina Silva convence pela simplicidade e clareza com que fala. E talvez tenha deixado uma pulga atrás da orelha daquele sujeito que ficou no sofá assistindo.
A vantagem dela, até sobre Ciro Gomes que gosta de bradar que nunca foi processado muito menos acusado de corrupção, é maior porque não paira sobre a candidata nenhuma nódoa ética.
E ela não se gaba de ser íntegra, ela é, e foi por isso que avançou pela entrevista se explicando por um lado, e vendendo bem seu peixe por outro. Dos quatro foi a que mais bem usou a chance preciosa de falar para o país.
A oitiva de hoje talvez tenha explicado melhor porque ela é a segunda colocada nas pesquisas, a frente de Ciro e Alckmin. Sim, Bolsonaro tem quase o dobro do percentual dela, mas Marina por estar fora do FLA x FLU político que o militar insufla, goza da preferência de um tipo de eleitor que busca o que ela procurou passar na entrevista, diálogo e equilíbrio.
Se a avaliação de Marina não for contaminada pelo preconceito que a enxerga como feia; negra; cara de pobre; frágil - um jabuti como o meme cruel que circula com a cara dela através do Whats App - é possível que tenha aproveitado a colossal audiência do JN para angariar os votos que está buscando...
Bookmark and Share

O BRASIL DE DE GAULLE

Artigo de Fernando Gabeira
Até hoje não se sabe ao certo se a frase foi dita ou não. Em 1962, no auge da guerra da lagosta, o general De Gaulle teria afirmado que o Brasil não é um pais sério. Não havia, na época, rede social como conhecemos hoje. Ainda assim, a frase foi tema de amplos debates.
Jamais conversei sobre o tema com o amigo Luís Edgar de Andrade, que teria enviado a notícia de Paris. Muita gente afirma que a frase de De Gaulle jamais foi dita. Vou tomá-la como verdadeira porque esta semana, ao ler “Lições dos mestres”, de George Steiner, creio que posso fazer uma nova leitura da frase.
A França foi humilhada em 1870 e 1871 pela derrota diante dos alemães. E o país se descobriu ávido de “seriedade”. A constatação mais importante: a vitória prussiana não dependeu de superioridade bélica, mas sim de uma escolaridade sistemática, que a colocava à frente em ideias científicas e humanísticas.
O Gymnasium alemão, as universidades depois das reformas de Humboldt, os padrões de qualidade das pesquisas e publicações eruditas deixaram expostos a frivolidade e o amadorismo francês. Alexandre Dumas, em 1873, escreveu: “já não se trata mais de ser espirituoso, leve, libertino, zombeteiro e alegremente inconsequente. A França deve agora haver-se com o ‘muito sério’. Caso contrario, sucumbirá.”
Evidentemente, a França conseguiu dar a volta por cima, na época, modernizando seu ensino. De Gaulle, como conhecedor profundo da história de seu país, possivelmente estaria pensando nessa definição de sério, quando se deparou com as vacilações burocráticas do governo brasileiro.
Mesmo que a frase não tenha sido dita e existam enormes diferenças entre a França do fim do século XIX e o Brasil de hoje, De Gaulle poderia ser reinterpretado na sua definição de país sério.
Não fomos derrotados pelos alemães, mas por nós mesmos. Mas, certamente, o caminho de nos tornarmos um “pais sério” passa pela educação.
Reconheço que a ideia de virar um “pais sério” assusta. Afinal, o Brasil é leve e alegre. Um candidato com esse objetivo estratégico tende a ser mal interpretado.
Há razões para isso. Costumo citar uma frase de Samuel Beckett: não se passa um dia sem que algo seja acrescido ao nosso saber. A Bíblia tem algo parecido no Eclesiastes 1:18: “aquele que aumenta o seu saber, aumenta o seu pesar.”
Mas creio que Beckett chegou à conclusão por conta própria. Como Freud, ao afirmar que civilização entristece porque depende da repressão aos instintos. Mas nada disso significa um elogio à ignorância. No caso brasileiro, o clima e a natureza são fatores que garantem uma dose de leveza e alegria.
Será que os candidatos querem mesmo fazer do Brasil um país sério? Não fomos arrasados por uma guerra, mas a confiança está num nível muito baixo.
Uma grande virada na educação, não apenas humanística, mas científica e tecnológica, pode ser o grande objetivo nacional. Enquanto isso não acontece, passaremos nossos dias sobressaltados com pesquisas eleitorais, tentando adivinhar de que lado virá o desastre.
Certamente, os candidatos falam no tema, têm planos. Mas se colocam como alguém que pretende trabalhar e têm, na ponta da língua, os principais tópicos de seu programa. Eles se apresentam como prestadores de serviço. Raramente, se colocam como líderes que vislumbram uma trilha e propõem conduzir a sociedade por ela.
Pelo menos, fica essa possível sugestão de De Gaulle, que já encontrou a França com o problema educacional resolvido, e a conduziu pelos difíceis caminhos na guerra e depois dela.
No sentido que dou à sua possível frase, não há nenhuma ofensa, nada que possa agitar nossas inquietas redes sociais. É apenas um rumo, direção para o esforço coletivo, uma constatação de que temos diante de nós um problema que pode nos fazer sucumbir, como dizia Dumas.
Apesar da enorme importância da infraestrutura, dos investimentos na saúde e na segurança pública, nada disso nos tira do pântano se não compreendermos que o Brasil precisa se tornar um país sério, reconhecer a educação como a sua grande derrota.
Não faltou quem se lembrasse disso ao longo dos anos. Ouvimos, concordamos, mas, no calor da história, simplesmente deixamos de lado.
Artigo publicado no O Globo em 27/08/2018
Bookmark and Share

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

O VOTO MODERADO

Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo
Estão na batalha por esse eleitorado Marina Silva, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Alvaro Dias, João Amoêdo e Henrique Meirelles
Se até este ponto da disputa presidencial os únicos votos consolidados parecem ser aqueles dados nos extremos, começa a ficar encarniçada a disputa pelo contingente de eleitores que não comunga nem do lulismo renitente nem do bolsonarismo exaltado.
O tal voto que já foi classificado como “de centro”, mas que comporta um espectro político-ideológico mais amplo – que vai da centro-direita à centro-esquerda – e, por isso, poderia ser chamado mais corretamente de voto moderado.
Estão na batalha por esse eleitorado Marina Silva, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Alvaro Dias, João Amoêdo e Henrique Meirelles. Diante de tal pulverização fora dos extremos e do alto contingente de indecisos flagrado pelas pesquisas, será previsível assistir a um fenômeno que ocorreu em 1989: o surgimento de “ondas” na direção de um ou outro nome até que configure o segundo turno.
Esses candidatos vão mirar o eleitorado de Bolsonaro e do PT – que, até agora, não se transferiu para Fernando Haddad –, mas também trocar cotoveladas entre eles pelos indecisos e moderados insatisfeitos com a polarização exacerbada.
A temporada de dedo no olho nesse meio de campo já começou. Alckmin é alvo de artilharia dos rivais em peso pela aliança com o Centrão, que lhe garante uma vantagem logística na briga por esses votos. Bastou crescer um pontinho nas pesquisas e Amoêdo também entrou na mira dos demais.
Na sabatina Estadão/Faap, Marina mostrou o caminho que pretende seguir nessa disputa em que entra sem capilaridade partidária nem tempo de TV: focar tudo no eleitorado feminino, que hoje lidera o bloco dos indecisos, e na defesa de uma saída intermediária para o confronto bolso-petista.
Certamente não ficará sozinha nesses dois objetivos estratégicos, mas por ora leva vantagem nas pesquisas pelo recall das eleições passadas, por herdar momentaneamente os votos lulistas e pela trajetória política sem máculas éticas.
Pode ser pouco diante do arsenal que seus adversários terão em termos de recursos financeiros e acesso à propaganda. Ela própria não soube responder se o apelo ao voto moderado será suficiente numa campanha até aqui marcada pela estridência e a revolta com a política.
Pelo sim, pelo não, a ex-senadora não passará incólume a ataques dos adversários atentos a sua movimentação: depois do confronto que ela e Bolsonaro protagonizaram no debate da Rede TV!, apoiadores do ex-capitão já fazem o trabalho de desconstrução da ex-senadora nas redes. O mesmo trabalho, aliás, que começa a se voltar contra Amoêdo e já era feito em relação a Alckmin.
O bolsonarismo age para manter a tropa unida e evitar que se abra brecha para opções menos radicalizadas, o que poderia ser um golpe nas pretensões do candidato do PSL.
CAMPO MINADO
Rivais vão fustigar Bolsonaro por faltar a debate da CNA
Jair Bolsonaro será o alvo de todos os demais candidatos durante sabatina da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) hoje, em Brasília, um dos muitos eventos do gênero que decidiu cabular. Os opositores vão aproveitar a ausência do líder nas pesquisas para colocar em dúvida seu compromisso real com o agronegócio, setor no qual conta com o apoio de uma ala mais “tradicionalista”.
Aliás, essa divisão do agro em grupos ficou evidente com a organização do debate. Aquele mais ligado à pesquisa e à automação não está fechado com o candidato do PSL e se mostra mais próximo à vice de Alckmin, a senadora gaúcha Ana Amélia (PP).
Outro ausente do evento de hoje que não tem muito ambiente no patronato ruralista é Ciro Gomes (PDT), devido ao fato de sua vice, Kátia Abreu, que já presidiu a CNA, ter angariado muitos desafetos por lá desde que hipotecou apoio incondicional a Dilma Rousseff e fez uma guinada à esquerda.
Bookmark and Share

UMA ELEIÇÃO ATÍPICA

Merval Pereira, O GLOBO
A eleição presidencial mais atípica desde a redemocratização tem características singulares, como já salientou Fernando Gabeira em recente artigo em que ressaltou a estranheza de um candidato concorrer da prisão, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, e outro, referindo-se ao Cabo Daciolo que subiu a uma montanha para orar, estar “a caminho do hospício”.
Mas há mais: o candidato mais votado quando Lula não aparece na lista, Jair Bolsonaro, já é réu de uma ação no Supremo Tribunal Federal por incitação ao estupro, e pode vir a ser novamente réu em outra ação, por racismo. Comportamento conectado a crimes hediondos, imprescritíveis.
Portanto, os dois candidatos preferidos pelos eleitores, segundo todas as pesquisas eleitorais, não são afetados pela divulgação de suas malfeitorias. Além do mais, a eleição está aberta, com resultado imprevisível.
Cinco candidatos disputam as duas vagas no segundo turno: o preposto de Lula, Bolsonaro, Marina Silva, Ciro Gomes e Geraldo Alckmin. Haddad e Alckmin entram na relação pelo potencial de votos que têm, não pelos votos que no momento as pesquisas eleitorais indicam.
Supõe-se que a transferência de votos de Lula para seu “cavalo”, como se chama no candomblé “aquele que se deixa cavalgar pela divindade, que se apropria do corpo e da mente do iniciado” é inevitável. Mas é ainda uma questão a ser testada.
Supõe-se também que a larga vantagem do tucano Geraldo Alckmin na propaganda eleitoral oficial na rádio e na televisão, graças ao amplo arco de alianças que montou, o levará ao segundo turno. Mas às vezes muita exposição pode ser pior para um candidato, mostrando mais suas fraquezas que as qualidades.
Bolsonaro e Marina têm reduzido tempo de propaganda, medido em poucos segundos, mas se mostram resilientes nas pesquisas que valem, há mais de um ano em primeiro e segundo lugar na ausência de Lula.
O candidato do PDT, Ciro Gomes, que pretendeu assumir o papel de candidato das esquerdas na ausência de Lula, viu seu sonho desmilinguir-se por obra e graça do próprio Lula, que blindou o PT do fogo amigo do PSB e do PCdoB e esvaziou Ciro, que chegou a procurar o centrão para ganhar musculatura.
Hoje, Ciro disputa um lugar no segundo turno objetivando mais a classe média e a centro-esquerda, uma posição em que o PSDB, que já foi seu partido, já foi hegemônico. Hoje, o candidato tucano Alckmin é atacado por vários flancos e não consegue deslanchar.
Perde votos para Bolsonaro, para o próprio Ciro, para Marina Silva, para o ex-tucano Álvaro Dias, até mesmo para João Amoedo, do Partido Novo, se for confirmar sua ascensão nas pesquisas eleitorais.
Cada um desses candidatos dá uma bicada no eleitorado do PSDB, e o voto útil pode decidir quem vai para o segundo turno. Além do mais, as pesquisas mostrarão, depois do início da propaganda eleitoral com maior clareza, quem vence quem na disputa direta do segundo turno, quando os dois mais votados terão que conseguir alianças.
O PT precisará do apoio de Ciro Gomes se este não estiver no segundo turno, e a recíproca, embora verdadeira, pode não ser de interesse político de Lula, que veria um novo líder de esquerda surgir. Outro detalhe fundamental: se vencer a eleição, Ciro Gomes não tentará anistiar Lula, pela mesma razão que Lula não quer vê-lo vencedor.
Se o segundo turno for entre Bolsonaro e algum outro, por enquanto as pesquisas mostram que apenas Marina o venceria. Em um duelo entre Bolsonaro e Haddad, mesmo com o previsível apoio a Haddad contra a extrema-direita, é quase certo que boa parte do eleitorado tucano não votará no PT. Assim como os petistas não votarão em Alckmin mesmo que ele dispute com Bolsonaro.
Nos dois casos, o índice de votos nulos e em branco será muito alto, mostram as pesquisas. A eleição mais atípica desde a redemocratização, portanto, em alguns casos poderá ser resolvida pela escolha dos eleitores do candidato “menos pior” já no primeiro turno.
Bookmark and Share

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

MENSALINHO DO TWITTER

Da DW

DW fala com pessoas que participaram do esquema de difusão de conteúdo favorável a candidatos do PT e PR nas redes sociais por meio de influenciadores, que eram pagos para isso. Prática contraria legislação.

Nos últimos dias veio à tona um esquema de pagamento de influenciadores de redes sociais para propagação de pautas positivas disfarçadas de notícia, que ficou conhecido popularmente como Mensalinho do Twitter. O esquema teria surgido da promessa do deputado federal Miguel Corrêa, do PT de Minas Gerais, a candidatos de seu próprio partido e do PR de criar uma estratégia diferenciada de campanha via redes sociais.

Além de petistas, candidaturas do PR, como a de Tiririca, que tenta se reeleger como deputado federal em São Paulo, e de Kátia Sastre, policial militar que concorre pela primeira vez a um cargo eletivo após ter matado a tiros um ladrão em frente a uma escola, tiveram material propagado.

Na lista aparecem ainda a senadora Gleisi Hoffmann, do PT do Paraná, Luiz Marinho, que concorre ao governo de São Paulo, e o governador Wellington Dias, que tenta a reeleição no Piauí. Foi por causa deste último que o esquema acabou jogado no ventilador, quando uma das influenciadoras digitais que participava do esquema replicando pautas positivas no Twitter decidiu se revoltar contra uma das missões sugeridas pela plataforma: elogiar o mandato de Dias no Piauí.

Corrêa, que deixou o cargo de Secretário de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais em janeiro para concorrer ao Senado, teria fechado contratos milionários com pelo menos uma dezena de políticos que pagaram para participarem de um espécie de game, que ocorria através do aplicativo Follow, criado por empresas subcontratadas por ele. Para ganhar pontos nesse game, os influenciadores convidados a baixar o aplicativo deveriam compartilhar conteúdo positivo sobre os candidatos nas redes sociais.

A DW teve acesso ao contrato de uma das pessoas selecionadas pela empresa Fórmula Tecnologia, da qual um dos sócios é Corrêa, para trabalhar durante a campanha eleitoral. Conforme o documento, essa pessoa foi empregada para "prestar serviços de comunicação de redes sociais e mídias digitais" de julho a outubro para o projeto Follow, aplicativo que servia de ligação entre as pautas positivas das candidaturas que contrataram o serviço e os influenciadores responsáveis por fazer a difusão dessas pautas nas redes sociais.

O projeto teria iniciado com um cunho noticioso, para replicar pautas positivas nas redes sociais. A dezena de jornalistas contratados pela empresa cuidava tanto da curadoria quanto da produção de conteúdo. Uma parte do time era responsável por recolher notícias positivas sobre as candidaturas, fazendo o clipping de grandes veículos da imprensa. Os textos eram inseridos no aplicativo, com a indicação da fonte da notícia, e a reverberação deles era tarefa dos influenciadores que participavam do game. "Não vi nada sendo inventado, tudo tinha fonte", afirmou um membro da equipe à DW.

Outra parte dos contratados tratava de produzir matérias jornalísticas a partir de pautas próprias, que poderiam surgir, por exemplo, de uma entrevista de um dos candidatos a um veículo de comunicação ou de uma visita para prospecção a eleitores. A assessoria dos candidatos não tinha responsabilidade sobre o esquema de produção e quase nunca enviava sugestões de pautas ou material para os textos.

Por orientação interna, os jornalistas da Fórmula Tecnologia começaram a investir também em matérias que falavam bem do candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva, que tinha seu próprio aplicativo, o Brasil Feliz de Novo, mesmo nome de sua coligação.

Na outra ponta do aplicativo ficavam os influenciadores, pessoas com uma elevada quantidade de seguidores nas redes sociais, especialmente no Twitter, e que poderiam ser utilizadas para difusão do conteúdo disponibilizado pelos jornalistas. Essas pessoas eram abordadas individualmente pelas redes sociais e convidadas a baixar o Follow para participar do chamado game.

Cada tarefa cumprida valia pontos. Os pontos, ao final de certo período de tempo, seriam trocados por dinheiro. Os ganhos poderiam chegar a 1.500 reais por mês. Não havia contrato entre a empresa e os influenciadores.

Como o aplicativo não obteve resultados positivos logo nas primeiras semanas, já que os conteúdos postados não entusiasmavam os seguidores dos influenciadores a replicarem as postagens, a Fórmula Tecnologia e as duas empresas contratadas por Corrêa para prestar apoio e consultoria (a Lajoy e a Be Connected) decidiram mudar o formato do projeto.

Passaram então a enviar missões por e-mail e mensagens de WhatsApp de forma mais personalizada, de acordo com o interesse político dos influenciadores, que variavam desde o feminismo até a proteção de animais. Por esse motivo, alguns influenciadores, que vieram mais tarde a público revelar convite ou posts envolvendo o aplicativo, afirmaram não saber que se tratava de uma ação ligada a partidos políticos.

Candidaturas que pagavam pelo serviço podem ser cassadas

A estratégia do aplicativo Follow tenta burlar não só a legislação eleitoral como também as regras das redes sociais. Facebook e Twitter já estão vacinados contra tentativas de postagens por robôs ou de direcionamento de opiniões disfarçadas de comentários e têm mecanismos para combatê-los. Postagens feitas por usuários únicos e reais, entretanto, geralmente não passam por nenhum tipo de verificação. Essa foi a brecha aproveitada pelo esquema do Follow.

De acordo com o advogado Antônio Augusto Mayer dos Santos, especialista em direito eleitoral, houve abuso dos meios de comunicação e da Lei Eleitoral. O artigo 24 da resolução publicada pelo Tribunal Superior Eleitoral sobre a campanha deste ano aponta que é vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, com exceção de conteúdos impulsionados, desde que identificados como tal e contratados exclusivamente por partidos políticos, coligações e candidatos e seus representantes.

A violação da norma está sujeita a multa, que pode variar entre R$ 5.000 e R$ 30.000. Para Mayer dos Santos, trata-se de ato passível de investigação eleitoral, que pode culminar em cassação do registro ou do mandato.

Por enquanto, apenas o governador do Piauí, que concorre à reeleição, está sendo investigado pela Justiça Eleitoral. O Tribunal Regional Eleitoral do Piauí definiu esta quinta-feira como prazo final para que Wellington Dias e a empresa Lajoy manifestem-se sobre a acusação de propaganda irregular. A ação foi solicitada pelo advogado da coligação do candidato Luciano Nunes (PSDB), que disputa com Dias o governo do Piauí.

_______________

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube | WhatsApp |

 App | Instagram | Newsletter
Bookmark and Share

MORRE NARCÍLIO ANDRADE

A noite desta terça-feira (28.08/2018) marcou a despedida do ex-vereador Narcílio Andrade. Ele morreu aos 77 anos, levando junto a história de um tempo.
O ex-presidente da Câmara Municipal de Fortaleza se debatia com problemas de saúde. Estava internado e sucumbiu à insuficiência respiratória.
Raimundo Narcílio Andrade nasceu em março de 1941, em Juatama, distrito de Quixadá. Veio para Fortaleza com os pais, em 1955, em busca da melhoria das condições de vida longe do Sertão.
Foi balconista de loja de discos, servente, auxiliar de escritório, e estudou até concluir o que achava que seria o seu futuro, o curso de Contabilidade.
Em 1976 começa a carreira política, em defesa do bairro do Montese. Elegeu-se vereador e atuou por 28 anos consecutivos. No tempo da gestão de Juracy Magalhães foi o político mais influente da base situacionista no legislativo.
Forte poderoso e assistencialista. "Ora sempre existiu isso na política, os oponentes me acusavam como se não tentassem a mesma coisa, inclusive a esquerda, olha no que o Lula se transformou", ironizava. "E olha que o que eu fiz foi ajudar muita gente", dizia.
CAUSOS IMPAGÁVEIS
Narcílio em seu escritório político, colecionou ao longo da vida, histórias incríveis de pedidos do eleitorado. Sem falar na disputa pelo voto com outros colegas vereadores. Resgato dois:
O DONO DO DEFUNTO
Ano de eleição, campanha difícil. Um morador do Montese morreu e o enterro contou com a ajuda do vereador Narcílio Andrade, que foi ao cemitério. O desatento assessor de um vereador chega de olho no potencial eleitoral daquela tragédia familiar. Sem reconhecer Narcílio pergunta quem era o defunto e onde residia. "Meu chefe tem interesse de dar os pêsames para a família", disse. "Olha volte lá no seu chefe e diga a ele que esse defunto é do Narcílio, ok meu filho”.
MAIS DOIS CENTÍMETROS
Um dia, entra um cidadão no escritório político de Narcílio Andrade, chorando, e pede ao líder político que lhe arranje “dois centímetros”. Pedido estranho, mesmo para quem era acostumado com as coisas mais bizarras quase todo dia. “Pra que você quer esses dois centímetros?” O simplório rapaz justificou que fora ao Exército se alistar, um sonho pessoal, e terminou reprovado por ter apenas 1,58m, quando o mínimo exigido era 1,60m. "Meu filho eu lamento, mas esse pedido não vou poder atender", disse Narcílio e ofereceu um café ao jovem...
Por Cláudio Teran, via Facebook
Bookmark and Share

terça-feira, 28 de agosto de 2018

RIVAIS HERDEIROS DE LULA

Da ISTOÉ
Políticos do PT subiram na terça-feira 21 a famosa ladeira do Curuzu, bairro popular de Salvador. Uma eleitora perguntou para outro: “Quem é aquele ali ao lado do Rui?”. O Rui, que ela conhece, é o governador da Bahia, Rui Costa, candidato à reeleição. “É o tal de Andrade”, responde o outro. “Andrade” é como o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, começa a ser chamado no Nordeste pelos que já associam que será ele, e não Lula, o candidato do PT à Presidência.
A pouco mais de um mês das eleições, no entanto, ele ainda percorre as ruas do País quase como um desconhecido. Diante da insistência do PT em esticar ao máximo a candidatura de Lula mesmo sabendo que ela é ilegal e será interrompida antes de chegar às urnas eletrônicas, Haddad carrega todos os ônus da estratégia. Como não é o candidato à Presidência, mas a vice, ele não participa de debates e não entra nos noticiários no momento de divulgação das agendas. Vira, assim, apenas mais um, hoje em desvantagem, a disputar o espólio da expressiva votação de Lula. Se Haddad é o herdeiro oficial ainda não oficializado, Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT) apostam na capacidade de atraírem eleitores de Lula por encarnarem perfis igualmente de esquerda. Ambos foram ministros dos governos de Lula. Ciro tem a seu favor o fato de ter sido, até o PT resolver abandoná-lo, um ferrenho defensor de Lula. Marina conta com o fato de ser uma fundadora do PT, aliada do ambientalista e líder político Chico Mendes. E possuir uma trajetória parecida com a de Lula – a de uma liderança forjada na pobreza que ascendeu.
Do total de 110 milhões de eleitores que devem de fato comparecer às urnas, cerca de 60 milhões estariam na órbita de influência do ex-presidente Lula. São os chamados votos sub judice. A pesquisa Datafolha divulgada na quarta-feira 22 indica que, se pudesse ser candidato, Lula teria 39% das intenções de voto. Sem o petista, os votos atribuídos a ele distribuem-se entre vários candidatos, deixando, hoje, Haddad na rabeira da disputa, com somente 4%. Marina e Ciro dobram suas intenções de voto: ela pula para 16% e ele vai para 10%. Não é um cenário consolidado. Em um mês e dez dias, o quadro pode ser outro. O suficiente para esquentar a guerra fratricida no espectro político de esquerda de agora em diante.
” Não adianta querer vesti-lo de Lula. Ele (Haddad) não é Lula” Jaques Wagner (PT), ex-governador da Bahia
O campo principal da batalha no qual Ciro, Marina e Haddad travarão pelos votos de Lula é o eixo Norte-Nordeste. Berço da desigualdade social mais profunda, o Nordeste tornou-se um divisor de águas nas últimas eleições e é lá onde reside a maior parte dos eleitores do Lula. Justamente por conta disso, a região tem recebido nos últimos dias uma verdadeira romaria de candidatos. Na semana passada, Marina Silva (Rede) esteve em dois estados nordestinos. Visitou Fortaleza, capital do Ceará, na segunda-feira 20 e Recife, capital de Pernambuco, no dia seguinte. Para se viabilizar como desaguadouro dos votos da esquerda, Marina trabalha para desfazer a imagem de mulher frágil, cultivada em terrenos férteis há quase uma década, com uma importante contribuição dela própria. Agora, ela tenta demonstrar personalidade – quer personificar uma árvore típica de sua região: a biorana. “Experimenta bater com o machado: sai faísca e não verga”, repete Marina em vídeos que circulam na internet. A estratégia percorreu o debate RedeTV!/IstoÉ na sexta-feira 18. Em dado momento da refrega, a candidata do Acre partiu para cima de Bolsonaro deixando-o sem ação. “Você acha que resolve tudo no grito”, reagiu diante de uma pergunta mais áspera do candidato do PSL. Pesquisas internas revelam que a postura a levou a amealhar votos femininos. A mudança no perfil da candidata envolve aspectos visuais e estéticos. Nos últimos dias, Marina promoveu sutis mudanças no seu figurino, reduzindo o uso de ornamentos amazônicos. Para manter-se em alta com as mulheres, Marina promete inseri-las no processo produtivo. Se eleita, ele promete investir em creches e escola de tempo integral e dará apoio ao empreendedorismo feminino. A candidata da Rede também acena viabilizar o acesso de mulheres ao microcrédito e oferecer assistência técnica para que elas possam abrir o próprio negócio.
Assim como Marina, Ciro Gomes empreende uma guinada comportamental para conseguir herdar os votos de Lula. Só que no sentido inverso: Ciro modera o discurso. Apresenta-se mais “Cirinho paz e amor” do que nunca. Depois de tropeçar seguidamente na língua, Ciro apareceu com posicionamento bem mais ameno nos primeiros debates, onde tem feito questão de começar suas perguntas elogiando o candidato adversário e o chamando de “amigo”. De outro lado, aposta em algumas propostas populistas. Como a de que vai resolver o endividamento de 63 milhões de pessoas. Se pudesse, convocaria Zeca Pagodinho para cantar em prosa e verso em seus comícios o samba “Eu vou tirar seu nome do SPC”. Ciro também pretende fazer um aceno de políticas públicas às mulheres, discutindo melhorias no sistema de saúde e de assistência educacional.
“Cirinho”
Para seduzir o eleitorado do Nordeste, Ciro Gomes aposta na sua origem. Embora seja paulista, nascido na mesma Pindamonhangaba de Geraldo Alckmin, Ciro mudou-se criança para a cidade de Sobral, no Ceará. Sua fala carrega forte sotaque cearense. A teórica vantagem pode ser um problema para Ciro. Explica-se: no Ceará, ele tem convivência pacífica com o PT do governador Camilo Santana, candidato à reeleição. Em outros estados nordestinos, no entanto, a máquina petista trabalhou forte contra ele. Um caso notório é Pernambuco, ponto central da intervenção feita pelo PT para evitar que o PSB virasse aliado de Ciro, robustecendo a sua candidatura. Assim, integrantes da campanha do pedetista acreditam que ele terá mais dificuldade justamente nos Estados em que o PT tem maior protagonismo, como Bahia e Piauí.
Enquanto Ciro já colocou o pé na estrada há mais de um mês, o único herdeiro com a chancela oficial, Fernando Haddad começou a percorrer o País apenas na última semana e com a foto de Lula debaixo do braço. Os primeiros programas de TV a serem gravados pelo PT pretendem fazer uma fusão de frases nas quais se passará a ideia de que Lula transmuta-se em Fernando Haddad. Passam de “Lula e Haddad” para “Lula é Haddad”, em momento a ser definido. Seu problema será ser capaz de obter efeito para essa mensagem numa campanha de pouco mais de 30 dias, onde, oficialmente, ele começa não sendo o candidato. E o desafio é ainda maior porque as pesquisas mostram que Haddad é mais desconhecido justamente onde Lula tem mais votos. Os maiores índices de desconhecimento do ex-prefeito são no Norte e no Nordeste: 54% e 51%, respectivamente. Para petistas, como o ex-governador da Bahia Jaques Wagner, Haddad não pode ser apenas o avatar de Lula na disputa.
Precisa ter um perfil próprio colocado para o eleitor. “Não adianta querer vesti-lo de Lula. Ele (Haddad) não é o Lula”, afirmou. Há outro elemento importante pouco levado em consideração. A tragédia do poste 1 – Dilma Rousseff – permanece vivíssima na memória do eleitor. O eleitorado lulista arriscaria votar de novo num preposto dele, o poste 2, diante da profunda crise legada pelo poste 1? Para o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília, Haddad pode até ser mesmo o maior beneficiário do capital político de Lula. Mas não numa parcela suficiente alçá-lo ao segundo turno. “Pelo tempo curto, a força de Lula não será tão grande como foi em 2010, quando ele elegeu Dilma Rousseff”, analisa. Para quem quer atrair o eleitorado lulista, Fleischer recomenda sola de sapato. “As campanhas de rua serão importantes porque os telejornais locais vão cobrir. É uma oportunidade”, salienta Fleischer. Em jogo, a tão acalentada vaga no segundo turno.
Bookmark and Share

MARINA DIZ O QUE FALTA

Zuenir Ventura, O GLOBO
Ainda se comenta o inesperado sucesso de Marina Silva no debate da Rede TV, quando confrontou Jair Bolsonaro, que depois reclamou: “Ela gritou comigo, me interrompeu, e eu a tratei com a maior cordialidade possível”. Na verdade, ela não gritou. Com aquela fala mansa e sem levantar a voz fraca, ela lhe deu uma desconcertante lição.
“Você é deputado, você é pai de família, Bolsonaro. A coisa que uma mãe mais quer é ver o filho educado para ser um cidadão de bem, e você fica ensinando os nossos jovens a resolver tudo no grito, na violência. Um dia desses, você pegou a mãozinha de uma criança e ensinou como se faz para atirar”. E repetiu para ele, evangélico como ela, que não era essa a pregação da Bíblia.
“A Marina conseguiu resolver ali a suspeição de que é frágil”, disse o cientista político Leonardo Barreto, da UnB, acrescentando: “Ela se mostrou forte, sem medo de machismo, deixando Bolsonaro constrangido”.
Conheci a candidata da Rede há 30 anos, no Acre, e isso não é uma declaração de voto, mas um testemunho de repórter. Do seu histórico médico constavam a primeira de três hepatites, cinco malárias e uma leishmaniose, o que não a impedia de comandar os “empates”. Essa tática eficaz de resistência pacífica criada por seu mestre, o seringueiro Chico Mendes, consistia em organizar grupos de homens, mulheres e crianças para impedir o desmatamento da Floresta Amazônica. Enquanto isso, estudava. Em dez anos, aprendeu a ler, a escrever e completou sua licenciatura em História.
Há tempos, Ciro Gomes fez pouco da adversária: “Não vejo ela com energia, e o momento é muito de testosterona”. Não se lembrou daquele recém-eleito presidente, anunciando em 1991, ao lado do próprio Ciro, então governador do Ceará, que nascera com “aquilo roxo” — mas logo perderia a cor.
Agora, foi a vez de o ex-presidente FH alegar que falta a Marina, a quem ele admira, “um pouco de malignidade”.
Ela discorda dos dois e diz que o que está faltando de fato é “um pouquinho de virtude”.
Bookmark and Share

APURAÇÃO ABERTA

As procuradorias eleitorais de Minas Gerais e do Piauí abriram procedimentos para analisar se houve irregularidades envolvendo o pagamento de “influenciadores” em redes sociais para fazer publicações favoráveis a candidatos petistas. O procedimento é o primeiro passo para a abertura de uma investigação formal.
O caso ganhou repercussão no fim de semana, após uma série de posts exaltando a gestão do governador do Piauí, Wellington Dias, candidato à reeleição.
Internautas passaram a acusar o petista de pagar uma agência de “influenciadores digitais” para divulgar mensagens positivas a seu respeito. A prática seria ilegal e configuraria propaganda irregular ou até caixa 2.
A ação foi denunciada pela influenciadora digital Paula Holanda. Em sua conta no Twitter, ela disse que foi procurada por uma representante de uma agência de marketing digital, a Lajoy. Paula publicou suposto briefing em que uma pessoa chamada Isabella Bomtempo, da agência, convidou-a para participar de ação “de militância política para a esquerda” e não de cunho partidário. No trecho divulgado pela internauta não havia menção a pagamentos. Ela aceitou participar.
Paula relatou ter concordado em publicar duas postagens: uma sobre a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, por lhe parecer “uma causa muito justa”, relacionada à “perseguição partidária” e à prisão do ex-presidente Lula; e outra, sobre o candidato petista ao governo de São Paulo, Luiz Marinho, porque parte de sua família mora em São Paulo e “a agenda paulista” lhe interessa.
A “influenciadora” contou ter “desconfiado” de que não se tratava de ações apartidárias, mas, sim, a favor do PT, quando pediram a ela posts elogiosos a um terceiro petista, Wellington Dias. “Eu me recusei a twittar sobre o Wellington Dias. Não tenho nenhuma ligação com o Piauí e não o conheço”, tuitou. “Pesquisei rapidamente pela opinião da esquerda e ele aparentemente não foi um bom governador. Li que ele sucateou e militarizou a educação e silenciou mulheres”, continuou ela.
Segundo resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), “é vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos políticos, coligações e candidatos e seus representantes”.
A partir da denúncia, postagens de outros influenciadores digitais foram expostas nas redes – vários deles com comentários elogiosos a Dias.
Uma das empresas apontadas como recrutadora destes influenciadores é a BeConnected, sediada em Belo Horizonte, e que tem um assessor de um deputado federal Miguel Corrêa (PT-MG), candidato ao Senado, como sócio.
‘PT está averiguando’, diz Gleisi
Após visitar Lula na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, na manhã desta segunda-feira, 27, Gleisi Hoffmann afirmou que a legenda está averiguando as acusações de que a agência teria pago por comentários favoráveis ao partido no Twitter.
“O PT nunca adotou esse tipo de prática, nossa relação com as redes sempre foi de respeito e de militância. Nunca pagamos ninguém para falar em rede, muito pelo contrário. Estamos averiguando o que é isso, para esclarecer essa situação”, declarou a presidente do PT, ao lado do candidato a vice na chapa de Lula, Fernando Haddad (PT), que também visitou o ex-presidente na prisão.
Já Wellington Dias negou que sua campanha ou o partido tenham contratado influenciadores digitais para disseminar mensagens positivas sobre ele e outros integrantes da legenda. Após participar de audiência no Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir repasses que os Estados reclamam não ter recebido da União, Dias afirmou que sua equipe está aberta a qualquer apuração sobre o caso.
“Estamos seguros de que estamos trabalhando cumprindo a lei eleitoral à risca”, afirmou. O governador disse ainda não temer impactos das acusações nas intenções de voto em sua chapa e que o partido “tem militantes que de vez em quando falam bem do Estado”.
O governador rechaçou qualquer acusação de pagamento pelas mensagens positivas sobre o Piauí. “Mesmo eles, influenciadores, não apresentam qualquer prova de qualquer coisa”, rebateu Dias.
“Com certeza é zero a possibilidade de qualquer participação da parte da minha campanha ou do meu partido”, afirmou o governador, que emendou na sequência uma brincadeira. “Mas continuem falando bem”, pediu.
Via VEJA com Estadão Conteúdo
Bookmark and Share

sábado, 25 de agosto de 2018

MORRE JOHN MCCAIN

Do G1
Morreu neste sábado (25) o senador republicano John McCain, vítima de um tumor no cérebro. Ele tinha 81 anos e estava em sua casa, no Arizona, onde faleceu às 16h28, no horário local (20h28, no horário de Brasília), de acordo com um comunicado emitido pelo escritório do político.
A doença foi tornada pública no ano passado, e em 24 de agosto deste ano sua família anunciou que o veterano político havia decidido não prosseguir com o tratamento.
McCain teve um papel proeminente na política americana. Concorreu à presidência em 2008, quando perdeu para Barack Obama, e vinha ultimamente sendo um crítico de Donald Trump, mesmo fazendo parte do mesmo partido.
Trajetória
John Sidney McCain III nasceu na Zona do Canal do Panamá em 29 de agosto de 1936. Filho e neto de almirantes da Marinha norte-americana, recebeu educação militar e se formou na Academia Naval dos Estados Unidos em 1958.
No primeiro semestre de 1967, foi para a Guerra do Vietnã. Estava casado com a ex-modelo da Filadélfia Carol Shepp e já era pai.
Em outubro daquele ano, aos 31 anos, McCain estava em sua 23ª missão de bombardeios quando um míssil arrancou a asa direita de sua aeronave, derrubando seu jato A-4 Skyhawk em espiral. McCain foi ejetado e desmaiou, retomando a consciência a 5 metros de profundidade em um lago em Hanói.
Estava com os braços e um joelho quebrados. Com os dentes, puxou os pinos para inflar o colete salva-vidas. Quando conseguiu chegar à margem, foi encurralado e levado para a prisão que os prisioneiros de guerra apelidaram de Hanoi Hilton. "Nenhum americano chegou a Hoa Lo em condição física pior do que a de McCain", disse John Hubbell, historiador especializado em prisioneiros de guerra no Vietnã.
Depois que os vietnamitas do norte perceberam que estavam com um filho de almirante nas mãos, enxergaram-no como uma ferramenta de propaganda que valia a pena explorar e lhe ofereceram o tratamento médico que antes haviam recusado. Mas McCain não colaborou com o plano deles.
Certa vez, quando os guardas lhe levavam a refeição, ele os recebeu com insultos. Seus gritos com xingamentos e afrontas chegaram a ser ouvidos por outros presos.
Solitária e espancamentos
Durante mais de cinco anos preso, sendo três deles na solitária, McCain tentou se suicidar duas vezes. Resistiu a uma série de espancamentos.
Nas celas compartilhadas, fazia encenações cômicas com os companheiros presos. Quando encarcerado sozinho, fazia com que histórias de filmes e livros passassem pela sua mente. "Casablanca" era um deles. "Tinha que me proteger com muito cuidado das minhas fantasias que se tornavam tão profundas que me levavam a um lugar permanente em minha mente do qual eu poderia nunca mais retornar", relatou ele.
Seus prontuários médicos registram que ele xingava os guardas quando eles interrompiam seus devaneios. "Ele apreciava tanto as suas fantasias", dizem os registros, "que ficava muito contrariado quando os guardas se aproximavam e o levavam de volta à realidade."
Como disse McCain, não há nada de heróico em ter o azar de ser atingido por um míssil. O que fez dele um herói aos olhos dos companheiros de prisão foi a sua recusa em aceitar a libertação antecipada enquanto os que estavam em Hoa Lo por mais tempo não fossem soltos.
Os responsáveis por sua prisão finalmente acabaram com a sua determinação, fazendo-o assinar uma confissão em que concordava em fazer a seguinte declaração caricata: "Sou um criminoso violento e realizei façanhas típicas de um pirata aéreo."
"Não conseguia controlar meu desespero", escreveu ele mais tarde. "Tremia, como se minha desgraça fosse uma febre. Todo meu orgulho estava perdido e eu tinha dúvidas se um dia conseguiria me defender novamente. Nada poderia me salvar."
Enfim, livre
Libertado pelos Acordos de Paz de Paris em 1973, voltou para casa de muletas, encontrando a esposa e o filho de muletas também: Carol havia sofrido um terrível acidente de carro, do qual ele só tomou conhecimento ao pisar em solo americano, e o filho havia se machucado jogando futebol.
McCain então aprendeu o funcionamento do sistema político em Washington trabalhando como contato da Marinha no Senado, na década de 70, ocupação que manteve até 1981. Seu casamento com Carol acabou como conseqüência de sua postura de mulherengo. Ele atribui a culpa ao "egoísmo e imaturidade."
Ela, por sua vez, disse que o marido, prestes a completar 40 anos, aparentemente queria ter 25 anos de novo.
Um mês depois de se divorciar de Carol, McCain se casou com Cindy Hensley, filha de um magnata da indústria cervejeira de Phoenix, mudou-se para o Arizona e em pouco tempo mergulhou na política, conquistando uma cadeira na Câmara em 1982.
Chegou a ser foi acusado de ser um candidato “paraquedista” por concorrer a um cargo no Arizona, quando não era natural daquele estado. "Escuta aqui, meu amigo", rebateu McCain, "Passei 22 anos na Marinha... O lugar onde fiquei mais tempo em minha vida foi Hanói [no Vietnã]".
Quatro anos depois, foi eleito para o Senado dos Estados Unidos pela primeira vez. Desde então vinha sendo reeleito. Em 2004 teve quase 77% dos votos do seu estado.
No mesmo ano, contudo, ele foi derrotado por George W Bush nas primárias presidenciais do Partido Republicano. Na eleição seguinte, consegue ser escolhido o candidato republicano para a sucessão de George W Bush na Casa Branca, e acaba derrotado por Barack Obama.
Controle rígido
No senado, McCain nutriu a fama de manter um controle rígido do dinheiro dos contribuintes. Empresas do setor de defesa não gostavam de sua intensa vigilância, legisladores viram procedimentos estabelecidos há tanto tempo para ganhar o pão de cada dia serem desafiados ou eliminados, e muitos viram um temperamento desmoralizador que, segundo McCain, mostra o que há de melhor nele.
McCain foi além da questão do desperdício e atacou o sistema de financiamento de campanhas, questão que o aproximou de democratas que compartilhavam sua opinião e o afastou de líderes republicanos.
A trajetória do senhor "Limpeza Total" ingressou por vias obscuras quando McCain e outros quatro senadores foram acusados de tentar influenciar reguladores do setor bancário em nome de Charles Keating, agente financeiro de empréstimos e investimentos posteriormente condenado por fraude de títulos de crédito. McCain era amigo de Keating e chegou a usar sua casa de veraneio no Caribe algumas vezes.
O Comitê de Ética do Senado foi ameno com McCain, intimando-o por "falta de discernimento" mas não recomendando nenhuma outra ação. McCain posteriormente devolveu US$ 112 mil em empréstimos de campanha que havia recebido de Keating. O episódio "provavelmente estará gravado em minha lápide", declarou posteriormente.
Relação com Trump
Apesar de ser republicano, John McCain retirou seu apoio a Donald Trump ainda durante a campanha presidencial em 2016, quando declarou publicamente que não votaria nele depois que veio à tona uma gravação em que o então candidato fala sobre a tentativa de conquistar uma mulher casada não identificada e diz que, quando se é famoso, mulheres deixam que você faça “qualquer coisa”.
"Não há desculpas para os comentários ofensivos e humilhantes no vídeo divulgado; nenhuma mulher deveria ser vitimada por este tipo de comportamento inapropriado ", afirmou McCain na época. "O comportamento de Trump, (...) com a revelação de seus comentários humilhantes sobre as mulheres e sua gaba sobre agressões sexuais, torna impossível continuar oferecendo apoio, mesmo condicional, a sua candidatura”.
McCain prosseguiu crítico de Trump depois que ele assumiu a presidência, pedindo, por exemplo que ele encerrasse a política de separar imigrantes ilegais de seus filhos. O senador do Arizona também votou contra um projeto apoiado por Trump para revogar a lei de saúde criada pelo ex-presidente Barack Obama, conhecida como Obamacare. Acabar com o Obamacare é uma promessa de campanha de Trump à qual ele se dedicou sem sucesso desde que assumiu a presidência.
O incômodo de McCain com a presença de Trump na Casa Branca ficou tão escancarado que, já ciente do fim próximo devido ao câncer, McCain deu instruções para que o presidente não fosse ao seu funeral, conforme revelou o “New York Times”.
Bookmark and Share

UMA VISÃO DA CAMPANHA

Artigo de Fernando Gabeira
Estou em Boa Vista, pela quarta vez visito a fronteira Brasil-Venezuela. No princípio era apenas um aviso de que algo poderia sair do controle. Nas últimas viagens, era uma certeza.
O chamado socialismo do século 21 foi pro espaço. Seus estilhaços caem dentro do território brasileiro, na forma de onda migratória, crise energética, revolta e violência. Logo no Brasil, arruinado por uma experiência de esquerda e hoje governado pelos parceiros eleitorais do PT.
Não sei se isso vai repercutir na campanha eleitoral brasileira. É tudo tão longe. E aqui não temos o hábito de avaliar criticamente o passado. A esquerda comporta-se como se nada tivesse acontecido. Sua proposta nostálgica é uma viagem ao início do século, voltar a ser feliz.
Não se discute o processo de democratização, sua esperança de usar o Estado para a redução das desigualdades, superar por meio de uma ação de governo todos os grandes problemas do País. A própria Constituição foi escrita nessa ânsia de promover a justiça social, com juros limitados a 12% e uma previsão de imposto sobre grandes heranças. Ficou no papel, mas revela um pouco do espírito da época, que acabou encontrando sua maior expressão no governo de esquerda.
Ainda hoje, a ilusão de que o governo vai resolver todos os grandes problemas sobrevive. Os próprios candidatos revelam seus programas, dizem o que vão fazer em cada área, como se estivessem vendendo o serviço que nos prestarão.
Há pouco espaço nesse tipo de discurso para a participação social, exceto consumir bens e serviços. O PT, por exemplo, tende a igualar felicidade ao aumento de consumo. Um bom exercício para seus militantes seria, por exemplo, refletir sobre esta questão: muita gente diz que votaria em Lula, mas quase ninguém, exceto CUT e MST, se mobiliza para tirá-lo da cadeia.
Minha hipótese é de que todos recebem bem a ideia de aumento de consumo, mas poucos se interessam por valores. No caso de Lula, pode até ser que não se movam baseados num valor: o respeito à independência da Justiça. Mas se isso é verdade, como explicar sua opção eleitoral?
Parto da esquerda para avançar no espectro e constato que a maioria dos candidatos se apresenta como alguém que vai realizar inúmeras tarefas, como se estivesse vendendo seus serviços a clientes cuja única missão é comprá-los. Dificilmente mencionam nos debates o papel que destinam à sociedade na grande tarefa da reconstrução. Basta votar certo, isto é, no orador, que tudo se vai resolver a partir do esforço e competência dele.
O interessante, sem querer criticar os candidatos, pois os tempos são duros, é que se apresentam como aspirantes a um cargo e prometem trabalhar bem. Mas não ousam exercer uma liderança, definindo as tarefas conjuntas de governo e sociedade. No momento em que a hipótese de interação aparece na campanha, ela é inadequada e, ainda assim, respondida com a tradicional afirmação: isso é tarefa do governo e não devemos envolver as pessoas.
Refiro-me à proposta de Jair Bolsonaro de liberar a compra de armas. É possível afirmar que não é o melhor caminho, mas com outro argumento: o de que a participação da sociedade deve focar a informação, a autodefesa com a ajuda da tecnologia, celulares, aplicativos.
Sempre vai aparecer alguém para dizer: e se um assaltante entra na sua casa, armado, de que adianta o telefone celular? De fato, nessa circunstância há pouco a fazer. Mas dentro de uma outra perspectiva, câmeras, vizinhos antenados, sistemas de alarme, tudo isso pode fazer um estranho ser detectado antes de entrar numa casa. É apenas um exemplo, até prosaico, para indicar a sensação de lacuna que sinto na campanha.
A sociedade brasileira teve esperanças e ilusões. Elas se perderam no caminho. Mas precisam de alguma forma ser renovadas.Um escritor espanhol costumava dizer que uma sociedade sem esperança e ilusões é como um monte de pedras na beira de um caminho. O que às vezes os candidatos parecem dizer é isto: reconheço seu ceticismo, mas vou trabalhar muito bem e quando concluir minhas tarefas o País estará novamente de pé.
O que a esquerda propõe é renovar as esperanças num projeto fracassado. Por seu lado, a direita nos remete ao dístico da bandeira: ordem e progresso. Ordem com uma política de segurança rígida e progresso por meio de uma economia liberal.
Uma simples frase inspirada no positivismo não é capaz de abarcar a complexidade do momento. Mesmo porque o progresso hoje é visto também com desconfiança, num momento em que as ameaças ao planeta se tornam visíveis. Progresso para continuar ou acabar com a sobrevivência humana.
O próprio conceito de ordem não se limita à segurança pública. A corrupção é uma desordem, o gasto irracional da máquina do governo é outra, assim como obras inacabadas, vulnerabilidade biológica com o colapso da saúde pública.
Reconheço que é muito difícil sintetizar num slogan uma saída para o Brasil. No passado, quando se tratava apenas do progresso, Juscelino nos propôs avançar 50 anos em 5. Tenho a impressão de que agora, num momento eleitoral, é preciso falar de crescimento para 13 milhões de desempregados.
Mas creio que cada vez mais amadurece entre as pessoas a hipótese de que a educação pode ser o motor dessa nova fase nacional. Seria preciso alguém afirmando que, além de suas tarefas presidenciais, nos levaria a uma sociedade mais bem educada, alguém que propusesse essa nova esperança, acreditasse mais na sociedade do que no próprio governo e a liderasse para esse objetivo.
Por enquanto, os candidatos hipnotizam com suas propostas. Não se preocupam em mobilizar, dividir papéis. Nesse sentido, é uma campanha analógica, embora, paradoxalmente, tenha invadido as redes sociais.
Como ela está no começo, merece o benefício da dúvida: são reflexões provisórias.
Artigo publicado no Estadão em 24/08/2018
Bookmark and Share

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

A INCERTEZA ELEITORAL

Artigo de Ricardo Alcântara, via Blog  do Eliomar
Como todos sabem, o PT segue a estratégia que, segundo os seus, mais lhe favorece: manter a candidatura de Lula até a cassação de seu registro pelo TSE para, até lá, acumular um bom estoque de votos e, em seguida, tentar o salto sem rede de transferi-los para o candidato de fato, Fernando Haddad.
Como o ex-presidente lidera as pesquisas de opinião com larga vantagem sobre os concorrentes, a insistência com sua candidatura torna precários todos os exercícios de projeção sobre os cenários mais prováveis. Previsões eleitorais são atividade de risco e agora ainda mais, e não apenas pelo fator Lula.
Há outro: a candidatura Alkmin. Malgrado o legado negativo do apoio ao governo Temer, de impopularidade quase unânime (97%), a desproporcional presença do candidato na propaganda eleitoral (42% do tempo disponível) recomenda, ainda que o candidato não esteja bem situado nas pesquisas, não tomá-lo como cachorro morto.
Outro fator que amplia a incerteza a uma semana do início da campanha na televisão é o lento, porém constante crescimento de Bolsonaro nas pesquisas, um candidato com tempo mínimo de propaganda, mas que construiu, na dimensão paralela das redes sociais, uma ativa militância, espontânea e dedicada.
A transferência de votos de Lula para Haddad, a influência que a propaganda massiva terá sobre os índices de Alkmin e a resistência de Bolsonaro às cinco semanas em que seus adversários terão larga exposição na mídia é que dirão, ao fim dos primeiros dez dias de disputa, quais deles seguirão e qual ficará pelo caminho.
*Ricardo Alcântara
Escritor e publicitário.
Bookmark and Share

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

MEDITANDO COM DACIOLO

Artigo de Fernando Gabeira
Quando vi o Cabo Daciolo subir a montanha, anunciando que iria expulsar a maçonaria e os illuminati do Brasil, cheguei a pensar: é uma campanha singular no planeta, um candidato na cadeia e outro caminhando para o hospício. Teosóficos, cabalísticos, neopagãos e rosacruzes que se cuidem.
Mas é inegável que ele tem uma coerência estratégica: quer entregar o país a Deus. Sua atuação parlamentar confirma, pois tentou alterar o texto da Constituição: todo poder emana de Deus, e não do povo.
Semana passada estava lendo por acaso um livro que falava do poder da transmissão oral . Todos os líderes populares do momento se expressam nessa linguagem direta, cheia de incorreções, mas sem a frieza do texto.
Um jornalista estrangeiro queria minha opinião sobre a campanha, baseada em dois nomes: Bolsonaro e Lula. Minha explicação para o Bolsonaro de hoje é a de que ele tenta encarnar duas grandes correntes: conservadores e liberais. Não era liberal em economia, mas se tornou liberal no caminho, unindo-se a economistas e intelectuais que expressam essa tendência.
Embora tenham pontos de convergência, como o respeito à propriedade privada, há um grande potencial de atrito nesse casamento. Na medida em que a economia avança, tende a se internacionalizar, levando a uma reação nacionalista, como a de Donald Trump.
Os liberais partem do indivíduo; os conservadores, da família. Esses pontos de partida potencialmente também conflitam. E digo isso não com a visão de um teórico, mas de alguém que observa a história dos costumes no Brasil.
Tive a oportunidade de andar nas ruas com o senador Nélson Carneiro. Testemunhei como as pessoas lhe agradeciam pela lei do divórcio. Na época, muitos achavam que seria um golpe mortal na família.
Hoje, creio, até os defensores da família tradicional podem constatar as mudanças na estrutura familiar, em muitos casos mantida apenas pela mulher. O próprio Jair Bolsonaro já se casou algumas vezes. A tensão entre o conservador e o liberal existe na própria vida particular do candidato.
Mas é uma aliança que alguns liberais querem. Um grupo chamado MBL, que aparece em inúmeras polêmicas, também tentou construir essa ponte, quando denunciou uma exposição com um artista nu.
Eles diziam que não condenam a nudez em si, mas uma exposição daquele tipo feita com dinheiro público. Buscaram um argumento republicano para estender a ponte entre as duas tendências, tão sonhada por alguns atores: conservar nos costumes, liberar na economia.
Essas tensões já existem no governo Trump. A tendência ao nacionalismo protetor já começa a assustar setores liberais. E, possivelmente, o comportamento pessoal de Trump, sua linguagem vulgar e aventuras com atrizes pornôs não devem ser um fator de orgulho para conservadores.
No campo da esquerda, vejo tensões de outra natureza. O PT foi obrigado a se radicalizar diante da prisão de Lula.
Se a direita já constitui uma espécie de rumo geral, ainda que contraditório, a esquerda liderada pelo PT se fixou na luta para liberar seu líder e, ao adotar um tom mais radical, parece resignada a perder a disputa pela aprovação da maioria. No meu entender, isso não significa um destino inescapável.
Há um caminho alternativo. Longo e difícil. Passaria, em primeiro lugar, por uma autocrítica da roubalheira que houve durante o governo do PT.
Em segundo lugar, de uma visão mais realista da conjuntura, sobretudo nas relações Estado e mercado. Entre os que querem privatizar tudo ou estatizar tudo, há sempre a possibilidade de discutir racionalmente o tamanho do Estado num momento histórico dado.
Finalmente, no campo cultural, das lutas identitárias, é preciso dialogar com as forças majoritárias, sem a pretensão de conquistá-las para suas ideias, mas sim de achar o momento exato de propor mudanças razoáveis, como Nélson Carneiro.
Finalmente, no campo político, era preciso renegar a afirmação de que os fins justificam os meios. Isto significa aceitar as regras do jogo, trabalhar dentro da lei.
Esse ponto é o mais difícil de ser compreendido no momento. Para salvar Lula, é necessário condenar a Justiça.
Artigo publicado no Globo em 20/08/2018
Bookmark and Share

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

PROMESSAS IRRESPONSÁVEIS

Do O POVO
Ciro Gomes (PDT), candidato à Presidência, tem reforçado proposta controversa de reverter a negativação de nomes no mercado. Ele promete limpar nomes a partir do investimento público no refinanciamento das dívidas. O POVO Online consultou economistas. Eles duvidam da viabilidade e dos efeitos da medida.
O presidenciável explicou em vídeo, em sua página nas redes sociais, como pretende cumprir a promessa de tirar o nome dos brasileiros do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Acrescentou que os devedores terão ainda três meses de carência para começar a pagar o empréstimo que fariam nos bancos para quitar as dívidas.
Na peça publicitária, ele afirma ainda que, em média, os brasileiros devem R$ 4.200. Com o desconto do programa prometido, essa dívida pode cair para até R$ 1.200. 
Ele afirmou que irá negociar os débitos dos endividados diretamente com as instituições financeiras. "Aí vou tirar os juros de 486% e vou cobrar de 10 a 12%", acrescentou, mencionando que as transações poderão ser feitas através de bancos públicos.   
"Estou preparando um projeto só com Caixa Econômica, Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Basa, Banrisul. Vai dar certo", prometeu.   
A proposta de Ciro foi alvo de ataques feitos sobretudo por Persio Arida, assessor econômico do tucano Geraldo Alckmin (PSDB), que disparou contra o que chamou de "promessas irresponsáveis". Ele estimou que a proposta de Ciro teria um impacto superior a R$ 60 bilhões nas contas públicas.   
"Motor"
Para o economista José Irineu de Carvalho, a medida só faz sentido se não visar ao consumo. "Algumas pessoas realmente têm dificuldade para pagar. Mas não tem sentido limpar o nome para gastar e sujar novamente", opina.   
+ Cid compartilha memes e até repente sobre proposta de Ciro do SPC   
José Irineu completa que o refinanciamento da dívida pode gerar ainda mais prejuízo aos bancos e ao País. "É o princípio da inflação", adverte.
Mas a proposta de Ciro justamente prevê reaquecimento da economia. "Vou ajudar a limpar o nome das pessoas não é porque sou bonzinho. É porque meu projeto prevê que um dos motores da economia é o consumo das famílias", disse Ciro em transmissão ao vivo no Facebook. 
Cálculos
Para o economista Érico Veras Marques, pesquisador da área de finanças comportamentais da Universidade Federal do Ceará (UFC), a viabilidade da proposta ainda é uma dúvida. "Tem que ver os aspectos legais disso, a viabilidade econômica e política. Levar o endividamento para o setor público teria custo alto. É preciso ir para a origem do problema", ratifica, ponderando as causas da inadimplência, como a recessão e o desemprego.
"Os bancos negociariam empréstimos a essas pessoas, tem certo sentido. Mas no Refis (refinanciamento de dívidas dos contribuintes jurídicos), há renúncia: o governo deixa de receber. É uma proposta de eleição, acho que ele se arrependeu de dizer isso, virou motivo de piada", finaliza Érico. 
Viabilidade
Já o candidato afirma que ouve especialistas há mais de um ano. Em comício na última quinta-feira, 16, ele explicou a jornalistas que a proposta envolve leilão. "Financeiras, bancos e empresas de cartão de crédito e de crediários que me derem o maior desconto serão as primeiras a serem refinanciadas. E pega os mais pobres de baixo para cima e empresta pelo Banco do Brasil e pela Caixa em até 36 meses de prazo". O pedetista acredita que o desconto nas dívidas pode chegar até 90%. 
Artigo de Ciro: "O Brasil pede mudança!"
De acordo com o presidenciável, a dívida média do brasileiro está em 4.200. Com redução de juros, a dívida média seria reduzida a R$ 1.400. "Se eu picar as prestações em 36 meses, ele vai pagar prestação ao redor de R$ 40 por mês e vai fazer ele a sair da humilhação, e ajudar o país a voltar a turbinar a economia" argumentou ainda no comício do dia 16. 
Ouvido pela equipe de Ciro em peça publicitária, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas, concorda. Ele menciona exemplos de reestruturação de dívidas como a feita na Alemanha, após a II Guerra Mundial. "Em 1948, houve reforma monetária que fez isso. É forma fundamental de criar condições monetárias para que as pessoas possam gastar".
Bookmark and Share