quarta-feira, 31 de julho de 2019

UM PAÍS INTELECTUALMENTE CASTRADO

Fernão Lara Mesquita, O Estado de S.Paulo
Sexta-feira passada o Jornal Nacional comemorou o “reconhecimento pela ONU” da “eficácia” da “campanha antitabagismo” do Brasil. É “a maior redução de número de fumantes do mundo”. A dúvida que remanesce é se isso se deve à ilustração dos brasileiros sobre os malefícios do fumo ou ao imposto de 87%, saudado em tom de conquista, com que Brasília gravou cada cigarro fumado no País, o que tornou impossível ao pobre dar-se o luxo do vício nos legalizados e, como sempre, proporcionou ao governo mais alguns bilhões para serem transformados em mordomias, salários, “ajudas” e aposentadorias com correções anuais por “produtividade” para aquele punhado de brasileiros “especiais” com quem ele gasta quase integralmente os 35% do PIB (R$ 2,9 trilhões) que arranca ao favelão nacional todo ano.
Por acaso assisti a essa notícia na hora em que, pela internet, informava-me sobre o balanço parcial das leis e alterações constitucionais que já preencheram os requisitos para subir às cédulas da eleição de novembro de 2020 pedindo o veredicto dos eleitores norte-americanos. O Estado do Oregon, coincidentemente, vai votar uma emenda à Constituição local propondo um aumento do imposto sobre cigarros e dispositivos eletrônicos de fumar, todo ele destinado ao sistema de saúde. A proposta veio do governador, que para ser autorizado a submetê-la ao povo teve, antes, de aprovar o pedido de licença com um quórum superior a 60% na Assembleia Legislativa e no Senado estaduais.
O último Estado americano a votar a taxação de cigarros foi Montana, em 2018. A proposta foi recusada por 52,7% a 47,3%. Entre 2008 e 2018 os eleitores de nove Estados votaram impostos sobre cigarros naquele país, onde pôr a mão no bolso dos contribuintes requer uma corrida de obstáculos, o que explica por que o PIB de apenas um dos seus 50 Estados – o de Nova York – equivale ao do Brasil e os dos outros 49 são “lambuja”.
Até 25 de julho 22 propostas de leis ou alterações constitucionais tinham-se qualificado para subir às cédulas em 2020. Milhares de outras de alcance municipal ou menos que municipal (vindas dos conselhos gestores de escolas públicas de cada bairro, por exemplo) já estão nessa fila. Entre 2010 e 2020 uma média de 15 referendos por Estado apareceram nas cédulas nas eleições de anos pares. Esta do cigarro do Oregon é um “referendo constitucional proposto pelo Legislativo” (legislatively referred constitutional amendment), um dispositivo usado em 49 Estados. Mas há também as “emendas constitucionais por iniciativa popular” (iniciated constitucional amendment), que qualquer cidadão pode propor e qualificar para submeter ao eleitorado colhendo um determinado número de assinaturas. Existem ainda os “referendos automáticos” (automatic ballot referral), quando os Legislativos, obrigados por leis de iniciativa popular anteriores, têm de submeter ao povo qualquer lei abordando determinados temas (alterações de impostos, notadamente, entre outros à escolha de cada comunidade).
Já os bond issues, muito comuns no país todo, acompanham obras públicas e gastos fora do orçamento. De escolas para cima, melhoramentos e obras envolvendo emissão de dívida pública têm de ser aprovados no voto pelas comunidades que vão usar o bem e pagar por ele.
Sobem às cédulas para voto direto do povo até mesmo as “advisory questions”, que qualquer um pode propor para acabar com aquelas “verdades estabelecidas” que em países como o Brasil bastam para sustentar legislações inteiras e privilégios mil só no papo-furado. Pergunta-se diretamente ao eleitor se concorda ou não com aquela “verdade” (a “impopularidade” da reforma da Previdência ou da reforma trabalhista, por exemplo). O resultado não vira lei, mas serve para “orientar” legisladores, que são, todos eles, sujeitos a recall.
Desde que o direito de referendo foi adotado pelo primeiro Estado, em 1906, 521 subiram às cédulas de 23 Estados e 340 leis estaduais (65,3% das desafiadas) foram anuladas pelo povo. Milhares de outras tiveram o mesmo destino no nível municipal. Mesmo assim é bem pouco, o que prova que dispor da arma induz automaticamente os representantes eleitos ao bom comportamento, tornando desnecessário usá-la a toda hora.
Já o recall é bem mais “popular”. Até 27 de junho 72 processos atingindo 115 políticos e funcionários públicos tinham sido abertos em 2019. Os recall são frequentemente decididos em “eleições especiais” convocadas só para isso. 37% dos disparados em 2019 ainda dependem de qualificação, 11% já têm votação marcada, 15% já foram votados e aprovados e 10% foram votados e recusados. 41 vereadores, 28 membros de conselhos de gestão de escolas públicas e 22 prefeitos estiveram entre os alvos.
Foi desse ponto que voltei, naquela sexta-feira, para o eterno “como resolver nossos problemas sem remover suas causas”, “como sobreviver à nossa doença sem curá-la” dos doutos luminares que falam e agem pelos brasileiros. Este jornal, invocando o FMI, torcia para que a montanha cuspa o camundongozinho de sempre para “voltarmos a um crescimento de 2,2% podendo chegar a 3% se e somente se dobrar a taxa de investimento de hoje” (o que é totalmente impossível, recordo eu, mantidos os “direitos adquiridos” dos brasileiros “especiais”). Na outra ponta The Intercept Brasil e suas estações repetidoras, a Folha de S.Paulo e a Veja, batalhavam a volta ao rumo da venezuelização começando pela libertação dos bandidos e a prisão dos mocinhos, a bandeira que a vice-presidenta da chapa que disputou com Bolsonaro pelo PT trouxe do outro lado da lei e tenta plantar no centro do debate nacional. E entre os dois, mais do mesmo em dosagens variadas.
Como último recurso saltei para a internet, mas em vão. Ali o mais longe que vai o futuro do Brasil é onde pode levar-nos a revolucionária discussão sobre quem a polícia (que se pôs fora da reforma da Previdência quase pela força das armas) deve ou não deve prender. Mudar o “Sistema”, que é bom, nem uma palavra...
O Brasil é um país intelectualmente castrado.
*JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM
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ESPIRAL DE INFÂMIAS

Editorial Folha de S.Paulo

Numa escalada sem precedentes de insultos às normas de convívio democrático, aos fatos históricos, às evidências científicas e aos direitos humanos, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) aguçou nos últimos dias as tensões e incertezas em torno de sua administração.
Se no início de mandato declarações e medidas estapafúrdias ainda podiam, com boa vontade, ser vistas como tentativa de satisfazer o eleitorado mais fiel e ideológico, o que se verifica agora é um padrão de atitudes que ofendem o Estado de Direito, reforçam preconceitos e aprofundam as divisões políticas.
Além de expor o despreparo do chefe do Executivo para desempenhar suas funções num quadro de coexistência com as diferenças, a insistência na agressão e na boçalidade revela uma personalidade sombria que parece se reconhecer, com júbilo, nas trevas dos porões da ditadura militar. 
As insinuações sórdidas acerca do pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz —morto, segundo as investigações, sob a guarda do poder autoritário—, são um exemplo da pequenez e da leviandade a que pode chegar o presidente.
Não espanta, aliás, que tenha classificado como “balela” documentos oficiais sobre abusos cometidos pelo regime. Já eram, afinal, conhecidos seus elogios ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, bem como suas simpatias pelas violações praticadas no submundo dos órgãos de repressão. 
Enganou-se, infelizmente, quem esperou que a condição de presidente da República levaria o ex-deputado nanico a moderar o discurso e buscar alguma conciliação.
Pelo contrário, são os traços intolerantes e obscurantistas do mandatário que saltam aos olhos nos ataques e afirmações falsas dirigidos aos jornalistas Miriam Leitão e Glenn Greenwald, nas imposturas acerca do desmatamento da Amazônia, nas ameaças de censura ao cinema, no tratamento injurioso aos nordestinos e no desdém pelo massacre de presos no Pará.
Talvez transtornado com as críticas à indicação vexatória de um filho à embaixada em Washington, ou com as investigações que envolvem outro, Bolsonaro aprofunda a estratégia populista e acentua a retórica de confrontação.
Com índices de aprovação aquém dos obtidos por seus antecessores em igual período do mandato, o presidente desperta crescente apreensão quanto a seu desempenho nos anos vindouros.
Para alguns analistas, os destemperos verbais já começam a fornecer munição para um eventual enquadramento em crime de responsabilidade, por procedimentos incompatíveis com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.
Não se vê nenhum movimento nesse sentido, e a perspectiva de reforma da Previdência dá fôlego ao governo. Entretanto a recente espiral de infâmias não poderá se perpetuar sem consequências.
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O FALSO MITO

Ruy Castro, Folha de S.Paulo
Tinha de acontecer. Ao ver o presidente Jair Bolsonaro ser chamado de “Mito! Mito!” por claques profissionais e inocentes úteis, onde quer que apareça, os verdadeiros mitos brasileiros resolveram se unir e protestar contra o que consideram uma usurpação de seus direitos na lenda nacional. Os mitos são figuras simbólicas, que pertencem ao folclore —lendas construídas pelo povo, com o objetivo de nos ensinar ou explicar alguma coisa, mas sempre benignas.
A Mula-Sem-Cabeça, por exemplo, é uma mulher que foi seduzida por um padre e, por isso, nas noites de quarta-feira, transforma-se num animal que, apesar de sem cabeça, relincha e lança chispas pelas narinas. O Boto é o contrário. Nos fins de tarde na Amazônia, aparece para as moças como um rapaz de branco, engravida-as e, depois, novamente boto, volta para o rio. Os dois têm uma conotação moral, mas Bolsonaro só deve ver neles imoralidade.
O Saci-Pererê é o menino negro, de uma perna só, cachimbo na boca e carapuça vermelha, que dá o exemplo pelo contraste, tipo “não façam o que eu faço”. Por isso cria confusão na floresta, assusta o gado, lança pistas falsas, joga uns contra os outros. É o que Bolsonaro está fazendo com o país, só que para valer.
Os mais revoltados são o Curupira e o Boitatá —por serem os protetores das florestas e de seus habitantes. O Curupira é o menino de cabelos ruivos e pés com os calcanhares para frente. Os pés ao contrário são para despistar os caçadores, pecuaristas, mineradores, grileiros e outros que não hesitam em devastar ou matar os que interferem com seus interesses. O Boitatá é a cobra-de-fogo, o fogo purificador, também guardião dos animais e das árvores. Gosta de aparecer à noite, quando os depredadores se julgam a salvo, para lhes infundir pavor.
Para eles, o mito Bolsonaro é não apenas falso, como prega e pratica o contrário do que se espera dos mitos dignos deste nome.
*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
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NÃO É UM PRESIDENTE, É UM ACHINCALHE

Do blog TODO PROSA
   Qualquer eleitor que tenha um mínimo de escolaridade ou conhecimento histórico evidentemente não votou nesse fascista que nos desgoverna e envergonha nesses longos 200 dias desse absurdo que ele comete. Os que não votaram nele, a imensa maioria, sabia que ia ser ruim . Mas é muito pior. Não há um único dia que esse dejeto humano não pronuncie coisas vis, rancorosas, vingativas e deselegantes visando seu núcleo de hooligans e não os brasileiros todos para os quais ele prometeu governar. Não há um único dia que essa aberração não esterque pela boca e você pode ponderar que eu devia usar vocabulário mais ameno para falar do chefe do executivo federal. Perdão, mas não consigo. Essa calamidade nos adoece porque não tem empatia com nada e nem com ninguém. Não se dá ao respeito por isso não o respeito e nem reconheço como presidente. É minúsculo e não foi eleito democraticamente.  É aquele tiozão do churrasco homofóbico, racista, ignorante que ganhou na loteria e paga rodadas de cerveja Cintra para a família enquanto faz piadinhas nojentas que só ele acha graça. Mas quiçá os males dessa besta fossem apenas o mau gosto em todos os sentidos.
    Provavelmente incapaz de posicionar um livro na posição correta porque as letras lhe são estranhas e a educação uma palavra que ele desconhece essa porcaria já conseguiu ser o pior presidente de toda nossa história faltando ainda 3 anos e fumaça pra pegar o embornal e vazar. E olha que a concorrência é brava em termos de ruindades presidenciais. Mas todo  dia ele se supera em imbecilidade, falta de trato com o que quer que seja.
  Agora disse que se o presidente da OAB quiser saber como o pai dele desapareceu na ditadura, ele conta.Fernando Santa Cruz Oliveira, pai do presidente do órgão, desapareceu após ter sido preso por agentes do regime militar no Rio. É o vagabundo que nos preside diz uma barbaridade dessas em flagrante desrespeito a todos os que tombaram na luta contra o golpe de 64. 
    O pior não é esse elemento não ter limites. O pior é que com suas diarreias verbais naturaliza e legitima os seus clones que fazem uma força danada para serem piores do que ele. Desnorteado ainda não sei o que fizemos como nação para merecer destino tão sórdido. E nem imagino quem possa dar limites a esse verme cuja dicção me apavora e cuja postura me enoja.Cada vez mais urge o tempo de sairmos dessa turva conspiração do silêncio e nos posicionemos contra isso. Um elemento como esse não é um presidente , é um achincalhe. E se quer respeito tem que se dar ao respeito. Sua postura é de um gangster ou , como deve preferir, de um miliciano que acha que não deve prestar contas a ninguém. Basta de tanta vileza. Se não colocamos limite onde essa besta vai nos levar ?que baixos instintos mais vai nos despertar ? 
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PRESIDÊNCIA SUBVERSIVA

Roberto Romano, O Estado de S.Paulo

O termo “subversão” foi muito usado no século 20. Nas grandes potências, subversivos eram os coletivos, grupos ou indivíduos que pusessem o Estado em perigo. Eles poderiam estar à direita ideológica ou à esquerda. Um inimigo na URSS era campeão democrático no Ocidente. No Brasil, desde Vargas a palavra indica os setores liberais que não aceitam regimes de exceção (foi o caso do jornal O Estado de S. Paulo, após as ditaduras mostrarem a face efetiva) e as correntes de esquerda, armadas ou não. Singularidades semânticas ajudaram a impor, em 1964, um Estado oposto ao direito. Para não o confundir com os golpes sofridos na América do Sul, os dirigentes nomeiam o seu movimento como “revolução”. O desmonte do Estado de Direito recebe nome certo – revolução –, mas unido ao complemento que o atenua: a revolução é “redentora” porque o Estado e a sociedade retornariam à lei e à ordem, sem desafios ao poder constituído.

“Subversão” já aparece em decreto de Henrique VIII contra os católicos que desejariam “restaurar o reinado usurpador e o poder do bispo de Roma”. A desobediência ao monarca significaria “subverter e derrubar os sacramentos da Santa Igreja e o poder e autoridade dos príncipes e magistrados” (P. Hughes e J. Larkin, Tudor Royal Proclamations). Na Alemanha surgem choques sangrentos, mesmo após os acordos sobre ocuius regio, eius religio. Na França, cidadelas são concedidas aos protestantes. Mas as tensões aumentam até a Noite de São Bartolomeu. O rei, pouco seguro no poder, arma o ataque. O evento é elogiado por Gabriel Naudé como um bom golpe de Estado: o medo da violência real leva o s beligerantes à obediência. Governos prudentes não solapam a própria autoridade, pois ela depende de um cálculo complexo. Nenhuma ditadura unipessoal, nem sequer a de César, permanece incólume mesmo tendo apoio cúmplice do Parlamento ou Justiça.

O atual presidente da República brasileira ignora o pretérito que define o Estado. O primeiro valor de toda forma estatal reside na hierarquia de funções e autoridade no emprego de pelo menos três monopólios: o da força, da norma jurídica, dos impostos. A partir daí seguem as prerrogativas do poder na vida pública, da educação à saúde, desta à soberania sobre a sociedade civil. O presidente minou a autoridade dos encarregados pela força, os generais que aceitaram integrar o seu governo. Elias Canetti fornece uma chave para a compreensão das Forças Armadas: a sentinela exemplifica a constituição psíquica do soldado. Os motivos habituais de ação, como os desejos, o temor e a inquietude, são nele reprimidos. Todo ato seu vem de uma ordem. O momento vital no militar é a postura atenta diante do superior. Para ele, a ordem tem valor supremo. O uniforme evidencia a perfeita igualdade de todos na obediência às ordens.

A disciplina define a honra do soldado, na ordem e na promoção. Esta última responde à capacidade de um militar para ser movido pela ordem. Em cada ordem obedecida fica nele um espinho. Se é soldado raso, não pode desfazer-se dos espinhos. Para sair desse estado espera a promoção. No plano superior ele se desfaz – nos outros – dos espinhos/ordens. O alto comando é o que menos ordens recebe, mas é submetido à máxima autoridade estatal. É absurdo para o soldado que chega ao posto de general imaginar que suas próprias ordens não serão acatadas. Se o chefe supremo tolera ataques contra generais (mesmo os que deixaram a ativa), a instituição desliza para a indisciplina. Em prazo curto as Forças Armadas sentem que a dissolução da autoridade as leva ao ponto zero. Perde-se o controle do monopólio da força pelo Estado. A subversão vinda de cima cumpre o seu papel desagregador.

No relativo à norma jurídica, o presidente assume atitude subversora. Ao proclamar como seu candidato ao STF um “terrível evangélico”, ele põe abaixo a disciplina republicana. Esta exige dos candidatos aos postos oficiais “os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” (Constituição, artigo 37). Em nenhum desses itens lemos “crença religiosa”. Ao optar por um candidato pela sua fé, algo subjetivo, o presidente objetivamente subtrai de todos os não evangélicos o direito de exercer cargos públicos. A subversão em favor de seitas leva os Estados às guerras civis, ao ódio desagregador.

Subversão da ordem pública vem na escolha de Eduardo Bolsonaro para o cargo de embaixador. Os mandamentos da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência são estraçalhados num só golpe. Como as Forças Armadas, o Itamaraty segue a disciplina em ritos e regras de acesso à carreira e à promoção. Quebrado o comando surge a anomia em setor estratégico do Estado. Aristóteles indica a família como um passo na constituição política. Com o presidente do Brasil, a sua família paira sobre o Estado, gerando subversão. Nem o regime Vargas e menos ainda o de 1964 ousaram tal façanha.

No caso dos generais, poucos apoios notamos a eles quando humilhados pelos fiéis do presidente, dirigidos por seu filho vereador. No STF a ordem é agredida em detrimento da cidadania. A proclamação do candidato evangélico foi efetivada em culto religioso no edifício do Legislativo. Uso contrário à lei, próprio de subversivos.

No Itamaraty o feito mostra que a disciplina desaparece. Recordemos: foram tão lenientes os senadores de Roma diante dos abusos subversivos de César, que eles foram eliminados sem respeito algum, apesar de suas alvas togas. O mesmo acontece com as nossas togas verde-oliva ou negras.

Para finalizar, o presidente subverte o pacto federativo ao dizer que certos dirigentes de Estado devem ser excluídos dos benefício s a que têm direito. Juízes, militares, governadores, universidades: instituições fundadas na hierarquia e na autoridade. Se quem deve preservar tais valores os corrói, surge o caos. E do caos ninguém retorna.

*Professor da Unicamp, é autor de ‘Razões de Estado e outros estados da razão’ (Perspectiva)
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NÃO SE GOVERNA COM O VERBO

Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, O Estado de S.Paulo
Governa-se, ou deveria ser assim, com ações. As palavras servem para explicar e justificar as condutas. Ambas, ações e palavras, devem ser precedidas de reflexões, análises e ponderações. A palavra pode preceder a ação, mas se esta não for efetivada ou se não estiver consentânea com o que foi dito e anunciado, a palavra será desvalorizada, e o seu autor ficará desacreditado.
Ademais, pensamentos e ideias devem estar previamente alinhados com projetos de interesse coletivo, e não representar desejos pessoais, desalinhados dos anseios da sociedade. Não havendo esse alinhamento, melhor seria o silêncio.
No entanto, como não se tem silenciado, ao menos em respeito ao dia que começa, as entrevistas nos cafés da manhã deveriam ser transferidas para os chás da tarde. Em vez de permanecerem vivas na lembrança dos interlocutores durante todo o dia, essas entrevistas dadas no final da tarde só maltratariam a memória por poucas horas.
Por vezes o conteúdo dos pronunciamentos não é confirmado no dia seguinte, a pretexto de terem sido mal interpretados, ou de terem sido deturpados pela imprensa. Quando a matéria escapa de seu entendimento, ele cria polêmicas por meio de questionamentos incabíveis e inadequados, ou a substitui por questões menores e sem interesse. Em ambas as hipóteses todos os que tomaram conhecimento de sua fala ficam perplexos e confusos.
Uma marca desses pronunciamentos é a capacidade que têm criar desavenças e desarmonias. Em regra contêm um caráter negativo, contestatório de conceitos e opiniões que já estão sedimentados na cultura social.
Temas os mais variados, alguns singelos e de fácil compreensão, outros complexos, passaram a ser alvo de contestação desprovida de explicação racional, que acaba provocando acirradas polêmicas e um grande desconforto, que atinge até mesmo os seus mais próximos colaboradores.
Em lúcido, oportuno e esclarecedor editorial, O esgarçamento do tecido social (21/7, A3) O Estado de S. Paulo retratou com exatidão as consequências desse comportamento que utiliza a palavra a esmo, sem base fática ou sem uma exata correspondência com a realidade. A primeira delas é a disseminação de um clima de intolerância, polarização, discriminação, “diminuição das liberdades e tantos outros retrocessos civilizatórios”. Esses efeitos atingem de maneira frontal, conforme com razão afirma o jornal, um dos objetivos da República, que é “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (artigo 3.º, I, da Constituição). Após ponderar que o estímulo à dissidência e à divisão do País não é iniciativa atual, pois governos anteriores já dele se utilizaram, o editorial realça que tal fato não autoriza a sua repetição, ao contrário, obriga à sua extirpação como política e método de atuação.
Qual misterioso motivo o leva a contrariar o bom senso, o senso comum, enfim, a racionalidade, e a transformar suas ideias e palavras em manifestações de absoluto nonsense.
Assim, o fim do controle da velocidade nas estradas, a desnecessidade de cadeiras para as crianças nos automóveis, o apoio ao trabalho infantil, o seu desejo de substituir as tomadas trifásicas, a não cobrança de taxas em Fernão de Noronha (todos os países do mundo cobram em lugares turísticos), a pouca ou nenhuma preocupação com o meio ambiente, com a educação e com a saúde colocam-no como se observa, na contra mão do querer da sociedade. Ademais, parece que tudo o que lembra democracia, liberdade e aprimoramento das instituições e da sociedade não é do seu agrado: participação popular nos conselhos, existência de conselhos de controle profissional, existência do Exame de Ordem, sua aversão pelas ONGs, ataque à imprensa e a certos jornalistas, indisposição com governadores de regiões do País, pregação contra o “perigo do comunismo”, que não passa de mera invencionice, desapreço pela cultura e pela liberdade de criação artística.
Existem muitas outras manifestações que se colocam contra o bom senso, contra a lógica e contra a vontade popular. A lista é interminável, pois diariamente é acrescida de afirmações, comentários, conclusões, ataques impensados e improcedentes, lançados sem nenhuma objetividade e finalidade. As palavras utilizadas, desprovidas de reflexão, são jogadas ao léu. No entanto, preocupam, pois, embora por vezes desprovidas de lógica e de racionalidade, elas acarretam consequências, pela relevância do cargo ocupado por quem as pronuncia. Causam apreensão, discórdia, insegurança e por vezes temor.
Saliente-se que a sua intensa atividade verbal se mantém sempre distante das reais necessidades, dos anseios e das aspirações do povo brasileiro.
Estava me esquecendo das armas. O mundo quer o desarmamento. Em pesquisa recente a sociedade brasileira mostrou igualmente ser contra as armas. No entanto, promessa de campanha e conteúdo de discursos, a apologia da sociedade armada transformou-se num dos principais acordes da orquestra governamental. O maestro e seus músicos pregam que a sociedade estará mais segura se os seus integrantes, da criança ao idoso, estiverem bem municiados e treinados.
Alardeiam que armados nos poderíamos defender. Talvez, se os assaltantes nos avisassem com antecedência do assalto e pudéssemos nos entrincheirar… E aí teríamos no País intermináveis e emocionantes tiroteios. Como eles não nos comunicam do ataque, continuaremos a ficar impotentes, ou seremos mortos caso reajamos.
Aliás, se pudéssemos ouvir o grande e inesquecível Garrinha, ele diria do alto de sua sabedoria de homem primário e tosco, mas intuitivo e de bom senso: “Andar armado, só se combinarmos com os russos antes”.
Há um ditado, verdadeira máxima, reflexo da sabedoria mineira, que diz: “Quem fala muito dá bom dia a cavalo”. Significa que o excesso no falar transforma a fala em nonada, pois de tanto se falar ninguém mais dá valor à palavra falada.
*Advogado criminalista
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"BLACK MIRROR" BRASILEIRO

Andrea Jubé, Valor Econômico
Trocaram os roteiristas. Após três anos de política nacional inspirada em “House of Cards” – lembrando que até a “The Economist” equiparou Eduardo Cunha a Frank Underwood – os atores políticos agora parecem transitar em um episódio de “Black Mirror”, protagonizado por hackers de Araraquara (a terra do suco de laranja), incluindo um falsário e um ex-DJ, que movimentaram carteiras de criptomoedas e teriam invadido mais de mil telefones de autoridades das três esferas de poder.
A antológica série de ficção científica britânica explora situações comezinhas do cotidiano levadas ao extremo pela ação da tecnologia. Em um dos episódios, um hacker ameaça divulgar um vídeo íntimo de um adolescente. Acuado, o jovem tem de assaltar um banco e lutar pela vida em uma floresta contra outra vítima do criminoso, enquanto são filmados por um drone. Um roteiro quase ingênuo perto do enredo brasileiro.
Em meio à revelação de diálogos privados entre o hoje ministro da Justiça, Sergio Moro, e o procurador da República Deltan Dallagnol – cujo teor sugere a eventual violação do princípio da imparcialidade no julgamento de processos da Lava-Jato – a investigação da Polícia Federal culminou na prisão de uma quadrilha de estelionatários do interior de São Paulo.
Um dos cenários é a cidade de Araraquarara, sede da Cutrale, que detém um terço do mercado mundial de suco de laranja. A fruta remete a outra investigação da Polícia Federal, que envolve o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio e o PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, em supostos desvios de recursos para financiamento de candidaturas falsas.
O depoimento do principal suspeito Walter Delgatti Neto é cinematográfico. Tudo começou, segundo ele, com a invasão ao celular de um promotor de Justiça estadual que o denunciou por “tráfico de drogas de remédios”. Por meio da agenda do Telegram do promotor, o hacker acessou o número de telefone de um procurador da República e chegou ao telefone do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP). Este dado o levou ao número do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que o levou ao contato do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que o levou ao número de Deltan Dallagnol.
O título do episódio seria “A República hackeada”, ou “halckeada”, porque só se fala nos “halckers” nas rodas de conversa em salões de beleza e mesas de bar. Mais de mil telefones de autoridades teriam sido invadidos, inclusive dos presidentes da República; da Câmara, Rodrigo Maia; do Senado, Davi Alcolumbre; do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, e da procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
A ponte para o hacker chegar ao jornalista Glenn Greenwald foi a candidata derrotada à Vice-Presidência Manuela D’Ávila, cujo contato ele obteve a partir da invasão à agenda da ex-presidente Dilma Rousseff! O produto do crime foi compartilhado em arquivos de nuvens digitais. O capital financeiro da quadrilha está em “bitcoins”. Mais “Black Mirror”, impossível.
Com o fim do recesso legislativo, o assunto vai parar na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos crimes cibernéticos e das “fake news”, que o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre – uma das vítimas dos hackers – instala nos próximos dias.
O líder do PL, deputado Wellington Roberto (PB), já prevê requerimentos de convites, convocações, compartilhamento de informações, em especial num cenário em que até um integrante da Casa, o deputado Kim Kataguiri, foi vítima do hacker, segundo o depoimento do investigado aos policiais federais.
A avaliação entre os líderes do parlamento, até o momento, é de que a prisão dos suspeitos é um capítulo relevante da investigação sobre a invasão aos celulares de autoridades da República. Mas eles enumeram pontas soltas da história que a CPI mista deverá investigar. Os diálogos publicados pela imprensa são autênticos ou foram editados? Podem levar à anulação de processos da Lava-Jato? O ministro da Justiça pode determinar a destruição das provas? A quadrilha foi financiada, negociou a venda do produto do crime? Quem mais foi hackeado ou teve o celular na lista dos suspeitos?
A urgência dos fatos levará Alcolumbre e Rodrigo Maia a arbitrarem nos próximos dias o embate pela relatoria da CPMI, que o PT quer transformar em ringue contra o governo Bolsonaro por causa da investigação sobre a disseminação de “fake news” na campanha eleitoral em andamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Antes do recesso, o arranjo previa a indicação do presidente da CPMI na cota de Alcolumbre, enquanto os líderes da Câmara indicariam o relator. Senadores a par das negociações citam três nomes da confiança de Alcolumbre para a presidência: os senadores Rodrigo Pacheco (DEM-MG), Roberto Rocha (PSDB-MA) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
Na Câmara, Maia prometeu ao líder do PT, Paulo Pimenta (RS), a vaga de relator para a bancada. Mas líderes do Centrão não querem um petista na relatoria dos trabalhos, porque poderia comprometer a credibilidade dos trabalhos. A ideia é escolher um relator de perfil independente. A quem caberá, fatalmente, conciliar a função na CPMI com a de co-roteirista dos próximos capítulos do novo seriado brasileiro.
‘Manual do fascismo’
Em uma palestra para 400 pessoas em Brasília na última semana, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) – que ganhou de Bolsonaro a alcunha de “pior governador” – ressaltou que reprova a ação dos hackers porque é criminosa. Mas classificou como “receituário fascista” a divulgação de que mais de mil autoridades teriam sido hackeadas pela quadrilha porque a informação dissemina o medo e o pânico na população. “Basta ler O ‘Cemitério de Praga’, de Umberto Eco, isso é do manual do fascismo”. Ex-juiz federal que migrou para a política, Dino alertou que Sergio Moro é ministro da Justiça e não juiz do processo para ordenar a destruição de provas. Chamado de “presidenciável”, ele diz que a oposição tem de sair do canto do ringue para disputar a rua.
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A JAVAPORQUICE DE BOLSONARO

José Roberto de Toledo, PIAUÍ

Todo governo escolhe sua oposição. Ao definir o que é prioridade, ao dizer qual rubrica orçamentária recebe mais ou menos recursos, o mandatário inevitavelmente beneficia uns em detrimento de outros e acaba por eleger quem vai se opor a ele. O governo Bolsonaro escolheu estudantes, professores e todos os que prezam pela educação pública para serem seus antagonistas. Se foi de caso pensado não foi bem estudado. Bolsonaro colheu as maiores manifestações contra um presidente recém-empossado em décadas. Levou centenas de milhares às ruas e tomou uma sova sem precedentes no seu ringue predileto, as mídias sociais.
José Sarney precisou de mais de dois anos de governo até levar uma picaretada na janela do ônibus onde estava. Foi o mesmo tempo que os jovens levaram para pintar as caras e derrubar Fernando Collor. Fernando Henrique enfrentou e derrotou uma greve de petroleiros com cinco meses de governo, mas nada que ocupasse ruas e praças como neste maio de 2019. Dilma habitava havia mais de dois anos o Palácio da Alvorada quando os protestos deflagrados pelo MPL cortaram mais da metade de sua popularidade. Lula só foi enfrentar protestos massivos após deixar o poder.  
É cedo para prognosticar se as manifestações de 2019 serão tão persistentes quanto as de 2013 ou 2015, mas já mostraram uma abrangência geográfica tão ampla quanto as ondas de insatisfação de um passado recente. Gente jovem foi às ruas em quantidades industriais neste dia 15 não só no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Fortaleza, mas no agreste pernambucano e no interior paulista. Houve mobilizações em todas as unidades da Federação.
O movimento é espalhado e descentralizado por causa do tipo de alvo que o governo escolheu atingir. Quase toda grande cidade tem um campus universitário, quase todo município tem pelo menos uma escola. Mais capilaridade e conectividade, impossível. Estudantes universitários são os mais engajados nas mídias sociais e muitos possuem smartphones. Fica fácil para se organizar, escolher pontos de encontro, agendar manifestações. Faltava um motivo, um inimigo comum, que o governo entregou de bandeja.
Os cortes nas verbas da Educação, anunciados com uma mistura de orgulho e arrogância, reacenderam o movimento estudantil. Diante da reação negativa nas redes, ministros e presidente dobraram a aposta e mantiveram a ofensiva, tentando caracterizar as universidades como antros de balbúrdia. A máquina de propaganda bolsonarista despejou memes nos grupos de WhatsApp durante as madrugadas com teses de mestrado e simpósios universitários batizados com os nomes mais estapafúrdios e escalafobéticos que conseguiram encontrar. Os burros deram n’água, porém.
Se nada disso fosse suficiente, na véspera do dia marcado para os protestos, Bolsonaro protagonizou um dos momentos mais ridículos de sua gestão. Com doze deputados por testemunha, ligou para o ministro da Educação – recém-convocado para se explicar no plenário da Câmara dos Deputados – e mandou suspender os cortes. Assim que a notícia virou manchete, pipocaram desmentidos de todos os lados, da Casa Civil à liderança do governo no Congresso. Os subalternos desautorizaram o chefe e disseram que o contingenciamento de verbas estava mantido. Bolsonaro voou para os Estados Unidos e, lá longe, chamou os manifestantes de “idiotas úteis”. Entre a mangueira e o coquetel Molotov, o presidente sempre escolhe o combustível que aumenta o incêndio.
Diante de uma oposição partidária inerte, desorganizada e sem presidenciável que represente real perspectiva de poder, Bolsonaro criou sua própria oposição. Ao copiar o molde de governos europeus de extrema direita que atacam instituições universitárias, a parelha governamental fez um estrago digno de uma manada de javaporcos. Ignorou a extensão, onipresença e capilaridade das universidades e dos cursos técnicos federais.
O movimento de protesto pode acabar amanhã sem dar em nada de concreto. Mas a imagem de um presidente popular e dono das ruas ficou no passado. Bolsonaro e companhia conseguiram materializar nas praças as taxas crescentes de avaliação negativa do governo, para felicidade do Centrão – o consórcio dos partidos amorfos que tem a maior bancada do Congresso. Rodrigo Maia agradece: Bolsonaro deu mais um passo para o parlamentarismo de fato.
Editor-executivo da piauí (site), foi repórter e colunista de política na Folha e no Estado de S. Paulo e presidente da Abraji
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O DISCURSO DE ÓDIO E DA BRUTALIDADE DE BOLSONARO

Helena Chagas, OS DIVERGENTES
A questão não é a defesa da exploração mineral em áreas indígenas, pois isso há muito tempo faz parte do debate – e deve ser decidido no Congresso Nacional. O problema é o discurso de um presidente da República que quer fazer os índios deixarem e ser índios e saírem de seus “zoológicos”, abrindo caminho a atos de brutalidade como a invasão da aldeia Waiãpi por garimpeiros e o assassinato do cacique Emyra – do qual Jair Bolsonaro duvidou esta manhã. Com todo esse estímulo para defender os índios, a Funai e a Polícia Federal levaram três dias para chegar à aldeia.
Para muitos que votaram nele, também não foi um grande problema, por si só, o fato de o presidente da República ser um militar que, lá em 1964, esteve ao lado do golpe. Mas mesmo esses devem estar estarrecidos com as palavras de Jair Bolsonaro nesta manhã, quando agrediiu o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, com o mais abjeto dos discursos, afirmando que, se ele quisesse, poderia explicar como o pai dele, Fernando Santa Cruz, desapareceu durante a ditadura militar.
O que fez o presidente da OAB? Deixou que a entidade impedisse que a Polícia Federal quebrasse o sigilo telefônico de um dos advogados de Adélio Bispo, autor das facadas que levou na campanha eleitoral. É possível também que, ao investir contra a OAB, Bolsonaro esteja querendo intimidar a instituição, que tem tido papel importante na defesa de direitos junto ao Judiciário.
Imaginávamos que essa página já estivesse virada com o reconhecimento, pelo Estado, das atrocidades que resultaram nos mortos e desaparecidos da ditadura. Mas o discurso do ódio e da brutalidade de Jair Bolsonaro a trouxe de volta. E talvez, do ponto de vista histórico, essa tentativa diária de corrosão dos valores que forjaram a democracia em que vivemos hoje, e que permitiu sua eleição, seja o maior dano do governo do capitão ao Brasil. Pior até do que a inépcia e a incapacidade de governar e resolver problemas como o desemprego e a estagnação econômica.
Foram necessários muitos anos, muito sofrimento e muitas vidas para derrubar a ditadura. Foi uma conquista da sociedade brasileira que, dividida em 1964, juntou-se vinte anos depois contra o regime militar – depois de muita censura e arbítrio. Depois, sobretudo, de a classe média conservadora que fora às ruas defender o golpe ver seus filhos serem mortos, torturados, desaparecidos.
É bem possível que tenham aprendido a lição, e quem sabe a tenham transmitido a seus filhos e netos. Porque, a esta altura, a missão de defender a democracia e os valores duramente conquistados contra o discurso do ódio a da brutalidade não é apenas das instituições. É de toda a sociedade. Passou da hora de encarar as afirmações tresloucadas de Bolsonaro como exotismos inofensivos.
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WITZEL FOI JUIZ, MAS NÃO CONHECE A LEI

Bernardo Mello Franco, O GLOBO
Witzel prometeu trazer a Disney para a Sapucaí, mas não combinou com os americanos. Agora ele ameaça “prender maconheiro na praia”, apesar de a medida não ser prevista em lei
Wilson Witzel gosta de se fantasiar de xerife, mas às vezes aparece com outros figurinos. No carnaval, ele imitou o ex-prefeito Eduardo Paes e vestiu um
chapéu Panamá para ir ao Sambódromo. Em vez de aplausos, ouviu uma sonora vaia das arquibancadas.
Apesar da estreia infeliz, o governador não desistiu da Sapucaí. Há três semanas, ele anunciou que pretende assumir o espaço, deixado ao deus-dará pelo bispo Marcelo Crivella. A turma do samba não teve tempo de festejar. O governador prometeu ocupar a passarela com o Mickey, o Pato Donald e a Cinderela.
“Queremos trazer o Disney Parade todo final de semana ali para o Sambódromo”, afirmou.
No início do ano, o governador Ibaneis Rocha já havia prometido inaugurar um parque da Disney em Brasília. Foi desmentido pelos americanos e deixou o assunto para lá.
Ontem consultei a empresa sobre o factoide de Witzel. A Disney informou que não tem planos para o Rio nem manteve contato com o ex-juiz. O Pateta pode ser bobo, mas não gosta de concorrência.
Nesta semana, o governador esqueceu o mundo infantil e voltou a se fantasiar de Rambo. Na segunda-feira, ele disse que teria matado o morador de rua que esfaqueou duas vítimas na Lagoa.
“Se estivesse no lugar do policial, teria dado um tiro na cabeça dele”, afirmou.
Apesar do reparo, Witzel elogiou a ação da PM. Faltou dizer que uma das vítimas foi morta diante dos policiais. Eles ainda balearam três inocentes antes de prender o agressor, que portava uma faca de açougue.
Ontem o governador voltou a bancar o valentão. Em reunião com prefeitos, ele afirmou que vai começar a “prender maconheiro na praia”. “Quem estiver fumando maconha na praia, eu vou prender”, disse, segundo relato da colunista Berenice Seara.
Mais tarde, Witzel teve que ser lembrado de que a prisão de usuários foi trocada por penas alternativas, como advertência e prestação de serviços comunitários. Se o ex-juiz não conhece a lei, imagine o guarda da esquina.
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SENTIMENTOS PARA NINA SIMONE

Djamila Ribeiro, Folha de S.Paulo
“Olhe para você. Você é livre. Nada nem ninguém é obrigado a te salvar, só você mesma. Plante a sua própria terra. Você é moça e mulher, e as duas coisas têm sérias limitações, mas você é uma pessoa também. Não deixe a Lenore ou um namoradinho qualquer e com toda certeza nenhum médico do mal resolver quem você é. Isso é escravidão. Em algum lugar aí dentro de você está essa pessoa livre de que eu estou falando. Encontre-a e deixe que ela faça algum bem nesse mundo.”
Esse é um trecho do livro “Voltar para Casa”, (Companhia das Letras, 136 págs., R$ 44,90)
de Toni Morrison, a primeira mulher negra a ganhar o Nobel de Literatura e minha escritora preferida.
Um conselho dado à personagem Ycidra, uma mulher odiada pela avó Lenore, enganada pelo marido e ansiosa para sair da pequena cidade em que nasceu. Um conselho que explicita o drama de pessoas de grupos oprimidos: o desejo por liberdade e transcendência em um mundo que impõe barreiras quase intransponíveis de acesso à humanidade. 
Fiquei refletindo por horas numa tarde em casa. Na sala, vi a almofada de Nina Simone. Na imagem ela está reflexiva, com o dedo indicador apoiando a sua testa. Seu olhar distante, para o lado, levando-me a imaginar o que ela estaria pensando quando foi retratada. Penso que ela viveu o conselho dado a Ycidra mesmo o livro tendo sido publicado após sua morte. 
Foi uma mulher muito injustiçada, que sofreu consequências graves na carreira por se posicionar politicamente com consciência racial. Uma história de discriminação durante toda a vida, de contra-ataque aos seus posicionamentos vindo de gravadoras e empresários, de esquecimento e violências dos seus próximos durante as dificuldades, de agressões domésticas vindas do companheiro, da genialidade fora de lugar e do sonho não realizado de uma mulher brilhante que queria ser pianista clássica. Apesar disso, uma mulher genial, cujas canções pulsam até hoje, deixando um legado de transformação na música, sob forte custo emocional.
Lembro-me da Bienal de Berlim, onde estive em 2018. No prédio principal, os visitantes encontravam uma exposição de Dineo Bopape, artista sul-africana, sobre as consequências destrutivas do colonialismo na sanidade das pessoas negras. 
O exemplo paradigmático era a apresentação de Nina no Festival de Montreal, em 1976, como o retrato da genialidade atormentada psiquicamente pelo racismo. Entre epifanias no piano e gritos com a plateia, percebia-se Nina totalmente abalada. Ela está cantando a canção “Feelings” de uma maneira visceral. Em vários momentos ela reclama com a plateia, reclama que eles não estão aplaudindo, mas nos primeiros minutos de apresentação, ela diz: “Eu não acredito nas condições que produzem uma situação que exigem uma canção como essa!”. O público reage tímido, até que ela exige: “Oras, aplaudam pelo amor de Deus!”. 
A primeira vez em que assisti a essa apresentação, disponível em canais na internet, eu achei linda. O modo como ela toca o piano com intensidade, a irritação com uma plateia morna que não entendia sua complexidade e profundidade me tocou. 
“Vamos atingir o clímax.” Entendi que ela desejava a entrega. Assim que termina a apresentação, ela se levanta e vai embora como quem entende que aquele público não a merecia. Lembro ter visto centenas de vezes e me emocionado em todas elas. 
Mas após ver a exposição de Bopape, um sentimento incômodo me tomou. Como eu não havia percebido que ali, por trás de toda a genialidade, havia uma mulher cansada e adoecida? Bopape me abriu os olhos. “Isn’t it a pity, Nina?”
Não é uma pena que tenhamos que viver sérias limitações para sermos pessoas? Há quem não se dê conta de como o racismo faz adoecer —dos traumas, discriminações e violências passados de geração em geração, culminando numa vida de exclusão dos espaços—, de como isso contribui para a tormenta psíquica. 
No caso de mulheres negras, que estão sob diversos vetores de opressão estrutural, o cenário é ainda mais complexo. 
Até hoje não assisti ao documentário que fizeram sobre a vida de Nina Simone. Não faz jus a ela um trabalho que a ponha no lugar da “louca raivosa”, em vez de se questionar o que a fez enlouquecer. 
Quem se entregou de maneira tão profunda, mesmo com todas as imposições, merecia mais. Em vez de “O que Aconteceu, Miss Simone?”, o documentário poderia se chamar “Aquela que, Apesar de Sérias Limitações, Tentou Ser uma Pessoa Livre”. Toni Morrison a teria entendido.
Djamila Ribeiro
Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais. 
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O TERCEIRO TURNO

Do Blog do Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense
O presidente Jair Bolsonaro, ao insistir numa agenda motivada por razões ideológicas e religiosas, mas descolada dos problemas prioritários da população, está protagonizando um debate político no qual sua imagem de presidente da República pode sair desgastada. Bolsonaro foi eleito sem debater suas ideias, ficou fora da campanha depois da facada que levou em Juiz de Fora (MG). A partir daquele trágico episódio, o “mito” se tornou imbatível, mesmo num leito de hospital. Afora os seguidores de carteirinha, porém, a maioria dos seus eleitores não conhecia as ideias polêmicas do presidente da República sobre assuntos em há um amplo consenso na sociedade, como a questão do desmatamento, por exemplo.
Com o Congresso Nacional e o Judiciário em recesso, Bolsonaro ficou absoluto na cena política, sem que nenhuma outra personalidade disputasse espaço na mídia. Nesse período, no jargão jornalístico, florescem as “flores do recesso”, temas que tomam conta do noticiário político e morrem quando o Parlamento e os tribunais voltam a funcionar. Ocupava a cena a divulgação de conversas entre o ministro da Justiça, Sérgio Moro, quando era juiz em Curitiba, e os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato, pelo site The Intercept Brasil, do jornalista americano Green Grenwald.
Essa seria a mais exuberante “flor do recesso”, mas o presidente Bolsonaro irrompeu em cena, diariamente, com declarações e atitudes polêmicas a cada entrevista ou tuitada. Ontem, Bolsonaro afirmou em uma rede social que o estudante de direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira foi morto pelo “grupo terrorista” da Ação Popular do Rio de Janeiro, e não pelos militares, uma afirmação no mínimo leviana. Segundo a Comissão da Verdade, Santa Cruz foi morto por agentes dos órgãos de segurança do regime militar.
Mais cedo, ao criticar o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, filho do estudante desaparecido, Bolsonaro havia chocado a opinião pública com a seguinte declaração: “Um dia, se o presidente da OAB [Felipe Santa Cruz] quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Eu conto para ele”. Sua declaração gerou repulsa nos meios jurídicos e políticos. O governador de São Paulo, João Doria, por exemplo, filho de um parlamentar cassado e obrigado a se exilar, considerou a declaração inaceitável.
Lava-Jato
Bolsonaro já chamou a jornalista Miriam Leitão de terrorista e os nordestinos de “paraíba”; anunciou que discriminaria o Maranhão, porque o governador Flávio Dino (PcdoB) é comunista; garantiu que ninguém passa fome no Brasil; desqualificou os dados sobre desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), voltou a dizer que só os veganos se preocupam com a questão ambiental e voltou a defender a transformação da Baía de Angra numa nova Cancún.
Entre uma declaração e outra sobre Fernando Santa Cruz, Bolsonaro também defendeu a prisão do jornalista americano Grenn Greenwald, que divulgou as mensagens trocadas pelo ex-juiz Moro e os procuradores da Lava-Jato. Bolsonaro já havia feito referência à possível prisão do diretor do The Intercept Brasil, ao negar a intenção do governo de deportá-lo. A ligação de Greenwald com os quatro hackers presos suspeitos de invadir celulares de Moro, procuradores e outras autoridades dos três poderes está sendo investigada pela Polícia Federal. O inquérito foi prorrogado por mais 60 dias. Greenwald alega que recebeu os documentos anonimamente e sem nenhuma compensação financeira.
Para completar o dia, Bolsonaro cancelou uma audiência com o chanceler da França, Jean-Yves Le Drian, e foi cortar o cabelo. A França é uma grande parceira no acordo do Mercosul com a União Europeia. Talvez o presidente da República não tenha se dado conta, ainda, de que está promovendo uma espécie de terceiro turno das eleições, no qual oferece à crítica ideias que sempre defendeu, mas que não foram apresentadas à sociedade na campanha eleitoral, muito menos confrontadas pelos adversários. Cada declaração polêmica provoca uma onda de protestos na sociedade civil e no exterior, além de frustrar uma parcela dos eleitores que esperavam um presidente mais focado nos problemas do país, mais moderado na política e eficiente na gestão administrativa.
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terça-feira, 30 de julho de 2019

O SEMEADOR DE ÓDIO

Do Blog do Noblat, VEJA
Uma crueldade para jamais ser esquecida
Cobra-se de Jair Bolsonaro, o ex-capitão afastado do Exército por indisciplina e conduta antiética, o que ele não tem para dar. Por exemplo: compostura e dignidade para o exercício do cargo de presidente da República, moderação para saber lidar com conflitos e a capacidade de compreender sentimentos e emoções dos outros.
Carente dessas e de outras qualidades que podem fazer de uma pessoa um ser humano melhor, Bolsonaro protagonizou, ontem, mais um episódio de vilania, estupidez e brutalidade que chocou até mesmo seus aliados políticos, calando pelo menos parte da manada de devotos que costuma defendê-lo nas redes sociais.
Ao queixar-se do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Fernando Santa Cruz, que impediu a Polícia Federal de ter acesso a dados confidenciais do advogado de defesa de Adélio Bispo, o esfaqueador de Juiz de Fora, Bolsonaro feriu um dos princípios do mundo civilizado de jamais se ofender a memória dos mortos.
Primeiro porque os mortos não podem se defender. Segundo porque sua descendência vive e não deve ser ofendia. Terceiro porque isso é uma coisa que não se faz e ponto. As religiões compartilham valores comuns como o perdão, a fé, a caridade e a paz. Batizado nas águas do Rio Jordão, Bolsonaro não passa de um religioso de araque.
Que seja levado às barras dos tribunais. A ninguém é dado revelar publicamente que sabe como um crime foi cometido e não se oferecer para depor. Ou não ser chamado a depor. Bolsonaro disse que sabe como o pai de Fernando Santa Cruz foi morto depois de preso por militares no Rio quando tinha 28 anos de idade.
A lei da anistia perdoou os autores de crimes de sangue, e também os que torturaram ou foram responsáveis pelo desaparecimento de corpos. Mas ela não aboliu o esquecimento nem o direito de se procurar saber o que aconteceu, e como aconteceu. É o que a família Santa Cruz tenta sem sucesso desde 1974.
Diante do estupor provocado pelo que disse, Bolsonaro sentiu-se forçado a dar explicações. Então fez mais uma de suas aparições ao vivo no Facebook, desta vez na cadeira de um cabelereiro que aparava suas madeixas, para garantir que o pai de Fernando Santa Cruz foi morto por seus companheiros de organização política.
No passado, ao defender a ditadura militar, seus assassinos e torturadores, Bolsonaro já havia dito que o pai de Santa Cruz deveria ter morrido embriagado em uma rua qualquer do Rio. Um documento secreto da Aeronáutica diz que ele foi morto por militares. Seu corpo, segundo uma testemunha, acabou incinerado.
À época, Marcelo, um irmão do morto, teve cassado o direito de estudar no Brasil. Rosalina, a irmã mais velha, foi presa, torturada à base de choques elétricos e sofreu um aborto provocado pela violência. Pontificava em São Paulo o coronel Brilhante Ulstra, um dos mais cruéis torturadores da ditadura que duraria 21 anos.
Sim, trata-se do mesmo coronel que Bolsonaro tanto faz questão de exaltar, autor de um livro cuja leitura ele recomenda a amigos e companheiros de ideias.
Nós contra ele
Em defesa do Estado de Direito
Os jornalistas, ou uma parte de nós, seremos cobrados no futuro ou desde já por termos aceito como verdade e subscrito tudo o que os procuradores da Lava Jato e o então juiz Sérgio Moro vazaram nos últimos anos de forma direta ou indireta; e também por termos tratado o presidente Jair Bolsonaro, depois de eleito, como um político que poderia ser, digamos assim, normalizado.
Os fatos descobertos mostram que a corrupção não só existia como ultrapassara limites inimagináveis. Nem por isso o que se alardeou a respeito foi só a verdade. Moro atuou como juiz e assistente de acusação, desprezando as leis. O combate à corrupção deve ser política de Estado, não de governo. Deve obedecer a regras conhecidas por todos. Não pode depender de líderes carismáticos.
No caso de Bolsonaro, acreditamos que uma vez empossado ele se comportaria como o presidente de todos os brasileiros. Que jogaria fora a máscara de homofóbico, misógino, preconceituoso, defensor de torturadores e da ditadura e que apresentaria uma nova face mais aceitável e menos impregnada de ódio. Erramos outra vez. Ele é o que sempre foi e continuará sendo.
Só nos resta pedir perdão e resistir ao autoritarismo que tenta se implantar e que mina os valores de uma democracia tão vulnerável a abusos como a que temos. De volta ao “nós contra eles”. Ou melhor: o “nós contra ele”. Com uma diferença: o “nós” deve reunir todos os que defendam com convicção e destemor o Estado de Direito, confrontado por práticas que ameaçam destruí-lo.
Onde andam os sensatos de farda
Mais um engodo
Para justificar o ingresso em massa de militares no governo, entre eles um general da ativa, vendeu-se a teoria de que, por sensatos, bem preparados e legalistas, eles saberiam controlar o capitão.
Foi um engodo. Ou eles compartilham das mesmas opiniões e ideias bizarras do capitão ou se renderam placidamente às vantagens dos cargos que ocupam. Ou às duas coisas, o que parece o mais provável.
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NADA DE DESTRUIÇÃO

Janio de Freitas, Folha de S.Paulo
A primeira virada de mesa elaborada por Sergio Moro prosperou no ato inicial, mas ficou em suspenso antes do segundo. Pode parar aí, como pode seduzir interesses que imponham a destruição das mensagens captadas nos celulares invadidos.
Além desse risco, há várias alternativas ao método Moro para impedir as consequências apropriadas às ilicitudes e faltas morais que comprometem o então juiz, o procurador Deltan Dallagnol e muitos outros. Ainda haverá estoque de decência para impedir a virada de mesa? Eis a questão.
A pressa com que Moro se pôs a dizer que “as mensagens serão destruídas”sugeriu que está ainda pior na fita. Sua pressa paralela, para informar Bolsonaro, os presidentes do Senado e da Câmara, alguns ministros, juízes e parlamentares de terem sido também invadidos, foi mais do que gentileza.
A cada um deles disse que “o material será destruído”, um adendo que colhia, pela tranquilização, o imediato apoio à medida. O presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, citado em recente noticiário negativo, deu ênfase pública à adesão: “É isso que tem de ocorrer”.
Uma vez ocorrido, a borracha brasileira apagaria o publicado, a publicar e as respectivas memórias. Mas talvez não apague a concepção jurídica de que “só o Judiciário tem o poder de tal destruição”, como lembram alguns juristas, togados ou não. E, desde que há material referente a pessoas com foro privilegiado, é exclusiva do Supremo Tribunal Federal a decisão de destruir, como rebateu o ministro Marco Aurélio Mello —desde sempre ressabiado com os saberes jurídicos de Moro.
Os dias de hoje não fazem a atualidade. O passado tomou muito de volta, raso de cabeça e grosso na atitude. A ele são bem capazes de recorrer os interessados em virar a mesa do seu desmascaramento. Para valer-se da aliança com os militares do Exército, não hesitariam em apelar para uma velha e oca ferramenta verbal, autora histórica de inúmeras barbaridades: a “segurança nacional”. Expor viciosas condutas adotadas em nome da moralidade e de nova vida pública, ah, que ousadia desses esquerdistas e corruptos contra a “segurança nacional”.
Bolsonaro já encaminhou essa via. Definiu a alegada invasão do seu celular como “atentado grave contra o Brasil e suas instituições”. Não foi o que disse quando os telefones da presidente Dilma Rousseff foram hackeados por agentes americanos. Nenhum dos indignados com as revelações do The Intercept Brasil, em comum com a Folha, teve qualquer palavra de repúdio àquele verdadeiro “atentado grave contra o Brasil e suas instituições”.
O caso mesmo das revelações aqui atesta a competência da Polícia Federal. É equivalente, parece, à incerteza que se tem quanto ao uso e direção dessa competência. Não é preciso exemplificar com a Lava Jato. No episódio do caixote com dólares de Cuba, para a campanha de Lula à Presidência, a PF assombrou com a promoção de uma caixa de bebida vulgar a arma antieleitoral. 
O dinheiro plantado na campanha de Roseana Sarney, para ser “descoberto” pela PF, foi um escândalo retribuído a um delegado na eleição em Minas. E a história dos “trapalhões do PT”, manejada por cordéis da Procuradoria da República em Mato Grosso, cujo final não pôde evitar a exclusão de um delegado. Tudo e sempre em benefício do PSDB.
A Polícia Federal está entregue a Sergio Moro. Logo, a alguém que teve o celular sugado e que está exposto, nas mensagens captadas, pelo que um juiz honrado não pode dizer nem fazer. Sergio Moro, portanto, figura em duas condições no inquérito que transcorre sob sua responsabilidade ministerial. Considerado o nível de lisura em sua participação na Lava Jato, são também duas as razões para que não permanecesse onde está: a formalmente óbvia e a dos antecedentes de interferência nas investigações da Procuradoria da República e da Polícia Federal.
Moro fez escutas ilegais. Divulgou escutas ilegais. Gravou conversas de advogados e outras pessoas isentas de suspeita. Deltan Dallagnol foi um associado de Moro com exibições de fanatismo e messianismo até na TV. Os vazamentos ilegais integraram a atividade de ambos como prática banal. Nós outros ouvimos e vimos tudo isso. Agora queremos ouvir e ler o que diziam às escondidas. Nada de destruir o material captado. 
Os dois e seus companheiros de missão político-judicial já fizeram bastante destruição, não precisam fazer mais uma.
Janio de Freitas
Jornalista
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DESTRUIÇÃO CRIATIVA

Carlos Pereira, O Estado de S.Paulo
Diante do imenso tsunami que atingiu as últimas eleições, com um efeito arrastão sem precedentes em favor do presidente eleito, a diminuição do tamanho dos partidos no Congresso e o aumento da fragmentação partidária, o diagnóstico dominante era de que o sistema partidário, que já era frágil, estaria com os dias contados.
Acreditava-se que o sistema partidário, que havia se vertebrado nas últimas seis eleições gerais (desde 1994) em torno da competição entre os dois protagonistas, PSDB e PT, estaria institucionalizado. A despeito do grande número de partidos, o sistema produzia condições de governabilidade para o presidente de plantão, pois os demais partidos funcionariam como coadjuvantes ao orbitarem em torno de um desses polos partidários.
A surpreendente vitória de Bolsonaro, pelo até então inexpressivo PSL, foi interpretada como “disruptiva” desse equilíbrio. Acreditava-se que sua vitória refletiria uma grave crise de legitimidade do sistema partidário, com potenciais riscos inclusive para a estabilidade da democracia. Tão surpreendente quanto foi o resultado eleitoral é a constatação que o sistema partidário brasileiro não ruiu. Uma análise de todas as votações que ocorreram na Câmara dos Deputados na nova legislatura deixa claro que os partidos políticos continuam a apresentar um alto índice de disciplina dentro do legislativo, seguindo a orientação de seus respectivos líderes.
Dois blocos continuam se polarizando: governo e oposição. Além de disciplinados, esses blocos são bastante coesos. Os partidos que formam o Centrão e mais o PSDB apresentam um pouco mais de dispersão, mas também exibem alta disciplina partidária e um evidente governismo.
Ou seja, embora os partidos já algum tempo se mostrem ideologicamente amorfos e fracos para os eleitores, o comportamento disciplinado dos parlamentares revela que os partidos no Congresso não estão enfraquecidos.
Esse comportamento altamente disciplinado, maior inclusive do que em governos anteriores, é consistente com as instituições do presidencialismo multipartidário brasileiro, que não sofreram alterações substantivas. As regras internas do Congresso e os poderes presidenciais continuam a tornar o comportamento dos parlamentares extremamente dependente da lealdade aos seus respectivos partidos, fortalecendo assim estes últimos dentro do Congresso.
Mas, como as regras eleitorais continuam a proporcionar incentivos para os políticos se comportarem individualmente, isso fragiliza os partidos perante o eleitor. Portanto, a chave para o entendimento da simultaneidade de partidos fracos na arena eleitoral e partidos fortes no espaço congressual é a combinação aparentemente contraditória de incentivos para o comportamento individual e partidário ao mesmo tempo.
Após as eleições de 2018, a única mudança substancial foi a entrada de forma viável e competitiva de um partido de direita no jogo eleitoral, como acontece em qualquer democracia madura do mundo. A direita no Brasil sempre foi envergonhada por ter se associado diretamente ao regime militar. Mas a sucessão de crises econômica e política e a exposição quase que visceral de escândalos de corrupção comprometeram moralmente a maioria das legendas tradicionais, criando assim as condições para o surgimento competitivo de Bolsonaro e do PSL.
Tomando emprestado um conceito do economista austríaco Joseph Schumpeter, o que estamos testemunhando no Brasil é uma espécie de destruição criativa de alguns de seus partidos, mas não do seu modus operandi. Da mesma forma que inovações seriam a força motriz do crescimento econômico dentro do capitalismo, mesmo quando acarretasse destruição de empresas tradicionais e/ou bem estabelecidas, partidos políticos podem morrer e outros podem emergir sem que isso traga maiores consequências para o funcionamento dos próprios partidos e da democracia.
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segunda-feira, 29 de julho de 2019

A INOCÊNCIA PERDIDA

Artigo de Fernando Gabeira
Quando ouvi, pela primeira vez, que os hackers da Lava-Jato tinham sido presos, tive muitas dúvidas. Processos assim sigilosos dependem da polícia. Ela é quem divulga a conta-gotas aquilo que considera inofensivo para o curso das investigações.
Lembrei-me de uma guia na Caverna do Diabo, no Vale do Ribeira. Ela me disse que alguns pontos da caverna eram escuros, mas era preciso tirar partido disto: as formas escurecidas estimulam nossa imaginação.
E lá fui eu no barco para a Ilha Grande remoendo as informações que chegavam aos poucos. O advogado de um dos suspeitos disse que ele negociava bitcoins, apesar de terem sido encontrados R$ 100 mil escondidos em casa.
Lembrei-me daquela velha história: em nosso país, as putas gozam, os traficantes se viciam, e os mercadores de bitcoins, possivelmente, escondem dinheiro nos colchões.
Parecia verossímil. Quando surgiram os primeiros indícios de que realmente tinham hackeado o telefone de Moro, pensei ainda: e se fossem apenas alguns dos hackers, os menos sofisticados que caíram na rede?
Descartei essa hipótese. Afinal, o telefone de Moro não pode ser uma espécie de piquenique de hackers. Deve ter sido um grupo apenas.
Muito rapidamente, com a confissão dos suspeitos, as evidências nas nuvens, não tive mais dúvidas: caso resolvido. Mas aí surgiram dúvidas novas.
Foi eficaz a ação da PF: demonstrou que está equipada no momento para rastrear e encontrar os autores do crime. Um alívio para nossa privacidade. Alívio parcial, é verdade. A PF tem como apurar, empregou 40 homens e dedicou-se intensamente ao trabalho.
Será possível o mesmo empenho quando o hackeado defende apenas sua privacidade de pessoa comum, devassada em suas frases cotidianas, bobagens, mas que podem ter inúmeras consequências emocionais? Minha sugestão é que sempre haja empenho, no mínimo, para treinar a capacidade de solucionar casos mais complicados.
Mas, ainda assim, sou o reticente quanto ao futuro da privacidade. Acho ingênuo demais confiar apenas na proteção policial. É preciso sempre na internet ter um Sancho Pança interior que nos lembre: olhe bem, mestre; olhe bem o que está falando ou escrevendo.
Nossos grandes irmãos estão nos olhando por todas as frestas. Pensou em comprar um simples chapéu, e sua timeline será inundada com ofertas. Dificilmente seus hábitos de consumo passam ao largo.
Dizem que cerca de mil pessoas foram atingidas. Bolsonaro, Alcolumbre, Paulo Guedes. Não posso imaginar o que pretendiam fazer com essa sinfonia de vozes da República.
Moro teria afirmado para o presidente do STJ que as mensagens seriam descartadas. Como descartar as mensagens e, simultaneamente, provar que existiram e aplicar a pena pela multiplicidade do crime?
O que estava em jogo no grande auê que se formou era comprometer Moro e favorecer a libertação de Lula. Uma proposta modesta se considerarmos o potencial que essa incursão pelos telefones de poderosos teria se os hackers fossem, por exemplo, interessados em abalar a segurança nacional, coletando diuturnamente os dados, analisando-os e usando-os a seu favor.
O tema da segurança cibernética ainda não subiu realmente à agenda. De vez em quando, passo pela TV Senado, ouço alguns discursos esparsos. Sinto pela ausência de reação que a maioria dos parlamentares ainda considera isto um tema do futuro.
De fato, num país em que um sargento entra com 39 quilos de cocaína num avião da comitiva presidencial, o tema da segurança cibernética pode parecer distante.
Mesmo acreditando nisso, não se pode ignorar que autoridades tratam de questões de Estado, e a comunicação entre elas tem importância para o país.
O propósito do hacker era combater a Lava-Jato, como ficou claro também em suas postagens na rede. Mas ele gosta de dinheiro, deu alguns golpes, tinha atalhos para entrar em contas bancárias. Mesmo se conseguir provar que estava apenas numa cruzada pela justiça, era um tipo ideal para ser contatado para um trabalho puro de espionagem.
Claro, não estamos em guerra, não se disputam com fervor nossos segredos nacionais. Mas existe uma linha divisória entre um país pacífico e um país de ingênuos.
Artigo publicado no jornal O Globo em 29/07/2019
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domingo, 28 de julho de 2019

A DEGENERAÇÃO ÉTICA DE UM HERÓI

Mauro de Azevedo Menezes, Folha de S.Paulo
O exercício de funções públicas pressupõe a observância permanente de requisitos de honestidade. Essa premissa emerge da incidência do princípio constitucional da moralidade na administração pública (artigo 37, caput) e implica, entre outras obrigações, a rejeição de expedientes de abuso de poder e obtenção de vantagem pessoal.
A noção de integridade, essencial sob o paradigma da ética pública, costuma ser posta à prova justamente nas situações em que os agentes públicos são levados a encarar e esclarecer as suas condutas perante a sociedade.
Isso significa que o autêntico e definitivo juízo sobre a decência e a probidade das pessoas públicas não se concretiza quando elas, investidas em competências judicantes, investigatórias ou de controle, apontam desvios praticados por outros personagens da vida pública. É diante da prestação de contas de seus próprios atos que emerge a coerência das atitudes ou se escancara a desfaçatez dessas autoridades.
Prudência e moderação no exercício do poder são virtudes necessárias sobretudo quando exista alguma hipótese de envolvimento do interesse pessoal da autoridade em questão.
Resulta, portanto, em vilipêndio aos predicados da ética pública a atuação de ministro de Estado que desencadeie e interfira em processo investigativo sobre o qual tenha interesse direto, revelando a terceiros, em seu favor, parte do conteúdo de apuração sob sigilo.
A lei 12.813/2013 repele tal conflito entre interesse público e privado, que possa comprometer a predominância dos objetivos de Estado e influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública respectiva (artigo 3º). E determina que o ocupante do cargo previna ou impeça o conflito de interesses, sobretudo resguardando informação privilegiada, obtida em razão das atividades exercidas (artigos 4º e 5º, inciso I).
Em tais casos, a prática de atos de gestão em benefício próprio constitui séria transgressão (artigo 5º, inciso V) e pode configurar até mesmo improbidade administrativa (artigo 12), evocando a aplicação da lei 8.429/1992, por atentar contra os princípios da administração pública, ao violar o dever de imparcialidade (artigo 11, caput) e revelar fato que tem ciência em razão de suas atribuições e deva permanecer em segredo (artigo 11, inciso III).
Convém ainda assinalar que, de acordo com o princípio republicano, traduzido no dever constitucional de impessoalidade do administrador (artigo 37, caput), é imperioso o distanciamento entre o desempenho de funções públicas e o patrocínio de interesses pessoais da autoridade, especialmente ante suposições de irregularidades cometidas em função pública pretérita.
Por essa razão, o Código de Conduta da Alta Administração Federal, em seu artigo 10, prescreve que ministros de Estado e altas autoridades públicas federais respeitem eventuais impedimentos de participação em atividades ou decisões que possam vir a beneficiá-los.
Toda autoridade sob escrutínio público deve observar a autocontenção. Quem, alçado ao poder, considere-se ungido em missão redentora e, destituído de sobriedade e equilíbrio, ceda ao êxtase da glorificação, decerto cometerá abusos em sequência, revelando sua verdadeira face. Afinal, como escreveu Jorge Luis Borges, os espelhos têm algo de monstruoso.
*Mauro de Azevedo Menezes é advogado, ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República (2016-2018)
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JUÍZO AFOITO

Editorial Folha de S.Paulo
Causam espanto os movimentos do ministro da Justiça, Sergio Moro, em meio às investigações dos ataques de hackers ao seu telefone celular e aos de outras autoridades.
Na quarta (24), um dia após a prisão de quatro suspeitos de serem os responsáveis pelos crimes, o ministro veio a público para vinculá-los ao vazamento das mensagens de procuradores da Operação Lava Jato que o site The Intercept Brasil começou a publicar em junho.
Como as investigações ainda estão em andamento e são conduzidas oficialmente sob sigilo pela Polícia Federal, as evidências que poderiam sustentar a insinuação de Moro eram desconhecidas.
Em seu primeiro depoimento aos policiais, o principal suspeito, Walter Delgatti Neto, admitiu a invasão das contas do ex-juiz e de outras autoridades no aplicativo Telegram e declarou ter sido a fonte do material obtido pelo site.
Mas a PF ainda está verificando a consistência do depoimento e examinando provas, e por isso a precipitação de Moro soou como tentativa de intimidar o Intercept e outros veículos que têm publicado as mensagens, como esta Folha.
O Intercept afirma ter obtido o material de fonte anônima —cujo sigilo é protegido pela Constituição brasileira— e nega ter participado dos crimes cometidos pelos que copiaram os arquivos fornecidos a seus jornalistas.
Ao examinar as mensagens, este jornal não encontrou sinais de adulteração. Mesmo que a fonte as tenha conseguido de forma ilícita, o evidente interesse público justifica a publicação do seu conteúdo.
Na quinta (25), Moro tomou a iniciativa de avisar o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e outras autoridades que seus aparelhos celulares também haviam sido alvo de ataques. A uma das vítimas o ministro assegurou que as informações seriam destruídas.
Coube à própria PF lembrá-lo do óbvio, em nota oficial. O material obtido pelos hackers, bem como outras provas que vierem a ser colhidas, não pode ser descartado sem que o Ministério Público seja ouvido e sem autorização do juiz que supervisiona o inquérito.
As ações de Moro podem parecer compreensíveis para muitos, considerando os danos causados pela divulgação das mensagens à sua reputação e os indícios de que o ataque teve de fato grande alcance. Entretanto elas representam intromissão injustificável no andamento das investigações.
Embora seja subordinada ao Ministério da Justiça, a PF tem autonomia para conduzir seus inquéritos, segue protocolos rigorosos e está sujeita a mecanismos de controle externo previstos em lei.
Ao buscar informações sobre uma investigação sigilosa e usá-las para difundir conclusões prematuras e confundir o público, o ministro da Justiça desrespeita essa autonomia, prejudica o trabalho policial e compromete aquele que deveria ser seu único objetivo —o esclarecimento dos fatos.
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