A tática é velha, surrada e remete a Roma antiga. Tal como o
imperador Nero fez com a capital ocidental do Império, para depois atribuir a
culpa aos cristãos, o PT pôs em marcha, nos últimos dias, o que internamente
chamou de “política de terra arrasada”. Orientados pelo ex-presidente Lula, com
o beneplácito da presidente Dilma Rousseff, e inflamado por movimentos bancados
pelo governo, o partido resolveu tocar fogo no País – no sentido figurado e
literal. A estratégia é tentar inviabilizar qualquer alternativa de poder que
venha a emergir na sequência do, cada vez mais próximo, adeus a Dilma. A ordem
é sabotar de todas as maneiras o sucessor da petista, o vice Michel Temer,
apostando no quanto pior melhor. Mais uma vez, o PT joga contra os interesses
do País. Não importa o colapso da economia, os 11 milhões de desempregados nem
se a Saúde, a Educação e serviços essenciais à população, que paga impostos
escorchantes, seguem deficientes. A luta que continua, companheiros, é do poder
pelo poder. Como Nero fez com os cristãos, a intenção dos petistas é de que a
culpa, em caso de eventual fracasso futuro, recaia sobre a gestão do atual
ocupante do Palácio do Jaburu. Só assim, acreditam eles, haveria alguma chance
de vitória quando o Senado julgar, em cerca de 180 dias, o afastamento
definitivo de Dilma.
Coerente com essa tática de guerrilha, a determinação
expressa no Planalto é a de deletar arquivos e sonegar informações sobre a
administração e programas para, nas palavras de Lula, deixar Temer “à míngua”
durante o processo de transição. “Salvem arquivos fora do computador e a
apaguem o que tiver na máquina. Em breve, a pasta será ocupada por um inimigo”,
disse um auxiliar palaciano à ministra da Agricultura, Kátia Abreu, fiel aliada
de Dilma, na semana passada. Nada mais antidemocrático para um partido que, nos
últimos dias, posou como o mais democrata dos democráticos, a bradar contra
fantasmas golpistas, que só existem mesmo na narrativa petista. “Vamos
infernizar o Temer. Agora é guerra”, conclamou Lula em reunião com Dilma na segunda-feira
25. No PT, tarefa dada é tarefa cumprida, principalmente quando o objetivo é o
de promover arruaças e incendiar as ruas. Na quinta-feira 28, coube aos
soldados de Lula a tarefa de começar a colocar o plano em prática. Em pelo
menos nove estados, movimentos como o MST e o MTST que, ultimamente, só têm
fôlego e alguma capilaridade pelo fato de serem aquinhoados pelas benesses
oficiais, puseram fogo em pneus e paralisaram estradas e avenidas, causando
transtornos à população. Além do bloqueio de rodovias, os manifestantes
planejam invasões de terras e propriedades privadas, onde o apogeu será o 1º de
maio.
Sempre que acuado, o PT recorre a esse lamentável
expediente. É a exacerbação do “nós contra eles” que, embora seja frágil para
tirar o lulopetismo das cordas, é eficiente para mobilizar sua militância. Não
seria justo afirmar que o partido esteve sempre na contramão dos anseios e
clamores da sociedade. Mas a retrospectiva mostra que em alguns momentos
cruciais da história – sobretudo quando estiveram em baixa – os petistas não
hesitaram em tomar posições polêmicas para alcançar os seus objetivos muitas
vezes nada republicanos. Em setembro de 1992, ao defender o impeachment do
presidente Fernando Collor, o então deputado federal José Dirceu falou do alto
da tribuna que o PT apresentaria uma agenda de reformas políticas e econômicas
para o Brasil. Foram palavras ao vento. O PT não só não embarcou na coalizão
proposta por Itamar Franco, que assumira o lugar de Collor, como trabalhou
incansavelmente, como faz agora, para inviabilizar o novo governo, desde
pedidos de impeachment à ferrenha oposição feita contra o Plano Real, o pacote
econômico de 1994 que proporcionou a estabilidade econômica do País e que, mais
tarde, viria a beneficiar o próprio PT, ao criar o ambiente propício aos
avanços sociais.
Em 1982, ano das primeiras eleições estaduais após o golpe
de 1964, o partido atacou mais o candidato do PMDB, Franco Montoro, um dos
expoentes do movimento das Diretas Já, do que o candidato apoiado por Paulo Maluf
e pela ditadura militar. Em 1985, o PT se posicionou contra a eleição do
mineiro Tancredo Neves para a Presidência, em eleição indireta na Câmara,
orientando seus deputados a votar nulo. Quem descumpriu a determinação, foi
expulso da legenda. O texto da Constituição de 1988 também foi rechaçado pelo
PT por Lula, com bem lembrou a advogada Janaína Paschoal, uma das autoras do
pedido de impeachment contra Dilma, em sessão no Senado semana passada. “Os
brasileirinhos devem acreditar nesse livro sagrado”, disse ela visivelmente
emocionada e com a Constituição erguida. “Esse é um documento que o PT não
assinou”, rememorou ela. Como se vê, são fartos os episódios na história do
partido que denunciam a postura do quanto pior melhor. Mais recentemente, a
legenda se opôs à criação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), norma
aprovada em 2000 que obrigou governantes a gastarem só o que arrecadam. É uma
legislação muito elogiada, que representou uma mudança de paradigma na
administração pública. Não à toa, quinze anos depois de aprovada a LRF sem o
endosso petista, a presidente Dilma foi condenada no TCU por contrariar a lei,
ao incorrer nas pedaladas fiscais – ironicamente o principal mote do pedido de
impeachment.
As ações do PT na tentativa de sabotar o País extrapolam as
nossas fronteiras. Nas últimas semanas, o partido usou a máquina pública para
tentar disseminar informações falsas a Países e organismos estrangeiros a
respeito do processo de impeachment, com o objetivo de deslegitimar o futuro
governo. O ponto alto, e mais inacreditável, foi quando Dilma, depois de
mencionar a “grave situação”, e contraditoriamente, afirmar ser o Brasil uma
democracia vigorosa, em evento na ONU, pediu a expulsão do País do Mercosul,
caso seja confirmado o seu afastamento. Em grave atentado contra a soberania
nacional, o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o assessor
internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, formalizaram o pedido em
encontro com o secretário-geral da Unasul. Nunca antes na história, um chefe de
Estado ou de governo solicitou graves sanções contra o seu próprio País. Mas,
no governo do PT, tudo virou possível.
As tentativas de desacreditar o futuro governo Temer
começaram antes mesmo da votação do processo de impeachment no plenário da
Câmara dos Deputados, no domingo 17 de abril. Em um discurso duro gravado em
vídeo, a presidente Dilma chamou de “traidores da democracia” os defensores do
seu afastamento e disse que ficará “gravada na testa” de seus adversários a
tentativa de “golpe”. A fala da presidente seria exibida em cadeia nacional na
sexta-feira 15, mas o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da
União (AGU), recomendou que a peça não fosse veiculada porque poderia
caracterizar crime a utilização de recursos federais para que ela fizesse a
defesa de seu mandato. O material, no entanto, acabou vazando e repercutiu
amplamente nas redes sociais. A permanecer nessa toada, Dilma poderá ser
questionada no Supremo por suas investidas. A presidente atenta contra os
outros poderes quando diz que o processo é ilegal. E isso, segundo o artigo 4º
da Lei 1079, é crime de responsabilidade. É impossível sustentar a tese do
golpe como quer o PT. A opinião pública está participando do processo - a Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), por exemplo, manifestou-se pró-impeachment -, os
meios de comunicação dão a devida publicidade ao passo a passo do processo, a
comissão especial da Câmara que analisou o pedido se reuniu em sessões
públicas, o relatório foi ao plenário em sessão aberta. O mesmo ocorre agora no
Senado. Deputados já articulam entrar com recursos na Justiça para que a
presidente seja impedida de acusar a Câmara de golpista, depois de a Casa
votar, ancorada na Constituição, pelo seu afastamento. Não bastassem as
tentativas de obstrução de Justiça, atestada em gravações feitas a pedido do
juiz Sérgio Moro, impedir ou sabotar a atuação do Legislativo também configura
crime de responsabilidade. Numa outra trincheira política, parlamentares
ameaçam provocar o STF caso Dilma confirme a intenção de montar uma espécie de
bunker, no Palácio da Alvorada, depois de afastada pelo Senado. Como se trata
de uma situação inédita no País, a discussão sobre os direitos e deveres de um
presidente afastado vai esquentar nos próximos dias. A questão é: poderá,
Dilma, abrigada em móveis do governo, e utilizando aviões oficiais para suas
viagens políticas, continuar a investir contra poderes constituídos?
Enquanto isso, o ex-presidente Lula critica sem corar a face
quem, até pouco tempo, esteve na sua base de sustentação, sendo alguns deles
parceiros no escândalo do mensalão. Em recente encontro da Aliança
Progressista, Lula disse que “Dilma é vítima de uma aliança oportunista entre a
grande imprensa, os partidos de oposição e a tal quadrilha legislativa, responsáveis,
segundo ele, por uma agenda do caos”. O ex-presidente só se esqueceu de dizer
que “a quadrilha legislativa” a qual ele se referiu tinha assento preferencial
no hotel de onde ele despacha quando os petistas ainda sonhavam em reverter
votos contra o impeachment. Ademais, desqualificar um Congresso que lhe foi tão
útil e benevolente nos últimos tempos e que, independentemente de sua
qualidade, foi eleito pela via democrática, soa como choro de perdedor. Como o
de Nero.