terça-feira, 31 de dezembro de 2019

FELIZ 2020 !

Caros leitores, amigos, mais um ano termina. 2019 foi um ano de muitas conquistas e recordes para o blog Sou Chocolate e Não Desisto, resultado de muito trabalho nestes 14 anos de existência.
A cada ano, ganhamos mais repercussão na internet, entre blogs e sites que reproduzem nossas postagens. Nas redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram, o Blog tem se destacado.
A todos leitores, amigos e parceiros, muito obrigado! Desejo um Ano Novo de realizações, muito amor, paz e esperança. Feliz 2020!. Abraço, Valério Sobral.
Em 2020, o blog Sou Chocolate e Não Desisto completa 15 anos. Vem novidades aí!
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A FORTUNA DO JAIR

Do Blog do Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense

Para encerrar a trilogia de balanço do primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro e desejar um ano-novo melhor para todos, essa é a esperança generalizada na sociedade, nada melhor do que recorrer ao clássico dos clássicos da política moderna: O Príncipe, de Nicolau Maquiavel. Publicada postumamente em 1532, ainda hoje serve de referência para a análise política. Portanto, quando estamos nos referindo à Fortuna, não se trata da evolução patrimonial do clã Bolsonaro, mas das circunstâncias em que chegou à Presidência e nas quais governa. Segundo o sábio de Florença, há quatro formas de chegar ao poder: pela Virtù, pela Fortuna; pela violência e pelo consentimento dos cidadãos.
Virtù e Fortuna formam um par dialético, assim como a força e o consentimento. Obviamente, nas democracias, o consentimento é pré-requisito para a chegada ao poder. Trocando em miúdos, Virtù é a coragem, o valor, a capacidade, a eficácia política; já a Fortuna, a sorte, o acaso e as circunstâncias. A primeira representava o talento pessoal para dominar as situações e alcançar um objetivo, por qualquer meio. Entretanto, a conquista do poder não depende exclusivamente das virtudes individuais, mas também das circunstâncias favoráveis. Na visão de Maquiavel, porém, o poder é mais duradouro quando obtido pela Virtù. Conquistado devido às circunstâncias favoráveis, e não pelo próprio mérito, é instável e destinados a desaparecer em pouco tempo. Maquiavel usou uma metáfora para descrever a Fortuna:
“Comparo a sorte a um desses rios impetuosos que, quando se irritam, alagam as planícies, arrasam as árvores e as casas, arrastam terras de um lado para levar a outro: todos fogem deles, mas cedem ao seu ímpeto, sem poder detê-los em parte alguma. Mesmo assim, nada impede que, voltando a calma, os homens tomem providências, construam barreiras e diques, de modo que, quando a cheia se repetir, ou o rio flua por um canal, ou sua força se torne menos livre e danosa. O mesmo acontece com a Fortuna, que demonstra a sua força onde não encontra uma Virtù ordenada, pronta para resistir-lhe e volta o seu ímpeto para onde sabe que não foram erguidos diques ou barreiras para contê-las.”
Da mesma forma como circunstâncias favoráveis facilitaram a vitória de Bolsonaro — não estou falando da facada que levou em Juiz de Fora, em plena campanha, e seu papel catalisador junto aos eleitores, mas do contexto econômico e político em que as eleições se realizaram —, as condições em que governa poderão selar a sorte de sua gestão. Bolsonaro não pode tudo, não faz o que quer, quando quer e como quer, embora tente, às vezes. Está sendo contingenciado por variáveis que, algumas vezes, o obrigam a recuar ou a desistir de certos objetivos. Um dia desses, Fernando Gabeira, com a argúcia de sempre, chamou a atenção para isso. O melhor exemplo é a política externa. Seu alinhamento com Donald Trump, num primeiro momento, parecia pôr o Brasil em plena Guerra Fria, mas as circunstâncias frustraram objetivos emblemáticos, como a deposição de Nicolás Maduro na Venezuela, transferir a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém, dar as costas ao Mercosul ou entrar em guerra comercial contra a China.
Estado de direito
É o caso também da agenda de costumes de Bolsonaro. O presidente da República está implementando sua plataforma eleitoral, o que implica desmonte das políticas públicas de seus antecessores, em áreas como educação, cultura e direitos humanos. Mas não pode tudo, porque é contingenciado por outros poderes da República, como Congresso, que derruba vetos, engaveta projetos e deixa caducar medidas provisórias, e o Judiciário, como no caso da homofobia, criminalizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Há que se destacar também o papel da alta burocracia federal e outros entes federados, como estados e municípios, na tarefa de mitigar certas ações e propostas do governo que confrontam amplos consensos existentes na esfera pública e na sociedade.
A mesma coisa vale para a economia, por exemplo, ainda que esse seja o ponto forte de seu governo. A eficácia da política ultraliberal do ministro Paulo Guedes tem uma fronteira sinuosa do ponto de vista social: a retomada do crescimento não se dará na escala necessária para resolver o problema do desemprego, até porque o aumento da produtividade das empresas depende muito mais dos insumos tecnológicos e da inovação do que da exploração intensiva de mão de obra. A concentração de renda e a iniquidade social no Brasil não podem ser atribuídas ao governo Bolsonaro, são fruto de um modelo de desenvolvimento que se esgotou e, nos últimos 50 anos, todas as vezes em que buscou altas taxas de crescimento, provocou desajustes estruturais por falta de sustentabilidade.
Mas, na verdade, ao se eleger presidente da República, Bolsonaro virou sócio desses problemas. É contingenciado por eles e, em algum momento, como seus antecessores, será instado pelo povo a apresentar soluções exequíveis. Esse será um momento crucial de seu governo, que submeterá a democracia brasileira a um teste de força, porque a tendência de Bolsonaro, até agora, ao frustrar expectativas populares, tem sido mobilizar seus apoiadores para responsabilizar os demais poderes e a oposição pelas suas dificuldades. O fato é que temos um governo assumidamente de direita num contexto institucional de Estado de direito democrático, essa é a grande Fortuna. Bolsonaro faz um governo contingenciado pela Constituição de 1988; por isso mesmo, não pode ser caracterizado como protofascista, como afirmam certos setores da oposição. Entretanto, quando não respeita o direito ao dissenso e à identidade das minorias, afronta a democracia e legitima essa narrativa.
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DEMOCRACIA, SER OU NÃO SER ?

Hélio Schwartsman, Folha de S.Paulo
Nicolás Maduro é um ditador? Houve golpe na Bolívia? Gostamos de travar esse tipo de discussão em termos binários e essencialistas, mas a verdade é que a democracia é muito mais uma questão de grau do que de ser ou não ser. Não é uma coincidência que tenham se multiplicado nos últimos anos iniciativas, como Freedom House, Polity e V-DEM, para qualificar e mensurar o estado da democracia em cada país.
Nesse contexto, apenas ter uma figura como Jair Bolsonaro na Presidência já representa uma nódoa. Um país cujo chefe de Estado faz pessoalmente bullying contra jornalistas e opera para esvaziar órgãos de controle perde pontos nos quesitos liberdade de expressão e freios e contrapesos. Mas daí não decorre que a erosão democrática esteja ocorrendo em todas as dimensões e muito menos que o Brasil esteja fadado a tornar-se uma tirania.
Vale lembrar, a título de comparação, que os dirigentes que presidiram aos casos mais salientes de esfacelamento democrático, como Viktor Órban e Hugo Chávez, tiveram força para aprovar novas constituições, desenhadas especificamente para favorecê-los. Bolsonaro, neste primeiro ano de mandato, não chegou nem perto de algo assim. Pelo contrário, teve um número surpreendentemente grande de iniciativas barradas tanto no Legislativo como no Judiciário. Nunca antes um presidente viu tantas medidas provisórias caducarem nem tantos vetos serem derrubados.
Isso não é garantia de que a nossa democracia esteja segura. Quanto mais tempo Bolsonaro permanecer no poder e quanto mais apoio popular ele tiver, maior será o desgaste que ele terá condições de impor. Mas o Brasil já ultrapassou o patamar de renda e de anos de vivência democrática em que reversões completas são comuns. O que nos resta é manter a marcação cerrada para evitar que os autoritarismos do presidente se solidifiquem na legislação. Até aqui nós estamos conseguindo. 
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".
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COLEÇÃO DE RETROCESSOS

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

Último dia do ano, hora de discutir o que deu certo, o que deu errado, o que poderia ser melhor. No governo Jair Bolsonaro, a economia andou devagar, mas andou. O problema foi o resto, que andou rápido, mas em marcha a ré. Uma coleção de retrocessos.
A reforma da Previdência foi o grande marco político e econômico de 2019. O grande mérito do governo foi enviar o projeto e o do Congresso foi ter encaminhado, debatido e votado com razoável rapidez e com a menor desidratação possível. Bolsonaro jogou o pacote no Congresso e lavou as mãos, deixando a condução, a negociação, os ajustes e os votos por conta de dois personagens-chave no seu primeiro ano de governo: Rodrigo Maia, do Legislativo, e Paulo Guedes, do Executivo. Com a reforma da Previdência aprovada, abriu-se uma avenida de oportunidades para novas reformas e a própria economia.
A previsão do PIB foi ao fundo do poço em meados do ano, mas recuperou-se e é otimista neste 31 de dezembro. A inflação e os juros estão baixos como nunca e o desemprego continua dolorosamente alto, mas caindo. Logo, as condições são boas. O preço da carne precisa baixar e Bolsonaro tem de parar de atrapalhar.
Quando se fala (ou reclama) em recuos, pensa-se logo em Meio Ambiente, que jogou o Brasil na imprensa internacional e abriu atritos desnecessários com parceiros como França, Alemanha, Suécia. E Bolsonaro também bateu de frente com China, Argentina, Chile, o mundo árabe, além de chegar no Paraguai elogiando Stroessner.
Houve ainda recuos assustadores na Cultura, até na última semana do ano, com o veto ao projeto de incentivo ao audiovisual, e na Educação, que saiu de um ministro inútil para outro que só vê “balbúrdia” nas universidades. Cultura e Educação não são inimigas, presidente! Nem a mídia e os jornalistas.
De tudo isso, fica o histórico de manifestações do presidente da República, ora machistas, ora homofóbicas, ora pró-ditadores sanguinários, ora acusando Paulo Freire de “energúmeno”. Para que? Ninguém sabe, mas o fato é que os filhos vão atrás. Sem citar hienas e “golden shower”, ambas de péssima lembrança.
Por falar nisso, a ida do deputado Eduardo Bolsonaro para a Embaixada do Brasil em Washington foi um sonho de verão para ele e um pesadelo para muita gente, dentro e fora do Itamaraty. E o ano termina deixando em aberto a situação do senador Flávio Bolsonaro, alvo do Ministério Público do Rio de Janeiro e com muitas histórias mal contadas a explicar à opinião pública brasileira. Carlos Bolsonaro? Esse continua lá, tuitando.
Se as pesquisas registram a baixa popularidade do presidente, não captaram o esforço do Legislativo, que trabalhou muito e bem ao longo de 2019. Motivo: continua “dando Ibope” falar mal do Congresso. Faz parte.
Quanto ao Judiciário, esteve no centro da suspeita de um cerco institucional à Lava Jato. Vamos combinar que o fim da prisão em segunda instância e os meses de interrupção de investigações pautadas pelo Coaf foram ataques frontais à maior operação de corrupção, talvez, do mundo. E ambos conduzidos pelo Supremo.
No foco, o presidente Dias Toffoli, determinado a derrubar a prisão em segunda instância e autor da canetada que feriu gravemente a atuação do Coaf e suspendeu as investigações com base na inteligência financeira. O discurso “em javanês” do ministro é um dos destaques de 2019. Cada um conclua o que quiser.
No mais, o governo abriu tudo para os EUA, mas, até agora, ninguém sabe, ninguém viu, no que isso conta a favor dos interesses do Brasil. A olho nu, não se vê pragmatismo, muito menos reciprocidade. Só Trump ri. Não tem graça nenhuma.
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ARMAS E RISCOS

Editorial Folha de S.Paulo
Fiel à promessa de liberalizar a posse e o porte de armas de fogo, o presidente Jair Bolsonaro empenha-se em tentativas de afrouxar normas prudenciais que regem a matéria. Mesmo tolhido pelo Congresso, começa a colher os primeiros resultados —que suscitam inquietação, embora não se veja propriamente motivo para alarme.
Apenas nos 11 primeiros meses de 2019, os registros para a posse elevaram-se em 48% na comparação com o ano anterior completo. Em 2018, foram 47,6 mil inscrições; no ano que se encerra, contavam-se 70,8 mil até novembro.
Com isso, havia em outubro 1.013.139 de registros ativos no Brasil, segundo a Polícia Federal. A cifra, que não chega a ser expressiva diante da população nacional, não inclui armas de caçadores, atiradores e colecionadores, controladas pelo Exército, que recebeu neste ano 65 mil pedidos, incremento de 8% sobre 2018.
Até quem não comunga do entusiasmo infantil dos filhos do presidente com os artefatos letais poderia enxergar aí algum progresso, se a alta dos registros correspondesse a um processo de legalização.
Seria preciso uma dose excessiva de otimismo, porém, para concluir que a proliferação de armas registradas representa uma diminuição de congêneres clandestinas.
Cabe prever, antes, o contrário: a partir de agora há risco de expansão da quantidade de armas ilegais em circulação. Isso porque, dentre as que terminam recolhidas pela polícia, 53% haviam sido furtadas ou roubadas de casas e lojas.
Preocupa, ainda, que o governo tenha ampliado o número de balas e cartuchos que cada colecionador, atirador ou caçador pode comprar por ano —1.000 no caso de calibres restritos e 5.000 nos demais.
Dada a precariedade do controle de munições pelo poder público, imagine-se quantos desses projéteis terminarão no comércio ilegal.
Some-se a isso a facilitação das regras de transporte de armas e a permissão para utilizá-las em toda a extensão de propriedades rurais, coisas que alguns especialistas equiparam a uma generalização disfarçada do porte, antes prerrogativa de raras categorias profissionais sujeitas a risco.
Verdade que a taxa de homicídios no país esteve em declínio acentuado neste ano, ao mesmo tempo em que se multiplicavam as armas guardadas por cidadãos. Nenhum estudioso sério de segurança pública, entretanto, vincularia diretamente uma coisa à outra.
A interpretação de dados, particularmente nesse tema, costuma estar contaminada por preferências ideológicas. Mas há evidências sólidas de que o maior acesso a revólveres, pistolas e outros artefatos eleva o risco de homicídios não justificáveis, acidentes e suicídios.
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VENCEMOS O DESAFIO MAIOR

Pedro Fernando Nery, O Estado de S.Paulo
A principal reforma aprovada na década começou a ser pautada por Dilma Rousseff. Em seu último ano de governo, foi ao Congresso, e conclamou: “nos cabe enfrentar o desafio maior para a política fiscal no Brasil e para vários países do mundo, que é a sustentabilidade da Previdência Social em um contexto de envelhecimento da população.” De fato, amanhã já se completam quatro anos do artigo “Um Feliz 2016 Para o Povo Brasileiro”, em que anunciara a construção de “uma proposta de reforma previdenciária, medida essencial para a sobrevivência estrutural desse sistema que protege dezenas de milhões de trabalhadores”. Anos depois, vencemos em 2019 o que Dilma chamou de desafio maior da política fiscal. A reforma foi promulgada no penúltimo mês deste ano.
A reforma já deveria ter sido tema das eleições de 2014. Mas a propaganda de João Santana para a chapa vencedora falava que direitos não seriam mexidos “nem que a vaca tussa”. Enquanto isso, o opositor falava em “rever” o fator previdenciário – sugerindo acabar com o puxadinho que controlava o gasto na ausência de uma idade mínima.
Ajustes
Já em 2014 os ajustes começaram. Há cinco anos era editada a Medida Provisória 664, que reformava a pensão por morte: seu ponto principal, contudo, foi rejeitado pelo Congresso (a redução da pensão por morte em famílias com poucos dependentes, que terminou constando da reforma da Previdência). A despesa com pensão é equivalente a quase 6 Bolsa Família no conjunto dos regimes.
Em abril de 2015, Dilma criou um fórum interministerial para analisar expressamente a sustentabilidade do sistema e suas regras de acesso, inclusive idade mínima. O fórum concluiu que deveriam ser repensados até a diferença de regras entre homens e mulheres e a previdência rural.
Já em 2016, a mensagem presidencial lida pessoalmente por Dilma na abertura dos trabalhos do Congresso colocara ao centro a reforma da Previdência, o desafio maior. Justificada pela rápida transição demográfica, que pressionava o sistema pela redução no nascimento de futuros contribuintes e aumento da expectativa de vida de beneficiários, foi assim resumida pela Presidente:
“A reforma da Previdência não é uma medida em benefício do atual governo. Seu impacto fiscal será mínimo no curto prazo. A reforma da Previdência melhorará a sustentabilidade fiscal no médio e no longo prazo, proporcionando maior justiça entre as gerações atuais e futura e sobretudo um horizonte de estabilidade ao País.”
Dilma já tinha contra si um processo de impeachment em andamento, quando decidira priorizar uma reforma complexa e pouco compreendida. “De reforma da Previdência não quero nem ouvir falar”, afirmou o presidente do seu partido.
O impeachment precedeu a apresentação da reforma, que ficou para dezembro de 2016, já sob Temer. A PEC 287 foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e na Comissão Especial para analisá-la.
Mas veio o 17 de maio de 2017. Este foi um dia chave para a reforma da Previdência, apelidado no mercado financeiro de Joesley Day. A notícia de que havia uma gravação do ex-delator dono da JBS comprometendo o presidente sugeria um aprofundamento da crise política, com potencial vacância do cargo e eleições indiretas. A Bolsa perdeu 12% em uma hora. Temer se manteve, mas não havia fôlego para levar a reforma a Plenário, que teve de deliberar duas vezes sobre denúncias do Procurador-Geral da República contra o presidente. Perdemos dois anos. (Em 2019, Temer foi absolvido pela Justiça Federal, que avaliou que a transcrição do áudio bomba pela acusação não era fidedigna).
O tema enfrentou campanhas de desinformação. Meu primeiro artigo no Estado, em 2015, se chamava “O negacionismo do déficit da Previdência”. O segundo, em 2016 – “A coisa mais inesperada que acontece a um país” – desmistificava a leitura dos dados sobre expectativa de vida e a visão de que uma idade mínima era prejudicial aos mais pobres.
No novo governo, a reforma foi adiante: Bolsonaro se convenceu de sua necessidade, Paulo Guedes trouxe Rogério Marinho para tocá-la e o Ministério da Economia liderou o processo no governo (o que não era óbvio: na campanha bolsonarista o responsável pelo tema era um então desconhecido professor da Unifesp de ideias exóticas).
Os esforços desta década deixam frutos para a próxima. Impactos imediatos foram sentidos na queda do risco-país, dos juros longos, da taxa básica de juros e no rali da Bolsa. Na análise recente da XP, a reforma construiu a base para uma retomada mais forte a partir de 2020, com um “novo ciclo econômico” – marcado pela baixa sustentável dos juros. A dívida pública seria estabilizada nos próximos anos, reduzindo muito o risco de insolvência: “O Brasil não está mais quebrado e isso é transformacional.”
* Doutor em economia
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O ANO EM FIGURINHAS

Claudia Tajes, Folha de S.Paulo
Se fosse preciso escolher um jeito de traduzir 2019, não o faria em imagens, palavras ou gestos —a arminha vem de outros Carnavais. Seria por stickers, as figurinhas que tomaram conta do WhatsApp tanto quanto as fake news no ano passado.
No começo, eram uma espécie de dialeto “xóvem”, com chihuahuas estropiados, gatos empoderados, ex-celebridades de segunda linha e uma galeria de anônimos com expressões e legendas para todas as ocasiões. Que mãe não perguntou ao filho onde ele andava e levou uma figurinha do Queiroz como resposta? Não demorou para os stickers caírem no gosto geral. Zoeira pura, elas falaram pelo Brasil em 2019.
Em vez de desculpas furadas, uma figurinha da Gretchen. Para cortar um assunto chato, uma figurinha da Gretchen. Para mostrar vergonha alheia, uma figurinha da Gretchen. Para o crush, uma figurinha da Gretchen. Gretchen foi a ministra da Comunicação moral de 2019.
Para comentar as bombas políticas e econômicas do ano, uma figurinha da Dilma —plena, pleníssima. Agora tem a do Chico Buarque num jogo de futebol: “passa pro Lula, ele tá livre”. A do Paulo Guedes, meiga: “gostei de vc, vô te privatizá por último”. E DiCaprio com ar enigmático: adivinha quem ensaboou o banheiro?
As figurinhas seguem suas próprias regras gramaticais, e todas estão erradas. Mesmo assim, a gente as salva porque sabe que um dia serão úteis. Acompanhando os piores closes e os ângulos mais toscos de tudo e de todos, legendas que dispensam pontos, vírgulas e outros caprichos da língua. Que Deus lhe guarde e se esqueça onde.
Como cabe tanto feladaputa nesse planeta? E eu lá quero sua amizade caraio. Disse pouco mas disse bosta. Pago até um Uber pra vc ir sifudê. Cortella, Karnal e Pondé brilharam em 2019, mas nada superou a filosofia das figurinhas.
Curiosamente, mas nem tanto, até Flávio Bolsonaro —não esqueçamos o sobrenome para deixar bem claro de que Flávio falamos— atolar no chocolate e ter sua cara de pau inserida no corpo do Willy Wonka, a família do barulho não virou figurinha. Nem poderia. Piada sem o mínimo de inteligência não vale a viagem.
Que 2020 traga motivos para a gente rir de verdade, e não de nervoso. De sem graça já basta tudo, e o atentado ao Porta dos Fundos fecha o ano com chave de nióbio. Figurinha da Gretchen encerra: “ceis tão pensando que aqui é bagunça kct?”.
Claudia Tajes
Escritora e roteirista, tem 11 livros publicados. Autora de "Macha".
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segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

AS MANEIRAS DE CAIR

Artigo de Fernando Gabeira
Neste fim de ano, deixei de escrever resenhas para entender o que se passou no Brasil, apenas através de linhas gerais. Examinei o governo Bolsonaro, a novidade de 2019, comparando-o com o de Margaret Thatcher na Inglaterra.
Destaquei três pontos nos projetos de ambos. O primeiro e decisivo é a promessa de soltar as amarras do mercado. O segundo, a decisão de impedir que o adversário jamais volte ao poder, no caso inglês o Labour Party. E, finalmente, o terceiro, uma vontade de recuar a um passado idílico nos costumes.
Thatcher disse numa entrevista de TV que admirava os valores vitorianos e gostaria de vê-los de novo na Inglaterra. Apesar do avanço econômico, as coisas deram um pouco errado para Thatcher. O Labour voltou com Tony Blair, e o avanço do mercado acabou sepultando os traços morais do passado que ela queria reviver.
Como já cumpri esta tarefa de examinar o conjunto, deixei de tocar num tema que é muito presente no Brasil. Na verdade, queria levá-lo para o ano que vem, no capítulo restos a pagar. No entanto, a aparição de centenas de peixes-pênis na praia de Drakes, na Califórnia, acionou de novo sua atualidade.
Os peixes-pênis, na verdade, são vermes que engordam e assumem essa forma. Se aparecessem no Brasil, talvez fossem saudados pelo governo, que é um dos mais fálicos da História de Brasil, no sentido de associar o pênis ao exercício do poder.
Os fatos estão aí desde o princípio. Num momento é o golden shower; num outro, o presidente Bolsonaro faz piada com o tamanho do pênis dos orientais. Recentemente, uma fala gravada de Fabrício Queiroz avisava aos funcionários de Flávio Bolsonaro: o MP preparou uma pica do tamanho de um cometa para enterrar em nós.
O pênis é um instrumento de poder e agressão. Isso tem inúmeras outras implicações. A primeira consequência histórica é o divórcio cada vez mais profundo entre essa corrente bolsonarista e as mulheres.
A fixação se extravasa também para a política de armas, não só nos projetos que detonam o Estatuto do Desarmamento, mas também nos gestos cotidianos. Estão sempre esticando os dedos para um tiro hipotético, ou então usando armas ostensivamente em lugares onde não têm nenhuma função, como um quarto de hospital
Faz parte da mesma atitude o horror aos homossexuais. Bolsonaro disse para um repórter que ele tinha uma cara terrível de homossexual. Ele costuma usar terrível de uma forma ambígua, como usamos bárbaro, por exemplo.
Independentemente do adjetivo, ele parece ver, e disse no passado, o homossexualismo como uma tragédia familiar. Tudo isso, teoricamente, pode ser trabalhado com o tempo. Não sei se o resultado será bom, nem quanto tempo vai durar.
Bolsonaro caiu no banheiro e perdeu momentaneamente a memória. Sei o que é isso, porque ja caí também num hotel de Porto Velho, em Rondônia. Essa história de mudar de hotel nos engana; às vezes, no lusco-fusco noturno, fazemos o trajeto do hotel anterior. O resultado é doloroso. Assim é também na vida, enfrentar novas situações com o roteiro do passado.
Essas quedas são perigosas. Podem atingir o hemisfério direito do cérebro e causar transtornos. O país esteve em risco, de certa forma.
No livro “O homem que confundiu sua mulher com um chapéu”, o grande psiquiatra Oliver Sacks, morto recentemente, conta um caso curioso. Seu paciente, atingido no cérebro, não conseguia mais distinguir entre pessoas e objetos, a própria perna com o sapato, por exemplo.
Felizmente, nada aconteceu de grave com Bolsonaro. Mas se a queda levasse a parte de sua memória onde se concentram todos esses dramas, talvez pudesse acordar despreocupado com tamanhos de pênis, orientações sexuais diferentes.
Certas quedas no banheiro não servem para nada. Senti apenas muita dor nas costas, e os enfermeiros do hospital público quase arruinaram meu braço, pois aplicam injeções em muitos ao mesmo tempo.
Não esqueci nada, nem aprendi nada. O que não impede de desejar que os outros sejam mais produtivos em suas quedas. O cérebro humano é tão fantasticamente complicado que não custa nada esperar por um milagre.
Estamos num fim de ano, hora de olhar as coisas de forma positiva. Em 2020, que sejamos como um capoeira, que, como dizia Vinicius de Moraes, não cai, mas se um dia ele cai, cai bem.
Artigo publicado no jornal O Globo em 30/12/2019
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CONFRONTOS ESTÉREIS

Editorial Folha de S.Paulo
Principal instituição federal na área do ensino básico, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação dispõe de um dos maiores orçamentos do Executivo, acima dos R$ 30 bilhões anuais. Apenas neste primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, o FNDE já passou pelo comando de três presidentes.
O padrão caótico não se limita aos escalões inferiores. O presidente já nomeou dois titulares para o MEC e, segundo se noticia, poderá escolher em breve um terceiro —e nem mesmo haverá motivo para lamentar a descontinuidade de algum trabalho ora conduzido por Abraham Weintraub.
descalabro na pasta não se limita, infelizmente, à alta rotatividade da qual não raro participam personagens de baixa qualificação ou parca experiência.
No ensino básico, cujo provimento cabe principalmente aos estados e municípios, o papel do governo federal é, além de complementar recursos, avaliar a qualidade e propor diretrizes. Pouco ou nada se observa nesse sentido.
Num exemplo, discute-se no Congresso a renovação e a reforma do Fundeb, que financia escolas de regiões pobres com ajuda da União. O mecanismo depende de mudança constitucional e regulamentações para que continue em vigência a partir de 2021. Há pressa, pois.
Durante quase o ano inteiro, parlamentares discutiram o tema com o Ministério da Economia. Faz pouco, para estupefação geral, Weintraub falou vagamente em apresentar uma nova proposta de emenda à Carta —hipótese que, levada a sério, elevaria o risco de colapso no financiamento da educação.
Tampouco se percebe um plano objetivo para a melhoria da alfabetização de crianças. Lançou-se por decreto, no início do ano, uma nova política nacional, cujos detalhes de implementação permanecem desconhecidos. 
Não há estratégia, dinheiro definido, metas ou diálogo para que tal iniciativa, que também depende dos demais entes federativos, tenha efeito no ano didático de 2020 —e registre-se que a alfabetização constitui prioridade declarada do governo Jair Bolsonaro.
Existem promessas de criação milionária de vagas no ensino técnico, mas não articulação com estados e municípios, que dirá dinheiro, para levar a ideia além do devaneio. Permanece vago e incerto até mesmo um programa da predileção do presidente da República, as escolas cívico-militares, capricho sem fundamento técnico.
O que parece mover Weintraub de fato é a picuinha —à qual procura dar ares de batalha— político-ideológica, motivo frequente de sua verborragia nas redes sociais.
Tome-se o caso de novo mau desempenho do Brasil no exame internacional Pisa, que a cada três anos avalia alunos de 15 anos em leitura, matemática e ciências. Ao comentar os resultados de 2018, o ministro limitou-se a um proselitismo raso: a culpa seria do PT e da doutrinação esquerdista.
Esse ânimo se mostra mais evidente quando se trata do ensino superior, um dos alvos preferenciais do bolsonarismo.
Os insultos gratuitos às universidades públicas, seus professores e estudantes transformaram em crise o que deveria ter sido uma mera imposição orçamentária —o bloqueio de cerca de R$ 2 bilhões em verbas das instituições, promovido no início do ano e já revertido.
O governo estava ainda em seu quinto mês quando ruas do país foram tomadas por protestos em defesa da educação, uma preocupação que não pode, de fato, ser minimizada nas atuais circunstâncias.
Lançou-se em julho um projeto, batizado de Future-se, com o objetivo, sensato em teoria, de levar mais dinheiro privado para os estabelecimentos públicos. Entretanto a iniciativa, que carecia de diálogo e solidez técnica, nem mesmo chegou ao Congresso até aqui.
Padrão semelhante de mandonismo hostil se nota em medida provisória, editada na véspera de Natal, que pretende alterar o processo de escolha de reitores das universidades federais.
O texto determina que o voto dos professores terá peso de 70% na formação de uma lista tríplice a ser submetida ao presidente, impedindo consultas paritárias entre docentes, alunos e funcionários.
Se não há dúvida que o sistema atual de eleições tem o defeito de estimular o corporativismo, seu redesenho demanda debate amplo que não cabe nos 120 dias de tramitação de uma MP.
A opção por tal instrumento, no apagar das luzes de 2019, parece mais um sinal de que na educação o confronto estéril substituiu a gestão e o planejamento.
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domingo, 29 de dezembro de 2019

MORRE NILCÉA FREIRE

Do G1
A ex-secretária Especial de Políticas para as Mulheres Nilcéa Freire morreu neste sábado (28), aos 67 anos, no Rio de Janeiro. A informação é do diretório fluminense do PT. Médica, professora e pesquisadora, ela foi também reitora da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
Na área de políticas públicas para mulheres, Nilcéa atuou em questões como a flexibilização das leis relativas ao aborto, a generalização do serviço disque-denúncia mulher e das delegacias e varas especiais das mulheres para a efetiva aplicação da Lei Maria da Penha.
Com a posse de Lula na presidência da República em janeiro de 2003, foi criada a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), com status de ministério, incorporando o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), até então subordinado ao Ministério da Justiça.
Em 2004, Nilcéa assumiu a chefia dessa secretaria, e foi responsável pela realização da 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, que teve como um dos resultados o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Ela permaneceu no cargo até o fim do governo Lula, em 2010.
Cotas
Em 1999, Nilcéa venceu as eleições da Uerj, tornando-se a primeira mulher a ocupar o cargo de reitora de uma universidade pública no estado.
Durante sua gestão, que foi até dezembro de 2003, Nilcéa implantou o projeto pioneiro de cotas para estudantes de escolas públicas e afrodescendentes na universidade. Em 2012, a política de cotas foi estendida para todas as universidades e institutos de educação federais do país.
Exílio no México
Nilcéa nasceu no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, no dia 14 de setembro de 1952, filha de Moacyr Freire e de Yolanda da Silva Freire.
Ingressou no curso de medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 1972. Nesse mesmo ano ingressou no Partido Comunista Brasileiro (PCB), que se encontrava na ilegalidade, e nele permaneceu até 1979.
Ameaçada pelos órgãos de repressão em virtude de sua atuação contra a ditadura militar, exilou-se no México, onde viveu de 1975 a 1977. De volta ao Brasil, participou dos movimentos pela redemocratização do país e continuou os estudos na Uerj. Formou-se em 1978 e fez residência médica nos dois anos seguintes.
Em 1989, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT).
Repercussão
Na manhã deste domingo (29), amigos e políticos lamentaram a morte de Nilcéa através de redes redes sociais. "Meus sentimentos à família, amigos/as e admiradores/as da nossa grande guerreira Nilcéa Freire, que nos deixou na noite deste sábado. Nilcéa PRESENTE!", disse a ex-ministra Benedita da Silva.
A atriz e produtora Tássia Camargo, também lamentou a morte. "Recebo a triste notícia da morte da grande amiga, mulher guerreira. Agradeço esta querida pelo carinho que sempre teve por mim. Claro, eu por ela. Realizou tantas coisas importantes para as mulheres, para o país. Minha amiga querida, descanse em paz e até".
Nota do Partido dos Trabalhadores:
O Partido dos Trabalhadores do Rio de Janeiro comunica e lamenta o falecimento da companheira Nilceia Freire, ex-Secretária Especial de Políticas para as Mulheres do governo Lula. Nilcéa faleceu esta noite no Rio de Janeiro, onde também atuou como médica, professora, pesquisadora, reitora da Uerj, dentre outras funções que desempenhou ao longo de sua trajetória.
Nilcéa Freire fez do Brasil uma liderança na área de políticas públicas para mulheres, tornando-se referência. Como secretária, realizou a I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, que reuniu mais de 120 mil mulheres de todo o país e, em consequência dessa mobilização, publicou, no final de 2004, o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Sob sua condução, foram implementadas as mais relevantes políticas públicas voltadas às mulheres da história do Brasil até o momento.
Mulher de luta pela vida até o fim, Nilcéa Freire deixa uma lacuna na militância feminista brasileira. Deixa plantadas as sementes daquilo que lutamos para ver florecer. Nilcéa Freire, Presente!
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O DIABO NOS DETALHES

Merval Pereira, O GLOBO
Ainda teremos muita discussão até a implantação do juiz de garantias, que vai dividir os processos criminais com um juiz de julgamento. Afinal, o diabo está nos detalhes, e é disso que tratam os membros do grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça, reunidos pelo presidente Dias Toffoli para regulamentar a medida.
Mas os juristas que a aprovam acham que está havendo muito barulho por nada. Foi o que disse, por exemplo, o presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, ministro Dias Toffoli, para quem a implantação do sistema é “perfeitamente factível”. O ministro Gilmar Mendes, também do STF, é da mesma opinião, e considera que a medida “é mais fácil de implementar do que parece”
Outro ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, ressalva que a proposta não estava no seu projeto, nem no do Moro. Ele considera que não é urgente a adoção de tal instrumento, mas também acha um absurdo dizer que ele é inconstitucional, como alegam a Associação dos Magistrados do Brasil e a Associação dos Juízes Federais.
Moraes e Gilmar conversaram ontem sobre o tema, e algumas sugestões foram passadas para Toffoli, especialmente por Alexandre de Moraes, que tem conhecimento da experiencia com esse instrumento em São Paulo.
Sugere, por exemplo, para a Justiça estadual, onde a instalação será mais difícil, a criação de um Juizado de Garantias, com alguns juízes só para essa tarefa, no estilo do que já existe em São Paulo no Departamento de Inquéritos Policiais (DIPO).
Esse Juizado se instalaria na sede da circunscrição, com competência para todas as Comarcas que dela fizerem parte. Em São Paulo, são 13 uízes no DIPO, que fazem toda a parte de garantia do Foro Central (crimes de reclusão), com 60 juízes. Além disso, fazem todas as audiências de custódia.
Esse, alias, é outro ponto controverso da lei anticrime aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Bolsonaro. Por ela, qualquer preso tem que ser apresentado a um juiz de custódia em 24 horas, caso contrário o preso terá que ser libertado. Essa exigência já existe no Código de Processo Penal (CPP), mas a nova lei a reafirma para impedir que seu descumprimento seja normalizado.
Há quem considere que os Juízes de Garantias não terão tempo hábil para realizar também as audiências de custódia, e que o exemplo do DIPO paulista não pode ser disseminada pelas comarcas brasileiras, muitas das quais têm apenas um juiz, e muitas nem isso, o que ocasionará um congestionamento de processos.
Em São Paulo, e nas principais cidades e capitais, os processos são todos digitalizados, mas esta não é a realidade do país, alegam os críticos. Alexandre de Moraes considera que com 20 juízes para todo o interior paulista, divididos nas 10 regiões que já existem para fazer execução criminal, o problema estará resolvido.
A Justiça criminal ficaria dividida em Juizados especiais, que são excetuados pela lei, e Juízes de garantia/processo. A lei prevê o rodízio nas comarcas em que há apenas um juiz, mas não traz detalhes de como isso funcionará. O ministro Sérgio Moro, que não escondeu sua decepção com a sanção da figura do juiz de garantias, voltou ontem ao Twitter para ironizar:
“Leio na lei de criação do juiz de garantias que, nas comarcas com um juiz apenas (40 por cento do total), será feito um ‘rodízio de magistrados’ para resolver a necessidade de outro juiz. Para mim é um mistério o que esse ‘rodízio’ significa. Tenho dúvidas se alguém sabe a resposta”.
Não há uma concordância entre os ministros do Supremo sobre o alcance da medida. Como o ministro Marco Aurelio Mello declarara, o presidente do Supremo acha que a aplicação do instituto do juiz de garantias não vale para os processos em curso e, portanto, não atinge os abertos contra o ex-presidente Lula e o senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente.
Outros ministros, como Celso de Mello e o próprio Alexandre de Moraes, acham que sim. Os advogados criminalistas poderão reivindicar ao Supremo um tratamento isonômico, pois no artigo 3 D está dito especificamente que juizes que tiverem tido acesso às investigações não poderão julgar o caso, terão que se considerar impedidos. Esta seria uma causa de nulidade da decisão.
Toffoli e Gilmar entendem também que a decisão só vale para a primeira instância, não havendo necessidade para os tribunais regionais, e muito menos para os tribunais superiores, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o STF.
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sábado, 28 de dezembro de 2019

PACOTE VETADO

Editorial Folha de S.Paulo
Não surpreende que o chamado pacote anticrime tenha sido amplamente modificado desde que saiu das mãos do ministro Sergio Moro, da Justiça, no início do ano. Os acostumados aos meandros democráticos já esperavam que isto ocorresse, em especial em um projeto de tamanha envergadura.
Reduzido durante a tramitação no Congresso Nacional, o texto foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro com 22 vetos. Alguns deles, sensatos —caso do aplicado à obrigatoriedade de custeio pelo Estado de defensor para agentes de segurança sob investigação.
Outros, bem menos. O mandatário rejeitou o direito do preso de readquirir com o tempo a condição de bom comportamento após uma falta grave, o que contraria o caráter progressivo do regime.
Estranha, ademais, que um governo que se diz preocupado com violência tenha preferido não tornar qualificado o homicídio cometido com o emprego de arma de uso restrito ou proibido.
Moro, o ministro mais popular do governo, tratou de minimizar o revés: “Não é o projeto dos sonhos, mas contém avanços”, declarou. O texto atual, na verdade, é melhor que o original.
É digno de aplauso que, ao longo do exame legislativo, tenha caído o chamado excludente de ilicitude, em parte por habilidade dos parlamentares, em parte por pressão da sociedade civil. A lei já prevê a legítima defesa e, num país com índices recordes de violência policial, seria descabido reduzir ou eliminar a punição pelo seu excesso.
Chama a atenção que Bolsonaro tenha acatado apenas pequena parcela das recomendações de veto da pasta da Justiça. Também notável foi o recado do presidente, em raro tom conciliatório: “Não posso sempre dizer não ao Parlamento, pois estaria fechando as portas a qualquer entendimento”.
Restam incertezas quanto a temas que ainda serão avaliados em separado. É o caso da prisão após condenação em segunda instância, objeto de propostas de emenda constitucional no Congresso.
Outros dispositivos demandam maior clareza sobre sua  implementação. É o caso do juiz das garantias, incluído no texto pelos congressistas e mantido por Bolsonaro contra a vontade de Moro. Responsável por atuar na fase de investigação criminal, esse profissional não julga os casos, o que ficará a cargo de outro magistrado. 
Surgiu imediata celeuma em torno do assunto —favoráveis ao instituto apontam o objetivo de contenção da parcialidade judicial, enquanto críticos duvidam de sua viabilidade administrativa e orçamentária. Caberá às autoridades, notadamente o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), esclarecer como a regra poderá ser posta em prática.
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O TOMBO

Do Blog do Luiz Carlos Azedo, Correio Braziliense
Durante cinco anos, o presidente Jair Bolsonaro fez parte da principal unidade de elite do Exército Brasileiro, a Brigada de Infantaria Paraquedista, no Rio de Janeiro, na qual aprendeu a saltar nas mais diversas condições adversas. Quem tem medo de altura ou falta de preparo físico nem se candidata à PQD, um corpo de voluntários. A passagem pela tropa marcou profundamente o comportamento do presidente da República — “quero a insegurança e a inquietação, quero a luta e a tormenta”, diz a canção dos paraquedistas —, mas nem por isso Bolsonaro ficou livre do mais comum e letal acidente doméstico: cair no banheiro.
A queda que sofreu às vésperas do Natal, na banheira do Palácio da Alvorada, engrossou as estatísticas de acidentes domésticos com registro hospitalar. Bolsonaro chegou a ser internado no Hospital das Forças Armadas, onde fez exames e passou a noite em observação (“Eu perdi a memória parcial, hoje de manhã, eu comecei a recuperar muita coisa e agora estou bem. Eu não sabia, por exemplo, o que tinha feito no dia de ontem. Caí de costas, escorreguei para frente e caí de costas”, disse o presidente, em entrevista na TV Band, depois de receber alta). O exame de tomografia computadorizada do crânio, porém, não detectou alterações, afirmam os médicos.
Segundo estudos, as quedas são a terceira principal causa de mortes por causas externas — a primeira são os acidentes de trânsito (23%); a segunda, os homicídios (18,9%). Em 2010, eram 2.520 mortes (10%). Em 2016, esses números saltaram para 3.361 óbitos, taxa de 15% dos casos. A maioria envolve idosos com mais de 65 anos. Das 3.361 mortes, mais da metade (1.809) foram relacionadas a pessoas com mais de 75 anos. No Brasil, 30% dos idosos caem ao menos uma vez ao ano. A falta de prevenção está entre os principais fatores que fazem com que as quedas sejam tão frequentes. Os idosos representam 25% dos casos de internação devido a quedas; desses 25%, 63% foram a óbito.
O acidente com Bolsonaro mexeu comigo na véspera do Natal. No sábado de carnaval passado, perdi um grande amigo, o arquiteto Bruno Fernandes, mais jovem do que eu, em decorrência das sequelas de um traumatismo craniano provocado por um acidente doméstico: escorregou na escada que leva à piscina de sua casa, na Ladeira do Sacopã, e bateu a cabeça num dos degraus, entrando em coma. Operado, passou por longa internação e, já em casa, quando se recuperava, teve uma morte súbita.
Outro grande amigo, o advogado e ex-deputado Marcelo Cerqueira, há alguns anos, ficou tetraplégico em decorrência de um acidente ainda mais banal: levantou à noite para ir ao banheiro, no escuro, e bateu com a cabeça na porta do quarto entreaberta antes de alcançar o interruptor da luz. Ao cair, fraturou a coluna cervical. Havia estado com ele no ano-novo, no apartamento na Avenida Atlântica, onde ainda recepciona os amigos para ver os fogos de artifício de Copacabana; uma hora após a virada, ele havia saído para nadar “100 braçadas mar adentro”, o que fazia todas as manhãs.
Segurança
Quedas ocorrem em decorrência de doenças, hábitos, condição física, dieta e fatores extrínsecos, como condição de vias públicas, decoração dos ambientes e pisos domésticos. Muitas vezes, a queda é causada por AVC, hipotensão, anemia, polipatologias, alteração na visão e/ou no equilíbrio, uso excessivo ou equivocado de medicamentos e, principalmente, perda de força muscular (especialmente nas pernas) e falta de elasticidade e resistência. Às vezes, coincidem com os riscos do local: pisos escorregadios, calçamento irregular, escadas, tapetes, excesso de móveis nos ambientes ou uma banheira das antigas, como a do Palácio da Alvorada. Até mesmo um sapato velho ou tênis molhado podem provocar uma queda.
Bolsonaro já é um sobrevivente da facada que levou durante a campanha e das cirurgias às quais foi submetido em decorrência das sequelas do atentado. Um colega repórter fotográfico registra quase religiosamente todas as solenidades oficiais do Palácio do Planalto. É um especialista nos detalhes que fazem a diferença entre uma foto de capa de revista e uma imagem trivial. Coleciona fotos de autoridades em situações, digamos, desconfortáveis. Em algumas, Bolsonaro aparenta cansaço, mal-estar ou mesmo dor.
Ao contrário do presidente Tancredo Neves, que morreu sem tomar posse, e outros políticos que escondiam as doenças, Bolsonaro não foge dos seus médicos. A nota oficial do Palácio do Planalto, porém, é lacônica demais, diante dos comentários feitos pelo próprio presidente da República sobre a queda que sofreu. A causa do tombo pode ter sido mesmo um simples escorregão, mas Bolsonaro não é mais um capitão paraquedista. Precisa de um banheiro mais seguro. A Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa, do Ministério da Saúde, lista medidas de prevenção: claridade, tapete antiderrapante, barras de apoio, campainha e nunca trancar a porta.
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sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

UM ANO MEIO MALUCO

Artigo de Fernando Gabeira
No último artigo do ano, não queria fazer uma resenha. Apenas me ater a uns traços mais gerais para explicar como chegamos até aqui e para onde, possivelmente, estamos nos dirigindo.
Tentei a forma clássica de explicar o que vejo aqui pesquisando os analistas mais amplos que tentam entender o mundo, os fenômenos que repercutem em muitos lugares, inclusive no Brasil.
Ao ler um deles, o sociólogo Ulrich Beck, autor de A Metamorfose do Mundo, deparei-me com o seguinte argumento que considera o ritmo das mudanças atuais muito mais rápido que os efeitos, por exemplo, da Revolução Francesa: A metamorfose do mundo ocorre com uma velocidade realmente inconcebível: em consequência, está ultrapassando e esmagando não apenas pessoas, mas instituições. É por isso que a metamorfose que acontece nesse momento, diante de nossos olhos, está quase fora da conceituação da teoria social. Por isso que muitas pessoas têm a impressão de que o mundo está louco.
Modestamente, o que me resta é descobrir alguns pontos em que a loucura mundial se entrelaça com a brasileira e que tipo de iguana nasce desse cruzamento.
A novidade do ano de 2019 foi a mudança de governo, início de uma nova etapa. Ela apresentou inúmeros pontos de contato com os Estados Unidos, expressando um divórcio quase hostil entre as pessoas comuns e os intelectuais e acadêmicos. Elas parecem cansadas de ter alguém pensando por elas, indicando caminhos, dizendo o que pode ou não ser feito.
A frustração econômica e o desencanto com a política estenderam-se também à elite intelectual, considerada uma parte do sistema.
A internet teve um peso decisivo ao dar voz a milhões de pessoas. O avanço tecnológico não apenas favoreceu a democracia, mas tem também suas consequências negativas. Pessoas que, como lembra Umberto Eco, destilavam seu ódio ou suas bobagens num botequim agora o fazem em cena aberta.
No caso brasileiro, a desconfiança em relação aos intelectuais estendeu-se também aos cientistas, questionados por novos interlocutores, que vão desde quem nega o aquecimento global até quem crê no terraplanismo.
Apesar desses elementos perturbadores, a experiência do primeiro ano de Bolsonaro pode ser comparada ao governo Margaret Thatcher, ambos liberais dispostos a soltar as amarras do mercado. No plano político, o principal objetivo de Thatcher era impedir a volta dos trabalhistas ao poder; o de Bolsonaro, impedir a volta do PT. Thatcher começou por enfraquecer os sindicatos, questionando os acordos salariais coletivos, um dos seus instrumentos, segundo a visão liberal. Bolsonaro já encontrou uma reforma trabalhista quando assumiu. No caso brasileiro, ela continha um elemento também duro para os sindicatos: o fim do imposto sindical, algo que até o PT aceitava nos seus primeiros anos.
A julgar pelos primeiros passos este ano, a política liberal vai se impondo. A de Thatcher foi, de certa forma, vitoriosa, com mudanças irreversíveis na economia inglesa.
Um outro ponto de contato entre Bolsonaro e Thatcher se dá nas suas expectativas sobre os costumes. Em janeiro de 1983, Thatcher declarou numa entrevista de televisão sua crença nos princípios vitorianos e uma esperança de que fossem revividos na Inglaterra.
Ela não imaginava que o movimento de soltar as amarras do mercado iria levá-lo muito distante do passado idílico que pensava reviver. Na verdade, o avanço do capitalismo ajudou a sepultar os traços dos tempos que sonhava reencontrar. Thatcher talvez tivesse os instrumentos intelectuais para perceber esse rumo histórico. Tenho dúvidas sobre Bolsonaro.
E aqui acaba a comparação.
Bolsonaro quer voltar a valores que muitos sonham reviver. Mas ele vive a ilusão de uma forma especial e com estilo grosseiro, atacando a imprensa, trazendo a mãe dos outros para a conversa e ofendendo homossexuais – enfim, o arauto de um novo horizonte moral é, na verdade, um ator obsceno, não apenas nas suas palavras, como nas postagens.
Imaginem o espanto da vitoriana sra. Thatcher diante de um vídeo do golden shower.
Um aspecto singular do governo Bolsonaro é ter usado a bandeira da anticorrupção. Neste ponto, a experiência do ano o aproximou mais de Collor. Ambos desfraldaram a mesma bandeira, ambos se viram às voltas com denúncias que os desmascaravam.
Bolsonaro enfrenta o caso do filho Flávio e do amigo Queiroz. É caso que envolve família, funcionários fantasmas, rachadinhas. Suas grosserias na entrevista na porta do Palácio da Alvorada indicam para o observador que sentiu o golpe.
Diante destes traços gerais, destaco uma variável que potencialmente pode definir o futuro. A tensão entre uma política econômica que, com alguma sensibilidade, pode vingar e o comportamento disruptivo de Bolsonaro.
Surge uma pergunta que pode ser feita de duas formas: até que ponto os erros de Bolsonaro vão emperrar o projeto econômico? Ou: até que ponto o avanço da política econômica consegue amortizar o desgaste de Bolsonaro, tornando tolerável um comportamento agressivo e desrespeitoso, ou mesmo a revelação conclusiva de um esquema de desvio de verbas públicas?
A política liberal conta com o apoio do Congresso. Mas ali as coisas costumam mudar muito ao sabor dos acontecimentos políticos.
Por fim, um foco de tensão entre o econômico e o político está na questão ambiental. Estamos diante de um mundo que dá importância a isso. Até que ponto um liberalismo econômico ainda tenro se sustenta num mundo globalizado hostilizando o consenso científico e político internacional sobre as mudanças climáticas e ironizando a preocupação planetária com a Amazônia?
Não sei se entendi bem o ano que acaba, tudo o que tenho são algumas ideias gerais para não perder completamente o ano que entra.
Artigo publicado no Estadão em 27/12/2019
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GUINADA E COLISÃO

Editorial Folha de S.Paulo
“Libertaremos o Brasil e o Itamaraty das relações internacionais com viés ideológico a que foram submetidos nos últimos anos.”
A sentença foi lida por Jair Bolsonaro em seu primeiro pronunciamento formal após ser eleito presidente, no dia 28 de outubro de 2018. Pouco mais de um ano depois, o Itamaraty está mais do que nunca atado a visões ideológicas.
A ruptura com o antiamericanismo mais pueril dos anos petistas começara já na gestão de Dilma Rousseff e se acentuara sob Michel Temer (MDB). Bolsonaro exacerbou o processo —jogando fora tanto esquerdismos quanto uma desejável isonomia diplomática.
À primeira vista, as sandices antiglobalistas da trupe que assumiu as relações exteriores, formada por discípulos do escritor Olavo de Carvalho, poderiam parecer mera retórica, sem impacto concreto.
Entretanto foi do órgão comandado por dentro pelo chanceler Ernesto Araújo e por fora pelo deputado e filho 03 Eduardo Bolsonaro, com palpites do assessor Filipe Martins, que partiram algumas das crises mais palpáveis do ano.
O presidente expressou seu desejo de alinhar-se tão automaticamente quanto possível às políticas do americano Donald Trump, seu modelo declarado de governante.
Disso saiu um sem-número de concessões e frustrações: a vaga que não veio na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a isenção unilateral de visto de entrada para cidadãos dos EUA, a permanência do veto americano à carne brasileira, o apoio ao embargo a Cuba.
A fechar o ano, a ameaça —não cumprida, ao menos até aqui— de taxação das compras de aço e alumínio do país por Trump.
Até a estabanada —frustrada— tentativa de elevar o neófito Eduardo Bolsonaro à condição de embaixador em Washington foi calcada numa suposta proximidade pessoal das famílias presidenciais.
Por óbvio, convém manter boas relações com a maior potência econômica e militar do mundo. Daí à genuflexão há distância, contudo.
Na América Latina, Brasília afastou-se do papel de líder natural. Depois de intrometer-se na eleição presidencial argentina, Bolsonaro antagonizou-se com o maior parceiro local porque saiu vitoriosa uma candidatura à esquerda.
Quanto à arruinada Venezuela, a influência americana quase gerou um desastre no começo do ano, quando o governo flertou com a ideia de intervenção contra a ditadura de Nicolás Maduro. O despautério acabou devidamente abortado pela cúpula militar.
De modo semelhante, a pasta da Agricultura conseguiu impedir que fosse levada a cabo outra intenção desastrosa —a prometida mudança da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.
A medida agradaria ao aliado Binyamin Netanyahu e a Trump, mas sobretudo o eleitorado evangélico que encara a consolidação do Estado judeu como um preâmbulo para a volta de Cristo.
O custo de tais benefícios nebulosos seria a indisposição com os países árabes, que veem Jerusalém como capital da Palestina —e são compradores de fatia expressiva de proteína animal brasileira.
O caso, de todo modo, permanece inconcluso. Na abertura do escritório comercial brasileiro na cidade, poucos dias atrás, reiterou-se o intento de mudar a embaixada.
Mesmo o único sucesso incontestável da presente gestão no setor externo —a assinatura em junho do acordo Mercosul-União Europeia— encontra-se sob risco, em particular devido à péssima imagem da política ambiental.
O acerto ainda precisa da ratificação de todos os países envolvidos, e poucos temas são tão sensíveis na Europa quanto a crise climática. Bolsonaro, ademais, expôs-se a esnobar a embaixador francês e insultar a mulher do presidente Emmanuel Macron enquanto ardia a crise dos incêndios da Amazônia.
Também nesse caso, atores mais racionais da área econômica e até do Legislativo intervieram para tentar reconstruir pontes.
Ao menos em relação à China, a vocação errática da política externa proporcionou avanços. Das diatribes de campanha eleitoral, quando o hoje presidente dizia que a ditadura comunista estava “comprando o Brasil”, evoluiu-se para a aposta em alianças comerciais com o gigante asiático.
No giro internacional de outubro, que incluiu China, Japão e nações do Golfo Pérsico, o pragmatismo se impôs, e o país tem se beneficiado da constante presença chinesa em leilões de infraestrutura.
Trata-se de algum alento. Se temos de conviver com o besteirol ideológico dos condutores da área externa, que a interposição da realidade pelas circunstâncias e por agentes externos possa evitar erros maiores e abrir oportunidades.
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UM CONTO DE NATAL

Flávia Boggio, Folha de S.Paulo
O Natal em família já foi difícil para o cidadão comum, com brigas políticas e perguntas como “Cadê o Queiroz?”. “E o Flávio Bolsonaro?”. Imaginem para quem trabalha com política, é amigo do Queiroz e
pai do Flávio, ou seja, o próprio presidente da República? 
Para não aturar tais aborrecimentos, Bolsonaro aproveitou o tombo no banheiro para passar o Natal sozinho em casa, longe da família.
Na noite do dia 24, enquanto comia um miojo natalino temperado com passas, um vento forte abriu as janelas. Surgiu na sala um fantasma de longa barba branca e capuz vermelho. “Eu sou o espírito de Natal”, ele se apresentou. “Vim ajudá-lo a refletir sobre seu governo.”
Para o presidente, seu primeiro ano tinha sido satisfatório. Estava devolvendo ao país os valores conservadores e da família —embora, ultimamente, estivesse de saco cheio da sua.
Com um estalar de dedos, o fantasma projetou na parede imagens de diferentes lugares do país. Mostrou escolas danificadas e faculdades sucateadas. “Seu governo cortou milhões em verba para educação.” O presidente retrucou: “Mas faculdade só promove balbúrdia. Tem que acabar com isso aí”.
O espírito exibiu filas de desempregados e famílias em situação de miséria. “Vossa excelência prega que ações sociais são assistencialismo”, acusou o fantasma. “Chega a alegar que não existe fome no Brasil.” Bolsonaro discordou mais uma vez, dizendo que nunca viu uma pessoa magrinha na rua.
Projetou imagens da Amazônia devastada pelas queimadas, de animais mortos com óleo e indígenas assassinados. “Seu discurso contra o meio ambiente e a favor dos ruralistas contribui para tragédias como essas.” O presidente protestou: “É tudo culpa das ONGs!”.
Se continuar assim, o espírito advertiu, no futuro, vão se lembrar de Bolsonaro como o pior presidente da história do país. “Mas quem traça o seu destino é você. O que vai fazer para mudar isso?”
Bolsonaro refletiu por um tempo em como gostaria de ser lembrado. Mas logo praguejou: “Esse papo de história e destino é coisa de universitário maconhista”. E empurrou o espírito pela janela. “Cai fora do meu Palácio, seu fantasma esquerdopata. Se quisesse ver retrospectiva, ligava na Globo Lixo, taokey?”
Flávia Boggio
Roteirista e autora do núcleo de humor da Globo
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ASSASSINADO A TIROS

Do G1

O prefeito de Ribeirão Bonito (SP), Francisco José Campaner (PSDB), conhecido como Chiquinho Campaner, foi assassinado a tiros na tarde desta quinta-feira (26), segundo informações obtidas pela EPTV, afiliada da TV Globo. Outras duas pessoas foram baleadas.
O crime aconteceu em uma estrada de terra na zona rural, na entrada do município. A motivação e a autoria do crime ainda são desconhecidos.
Campaner, de 57 anos, estava em um carro acompanhado do chefe de gabinete, Edmo Gonçalo Marchetti, e do amigo Ary Santa Rosa, que também foram baleados.
O prefeito morreu no local e a suspeita é que ele tenha sido atingido por quatro tiros. Os feridos foram socorridos para a Santa Casa de São Carlos e o estado de saúde deles é estável, segundo asssessoria do hospital.
lavrador Claudinei Bonani foi o primeiro a chegar ao local do crime. "Vi o prefeito caído, juntamente com o Edmo [chefe de gabinete], pedindo socorro".
Investigação
Segundo a Polícia Civil, o prefeito não tinha registrado boletim de ocorrência relatando algum tipo de ameaça.
O prefeito de Ribeirão Bonito (SP), Francisco José Campaner (PSDB), conhecido como Chiquinho Campaner, foi assassinado a tiros na tarde desta quinta-feira (26), segundo informações obtidas pela EPTV, afiliada da TV Globo. Outras duas pessoas foram baleadas.
O crime aconteceu em uma estrada de terra na zona rural, na entrada do município. A motivação e a autoria do crime ainda são desconhecidos.
Investigação
Segundo a Polícia Civil, o prefeito não tinha registrado boletim de ocorrência relatando algum tipo de ameaça.
A polícia está recebendo informações sobre os autores pelo Disque Denúncia, no 181.
Governador em exercício lamenta morte
Em nota, o governador em exercicío do estado de São Paulo, Rodrigo Garcia (DEM), lamentou a morte do político. Veja a íntegra abaixo:
"É com pesar que recebemos a notícia da morte do prefeito de Ribeirão Bonito, Francisco José Campaner. Todo empenho da polícia nas investigações para apurar as circunstâncias de sua morte e das demais vítimas baleadas e encontrar os autores deste violento crime.
Rodrigo Garcia - governador em exercício do estado de São Paulo."
00:00/06:55
Prefeito de Ribeirão Bonito é assassinado a tiros e outras duas pessoas são baleadas
Trajetória
Natural de Ribeirão Bonito, Chiquinho Campaner foi vereador da cidade em mandatos iniciados em 1982, 1989, 2001 e 2005, sendo presidente da Câmara em 1983, 2005 e 2006.
Na eleição de 2012, concorreu ao cargo de prefeito, mas ficou em terceiro lugar. Se filiou ao PSDB em 2015 e foi eleito chefe do Executivo em 2016, com 3.132 votos (47,96%).
Em setembro deste ano, a Justiça arquivou uma ação civil pública por acusação de improbidade administrativa, pelo possível uso de dinheiro público para propaganda pessoal em uma revista de circulação regional. A Câmara já havia rejeitado o pedido de cassação do prefeito.
Campaner estudou direito na antiga Faculdades Integradas de São Carlos (Fadisc). Ele era solteiro e não tinha filhos.
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quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

O AMARGO PRESENTE DE NATAL

Do Blog do Noblat, VEJA
O amargo presente de Natal que Bolsonaro deu a Sérgio Moro
O presidente Jair Bolsonaro ainda não se recuperou da pancada na cabeça que levou ao cair no banheiro do Palácio da Alvorada. Sancionou a emenda do deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) ao pacote anticrime do ministro Sérgio Moro que criou a figura do juiz das garantias. A oposição ao governo no Congresso comemora.
Pergunta que desde ontem teima em ser feita: a criação da figura do juiz das garantias poderá de um modo ou de outro beneficiar o senador Flávio Bolsonaro, o Zero UM, encrencado com a Justiça desde que o Ministério Público do Rio descobriu que funcionários do seu antigo gabinete de deputado devolviam parte dos salários?
Por duas vezes em um período de menos de 12 horas, Moro registrou sua contrariedade com o ato de Bolsonaro. Da segunda vez foi mais direto:
– Sancionado hoje o projeto anticrime. Não é o projeto dos sonhos, mas contém avanços. Sempre me posicionei contra algumas inserções feitas pela Câmara no texto originário, como o juiz de garantias. Apesar disso, vamos em frente.
Curioso é que a lei 13.964 sancionada por Bolsonaro e que criou a figura do juiz das garantias tenha sido assinada também pelo próprio Moro. Apesar disso, vamos em frente. A lei entrará em vigor dentro de 30 dias. Prazo tão curto é o sinal mais claro de que ela enfrentará problemas para começar a ser respeitada.
De acordo com o texto sancionado por Bolsonaro, doravante um juiz (o tal das garantias) conduzirá a investigação criminal em relação às medidas necessárias para o andamento do caso, cabendo a outro o recebimento da denúncia e a sentença. Jamais haverá outro Moro com os poderes que teve no passado.
Caberá ao Supremo Tribunal Federal a última palavra sobre o presente de Natal dado por Bolsonaro àquele que no início do seu governo foi tratado como um dos dois superministros (o outro era Paulo Guedes, da Economia). O PODEMOS, partido que sonha com a filiação futura de Moro, baterá às portas do tribunal.
Pretende questionar vários pontos da lei. Qual será o impacto orçamentário-financeiro com a criação do juiz das garantias? O legislador poderia criar cargos na estrutura de outro Poder? A Constituição não diz que a iniciativa para a criação de cargos em cada Poder compete justamente ao chefe desse Poder?
Bolsonaro correu ao Facebook para dar explicações tão logo a hashtag Bolsonarotraidor# foi para as alturas no Twitter. “Nem sempre posso dizer não ao Parlamento”, desculpou-se. Outra vez jogou a culpa no Congresso e deixou furiosos os senadores que acreditaram na conversa de que ele vetaria o juiz das garantias.
Foi na Câmara que se acrescentou ao pacote anticrime de Moro a tal figura. Para apressar a aprovação do pacote no Senado, o líder do governo ali, o senador Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE), e o próprio Moro garantiram que Bolsonaro acabaria por vetar ponto tão controverso. Bolsonaro passou-lhes a perna.
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BOLSONARO E A NOVA QUESTÃO RELIGIOSA

Vinicius Torres Freire, Folha de S. Paulo
A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios não podem “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”, diz o artigo 19 da Constituição.
No seu pronunciamento de Natal, em cadeia de rádio e televisão, Jair Bolsonaro (sem partido) disse que acredita em Deus, afirmação em si inócua. Discursou ao lado da mulher, que usava uma camiseta com a inscrição “Jesus”. Michelle Bolsonaro não exerce função pública remunerada, mas preside o Conselho do Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado, o “Pátria Voluntária”, criado por decreto presidencial em julho deste ano e vinculado ao Ministério da Cidadania.
A Carta de 1988 não trata da relação da pessoa do presidente com religiões, nem está explícito se ou quais atos do presidente podem implicar “relações de dependência ou aliança” da União com cultos religiosos e igrejas.
É um problema jurídico difícil resolver se Bolsonaro ou tantos outros chefes e integrantes de Poderes atravessam fronteiras legais nesse assunto. Mas é fácil perceber que o presidente tornou essa divisa ainda mais nebulosa e levou a nova questão religiosa do Brasil a um patamar mais alto.
Uma semana antes do pronunciamento de Natal, Bolsonaro participara de um “Culto de Ação de Graças”, como dizia a agenda presidencial, no Palácio do Planalto. Estariam lá cerca de 600 evangélicos, no dizer de um pastor presente.
“Entendo também que, pelas mãos de vocês, hoje sou o chefe do Executivo” e “É motivo de honra e de orgulho e de satisfação vê-los publicamente aceitando Jesus nesta casa”, discursou então Bolsonaro, entre orações.
“Nesta casa que estava carente da sua [de Deus] palavra. O Brasil mudou”, disse ainda o presidente. No pronunciamento natalino: “O governo mudou. Hoje, temos um presidente que valoriza a família, respeita a vontade do seu povo, honra seus militares e acredita em Deus”.
Nos quatro discursos em cadeia de rádio e TV anteriores, Bolsonaro citara Deus uma vez, em um boa noite. Ao longo do ano e em momentos de crise, fez questão de demonstrar mais proximidade política e religiosa com evangélicos, como agora, em que seu filho Flávio é acusado de crimes graves.
Depois de 1964, a presença da religião nos assuntos políticos foi perdendo força, em parte devido ao declínio da influência política, social e religiosa da Igreja Católica. A tendência se reverteu com a ascensão geral dos evangélicos, em números de fiéis e na política partidária (a Frente Parlamentar Evangélica foi criada em 2003).
Passamos a ter notícias de conflitos públicos entre parte dos evangélicos e católicos (“chutou a santa”) e perseguição renovada dos crentes do candomblé e da umbanda. Até atentados contra humoristas temos. Blasfêmia e horror assustadores, faz mais de década se ouve falar de “traficantes evangélicos”.
Passou a haver uma nova questão religiosa no Brasil, muito além da disputa de fiéis. Envolve partidos, interesse econômico maior, conflito de mídia e, agora, embates pelo controle político da educação e da cultura.
De um modo ou de outro, de maneira inadvertida, demagógica ou manipuladora, levar tal conflito para o centro da vida partidária e para os Poderes é sujeitar o país ao risco de mais um desastre, o do conflito político-religioso, de história e presente funestos e amargamente conhecidos.
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